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Ninguém mais quer conversar
de tão fácil que está conseguir uma arma.
Está todo mundo pronto para atirar.
Esta semana na VICE,
gangues e violência armada
transformaram Chicago
em uma zona de guerra.
A gente usa pistola em Chicago, vai é para cima, moleque.
Por isso a gente chama aqui de “Ch-Iraque”.
Depois caçamos piratas de petróleo
na Nigéria.
Aqui atrás tem
três refinarias ilegais de petróleo.
O mundo está mudando.
Ninguém sabe onde vai parar,
mas nós estaremos lá revelando as notícias...
É a Terceira Guerra Mundial. A cultura...
e a política,
que expõem o absurdo
da condição moderna.
[THOMAS MORTON CORRESPONDENTE] Essa cena não é
muito aceitável pelos padrões americanos.
[SHUROOSH ALVI FUNDADOR DA VICE/ CORRESPONDENTE] Nunca vi nada igual.
Parece o inferno na terra.
[SHANE SMITH FUNDADOR DA VICE/ CORRESPONDENTE] Entrevistei homens-bomba
que eram crianças.
Este é o mundo visto pelos nossos olhos.
Este é o mundo
da VICE.
[SHANE SMITH FUNDADOR DA VICE] Oi, sou Shane Smith
[SHANE SMITH FUNDADOR DA VICE] e estamos aqui no escritório da VICE
[SHANE SMITH FUNDADOR DA VICE] no Brooklyn, em Nova York.
Na primeira matéria de hoje,
vamos até Chicago.
Nas últimas duas décadas,
a maioria das principais cidades dos EUA
vem registrando queda no número de crimes violentos.
A exceção à regra é Chicago,
onde a violência entre gangues está fora de controle.
Só em 2012,
mais de 440 crianças em idade escolar foram baleadas,
o que faz da cidade um dos lugares mais fatais do país
para jovens.
Na verdade,
a situação está tão ruim
que muitos moradores
apelidaram a cidade
de “Ch-Iraque”.
[CHIRAQ]
[CHICAGO, ILLINOIS] Chicago vai mal.
Tiroteio na zona sul da cidade ontem à noite.
[VIOLÊNCIA EM CHICAGO] Dezenas de pessoas foram baleadas.
Já há apelos para chamar a Guarda Nacional.
A polícia atribui a maioria dos assassinatos
aos 100 mil membros de gangues de Chicago,
que pertencem a uma variedade absurda
e confusa de gangues,
subgangues, facções e grupos,
e cujos territórios podem mudar
entre uma quadra e outra da cidade.
[ENGLEWOOD, CHICAGO]
[THOMAS MORTON CORRESPONDENTE DA VICE] Os pontos mais perigosos
são esses veículos.
Então temos que tomar cuidado.
Ali,
dá para ver uma homenagem à direita,
que é um local onde houve um assassinato.
Foi agora, umas noites atrás.
[LEO SCHMITZ VICE-CHEFE 7º DISTRITO, ENGLEWOOD] Um policial meu foi baleado
[LEO SCHMITZ VICE-CHEFE 7º DISTRITO, ENGLEWOOD] bem aqui, do outro lado da rua.
Sério?
Logo que saímos da delegacia, começamos a receber chamados,
a maioria envolvendo armas.
O irmão de 16 anos estava ameaçando a família com uma arma.
A pessoa com a arma é...
Parece que é uma Lorcen .380.
Ele está detido, está na viatura.
Parece que tem uns 14 anos.
14 anos? É, por aí.
Apesar da insistência do vice-chefe de polícia
de que era uma noite boa,
não paramos de receber chamados.
Estamos tendo muitos tiroteios por aqui.
Tivemos um assassinato aqui,
também estamos trabalhando nisso.
É isso que fazemos diariamente.
[DEPARTAMENTO DE POLÍCIA DE CHICAGO 7º DISTRITO] Este aqui é
[DEPARTAMENTO DE POLÍCIA DE CHICAGO 7º DISTRITO] um mapa
do 7o distrito, Englewood.
O que este mapa representa
é que tudo que estiver colorido tem uma gangue.
Na cidade, temos 59 gangues,
mais de 625 facções.
