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Muito possivelmente, tão poderosa como uma crença que permeia pelo mundo
como as crenças na natureza humana é a crença no "livre-arbítrio",
que é simplesmente definida como a capacidade de tomar decisões
livre de restrições, sugerindo que há de alguma forma
uma independência do cérebro em relação a tudo o que nos rodeia
e que o afecta.
Agora, estou ciente de que este é um tema extremamente controverso
já que a existência ou não do livre-arbítrio põe em causa
uma miríade de outras crenças e tradições a que muitas pessoas se apegam
perpassando através de instituições religiosas, políticas e jurídicas
e todo o sistema monetário em si.
Então, vamos debruçar-nos sobre ele. O que sabemos?
Não costumamos atribuir outros fenómenos naturais
como as tempestades, o movimento das placas tectónicas, o crescimento das árvores
ou o movimentos das marés ao livre-arbítrio, independentemente da sua imprevisibilidade,
uma vez que entendemos que resultam de uma cadeia de causas e efeitos,
que obedecem rigorosamente às leis da física.
Deste modo, se os nossos desejos e escolhas são igualmente o resultado de leis naturais,
então a noção de livre-arbítrio deve ser desacreditada.
Se as nossas mentes são meramente cérebros contendo sinais electroquímicos,
como certamente parecem ser aos neurocientistas,
então não temos livre-arbítrio.
Porque é que assumimos que os nossos cérebros estão isentos destas leis naturais?
Provavelmente porque estamos desconfortáveis
sobre não termos realmente o controlo das nossas decisões
por sermos realmente apenas máquinas bioquímicas e sociais.
Há um documentário fascinante da BBC chamado "The Secret you".
A cena final mostra uma experiência fascinante
que procura demonstrar exactamente isso: o que nos parecem ser decisões
ou escolhas livres, são na verdade geridas por processos neuronais
dos quais não estamos conscientes.
O professor Marcus du Sautoy,
que conduz a sequência de eventos no episódio,
está numa missão para encontrar a verdadeira origem das nossas decisões.
É-lhe dito que decida, aleatoriamente, pressionar num dos botões à esquerda ou à direita.
Ao mesmo tempo, ele tem o cérebro monitorizado por um sistema de imagem
para registar a actividade cerebral que levou
à tomada de decisão de pressionar qualquer um dos botões,
e o computador regista quando o botão é pressionado.
Os resultados foram bastante surpreendentes para o professor.
Eles conseguiam determinar com uma antecedência de até 6 segundos a decisão
que ele ia tomar de cada vez,
simplesmente fazendo a leitura do padrão da actividade neuronal do seu cérebro.
Então, isto implica que as nossas decisões conscientes
são coisas secundárias à nossa actividade cerebral actual.
Verdadeiramente fascinante. Esta experiência foi realizada
dezenas de vezes e os resultados são sempre os mesmos.
Para reiterar, a experiência revela que há um mecanismo determinista
que leva até à tua decisão num momento posterior, isso é inevitável.
Só pode seguir esse caminho.
A maior parte do tempo, cometemos o erro
de atribuir um determinado comportamento ao livre-arbítrio,
simplesmente porque ignoramos a origem do comportamento.
Quanto mais entendemos sobre as fontes do comportamento, incluindo tropismos vegetais e animais,
menos tendemos a atribuí-la ao livre-arbítrio ou instinto,
que é outra palavra sem significado
que não dá nenhuma informação sobre a origem do comportamento.
O trabalho de Jacques Loeb, como mencionei, é maravilhoso de ver quanto a estas questões,
especificamente o seu livro "The Mechanistic Conception of Life",
que ainda mantém muito valor mesmo após todos estes anos.
Todo o trabalho de Loeb com a palavra "instinto" acabou por ser deitado fora,
e ele disse que há certos padrões de comportamento
que ainda não fomos capazes de decifrar. Vamos então caçá-los.
Vamos tentar encontrar os mecanismos que geram o comportamento.
O livre-arbítrio é semelhante aos argumentos do tipo "deus das lacunas".
Não se pode espremer o "livre-arbítrio" para dentro de quaisquer lacunas
que temos no nosso conhecimento apenas porque o queremos lá.
Resumindo,
os circuitos de tomada de decisão do teu cérebro,
nos teus lobos frontais, controlam as tuas escolhas.
Quando escolhes entre uma papaia ou uma banana,
os padrões de actividade neural que representam estas duas possibilidades
aparecem no teu córtex pré-frontal.
Cópias de cada padrão crescem e espalham-se em ritmos diferentes
dependendo das tuas experiências passadas e impressões sensoriais.
Eventualmente, o número de cópias de um padrão passa um limiar,
e escolhes a papaia ou a banana ou compras o Honda ou o Toyota,
ou viajas para Paris ou Barcelona.
Tenho andado por um outro livro chamado "The Myth of Free Will",
compilado pelo Cris Evatt, que é um livro de compilações de cerca de 50 académicos
em muitas áreas da ciência, dando a sua opinião sobre a questão.
Um ponto importante referido ao longo do livro é que
as pessoas parecem rejeitar intelectualmente a ideia do livre-arbítrio,
ainda que vivam as suas vidas como se ele existisse,
no sentido de que enquanto logicamente entendemos que é uma ideia não científica,
ainda não fomos capazes de incorporar isto no nosso sistema de valores,
o que me traz de volta uma vez mais à ideia dos valores sustentáveis.
Se tivessemos realmente de entender e adoptar a realidade do mito
do livre-arbítrio, haveria imensas implicações para a sociedade:
não só na forma como nos percebemos a nós mesmos e aos nossos semelhantes
mas na própria estrutura da sociedade,
que mais uma vez sugeriria a necessidade absoluta
de uma reforma radical no sentido de uma Economia Baseada em Recursos.
Assim, as implicações seriam as seguintes:
Já não podemos culpar ou ficar justificadamente zangados com as pessoas
uma vez que elas são apenas um produto de todas as forças ambientais
a que têm sido expostas, combinadas com a sua biologia.
Devemos reformar totalmente a forma como tratamos o comportamento aberrante.
À parte do poderoso argumento sobre a necessidade de reforma do sistema prisional,
por pessoas como o Dr. James Gilligan,
os sistemas legal e prisional operam com o pressuposto
de que os "criminosos" são individualmente responsáveis pelos seus actos,
e que é a pessoa que deve ser punida,
em vez de ter de ser o ambiente em que foram criados a ser radicalmente alterado.
Mais importante ainda, esta compreensão invalida muitas premissas
sobre as quais se baseia o sistema monetário do mercado:
tais como, as pessoas que trabalham mais merecem mais frutos
pela sua suposta contribuição para a sociedade
ignorando, claro, a irrelevância da maioria dos trabalhos.
Os esforços das pessoas só podem ser tão bons quanto o seu ambiente lhes permitir agir,
então, porquê premiar algo que não conseguem evitar?
Algumas pessoas recebem mais e outras recebem menos,
não por causa de qualquer qualidade dignificante ou merecedora,
mas porque as pessoas tinham ambientes desiguais
que garantiam a algumas pessoas a capacidade de ter sucesso no sistema de mercado
e a outras não, é tão simples quanto isso;