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Nós estamos nas nossas reflexões a respeito
da Semana Santa e no Tríduo Pascal queremos hoje refletir a respeito
respeito
da Sexta-feira Santa.
Nesse dia em que não se celebra missa,
tem-se a Adoração da Santa Cruz
e existe já
uma antiga tradição
durante
a Adoração da Santa Cruz de se cantar os
Impropérios.
Na verdade, a palavra
"improperia"
quer dizer as repreensões, as reprimendas, ou seja,
é Jesus
quem está nos repreendendo
por nossa
falta de amor.
Em primeiro lugar, comecemos com a parte mais importante que é o
"Trisagion".
O que é que é o "Trisagion"? Bom, nós temos aí no nosso
português uma tradução que diz: "Deus santo,
Deus forte,
Deus imortal, tende piedade de nós".
Muitos de nós estamos acostumados
com esta antífona
por rezarmos o Terço da Divina Misericórdia, da Santa Faustina
Kowalska,
mas, esse texto ele é muito mais antigo, provavelmente,
é um texto que vai
afunda as suas raízes na antiguidade da Igreja, quem sabe até na era apostólica.
É interessante que
esta exclamação
ela está ligada exatamente à Paixão de Cristo desde o início.
Existe uma tradição
da Igreja Copta, ou seja, a igreja lá da Etiópia
que diz que esse hino teria sido composto por
Nicodemos. Sim, ou seja,
vocês se lembram na Paixão de Cristo quando
José de Arimatéia e Nicodemos pegam o corpo de Jesus para enterrá-lo?
Pois muito bem,
teria sido durante a sepultura de Nosso Senhor
que Nicodemos, então, olhando para Ele
diz:
"Santo Deus,
Santo Forte,
Santo Imortal,
tende piedade de nós."
Santo, Santo, Santo, três vezes Santo.
Interessante que
no momento em que nós olhamos para o Cristo morto,
o cadáver Dele, ali
nas mãos de José de Arimateia,
nas mãos de
Nicodemos,
professar que Ele é o três vezes Santo,
Ele é Aquele que Isaías viu sentado no trono,
e dizer isto do Cristo morto.
Ele
é o Santo Deus.
Confessar que
ali a humanidade está morta,
mas Deus está presente.
Ele
é o Santo forte,
nesse momento de maior fraqueza, debilidade em que o Cristo está lá
inerte, cadáver,
dizer
forte, ali
se manifesta a força porque é na fraqueza que se manifesta a força de Deus.
Santo
Imortal,
ali, um cadáver, um morto,
fadado ao túmulo, ao apodrecimento,
"imortal
tende piedade",
uma fé inabalável,
uma fé que se manifesta
na sua
mais profunda certeza
no momento
da mais profunda incerteza e provação.
É isso que a Igreja
então professa, que é o centro na nossa fé,
ao beijarmos o Cristo crucificado, morto ali na Cruz,
nós queremos dizer com
Nicodemos, essa
sabedoria que Deus instilou no coração dele, colocou no coração
dele,
de professar a nossa fé
quando nossos olhos nada veem,
quando nossos olhos não têm provas,
dizer o "Imortal",
está lá, morto. Deus Imortal,
numa humanidade morta,
Ele acompanhou nossa morte
e com sua morte,
venceu toda morte, mas
esta é a realidade
do "Trisagion",
três vezes santo,
que nós
celebramos com Nicodemos, com Santa Faustina,
evocando a misericórdia de Deus
é a nossa resposta.
É a nossa resposta a quê?
A impropérios. Esses impropérios,
eles estão presentes na liturgia da Igreja pelo menos desde o nono século.
E em que consiste?
Consiste em
reler a história do Antigo Testamento,
aplicá-la
à bondade de Deus que tratou o seu povo desde o Antigo Testamento,
e agora é,
Cristo é
rejeitado.
Esse mistério que
nos recorda São Paulo
na Carta aos Romanos, no capítulo 9,
do povo judeu que rejeitou o Cristo, mas
a Igreja ao cantar isso todos os anos não está incriminando os judeus
mas está se solidarizando com judeus dizendo: "nós somos os judeus,
nós somos
esse povo que rejeitou
o Cristo." Então, o impropério começa com essa antífona:
"Popule meus,
quid feci tibi?"
"Povo meu,
que te fiz eu?
Dize em que te
contristei?"
"Responde mihi." Né?