Tem o New Breeds,
o Black P Stones, Conservative Vice Lords,
o Mickey Cobras...
Tem alguma parte deste mapa que
não é controlada por gangue?
Tem partes do distrito
onde eles não estão em conflito,
mas a gangue que está lá
está representada pela cor.
Olho para este mapa e ele me assusta
pra cacete, para ser sincero.
A noite foi ficando mais cheia para a polícia,
então caímos fora para ver como estava
um dos bairros mais conhecidos da zona sul.
O Village.
[UNIVERSITY VILLAGE, CHICAGO] Aqui é o Village?
É.
Área do Breeds, mano.
Até onde vai o Village?
Até onde vocês podem ir de cada lado?
De Halsted até a porra da Ashland Avenue.
O que acontece do outro lado da Ashland.
Vocês podem...?
Não cruza essa fronteira, chefe.
Não cruza essa fronteira!
Algum de vocês está armado?
A pergunta foi mal-educada?
É, foi uma péssima pergunta. Tudo bem, desculpa.
Qual é a dificuldade de se conseguir uma arma?
Não tem muita.
Você arranja arma em qualquer lugar, aqui é a quebrada.
A sua avó provavelmente tem uma lá em cima, porra.
Quando aparece, aparece.
E nem importa que...
a gente está com câmera. Pode ser assim.
Se aparecer, aparece.
Olha direito que não tem essa de olhar para trás.
Essa porra está aí acontecendo faz tempo.
Não tem como olhar para trás.
Fizemos o segundo passeio da noite
para ver a área dos meninos do Village com nossos próprios olhos,
o que dá um total de cerca de dois quarteirões.
Estou com essa merda em prisão domiciliar.
É a porra na real!
O Al Capone e esses caras faziam muito pior que a gente.
Eles explodiam prédio e umas porras de clubes
e faziam massacres!
É, eles usavam metralhadora. Exatamente.
A gente usa pistola em Chicago só para apontar,
enquanto tentam proibir fuzil de assalto.
A gente não usa fuzil de assalto em Chicago. Vai é para cima, moleque.
Mas coronha estendida
faz sucesso.
É, porque a gente gosta de comer o corpo todo!
É por isso que a gente chama de Ch-Iraque.
Porque a gente vive que nem eles.
Eles morrem pelos deles, a gente morre pelos nossos.
[JO JO CAPONE GLOBAL GANGSTERS] Aqui na quebrada,
[JO JO CAPONE GLOBAL GANGSTERS] tem guerra de verdade, igual no exército.
Tá ligado, tem tiroteio.
Minha mãe saiu correndo do prédio,
gritando o meu nome,
enquanto cem balas vinham na minha direção.
Eu podia ser baleado, tentando olhar para trás
para falar para ela sair do meio do caminho,
mas ela estava procurando o filho dela,
tá ligado, então descanse em paz.
Se o resto dos EUA ficou mais seguro nos anos 90,
como foi que o problema das gangues aqui
só piorou?
O que transforma o mapa das gangues de Chicago
em um gráfico de pequenas zonas de guerra?
Nos anos 2000,
Chicago demoliu os conjuntos habitacionais do centro da cidade,
na esperança de desmantelar as gangues
que mais ou menos dominavam,
e redistribuir os moradores pela cidade.
Da rua 22 até a 53,
só tinha conjunto habitacional.
[EX-MEMBRO DE GANGUE ENGLEWWOD] então tinha várias gangues
[EX-MEMBRO DE GANGUE ENGLEWWOD] e vários prédios
quando demoliram os conjuntos.
Os velhos foram para bairros diferentes.
Certo.
Bom, essa necessidade, que já chegava atrasada
considerando as condições precárias de moradia
e o controle quase soberano das gangues,
teve consequências não intencionais.
Conversamos com alguns antigos membros de gangues do bairro,
que pediram para preservarmos suas identidades,
então foi o que fizemos.
Muitos desses caras
[EX-MEMBRO DE GANGUE ENGLEWOOD, 45 ANOS] nunca tinham saído dos conjuntos,
[EX-MEMBRO DE GANGUE ENGLEWOOD, 45 ANOS] mas quando você derruba isso
e oferece seções e fala para eles:
“Olha, a gente tem que te mandar para um subúrbio
com que você nem está acostumado.”
