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O Mundo Segundo John Coltrane
Depois de tocar tantos anos com tanta gente diferente,
com músicos do Rock'n Roll, "rhythm and blues" e jazz,
este homem pensou que poderia ser ainda melhor do que tinha sido.
Coltrane criou um mundo de som, que influenciou não só o jazz ...
mas também a música clássica contemporânea, o pop, rock e funk.
Ele mergulhou em várias culturas de nosso planeta,
especialmente a asiática, a africana e a do Oriente Médio,
e introduziu essas tradições na música ocidental.
Uma pesquisa inexorável impulsionada por sua curiosidade incansável.
John e sua esposa não estavam apenas interessados em mim.
Também queriam saber sobre meus pais.
Logo eu descobri que o pai John era um pastor.
Ele era muito espiritual. Se importava com a casa e a família.
Era muito unido a sua mãe.
Seu pai morreu quando ele era muito pequeno.
Portanto, cresceu com uma forte influência materna.
Ela tinha crenças religiosas muito fortes.
E tratou de incutir-lhe esses princípios espirituais.
Ele a respeitava muito.
E esses foram os princípios que nortearam sua vida:
os valores que sua mãe lhe ensinou.
John Coltrane nasceu na Carolina do Norte em 23 de setembro de 1926.
Os sons que escutou na igreja dos negros quando era criança,
deixaram uma marca indelével na música de Coltrane,
assim como a espiritualidade de seus pais influenciou seu caráter.
A sobreposição de vozes e a livre expressão emocional...
foram os parâmetros da música de Coltrane.
Depois de se mudar para a Filadélfia com sua mãe,
Coltrane começou a tocar sax alto.
Começou a estudar música em um conservatório
e se formou em clarinete, saxofone e composição.
Quando ingressou na Marinha no final da Segunda Guerra Mundial,
já se sentia atraído pelo jazz moderno.
Ele mostrou suas habilidades no jazz e fez sua estreia profissional em 1945.
Eu conheci John Coltrane em 1947, quando deixou a Marinha.
Você tinha que ganhar a vida e ele tocava o que fosse necessário.
Coltrane aprendeu outra língua musical, igualmente apaixonado.
Relacionado com a Igreja e seu par secular, o blues.
O "rhythm and blues", onde preponderava o som do saxofone.
Suas primeiras experiências musicais foram na igreja ...
Nas noites de sábado, em clubes e bares.
Coltrane tocava nessas bandas para viajar e ganhar dinheiro.
Quando você toca nessas bandas e os saxofonistas famosos...
fazem todo aquele barulho, você aprende a fazer isso...
para satisfazer o público.
No final dos anos 40, a música de Dizzy Gillespie,
Charlie Parker e Thelonious Monk serviu de inspiração...
para uma nova geração de músicos.
Coltrane rapidamente adotou a nova linguagem musical chamada Bebop.
Estudava, praticava e tocava em público sempre que podia.
No início dos anos 50, tocou com Gillespie...
e outros inovadores do Bebop em diferentes bandas de Rythm & Blues.
Mas sua forma de tocar já se desviava da norma.
Ele tinha um estilo muito pessoal.
Soava parecido com Charlie Parker no sax alto,
mas não tocava as melodias de Parker como faziam os outros na época.
Para mim, seu estilo era semelhante ao de Charlie Parker.
Tocava o saxofone como se não fosse um saxofone.
Fazia "looping" como faziam os pianistas e os violinistas.
Tinha uma grande facilidade.
Mas para conseguir foram necessárias horas e horas de prática.
É um esforço muscular, físico.
Era uma pessoa que enfrentava os seus problemas.
Quando a maioria se contentaria com o que havia aprendido.
Se alguma coisa o estava incomodando, Coltrane se concentrava nesse problema...
até que fosse resolvido.
Queria aprender o máximo possível.
Era uma pessoa muito curiosa.