"Respondei-me."
Aqui o nosso
Missal brasileiro diz:
"Que te fiz, meu povo eleito?
Dize em que te contristei.
Que mais podia ter feito? Em que foi que eu te faltei?"
É um impropério, ou seja, uma reclamação.
É o Cristo que reclama:
"o que foi que eu te fiz?" Ou seja,
"Eu dei amor e recebi de volta o desamor."
Esse é o mistério que nós celebramos na Sexta-feira Santa.
Um amor imenso.
Ele cuidou de nós.
E então,
o povo de Deus, aqui o povo judeu
é
ouve de Cristo uma anamnese, uma recordação do passado, ou seja,
como em toda a sua história o povo foi cuidado por Ele.
Isso aqui para nós é muito importante
porque também nós somos chamados a fazer uma anamnese de nossa vida,
na Sexta-feira Santa
precisamos fazer uma recordação de minha existência, fazer um exame de
consciência de minha vida inteira e ver o quanto Deus me cuidou
desde pequenino,
como diz o Profeta:
"Eu o ensinei a caminhar".
Foi Deus que me conduziu pela mão desde pequenino. Então,
aqui vem
a recordação do passado:
"Eu te fiz
sair do Egito,
com maná te alimentei,
preparei-te bela terra, tu
a cruz para o teu rei."
Então veja como é que a gente paga,
Ele nos fez sair do Egito, a libertação.
Primeira coisa:
olhe pra sua vida pessoal e veja o quanto Deus te livrou do Diabo.
Te fiz sair do egito
da escravidão do faraó, da escravidão de satanás.
E não somente Ele nos livra,
mas, como pai
que protege, livra seu filho, Ele também nos alimenta:
"com maná te alimentei".
E não somente
nos dá com um futuro,
"preparei-te bela terra"
e aí vem a nossa resposta. Como é que a gente responde a esse amor de Deus?
"parasti crucem
Salvatori tuo",
você preparou uma cruz para o teu Salvador.
Como que a gente responde
ao amor de Deus? A gente responde com a ingratidão,
preparando para ele uma cruz.
A outra estrofe:
"Bela vinha eu te plantara,
tu plantaste a lança em mim."
Olha aqui que contraste, né?
O que é que
Deus planta a vinha e a gente planta a lança,
o latim diz assim:
"Quid ultra debui facere tibi, et non feci?" O que mais eu deveria ter feito para ti
que não fiz?"
"Ego quidem plantavi te vineam meam speciosissimam", eu, na
verdade, plantei a ti, minha vinha eleita e
preciosíssima.
"et tu facta es mihi nimis amara"
e tu,
te fizestes muito amargo para mim.
Ou seja, os frutos da vinha
tornaram-se
frutos amargos.
"aceto namque sitim meam potasti",
tu me deste de beber
um vinagre (acetum).
"et lancea
perforasti latus Salvatori tuo."
e com a lança perfurastes o lado do teu Salvador. Vejam, que a tradução é
a portuguesa, ela é bastante livre
no entanto,
está dentro daquilo que é o espírito
original, né. "Águas doces eu te dava foste amargo até o fim."
O latim é mais rico, o português é métrico e bastante sonoro. Vejam,
todas essas
coisas que estão aqui são
formas de nós pensarmos,
na nossa ingratidão.
Se nós temos no centro da nossa espiritualidade a "ação de graças", a
Eucaristia,
este
é o dia em que não se celebra a Eucaristia
porque esse é o dia da nossa ingratidão. Então,
Deus mostra o quanto nós somos não- eucarísticos, ingratos.
O que respondemos?
A resposta é a nossa profissão de fé,
profissão de fé de dizer 'olha, Deus,
tu és forte,
tu és imortal.
Nós somos fracos
e mortais,
mas nós professamos essa tua grandeza.
Miserere nobis.
Eleison ymas.
Piedade de nós.
É o nosso clamor por misericórdia.
Saibamos
enxergar a misericórdia de Deus que tem paciência com os nossos defeitos
e nessa Sexta-feira Santa
aproveitemos para fazer
como o povo eleito:
uma releitura de nossa história,
de ver o quanto fomos cuidados por Deus
e o quanto somos ingratos.
Como filhos pródigos,
nós
olhamos
que éramos felizes na casa do pai e não
demos valor
ao amor
que morreu por nós na cruz e que
hoje quer nos redimir.