E aí tem gente que diz:
“Ah, eles vieram do conjunto.”
E não é receptiva.
É meio que daí que vem a violência.
É meio que daí que vem a violência.
Em que todo mundo começa a disputar
o próprio bairro.
[EX-MEMBRO DE GANGUE ENGLEWOOD, 46 ANOS] Aí você chega num bairro
[EX-MEMBRO DE GANGUE ENGLEWOOD, 46 ANOS] que não era o seu,
mas onde agora você mora,
e tem que lutar com as pessoas que já estavam lá.
É. Vem daí
grande parte da violência.
Fico impressionado com o tanto de arma que tem hoje em dia.
Foi sempre assim em Chicago ou isso começou a...
Bom, antes não tinha tanta arma assim.
Provavelmente tinha duas porras de arma
para cada 45 pessoas.
A gente foi criado pra te meter o cacete,
não foi criado
para atirar nos filhos da puta.
A gente era decente com as mãos.
Os moleques hoje têm medo de perder.
É, exatamente. Então preferem colocar
a arma na mesa
e matar tudo.
A juventude é fodida, mano.
A mentalidade é que eles não estão nem aí,
ponto, direto.
Não tem ninguém mais brigando, ninguém mais discutindo.
O jeito de se defender hoje em dia
é que todo mundo está pronto para atirar.
[MORADOR, 17 ANOS] Encontramos esses meninos
[MORADOR, 17 ANOS] andando no território da gangue rival
[MEMBRO DO GANGSTER DISCIPLE 15 ANOS] onde poderiam ser baleados
[MEMBRO DO GANGSTER DISCIPLE 15 ANOS] simplesmente por dar as caras.
Isso apesar do fato de estarem a três quarteirões de casa,
andando em grupo.
Tem que prestar atenção no jeito que você anda.
Tipo, se ali agora tivessem 30 moleques
e só eu e ele sozinhos,
e a gente fosse para lá, eles provavelmente iam atravessar a rua
e perguntar onde a gente mora.
Se atirarem na gente, vamos querer responder,
porque se você atira num amigo nosso, é guerra.
Alguém chega em mim, provavelmente vou ter que atirar,
antes que atirem em mim. É assim que é aqui.
Porque ninguém mais quer conversar
de tão fácil que está conseguir uma arma.
As leis para comprar armas em Chicago na verdade são até rigorosas,
mas isso não se estende aos subúrbios,
de onde vem a maior parte das armas da cidade.
[GARRY MCCARTHY SUPERINTENDENTE DEPARTAMENTO DE POLÍCIA DE CHICAGO] O superintendente da polícia, Garry McCarthy,
[GARRY MCCARTHY SUPERINTENDENTE DEPARTAMENTO DE POLÍCIA DE CHICAGO] deu uma entrevista coletiva em janeiro de 2013
para mostrar algumas das 300 armas
confiscadas por seus policiais nos subúrbios
desde o começo do ano.
Isso é uma parcela das armas de fogo
que tiramos das ruas todos os dias,
e 125 armas na última semana.
O que Chicago tem que a coloca tão à frente das outras cidades?
A facilidade com que as armas são obtidas.
Você pode entrar em qualquer loja de armas
de Illinois,
comprar dez 9 milímetros
e sair pela porta
e só vai ter registro de uma transação dessas armas de fogo.
E não sabemos para onde essas armas vão.
Elas chegam às ruas
em grande número.
Para mim, isso é uma insensatez.
O padre que estava
na coletiva da polícia hoje
é Michael Pfleger,
responsável pela Santa Sabina,
a maior igreja católica de Englewood.
Ele também é um militante social importante
que trabalha desde os anos 70
com membros de gangues e com a polícia
para tentar resolver o problema da violência.
A proliferação das armas
[PADRE MICHAEL PFLEGER ENGLEWOOD] e o caso de amor que essa sociedade tem com as armas –
[PADRE MICHAEL PFLEGER ENGLEWOOD] é bizarro.
As armas se tornaram a primeira linha de ataque
nas ruas na sociedade atual.
