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Qual o motivo de alguns animais se mostrarem com ousados padrões
ou cores deslumbrantes?
Tenho tido a sorte
de conhecer alguns dos animais mais encantadores do planeta,
mas há uns que eu considero particularmente intrigantes.
Alguns deles, já conhecemos há séculos,
outros, descobrimo-los mais recentemente.
Nesta série, partilho as suas histórias
e revelo o porquê de serem verdadeiras curiosidades da Natureza.
CURIOSIDADES DA NATUREZA com David Attenborough
O mundo natural está repleto de cores e padrões.
Para muitos de nós, há animais que são simplesmente belos,
por vezes tão belos que se tornam colecionáveis.
Mas que papel têm as cores e os padrões
nas vidas dos animais que os exibem?
Ver O Padrão
A zebra tem riscas como nenhum outro mamífero.
Quando se tornaram conhecidas fora de África, no séc. XVIII,
eram animais de estimação muito apreciados em coleções
da nobreza e da realeza.
Mas apesar de fascinarem o público, desconcertavam os cientistas.
Para que serviriam estas extraordinárias riscas?
Bem, as respostas que têm sido sugeridas ao longo dos séculos
têm sido impressionantes.
Para começar, sabia-se apenas que as zebras viviam em manadas
nas vastas planícies de África.
Mas à medida que foram ficando mais conhecidas na Europa,
começámos a aprender mais.
Uma zebra em particular virou celebridade na Inglaterra jorgiana,
ao ponto de ter sido pintada pelo famoso pintor de corridas de cavalos,
George Stubbs. Esta é uma cópia dessa pintura.
Foi um presente de casamento tardio para a rainha Carlota,
do seu marido, o rei Jorge III,
e chegou a viver nos terrenos da Casa Buckingham,
como era então conhecido o Palácio de Buckingham.
A rainha Carlota era uma colecionadora apaixonada de animais exóticos,
e a zebra tornou-se rapidamente no animal mais famoso da sua coleção,
atraindo inúmeros visitantes.
A Londres jorgiana habituava-se a ver criaturas bizarras e exóticas,
vindas do Império Britânico em expansão,
mas o estranho cavalo listrado era particularmente intrigante.
Os primeiros colecionadores de zebras, ao tentarem domá-las,
pensaram numa possível razão para as suas riscas.
A rainha Carlota não foi a única europeia fanática por zebras.
Este cavalheiro também o era, lorde Clive da Índia,
o oficial do Exército que instalou ali as posições britânicas no séc. XVIII.
Tinha duas, um macho e uma fêmea,
e queria tanto tentar obter uma zebra domesticada,
que tentou acasalar a fêmea com um burro.
E para tornar o burro mais atrativo para a fêmea,
acreditem ou não, pintou-o com riscas.
E a experiência foi um sucesso.
A zebra deu à luz um potro.
Como mostra este antigo filme,
as crias de tais uniões eram parcialmente listadas,
e por vezes, também eram férteis.
O sucesso de lorde Clive em produzir uma, poderia sugerir
que as riscas são realmente importantes em atrair parceiras.
Charles Darwin partiu dessa ideia.
Reparou que cada zebra tinha o seu próprio padrão
e sugeriu que as riscas
eram uma forma de os indivíduos se reconhecerem durante a corte.
Porém, ocasionalmente, surgia uma zebra com um padrão tão estranho
que desafiava essa explicação.
Em 1968, surgiu na imprensa a imagem de uma zebra muito estranha.
É justo dizer que este animal é pontilhado, em vez de listrado,
e isso poderá ajudar-nos a perceber a função do seu padrão.
Se tivesse a ver com a coesão social, seria de esperar
que uma criatura tão estranha fosse marginalizada pela manada,
mas não. Era tratada como qualquer outro membro.
Então, talvez o seu padrão não esteja assim tão ligado à coesão social.
Outras teorias sugerem que as riscas cumprem um papel importante
na defesa contra predadores. Mas como?
Alega-se que os corpos listrados em movimento de uma manada de zebras
confundem um leão,
dificultando-lhe a avaliação da distância e o cálculo do seu ataque.
Outros dizem que as riscas quebram o contorno das zebras,
tornando-as difíceis de localizar, especialmente entre a vegetação.