Nós íamos à biblioteca da Filadélfia ouvir Stravinsky...
e música clássica ocidental.
Colocávamos os fones de ouvido e ouvíamos.
Despertava-nos a curiosidade ao ouvirmos Charlie Parker tocando "Firebird Suite".
Ele agregava em seus solos elementos da música clássica ocidental.
Dizzie e todos os músicos do Bebop levavam a harmonia mais a serio...
que seus predecessores.
Entre 55 e 59, Coltrane tocou na inovadora banda...
do trompetista Miles Davis.
Ele também encontrava tempo para tocar com Thelonius Monk.
E, simultaneamente, preparava seus próprios discos.
John uma vez me chamou...
e perguntou se eu queria tocar no Birdland com ele
por um período. Nas segundas-feiras à noite no Birdland.
É claro que eu disse que sim e ensaiamos em sua casa.
Estavam Freddie Hubbard, Cedar Walton, eu...
Na verdade, havia dois pianistas.
Cedar Walton e Tommy Flanagan.
E um baixista que morreu, George Tucker.
Quem era o baterista?
Sim, Elvin Jones.
Ele tocou uma porção de canções conosco.
Eles eram dois, se revezavam.
Esse era o núcleo da seção rítmica.
A seção rítmica que Coltrane queria.
Eu vivia na Rua 101 e ele na 103.
Ele vinha me buscar.
O que fazia era algo especial.
E eu não tinha problemas em tocar com essas mudanças.
E eu não tinha problemas em tocar com essas mudanças.
Durante este período, desenvolveu uma técnica surpreendente.
E um método de composição e improvisação que incluía...
acordes que mudavam rapidamente, com extensões complexas ...
sobre cada uma das notas do mesmo.
Isso foi destacado em seu álbum "Giant Steps".
Algo muito complexo, mesmo para os músicos.
Não eram progressões esperadas, nem lógicas.
Bem, eram lógicas para ele.
Era algo muito diferente para a época.
Era algo que você necessitava memorizar
até se sentir confortável.
Eu gostei muito.
Isso foi muito comentado naquele tempo.
Foi um marco para John e para mim também, com o tempo.
Ao mesmo tempo a banda de Davis apresentava composições...
de estruturas mais abertas.
Escalas que avançavam ao critério do solista.
Ou simplesmente dois acordes alternados como em "So What".
Coltrane inspirava Miles e por sua vez era inspirado por Miles.
Disse que tinha aprendido mais com Miles ou a partir de Miles...
enquanto esteve em sua banda, do que com qualquer outro.
Não esteve o suficiente com Monk para poder improvisar com ele ao piano.
Fazia solos extensos com Miles.
Começou a fazer esses solos quando esteve com Miles.
As melodias de Monk eram muito complexas e difíceis de tocar.
Foi uma façanha tocar "Trinkle ***".
Ou uma dessas melodias que tocava com Monk.
Eu acho que ele cresceu muito quando estava com Miles Davis,
quando tocava as canções com essa estrutura tão particular.
Surgiu o nome de Elvin Jones
e John quis conhecê-lo a todo custo.
Eu sabia que isso ocasionaria uma mudança radical nos músicos.
Quando um músico faz um movimento desse tipo,
Quando um músico faz um movimento desse tipo,
afeta os outros membros da banda.
Em 1960, Coltrane saiu da banda de Miles...
e formou seu próprio quarteto para seguir explorando novos caminhos.
Adotou uma direção mais liberal e mostrou uma forte influência hindu.
Transformou "My favorite things", um dos temas de "A Noviça Rebelde",
em um ritmo hipnótico.
A canção se tornou um hit e uma das mais pedidas de Coltrane.
Isso lhe trouxe grande aceitação do público.
Os jovens músicos eram mais ousados.
Eles tinham laços do ponto de vista harmônico.
Eram mais livres.
E ele escolheu tomar essa direção.