A maioria dos irmãos que estão nas ruas
não quer atirar, não quer usar uma arma
para poder sobreviver,
para ir e voltar para casa.
Precisamos resolver a questão das armas.
É necessário.
Nós ignoramos a violência nos EUA,
viramos as costas para ela,
porque a maioria são crianças negras e pardas.
Os EUA acordaram com o tiroteio na escola Sandy Hook – por quê?
Porque a mãe de classe média
vê Sandy Hook,
vê a tragédia horrível que foi,
e se identifica com aquelas crianças.
Estou tentando descobrir
como fazemos com que
a mãe de classe média se identifique
com a criança negra ou parda
de Lawndale, Englewood,
Little Village, Pilsen.
Como fazemos os EUA voltarem a se identificar com nossas crianças,
onde quer que elas estejam?
Uma criança daqui que despertou esse sentimento na mídia nacional
foi Hadiya Pendleton.
Ela tinha 15 anos,
era majorette.
[12 DE FEVEREIRO DE 2013] Três semanas atrás ela esteve aqui
[12 DE FEVEREIRO DE 2013] em Washington
com os colegas de escola,
se apresentando para o seu país na minha inauguração.
Em 29 de janeiro de 2013,
Hadiya e seus amigos estavam no parque, depois da aula,
quando dois homens armados correram e começaram a atirar.
Hadiya e outras duas pessoas foram baleadas
enquanto tentavam se proteger.
Hadiya morreu.
Eu queria que a gente pudesse ver o sorriso lindo dela de novo.
Ela sempre vai estar conosco.
A morte de Hadiya se tornou um ponto central
da mobilização de Obama em 2013 para aumentar o controle sobre armas,
[17 DE ABRIL DE 2013] que perdeu no Congresso em uma votação esmagadora.
Uma minoria do Senado dos Estados Unidos
decidiu que não valia a pena.
Então no geral é um dia lamentável para Washington.
[JACQUELINE Y. COLLINS SENADORA 16º DISTRITO]
[JACQUELINE Y. COLLINS SENADORA PELO ESTADO DE ILLINOIS – 16º DISTRITO] Em Chicago,
[JACQUELINE Y. COLLINS SENADORA PELO ESTADO DE ILLINOIS – 16º DISTRITO] perdemos mais jovens negros do que soldados no Iraque.
É esse o tamanho do perigo para os nossos jovens
É esse o tamanho do perigo para os nossos jovens
que vivem em um ambiente
onde a segurança deles é colocada em risco.
Jacqueline Collins
ocupa uma cadeira no Senado desde 2002.
O distrito dela inclui alguns dos bairros
mais violentos da zona sul.
Acredito que existam consequências
Acredito que existam consequências
pelas atitudes
econômicas e políticas falhas
que a maioria das comunidades negras de Chicago
está enfrentando.
Alto índice de desemprego,
de 23% ou mais,
escolas precárias,
o fechamento de hospitais psiquiátricos,
a crise da execução de hipotecas.
Certas comunidades parecem ser o alvo disso.
Não só a zona sul perdera a maioria de suas escolas,
clínicas e habitação social,
como sequer tem um hospital
para tratar de todas as feridas causadas por armas de fogo que ocorrem por aqui,
o que é duplamente foda porque tem três hospitais
no bairro.
Todos admitiam feridos por arma de fogo,
mas deixaram de atender porque
estava ficando muito caro para eles.
Esses fechamentos são um fator que contribuiu muito
para o índice de mortes na zona sul.
Como é o caso de Damian Turner,
que foi baleado e morreu
dentro da ambulância em uma viagem de 30 minutos até outra parte da cidade.
A irmã do Damian, Kandice,
[WOODLAWN, CHICAGO] está tentando chamar atenção
[WOODLAWN, CHICAGO] para a situação
desde a morte do irmão.
[KENDICE DENARD IRMÃ DO DAMIAN] O hospital mais próximo com um centro traumatológico
[KENDICE DENARD IRMÃ DO DAMIAN] é o Hospital Northwestern.
E ele fica
bem lá em cima, quase na zona norte.