Contudo, pesquisas que comparam a zebra e o tigre concluíram
que, enquanto as riscas do tigre o ajudam a fundir-se com o ambiente,
pelo menos aos nossos olhos,
o espaço entre as riscas da zebra torna-a mais visível.
As riscas da zebra da rainha Carlota
atraíram enormes multidões ao Palácio de Buckingham,
mas o animal dava imenso trabalho.
O animal de estimação da rainha era um pouco temperamental
e os tratadores avisavam os visitantes que ele podia escoicinhar e morder.
O que não era de admirar, dada a estranha comida que lhe davam,
uma mistura de carne crua e tabaco. Pouco recomendável a um herbívoro.
Tornou-se também uma forma de satirizar a família real.
O animal era conhecido como o "Burro (rabo) da Rainha",
e as riscas eram usadas para indicar o filho dos reis, o príncipe Jorge.
Os vitorianos prosseguiram com a obsessão jorgiana de domar zebras,
mas tinham uma razão prática para o fazer.
Uma razão que nos poderá dar outra explicação para as riscas.
Moscas.
As moscas transportam doenças fatais que afetam humanos e gado,
e uma das mais perigosas em África é a mosca tsé-tsé.
Espalha uma doença chamada "doença do sono",
que mata pessoas, gado e cavalos.
Os primeiros colonos vitorianos repararam que,
enquanto os cavalos domésticos contraíam a doença do sono,
as zebras não eram afetadas. Por isso, tentaram domá-las.
Ao longo dos anos, muitos tentaram domar zebras,
mas os esforços de um excêntrico vitoriano
foram particularmente espetaculares.
Estas zebras pertenceram à coleção de um aristocrata vitoriano
que ficou obcecado por domá-las.
Walter Rothschild pertencia à família de banqueiros Rothschild,
mas não tinha vocação para a banca.
A sua grande paixão era a vida selvagem.
E gostava particularmente de zebras,
tendo aplicado bastante tempo e esforço a treiná-las.
Rothschild teve sucesso onde outros falharam.
Esta fotografia notável, mostra-o a caminho do Palácio de Buckingham
com a sua carruagem a ser puxada por zebras domesticadas.
Era um processo moroso.
Treinava cada zebra individualmente com uma pequena carruagem.
Não se deixavam bridar facilmente,
mas as três zebras e o pónei acabaram por puxar a carruagem
através de Londres, até Buckingham.
Terá sido um estranho espetáculo para todos os que passavam,
mas talvez não reparassem nas zebras. Charles, o irmão de Walter,
comentou que as riscas das zebras quase que as faziam desaparecer
enquanto percorriam as ruas da cidade.
Apesar dos esforços de Rothschild,
as zebras nunca se tornaram numa alternativa ao cavalo
em Inglaterra ou em África.
A observação dos colonos de que as zebras pareciam imunes
às picadas das moscas tsé-tsé, não estava totalmente correta.
As zebras são picadas pelas moscas
e sofrem da mesma doença que o cavalo doméstico.
Não obstante, os *** sugerem que atraem menos moscas.
Alguns cientistas teorizaram que as riscas das zebras
poderão dificultar a aproximação das moscas ao corpo da zebra.
Para testar esta teoria,
cientistas húngaros usaram quatro modelos de cavalo.
Pintaram um de preto, outro de castanho,
o terceiro de branco e o quarto com riscas de zebra.
A seguir, puseram os quatro num campo e cobriram-nos com cola.
Algum tempo depois, contaram as moscas que pousaram nos diferentes corpos
e, acreditem ou não, havia menos moscas no corpo da zebra.
Como pode isto ser?
Bem, os olhos dos insetos são compostos, têm muitos elementos
e orientam-se usando luz polarizada horizontal,
e é possível que as riscas das zebras interrompam essa luz polarizada
e dificultem a tarefa de pousar no corpo da zebra.
Estas descobertas não são a prova definitiva das riscas das zebras,
pois poderá haver outros benefícios, mas sugerem que as riscas
ajudam mais a não serem picadas do que a não serem comidas.
Seja qual for a razão biológica para as riscas,
as zebras fascinam-nos há séculos.
A rainha Carlota ficou tão inebriada com a sua,
que acabou por comprar outra.
A primeira era tão arisca que ela a vendeu a um amigo do rei Jorge III.
