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Hoje, vou falar dos seus filhos.
Eu queria, para começar, que você se lembrasse da sua infância.
Vou pedir para você fechar os olhos alguns segundinhos
e pensar no seu prato preferido,
no seu bolo preferido na infância.
Agora, podem abrir os olhos.
Foi rápido!
(Risos)
Mas tomara que tenha sido uma boa lembrança,
uma lembrança de felicidade,
de comer alguma coisa que você adora.
A minha pergunta é:
será que os nossos filhos de hoje
vão ter essas lembranças quando forem adultos?
Eu queria...
Na verdade, eu quero
que vocês esqueçam tudo o que sabem sobre nutrição.
Por favor.
Eu vou contar novidades
que ainda não chegaram aos manuais de nutrição na faculdade,
nem de medicina.
E essas novidades
mudaram totalmente o meu jeito de enxergar a nutrição.
E, por isso, eu achei importante,
porque nós estamos indo no caminho errado.
E eu saí da pesquisa para virar uma ativista.
Pouquinho mais de 20 anos atrás,
eu me mudei para Nova Iorque.
Eu era recém-casada,
recém-formada em engenharia do alimento,
e me assustei
porque lá havia uma guerra!
Havia uma guerra contra a gordura.
Tudo era “low fat", "no fat", "no cholesterol”!
Até na água com gás
vinha escrito “No cholesterol!”
(Risos)
Eu me assustei e também me questionei:
“Será que eu, francesa,
comendo 'camembert',
comendo 'foie gras',
estou fazendo tudo errado?”
E também: “Será que os meus bisavós,
quase centenários,
também estavam fazendo tudo errado?”
Eu não segui essa guerra contra a gordura.
Primeiro porque eu gosto de comer
e aqueles alimentos sem gordura tinham gosto de papelão.
A indústria ainda não sabia como lidar com esse “sem gordura”.
E também eu não queria abrir mão
da minha manteiga da manhã, no meu pão,
que é uma delícia, que é sagrada,
apesar do suposto perigo.
Porque me questionei!
"Nossa! É perigoso, mas importante para mim!"
(Risos)
Eu morei 10 anos nos Estados Unidos.
Tive meus quatro filhos lá
e depois me mudei para o Brasil.
Eu percebi que a maioria tinha um mal-estar com a comida,
que comer não era uma coisa simples, tranquila,
mas sim um questionamento com muitas informações.
Eu resolvi voltar a estudar.
A minha questão era: como é comer perfeitamente?
Eu estudei nutrição na França.
Estudei no Brasil.
Eu li muitos livros e artigos científicos.
Eu estudei metabolismo com os melhores endocrinologistas,
fazendo o meu doutorado aqui na USP,
especializada em obesidade infantil e genética.
Mas vi muitas dificuldades nessas crianças para perder peso
e, com a maior vontade do mundo, eles não conseguiam.
Aí, eu me questionei sobre o comportamento.
Continuei pesquisando
e fui me especializar em transtorno alimentar, na psiquiatria,
com os melhores psiquiatras, psicólogos
e nutricionistas do país.
Agora, estou estudando neurociência do comer.
Peraí!
Vocês estão seguindo?
O paradoxo de hoje
é que nunca se falou tanto de nutrição,
nunca se falou tanto de dieta,
e também nunca houve tanto problema de peso
e tanto mal-estar com a comida.
Então, vamos lá tentar
questionar nossos conhecimentos
e ser humildes e rever os nossos conceitos.
A nutrição virou um “nutricionismo”,
que se aparenta ao terrorismo.
Não existem alimentos que, por si sós, vão emagrecer,
ou vão engordar, ou vão curar o câncer.
Não existem alimentos bons ou alimentos ruins.
Eu cheguei a conclusão de que não existe “comer perfeito”.
Comer bem é comer de tudo,
sem culpa, sem restrição, com prazer,
escutando suas emoções e fome.
Então, toda essa informação a que eu cheguei depois de tantos anos,
vou explicar como cheguei lá.
Na verdade, 20 minutos não dão para explicar tantos anos!
Mas eu resolvi explicar
as duas maiores novidades que me tocaram.
A primeira é a ciência da nutrigenômica,
que é uma ciência nova
e que é a ciência de como os alimentos estão conversando com os seus genes.
Nosso DNA é único.
Ele é estável.
Ele é fixo,
mas ele vai se expressar de maneira diferente,
dependendo do estilo de vida e do meio ambiente em que você vive.
Então, nosso DNA não é nosso destino.
Existem estudos que mostram que adolescentes
com uma forte predisposição à obesidade,
mas tendo um estilo de vida saudável,
não entraram na obesidade.
Então, isso questionou muito essas informações de genética,
de ter um destino de obesidade de qualquer jeito,
porque papai e mamãe estão obesos.
E realmente, nesse sentido, a nutrigenômica
mostrou o poder do alimento verdadeiro.