Quando eu via Coltrane, estava sempre tocando.
Tocava no camarim, antes de entrar no palco.
Parecia que havia uma lareira no camarim.
Porque quando saía, estava todo suado.
E no camarim fazia do mesmo jeito que em frente ao público.
Não parava de tocar.
Já estava suando antes de subir ao palco.
Não sei de onde ele conseguia tanta energia.
Era incansável.
Sempre se exigia mais musicalmente.
Tentando aproveitar ao máximo da situação.
Sua música exerceu uma grande influência na minha vida e na minha carreira.
Você sempre ouve os músicos tocarem algum de seus temas.
Eu podia ouvir Coltrane meia hora sem parar.
Ouvia falar dele através de amigos músicos.
Sempre falavam bem de sua música.
Uma vez escutei um disco dele.
E recordo que quando o escutava, sentia algo mais além...
do reino da música.
Foi uma sensação que ultrapassava a experiência musical.
Como uma experiência onírica.
Quase todos os músicos sérios interessados em improvisação...
prestavam atenção em Coltrane.
Era um desses gênios...
que imediatamente podia se projetar.
E o interessante disso é que se projetava ao mundo...
sem nenhum sentido comercial.
O quarteto de Coltrane rapidamente colocou-se na dianteira do jazz.
Mas Coltrane não era desses músicos que se conforma com uma fórmula.
Estava especialmente interessado em fornecer uma nova maneira...
aos jovens músicos, que recebiam calorosamente...
o espírito livre de sua música.
O primeiro foi Eric Dolphy, que se apresentou várias vezes...
com o quarteto de Coltrane entre 1960 e 1961.
A opinião dos críticos às mudanças musicais propostas por John...
no início até a metade da década de 60 estava dividida.
Mas à medida que crescia a controvérsia, também crescia o público de Coltrane.
Sua música também influenciava uma nova geração...
de compositores clássicos norte-americanos, então conhecida como "Os Minimalistas",
que incluía Terry Riley e Philip Glass.
O criador deste movimento foi La Monte Young.
John Coltrane utilizava elementos do minimalismo em suas peças.
Determinava um certo número de tons e os permutava em forma matemática.
Era como o que Lester Young fazia no blues.
Mas era um processo mais refinado.
Pela sua exposição à música clássica hindu e outras tradições orientais.
Nota-se a relação com sua herança do blues, mas com maior requinte.
Coltrane buscou inspiração nas culturas africanas e orientais.
A música para ele era um meio para instruir-se, não um fim em si mesmo.
Seu interesse em expandir os horizontes musicais se converteu...
em um processo de crescimento espiritual.
A composição e execução eram exploração da alma e do espírito...
que empreendia com seu público.
Eles eram participantes ativos, não testemunhas passivas.
Sua amizade com Ravi Shankar, que tinha começado no final dos 50 ...
em sessões informais de improvisação, tornou-se um processo de aprendizagem...
sobre a ciência antiga dos sons, cuja estrutura musical indicava...
estados de consciência específicos.
Uma das coisas mais importantes da música moderna é que envolve...
um conjunto de relações de frequências, que se repetem uma e outra vez.
Devido à ênfase que tem a entonação na música clássica hindu,
essas relações de frequência estão exatamente no mesmo lugar.
Cada frequência cai no mesmo lugar.
E isso cria uma série de esquemas no sistema nervoso do ouvinte.
Isso provoca um estado psicológico.
Se acreditamos que o universo está composto por vibrações,
entendemos que o estudo dos sons, que é a forma mais concreta...
de vibrações que o mecanismo humano pode assimilar,
pode ser o começo para entender a estrutura do universo.
Em meados dos anos 60, sua música com traços orientais e solos extensos,
não influenciava só o jazz e a música clássica contemporânea,
como também estava transformando o rock.
Algo que ficou demonstrado com o sucesso dos anos 60...