Daí, foi para uma coleção itinerante, e quando morreu,
o seu corpo foi empalhado e exibido no Blue Boar Inn, em York,
um destino bem menos pomposo que a Casa de Buckingham.
A seguir, descobriremos a história do padrão de um animal muito mais frágil
ao analisarmos a asa da borboleta.
Apesar do ocasional problema nas marcas da sua pelagem,
a zebra adotou um padrão listrado básico e ficou-se por aí.
O nosso segundo animal com padrões fez o oposto
e produziu milhares, se não milhões, de variações.
Os naturalistas vitorianos pareciam estar obcecados com borboletas.
Os espécimes capturados enchem os armários de muitos museus.
Só o Museu de História Natural de Londres tem mais de 3 milhões.
E é fácil de perceber tamanha obsessão dos naturalistas.
As borboletas são impressionantemente variadas e espantosamente belas.
No que toca a padrões,
a Natureza parece ter caprichado na asa da borboleta.
O motivo de a Natureza ter reformulado a asa em tantos padrões diferentes
há muito que fascina a ciência.
A grande maioria destes espécimes provém da era vitoriana,
um período em que a paixão pelo colecionismo amador atingiu o auge.
Muitos desses colecionadores reconheceram a relação entre a cor
e o padrão da asa de uma borboleta, e a sua identidade enquanto espécie.
Cada espécie tem o seu próprio padrão e tonalidade.
A ampliação de uma asa mostra-nos como estes padrões são criados.
A superfície está coberta de milhões de minúsculas escamas.
São feitas de quitina
e contêm diferentes pigmentos que tendem a desvanecer.
Mas há um outro tipo de coloração da asa
que confere a algumas borboletas um brilho particular e espetacular
e que perdura muito além da morte da borboleta.
Estas borboletas morpho foram apanhadas há mais de 100 anos
e estão tão brilhantes hoje como no dia em que foram apanhadas.
Isto porque as asas contêm estruturas microscópicas chamadas giróides.
Quando a luz incide num deles, é dobrada e refratada,
fazendo com que a cor que produz varie de acordo com o nosso ângulo de visão.
Na verdade, um giróide não é um pigmento, que se desvaneceria,
mas uma estrutura cristalina.
Darwin ponderou sobre a razão de tão brilhantes cores,
afinal de contas, tornavam a borboleta mais visível para os predadores.
Então, porquê tanta cor?
Os naturalistas vitorianos sabiam que machos e fêmeas da mesma espécie
podiam ter cores muito diferentes.
O macho da phengaris arion é azul, mas a fêmea é de um castanho insípido.
Para Darwin, estas espécies eram um exemplo perfeito
de um processo que ele chamava "seleção ***".
Uma cor ou um padrão surgem entre machos que atraem o sexo oposto.
Então, o macho mais colorido tem mais possibilidade de obter uma parceira.
Incrivelmente, por vezes podemos ver a coloração do macho e da fêmea
numa única borboleta, como esta.
Aquele lado é feminino e este é masculino.
Estes indivíduos chamam-se ginandromorfos e são muito raros.
São também estéreis, mas podem revelar muitas coisas
sobre o sexo e a coloração das borboletas.
O estudo da genética dos ginandromorfos permitiu aos cientistas
perceber o papel dos genes masculinos e femininos
no desenvolvimento da cor e da forma das asas.
Mas por que motivo os machos são mais coloridos do que as fêmeas?
Nestas espécies, os machos são mais territoriais,
e as cores vivas visíveis à distância mantêm outros machos afastados.
Por seu lado, são as fêmeas que põem ovos
e ganham mais em passar despercebidas.
Mas nem todas as borboletas mostram uma diferença tão clara entre sexos.
Visitei uma vez a casa de inverno da borboleta-monarca, no México.
Aqui, dezenas de milhões de borboletas,
vindas da América do Norte para fugir ao inverno,
aglomeram-se em árvores.
Machos e fêmeas são quase iguais, com um laranja vivo e riscas pretas.
É um espetáculo magnífico, e poder-se-ia pensar
que com tanta borboleta num só sítio, os predadores teriam um festim,
mas poucos animais conseguem comer borboletas-monarca
por serem venenosas.
Hoje, o que sabemos sobre o padrão e a cor da asa como meio de defesa
deve-se em grande parte ao trabalho de um dos colecionadores vitorianos.