Foi para lá que levaram meu irmão, Damian Turner,
estavam em desvio.
O que é um desvio?
O desvio é quando você é ferido,
e a ambulância não leva para o hospital deles
se estiver em desvio.
Ele morreu a caminho do hospital
porque tiveram que levá-lo para longe.
Para conscientizar sobre a morte dele
e sobre a falta de recursos cruciais na saúde da zona sul,
amigos e militantes locais
fizeram um protesto
no novo centro médico
de US$ 7 milhões da Universidade de Chicago.
[CINEGRAFISTA AMADOR]
Isso aqui é propriedade privada.
Isso aqui é propriedade privada.
Sem justiça não tem paz!
Sem justiça não tem paz!
Sem justiça não tem paz!
A maioria das pessoas admitidas
com feridas de armas de fogo não tem seguro.
Então se tornou uma questão mais pragmática,
mas como você coloca preço
em uma vida?
Deixados à própria sorte no deserto urbano,
muitos jovens de Chicago
veem as gangues como a única forma de estrutura que resta
em suas comunidades
e têm sua situação tão internalizada
que declaram com orgulho a cidade como Ch-Iraque,
eles próprios como soldados ou selvagens.
Mas quem vai culpá-los?
Eles realmente vivem em uma zona de guerra.
A zona sul de Chicago
é basicamente um Estado falido
dentro dos EUA.
Viramos as costas e abandonamos
esses jovens irmãos que estão na rua.
Este é o meu mural da fama.
Todos os homens e mulheres que perdi.
Quem é esse na parte de baixo do mural?
É o meu filho.
É o meu filho, Montrell.
São comunidades privadas de direitos
e não é uma coisa de um mês
ou um ano.
São décadas
de carência de recursos
inundando essas comunidades.
Houve uma decisão consciente
de deixar algumas comunidades
desmoronarem.
Desde que elas ficassem contidas,
desde que não transbordassem.
Mas adivinha só, América?
Está transbordando.
Foi assim com as drogas,
com a violência,
e agora com a pobreza,
porque o que era classe média
agora é pobreza.
Acorda.
[SHANE SMITH FUNDADOR DA VICE] A Nigéria é um dos maiores
[SHANE SMITH FUNDADOR DA VICE] produtores de petróleo do mundo.
É inclusive o quarto maior
fornecedor de petróleo dos EUA.
O país exporta um total de mais de
780 milhões de barris por ano.
Mas também tem um problema enorme com derramamentos de petróleo.
Só em 2012,
houve 194 vazamentos no Delta do Níger.
E nos últimos 50 anos,
mais de dez milhões de barris de petróleo
já poluíram a região.
Isso dá aproximadamente
um vazamento no nível do Exxon Valdez por ano.
Parece que todo mundo coloca a culpa no outro.
Os nigerianos culpam as empresas de petróleo
e as empresas de petróleo
culpam os piratas.
Então enviamos Suroosh Alvi
para descobrir:
a) por que há tantos derramamentos?
E b)
quem exatamente é responsável?
[PIRATAS DE PETRÓLEO DA NIGÉRIA]
[IKOT ADA UDO, NIGÉRIA]
As empresas de petróleo perfuram o Delta do Níger
há meio século.
Às vezes isso resulta em efeitos
econômicos e ambientais devastadores para as comunidades locais.
[SUROOSH ALVI – FUNDADOR DA VICE PRESBÍTERO FRIDAY AKPAN – AGRICULTOR] Há anos
[SUROOSH ALVI – FUNDADOR DA VICE PRESBÍTERO FRIDAY AKPAN – AGRICULTOR] o presbítero Friday Akpan,
piscicultor bem-sucedido
e líder comunitário da região,
luta contra a Shell em um tribunal de Haia.
Esse aqui é um dos 47 tanques
que escavei e administrei adequadamente.
Mas o vazamento de óleo causado pela Shell poluiu,
o que levou à morte de todos os peixes.
Denunciei o vazamento para eles.
Eles não me deram nenhuma resposta.
Está lá e eu disse: agora tenho que tomar uma atitude.
Por que vocês vêm me matar?
Não tenho mais nada para sobreviver,
e vocês me levaram a uma situação de dívida.