Esse poder do alimento que vai conversar com os seus genes
e Hipocrates, mais de 2.000 anos atrás,
falou: “Que o seu remédio seja o seu alimento,
que o alimento seja o seu remédio.”
Essas novidades são questionáveis, assim:
mas o que é “comer verdadeiro”?
“Comer verdadeiro”, para simplificar,
é comer do jeito que a sua avó comia.
Ou sua bisavó. Depende da idade.
Hoje estamos correndo, estamos comendo sozinhos,
estamos comendo produtos altamente processados.
E essa mudança é muito recente,
é muito importante.
Então, comer alimentos verdadeiros...
Todas essas informações mostram
que a gente está procurando pensar no alimento como uma caloria.
Mas caloria não quer dizer qualidade.
Por exemplo, vou dar o exemplo de um refrigerante
e de um prato de salada com cenoura ralada e tomate.
Os dois têm mais ou menos 150 calorias.
Você acha que eles conversam com o seu corpo da mesma maneira?
Claro que não!
A salada, a cenoura e o tomate vão trazer
milhares de compostos bioativos que vão conversar com os seus genes.
O refrigerante vai trazer açúcar.
Uma bomba no seu corpo!
Então, essas informações fazem com que, no meu consultório,
eu não incentive a usar calorias.
Eu incentivo a aumentar a qualidade do alimento que você está comendo
e a sentir as suas sensações, emoções
e a fome, saciedade, vontade de comer.
E os meus pacientes emagrecem.
A segunda grande descoberta, que achei bárbara,
é que é o nosso cérebro que está controlando tudo.
Não é nosso estômago. É nosso cérebro.
O cérebro, ele não controla só as emoções.
Ele controla a nossa fome.
Ele controla quando a gente para de comer.
Ele controla o nosso peso.
Ele é o maestro do nosso corpo.
E, durante toda a nossa evolução,
quem sobrevivia era quem tinha gordura.
Então, até hoje, o nosso cérebro associa gordura a proteção,
como proteção contra o meio ambiente difícil.
Pode ser um meio ambiente estressante por causa de problemas psicológicos,
mas também cirurgia ou medicamentos,
mas também o estresse de não comer adequadamente,
seja em qualidade ou em quantidade.
Nós precisamos nutrir bem o nosso corpo e o nosso cérebro
e a gordura natural é superimportante.
O nosso cérebro é principalmente feito de gordura.
Então, a indústria teve que diminuir a gordura.
Mas, para dar gosto a um alimento sem gordura, você faz o quê?
Você coloca açúcar.
Aí, eles tiveram que colocar uma quantidade grande de açúcar.
E a gente gostou. Por quê?
Porque o nosso cérebro adora açúcar.
Açúcar toca no receptor da recompensa,
o mesmo receptor da cocaína.
Essa é uma notícia muito interessante e bem recente.
Então, ao comer muito açúcar,
realmente você vai, aos poucos, comer mais,
porque você tem uma recompensa menor.
Quanto mais você comer, mais você vai precisar.
É uma dinámica viciante.
Mas será que o açúcar é uma droga? Questão.
Aí, há controvérsia.
Há alguns extremistas – desculpem – que estão falando que sim.
Eu não. Eu acho que é um alimento.
Mas é um alimento viciante.
Então, a gente tem que ter cuidado com o que a gente está comendo.
Essas informações trouxeram
muito movimento à ciência da nutrição.
Mas um dos maiores estresses do cérebro: adivinhe o que é?
Fazer dieta restritiva. Sim, senhora!
A dieta restritiva é uma dieta em que, ou você tira grupos alimentares,
ou diminui a quantidade, e fica com fome.
Esse estresse para o cérebro é um estresse muito importante
e vai trazer uma adaptação que, na verdade,
é uma mudança da expressão dos genes no cérebro.
O cérebro vai se adaptar e vai fazer tudo para aumentar o seu apetite,
para você ficar mais obcecado por alimentos,
para procurar mais alimentos.
É por isso que 95% das dietas restritivas não funcionam.
Funcionam no curto prazo porque, claro, é um estresse enorme,
mas, depois, o corpo faz de tudo para aumentar a fome.
Então, cuidado com os nossos jovens que estão em crescimento!
Para eles, o estresse é maior ainda.
No Hospital das Clínicas, no Transtorno Alimentar,
quase todos os pacientes desenvolveram sua doença fazendo dieta restritiva.
Outro fator interessante.
A questão é: será que fazer dieta engorda?
Uma pesquisa muito interessante, de 2011, mostrou que sim.
Como eles fizeram?
Porque é sempre assim: “Você tem uma genética de ser magra.
Eu tenho uma genética de ser gorda.”
Eles pegaram gêmeos homozigotos. Quero dizer, monozigotos
ou seja, exatamente com a mesma genética.
E fizeram uma pergunta só:
“Você fez dieta e quantas dietas?”