"Eight miles high" do The Byrds.
O crescimento espiritual que teve, refletiu-se em sua música.
O álbum "Om" foi o início, como começa todo mantra.
E de "Love Supreme" em diante, notava-se uma progressão.
Havia um maior crescimento e desenvolvimento espiritual.
O jazz refletiu os fatos dos anos 60 de maneira diferente.
Não militarmente, mas espiritualmente.
Por exemplo, nos seus discos, notava-se que sua música implorava:
"Peace on Earth" (Paz na Terra), "Dear Lord" (Meu Senhor).
Essa era a sua inspiração.
Algo que também se percebe em "Alabama".
A música de Coltrane era muito espiritual.
Representava algo mais duradouro, se pensarmos em termos de música.
Era algo diferente do que eu estava acostumado a ouvir.
A ideia era executar frases e acordes sobre uma determinada peça.
Sua música chamava à meditação.
Você se atraía por ela e, uma vez dentro, se elevava com ele.
Fundia vários sons por vez e alcançava uma ideia completa.
Não me causa estranheza porque era o que via acontecendo...
nas igrejas, quando pequeno.
É o mesmo tipo de energia que se encontra nas igrejas.
As pessoas entram em transe, esse tipo de coisa.
Era possível através dos sons alcançar a Verdade.
Para mim, essa é a essência da sua pesquisa.
A descoberta, a experimentação e a exploração.
No começo eu estava influenciado por sua música, apenas sua música.
Mas depois vi que era realmente maior.
Era algo incrível. Sempre estava experimentando coisas novas.
Sempre buscava superar-se.
Mas como poderia fazer algo melhor do que já havia feito?
Sentia que o que acabava de fazer, convertia-se em obsoleto.
Ele tinha essa mentalidade.
Em 1966, a intensidade da música de Coltrane havia aumentado.
Seu desejo de um estilo mais livre e um som mais intenso...
originou mudanças radicais na banda de Coltrane.
Agora, Alice Coltrane estava no piano, Rashied Ali na bateria...
e o saxofone de Pharoah Sanders deu um toque distintivo.
Apenas o baixista Jimmy Garrison permaneceu do quarteto original.
Este grupo deu à banda de Coltrane seu período de maior esplendor.
Quando ele se tornou um músico de vanguarda, perdeu seguidores.
Eles não gostavam, não aprovavam, não apreciavam.
Mas já não havia como voltar atrás.
Escutava vários estilos de música diferentes que não podia dizer...
qual era sua preferida ou sua grande fonte de inspiração.
Escutava música hindu, oriental, de templos budistas.
Música japonesa.
O "shakahashi" e outros instrumentos muito bonitos.
Escutava música de tipo espiritual. Música de culto.
Música africana e até música brasileira.
Ele dizia que queria investigar todos os tipos de música do mundo.
Porque sabia que cada uma tinha algo a contribuir.
Que cada uma tinha um atributo em particular, e ele queria conhecer.
Coltrane sonhava em fazer uma turnê para lugares remotos do planeta.
Tocar com músicos locais, especialmente aqueles considerados...
maestros espirituais.
Esse sonho nunca se concretizou.
Mas em uma viagem ao Marrocos, Roscoe Mitchell,
um saxofonista que tocava com Coltrane em sua juventude,
tocou com músicos de uma irmandade religiosa...
e assim conseguiu combinar seu estilo e ideias próprias...
com a música inconfundível e a intensidade espiritual de Coltrane.
Fui seguindo de perto as mudanças de Coltrane no que diz respeito...
a um estilo musical mais livre.
As coisas foram fluindo naturalmente.
Ao longo da carreira de Coltrane foram ocorrendo várias mudanças.
Isso foi muito útil para mim nesses momentos.
John Coltrane morreu em 17 de julho de 1967.
Mas a sua música continua pulsando neste mundo.
Um mundo de sons feitos à medida de John Coltrane.