[HAIA, PAÍSES BAIXOS] E aí ele fez uma coisa
[HAIA, PAÍSES BAIXOS] que nunca tinha sido feita
[HAIA, PAÍSES BAIXOS] e processou a Royal Dutch Shell
[HAIA, PAÍSES BAIXOS] no seu próprio país.
Em janeiro de 2013,
[30 DE JANEIRO DE 2013] depois de cinco anos de batalha judicial,
saiu o veredito.
A justiça decidiu a favor do presbítero Friday
e determinou que a Shell é responsável
por não proteger melhor o oleoduto
contra roubo de petróleo e vandalismo,
o que acabou levando aos vazamentos.
Você se surpreendeu quando saiu o veredito saiu a seu favor?
Não me surpreendeu,
mas os outros ficaram surpresos de ver
um ***, um homem do Delta do Níger,
levar a Shell à justiça em Haia e ganhar o caso.
Aleluia!
É fácil se deixar levar pela vitória do presbítero Friday,
mas na verdade é uma pequena vitória em uma grande guerra.
Desde que descobriu-se petróleo na Nigéria em 1956,
mais de 500 processos ligados a vazamentos
foram registrados na justiça nigeriana,
e só um punhado recebeu indenização.
A gente quis saber o que a Shell tinha a dizer
sobre esses desastres ambientais a que chamam de
“derramamentos operacionais”.
[MUTIU SUNMONU GERENTE ADMINISTRATIVO SHELL NIGÉRIA] Sinceramente, se você olhar o que consideramos
derramamentos operacionais,
a proporção é mínima.
A pior poluição vem de vazamentos de sabotagem,
de refinarias ilegais
e ladrões de petróleo bruto.
O que ele alega é que
a maioria dos vazamentos é causada por piratas,
homens que invadem o oleoduto da Shell ilegalmente,
roubam petróleo bruto,
refinam e transformam em gasolina
em algum lugar nas matas do Delta do Níger
e depois vendem em toda a África Ocidental.
A Shell estima
que as perdas cheguem a 55 e 60 milhões de barris de petróleo
todo ano em decorrência da pirataria,
acarretando em prejuízo de US$ 7 bilhões por ano.
A gente quis saber mais sobre esses piratas,
então saímos em patrulha
com os caras que caçam eles.
[BATA DEBIRO COMANDANTE DA JTF] Vamos embarcar.
Ok. Não é muito longe
o lugar onde prendemos muitas embarcações.
Esse pessoal é da JTF,
uma força-tarefa militar conjunta
que patrulha o Delta aqui na Nigéria.
São pessoas muito inteligentes
que planejam muito bem suas operações.
Então temos que sair ainda mais espertos para conseguir pegá-los.
A JTF tem um trabalho difícil.
Patrulhar uma área maior que a do estado de Pernambuco
que consiste principalmente em manguezais,
[“NAOC OLEODUTO DE ALTA PRESSÃO MANTENHA DISTÂNCIA”] mata densa,
[“NAOC OLEODUTO DE ALTA PRESSÃO MANTENHA DISTÂNCIA”] e pouquíssima infraestrutura.
Eles prendem gente todo dia.
Todo dia você prende gente
e no dia seguinte já tem novas refinarias
e novos ladrões de petróleo.
Ao longo do rio,
vimos navios meio afundados
que haviam sido atacados e destruídos em outras incursões.
E também subimos a bordo
de um navio recém-capturado.
Quando essas barcaças foram capturadas e confiscadas?
Foi uma operação recente?
Foi, foi...
Algumas ainda estão com o produto.
Ah, é? Petróleo refinado ilegalmente.
Por causa dos derramamentos,
a Organização Mundial da Saúde
estima que a água potável do Delta do Níger
possua 900 vezes mais benzina
do que é considerado seguro para o consumo.
Estamos atravessando um derramamento de petróleo há uns 20 minutos.
A gente estava navegando quando olhei para o lado
e vi todas essas árvores mortas.
O problema aqui no Delta do Níger é que
não estão limpando esses derramamentos.
Não encontramos piratas
nem as refinarias que estávamos procurando com a JTF.
Então saímos por conta própria.