Em 1848, o jovem naturalista britânico Henry Bates,
iniciou uma expedição de recolha à Amazónia que duraria 11 anos.
Bates tinha origens humildes e era autodidata,
por isso, era bastante diferente de outros académicos da época.
Viajou com o colega naturalista Alfred Russel Wallace,
que escreveu que o objetivo não era apenas recolher,
mas "reunir factos para resolver o problema da origem das espécies".
Ficou na Amazónia mais de dez anos, onde obteve milhares de espécimes,
além de ter descoberto mais de 100 novas espécies de borboletas.
O seu trabalho não foi um mero vislumbre
sobre a diversidade da vida nos trópicos.
Foi a sua teoria acerca da coloração das borboletas
que chamaria a atenção do grande Charles Darwin.
Registou diferenças no comportamento das borboletas.
Algumas espécies voavam com propósito.
Outras voavam lenta e nervosamente,
mas faziam-no livremente, apesar das suas marcas chamativas.
Bates sabia que tinha borboletas intragáveis para os predadores
na sua coleção. Graças ao tempo passado na Amazónia,
sabia que algumas espécies, como estas da esquerda,
evitavam a captura por serem venenosas.
Mas havia uma borboleta que era quase idêntica, mas não totalmente.
Na verdade, pertence a um grupo totalmente diferente.
Ao analisar a sua enorme coleção, começou a ver uma tendência.
Cada espécie venenosa ou intragável tinha uma imitadora,
e ele desenhou-as lado a lado no seu livro.
A estas imitadoras chamava "miméticas".
Bates encontrara uma razão diferente para os padrões das borboletas,
onde as cores são um aviso de perigo para potenciais predadores.
As imitadoras com um padrão semelhante ao das espécies intragáveis
eram mais facilmente evitadas pelos predadores.
As que tivessem aspeto menos convincente corriam maiores riscos.
Então, com o passar do tempo, a evolução leva estes imitadores
a tornarem-se quase idênticos em padrão e cor ao modelo que imitam.
Darwin ficou encantado com as observações de Bates.
O padrão das asas das borboletas
encaixava na sua nova teoria da evolução.
Bates descobriu ainda que o padrão das asas de uma borboleta
podia variar com a distância.
Esta é a borboleta heliconius,
e este é o aspeto que tem a sul da bacia do Amazonas.
Mas este é o aspeto que tem a norte.
Mas ainda mais incrível, também descobriu que o mimetismo
varia da mesma forma.
Este é o aspeto do imitador no sul
e este é o aspeto que tem no norte.
Embora tenha explicado a importância do padrão das asas contra a predação,
houve uma questão para a qual Bates nunca obteve resposta.
Como é que o imitador evitava acasalar com o modelo?
Afinal, eram quase idênticos, pelo menos aos nossos olhos.
Sabemos hoje que muitas borboletas veem uma largura de banda muito maior
do espectro de luz, incluindo a ultravioleta.
Esta borboleta heliconius, à esquerda,
é semelhante à sua imitadora da direita.
Aos nossos olhos, são muito parecidas,
mas se as virmos com luz ultravioleta
reparamos que a imitadora fica mais banal e escura.
Então, as próprias borboletas veem a diferença mais facilmente do que nós.
A evolução do padrão das asas das borboletas é bem mais complexa
do que os colecionadores vitorianos poderiam imaginar.
Na verdade, existem vários fatores que influenciam a cor e o padrão
das asas de cada espécie.
Mas devemos agradecer a Henry Bates
por ter revelado a ligação entre cor e defesa.
Quando Henry Bates regressou da Amazónia,
descreveu os 11 anos passados nos trópicos como os melhores da sua vida.
Passou o resto da sua carreira como secretário assistente
da Real Sociedade Geográfica,
uma função que não puxava pela sua incrível mente científica.
Muitos colecionadores contribuíram com espécimes
para esta coleção do Museu de História Natural,
mas graças a Bates, podemos ver além da deslumbrante variedade de cores
e encontrar a ligação evolucionária
entre os muitos padrões das asas da borboleta.
Então, o pelo listrado da zebra
e as marcas coloridas das asas de uma borboleta
poderão desempenhar papeis semelhantes,
ajudando a proteger os animais que decoram.
Tradução e legendagem: FragaCampos @ docsPT
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