Aí, compararam os gêmeos.
O interessante é que o gêmeo que fez dieta era mais gordo.
E quanto mais dieta, mais gordo ainda era.
Até que o autor finalmente concluiu:
“A dieta restritiva é provavelmente um fator da epidemia da obesidade.”
Então, não faça dieta!
É por isso que estou aqui hoje!
(Risos)
Mas não acabei ainda!
Agora, eu quero que vocês se lembrem da primeira experiência
que vocês tiveram agora sobre sua infância,
e que pensem nos nossos filhos, os seus filhos.
E pensar como é difícil hoje para uma criança se nutrir,
porque ela está escutando um monte de informações contraditórias.
Também, quase todas as casas
têm uma pessoa em dieta, uma pessoa que se acha gorda,
uma pessoa que está fazendo tratamento.
Então, a informação é muito estressante.
É muito difícil entender como funciona.
Eu gostaria de contar o exemplo de um menino com sobrepeso
que chegou no meu consultório.
E os pais, muito preocupados, claro,
não queriam esse menino ganhando peso
e estavam fazendo tudo perfeito.
Falaram para mim: “Sophie, a gente está dando uma dieta perfeita.
Ele come legumes. Ele come frango grelhado.
Nada de gordura, nada de bolo.”
Escutei: “Nada de prazer.”
Aí, esse menino estava passando por muito estresse,
devido à separação dos pais.
Eu sentei com ele e perguntei:
“Hoje, no almoço, o que você comeu?”
Ele olhou para mim e falou:
“Proteína e carboidrato.”
(Risos)
10 anos!
Não sei o que vocês acham, mas fiquei chocada e triste.
Esse menino não aproveitava a comida. Ele a analisava.
Depois disso, claro, eu entrei na emoção, na conversa.
Perguntei: “Mas o que você gosta de comer?”
Aí, ele se animou. “Qual é sua alimentação preferida?”
Os pais se assustaram,
porque na minha receita não havia dieta restritiva.
Havia um bolo de fubá para o lanche da tarde.
Eu tive sorte que esses pais me seguiram!
(Risos)
Mas esse menino não comia o bolo preferido dele havia um ano!
Esse menino, quando trabalhei com ele no consultório,
eu só falei emoções, e o que ajudou mais foi quando falei:
“Quando você estiver triste, não precisa comer. Pode chorar.”
Esse menino emagreceu.
Então, cuidado com o que estamos fazendo com as nossas crianças.
Com medo dessa epidemia de obesidade,
às vezes a gente faz o contrário,
mas isso não é necessariamente uma atitude boa.
E cuidado também com esse nutricionismo,
sem glúten, sem lactose, sem glicose,
sem carboidrato. "Sem, sem, sem..."
Se para um adulto já é estressante,
imagina para uma criança, que não tem referências!
Porque essas crianças nunca tiveram um momento relaxado com a comida.
Então, é importante também ver
que eu encontro várias crianças que têm medo de ter fome,
medo de engordar, medo de ter fome.
E, para mim, a fome é natural. É saudável.
Lembro-me dos meus filhos, quando cresciam,
e que me falavam assim: “Mãe estou com fome!”
Eu sempre falava assim: “Que bom! Você está com saúde!”
Resolvido! E aí você cuida da criança.
Então, como você cuida da criança?
Você coloca rotinas.
Você alimenta o seu filho com alimentos de qualidade,
mas sem terrorismo e respeitando a fome dela.
Porque criança nasce com uma fome equilibrada,
com uma fome regulada
e a gente tem que deixá-la ser a dona da sua fome.
Sem terrorismo.
Eu acho que a comida deveria ser celebrada,
e não apresentada como potencial perigo.
Agora, vou entrar no assunto do prazer de comer.
Eu sempre ouço essa pergunta:
“Mas como os franceses fazem para estar magros?”
“Qual é o segredo das crianças francesas, que comem de tudo?”
Na verdade, se precisar resumir em uma palavra,
vou falar “prazer”.
A refeição gastronômica francesa
entrou para o Patrimônio Mundial da Humanidade
pela Unesco, em 2010.
Mas não foram receitas "bam bam bam", chiques.
Não. Foi o hábito francês de se sentar à mesa,
de compartilhar alimentos,
de aproveitar a comida, de celebrar a comida,
e de respeitar a fome e saciedade de todo mundo,
sem terrorismo, sem retirar a gordura,
sem ter medo do açúcar.
Então, vamos pensar nisso hoje
e vamos tentar evitar e proteger os nossos filhos
dessa vida, muito difícil, de lutar contra a balança,
de estar sempre em guerra contra a comida.
E vamos ensiná-los a celebrar a vida,
a celebrar a comida,
e a ter confiança no corpo deles,
para poder fazer outras coisas além de só analisar proteína e carboidrato.
Então, vamos celebrar a comida
e “Bon appé***!”
(Aplausos)