Vamos passar algumas noites
com a comunidade
aqui bem no meio do Delta do Níger.
A gente queria descobrir
como essas pessoas roubam o petróleo,
como fazem o refinamento
e por que estão fazendo isso.
Depois de uma longa viagem pelo rio,
[PEREMABIRI, ESTADO DE BAYELSA] chegamos na cidade.
[PEREMABIRI, ESTADO DE BAYELSA] Não foi surpresa que,
numa cidade conhecida por ter ladrões de petróleo,
[COMPRE SEU COMBUSTÍVEL AQUI] não ficaram muito animados
[COMPRE SEU COMBUSTÍVEL AQUI] de ver um grupo de estrangeiros
com câmeras.
Fomos imediatamente conduzidos a um fórum
onde o debate em questão
era se a gente poderia ficar ou não.
Tivemos que defender nosso caso para as pessoas.
Obrigado, presidente, por nos convidar para a sua comunidade.
Estamos muito animados para conhecer
esta parte da Nigéria,
o Delta do Níger.
E acreditamos que a história do seu povo
é muito importante
e cabe a nós contá-la para o mundo.
Finalmente deram a bênção para filmarmos
e decidimos ver como era a cidade.
A primeira coisa que reparei
foram as condições precárias
em que as pessoas vivem.
Em áreas rurais como esta,
uma em cada cinco crianças morre antes dos cinco anos.
Conforme a gente anda, dá para ver
por toda parte fios de eletricidade que não funcionam.
Tem o rio,
onde eles fazem tudo.
Tomam banho, lavam a roupa,
mas também estão ficando doentes
por causa dele.
Todo ano,
[MUTIU SUNMONU GERENTE ADMINISTRATIVO SHELL NIGÉRIA] gastamos cerca de US$ 250 milhões
direta ou indiretamente em projetos de desenvolvimento das comunidades.
Mas se você olha a magnitude
das necessidades de desenvolvimento no Delta,
somente o governo pode realmente resolver o problema.
É difícil saber como os US$ 250 milhões são gastos
ou se a culpa é da negligência do governo.
Mas é evidente que pouco dinheiro
chega até os povoados.
O governo nigeriano não respondeu
ao nosso pedido de entrevista.
[EBERE ASAGA CHEFE DA CIDADE] Mas conversamos com o chefe
[EBERE ASAGA CHEFE DA CIDADE] da cidade produtora de petróleo,
[EBERE ASAGA CHEFE DA CIDADE] que nos apresentou a sua visão sobre os problemas.
Nosso povo está sofrendo.
A maioria dos peixes que temos no rio
foi afetada pela poluição desenfreada.
A Shell deveria desenvolver a nossa região,
mas nada foi feito.
Mas nós somos a comunidade que produz
235 mil barris por dia para o governo federal e para a Shell.
É uma comunidade muito rica em petróleo.
Uma comunidade muito rica em petróleo.
Quantos poços de petróleo tem aqui? Temos 21 poços em operação,
mas nada foi feito pela nossa comunidade além disso.
Se o que ele diz é verdade,
dá para entender a frustração e a indignação das pessoas
[PAREM DE SAQUEAR OS RECURSOS DOS OGONI] com as empresas de petróleo.
Na verdade, alguma coisa tinha que ser feita para as comunidades,
mas depois de década tendo um lucro mínimo
com os poços de petróleo,
um grupo de militantes nigerianos contra-atacou,
sabotando os oleodutos
e sequestrando trabalhadores.
[CERIMÔNIA DE DESARMAMENTO DE MILITANTES] A revolta foi resolvida
[CERIMÔNIA DE DESARMAMENTO DE MILITANTES] quando a Shell e o governo
pagaram para os rebeldes
baixarem as armas.
Mas os moradores
das comunidades produtoras de petróleo
não viram nem a cor do dinheiro.
A essa altura,
começava a fazer muito mais sentido
por que a pirataria de petróleo estava explodindo na região.
Chama jeitinho nigeriano.
Tem um machete, ele passou a manhã inteira trabalhando.
Os habitantes locais nos disseram
que se a gente quisesse encontrar os piratas,
teria de adentrar mais pelo rio.
Saquei. Saquei, Adolfo.
Puta que pariu.
Aqui atrás tem
três refinarias ilegais de petróleo.
Era uma visão inacreditável.
E difícil imaginar que nas profundezas da floresta
exista um acampamento
onde as pessoas refinam petróleo bruto
para fazer gasolina com as próprias mãos.
Estamos finalmente chegando na refinaria.
Depois que os ladrões de petróleo
invadem os oleodutos
em algum lugar do Delta
e enchem barcos de petróleo roubado,
trazem a lugares como este ao longo do rio.
Aqui tem um cheiro bem forte de petróleo.
É só um cara do lado
do leito
refinando petróleo sozinho.
E navegando pelo rio, tem petróleo por toda parte.
É surreal.
[ROLAND KIENTE MORADOR DA COMUNIDADE] O senhor Roland era o nosso guia
[ROLAND KIENTE MORADOR DA COMUNIDADE] nessa refinaria improvisada.
Tá.
Calma, calma, vai com calma.
Não pode pisar em qualquer lugar.
Vou te seguir, amigo.
Isso.
Nossa.
Parecia o inferno na terra.
Torrentes de gás e petróleo flutuavam pelo rio
e fogueiras imensas queimavam por toda parte.
Senhor Roland, o senhor poderia explicar
o que esse senhor está fazendo?
Dentro dos tambores tem petróleo bruto.
O vapor passa pelos dutos,
chega a essa estrutura
e condensa o vapor, que se precipita como querosene.
É daqui que sai o combustível,
gasolina, querosene, diesel.
Tudo.
Esse cara consegue fazer tudo.
É, tudo isso vai sair daqui.
Esses caras ganham entre 60 e 70 dólares por dia fazendo isso.
Não é uma fortuna,
mas é bem mais do que o US$ 1 por dia
com que a maioria dos nigerianos sobrevive.
É tosco, rudimentar,
mas está dando certo.
É. Eles conseguem fazer o que precisam.
Só não está de acordo
com alguns padrões de segurança.
O que é isso aqui?
O que é isso embaixo de mim?
Isso é o resíduo,
o que sobra, que é alcatrão.
É um ambiente empapado.
A melhor descrição é
que é um ambiente empapado
de resíduo.
Para entrar nas câmaras
para aquecer a ponto de vapor,
eles despejam petróleo bruto diretamente no fogo.
Controla o fogo.
Puta merda,
caralho.
É tão quente
que me fez ir para trás e quase caí no alcatrão.
Bom, agora está com muita fumaça.
Fica numa distância segura.
Este vapor pode pegar fogo.
Ok. Então fica longe.
Pode pegar fogo? É.
Vamos ficar mais longe.
Sim, senhor.
O senhor Roland está
me deixando um pouco nervoso.
Sinceramente, estou um pouco nervoso.
Quando isso pega fogo,
engolfa a área toda.
Todo mundo ia correr desvairado.
Tem um poço de petróleo na minha propriedade,
mas não sei quantos barris são produzidos
por dia na minha própria terra.
Se encontram petróleo na sua propriedade nos EUA,
você fica milionário, bilionário, não é?
Aqui é o contrário.
Você vira um homem muito pobre.
Fica sem ter onde plantar.
Olha esse jovem que está passando.
O que ele faz aqui
alimenta a família dele.
É um fato básico.
E as empresas de petróleo
tiveram que fazer promessas
de investimento e desenvolvimento,
mas não fizeram nada?
Nada.
É por isso que você vê esse tipo de coisa acontecendo.
É.
Tem muita animosidade contra as empresas de petróleo?
Muita, muita.
Foi por isso que nossos meninos pegaram em armas contra as empresas de petróleo.
E a situação
de paz é estável atualmente?
É como se estivéssemos sentados num barril de pólvora.
Tudo pode acontecer.
É uma bomba-relógio.
[Depois que esta matéria foi concluída, os militantes do Delta do Níger]
[retomaram as ações violentas com diversos ataques]
[contra oleodutos e forças de segurança.]
[Em 5 de abril de 2013, 12 policiais]
[foram mortos e seus corpos mutilados]
[foram encontrados boiando no rio.]