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Existem essencialmente dois mitos da natureza humana com os quais me deparei:
O primeiro é que certas diferenças entre grupos particulares de humanos
são inatas, e isso tem dado origem a muito má ciência
nos campos da biologia evolutiva e da genética,
promovendo práticas sexistas e racistas.
O segundo é que as características particulares
são uma parte inevitável de se ser humano.
Penso que a maioria das pessoas é sincera sobre a sua asserção
de que os humanos têm uma "natureza humana" fixa.
Se examinarmos o registo histórico da espécie humana,
encontramos uma série interminável de guerras, abusos de poder e corrupções.
Uma vez que reconhecemos este padrão na história,
é muito simples assumir que ele é de alguma forma "instintivo",
ou que é parte da "natureza humana", comportar-se em padrões historicamente recorrentes.
Mais especificamente, é comum as pessoas atribuírem o comportamento humano
à sua configuração genética. Isto é, somos escravos dos nossos genes,
os quais, nos predispõem e predeterminam a um inevitável conjunto de características
comportamentais, psicológicas e mentais.
A natureza humana, porém, não pode ser generalizada como um conjunto fixo,
de características comportamentais e psicológicas pré-programadas
que todas as pessoas partilham, independentemente do meio ambiente.
Como o Dr. Gabor Maté diz na primeira parte do "Zeitgeist: Moving Forward",
só podemos falar, de forma precisa e significativa, da "natureza humana",
olhando para as nossas necessidades humanas básicas.
Por um lado, se as nossas necessidades humanas básicas forem satisfeitas
(ou seja, as necessidades básicas de comida, água, abrigo, vestuário;
até ao apoio psicológico, que realmente não é menos importante),
maior razão temos para esperar que os seres humanos se transformem em
indivíduos mais solidários, compassivos e socialmente conscientes.
Por outro lado, se estas necessidades humanas básicas não forem satisfeitas,
o que é a esmagadora maioria dos casos no seio da nossa sociedade actual,
teremos um conjunto diferente de características que combinam com este ambiente:
ganância, violência, insegurança, e inúmeras outras distorções psicológicas.
Além disso, a palavra "instinto" é realmente uma ideia vazia,
e esta palavra, essencialmente, precisa de ser eliminada
do nosso vocabulário e compreensão do comportamento humano.
As pessosa usam a palavra quando não conseguem explicar a origem
de uma resposta biológica ou comportamental.
A palavra "instinto" mascara esta ignorância,
exactamente do mesmo modo que "livre arbítrio" é usado para mascarar a ignorância
sobre as "escolhas" que fazemos ou as suas fontes
e que Deus é usado para explicar a falta de conhecimento
de como o universo de modo geral funciona.
Ao invés de usar estas palavras, a nossa disposição deveria ser
encontrar o mecanismo que é realmente responsável pelo comportamento.
O fisiologista Jacques Loeb condenou o uso da palavra "instinto"
no início do século 20,
quando conduzia um estudo sobre tropismo em animais e plantas,
ou seja, respostas biológicas a estímulos ambientais.
Voltarei a este ponto mais tarde.
James Gilligan, no seu livro "Violence", também condena a palavra,
explicando similarmente tratar-se de uma desculpa para evitar explicar o comportamento.
A primeira parte do "Zeitgeist: Moving Forward" aborda isto exaustivamente,
e iremos mostrar algumas partes dele amanhã,
assim, vou focar-me em algumas fontes não discutidas no filme.
O Dr. Robert Sapolsky, que participa no filme,
escreveu um livro chamado "The Trouble With Testosterone"
no qual documentou os efeitos essencialmente negligenciáveis
que as hormonas têm entre o vasto espectro de respostas comportamentais
que os seres humanos exibem, incluindo passividade vs. agressão,
emoção irracional vs. lógica e assim por diante.
Não podemos explicar, por exemplo,
as diferenças entre os sexos pelos equilíbrios hormonais.
Em vez disso, temos genes que produzem proteínas
que podem ser activados ou desactivados por estímulos do ambiente.
Por outras palavras, os neuroquímicos no cérebro não nos ensinam como nos comportar.
Eles estabelecem propensões que devem ser desencadeadas pelo ambiente.
Sapolsky utiliza vários estudos de caso
incluindo o seu estudo com grupos de babuínos.
Houve um incidente dentro de um grupo que ele estudou
onde todos os machos alfa num grupo competitivamente orientado
foram mortos. O resultado foi que dentro de poucos meses
as tendências competitivas no grupo desapareceram,
e sempre que novos babuínos eram introduzidos nesse grupo,
levavam cerca de 6 meses a aprender que a competição
não era um método viável de interacção.
Isto simplesmente reafirma que são as condições ambientais
que produzem as tendências comportamentais como a competição,
da qual falarei mais tarde.
Numa palestra fascinante
que examina o papel dos genes e do ambiente no nosso comportamento,
o biólogo Dr. Bruce Lipton explora a mais recente evidência disponível
neste debate clássico sobre o inato/adquirido.
Desde 1950, a visão do determinismo biológico
de que os genes controlam o nosso comportamento e emoções
manteve-se dominante em muitos círculos científicos.
Isto tem levado a um sentimento de impotência
e falta de responsabilidade para nos mudarmos a nós mesmos.
Se és uma vítima dos teus genes, porque te incomodas sequer a tentar mudar-te a ti próprio?
É inevitável, certo?
Depois veio o Projecto do Genoma Humano que decorreu entre 1990 e 2000,
numa tentativa de determinar o ADN
responsável pela complexidade da funcionalidade humana.
As presunções originais sobre os genes,
servirem como um esboço para o nosso comportamento,
resultaram na estimativa de que há um gene para cada proteína no nosso corpo.
Na altura,
a estimativa era de 100 mil proteínas, o que significa 100 mil genes.
Depois há o "ADN regulador" que controla outros genes,
estimado num mínimo de 40 mil.
Isso são 140 mil genes.
Em 2001, os resultados foram divulgados
revelando que só existiam 34 mil genes, apenas 25% da estimativa original,
o que significa que os restantes genes que se esperava serem encontrados
nem sequer existem!
O biólogo e laureado com o Nobel da Fisiologia, David Baltimore,
reflectiu sobre as implicações deste achado: "A menos que o genoma humano
contenha muitos genes que são opacos aos nossos computadores, é evidente
que não obtemos a nossa indiscutível complexidade superior à dos vermes e plantas
por usarmos muitos mais genes".
Assim, com toda esta investigação, devemos perguntar a nós mesmos
porque é que estas crenças supersticiosas sobre a natureza humana persistem?
Para responder a isto, devemos fazer uma outra pergunta: Quem beneficia?
Isto é, quem na sociedade gostaria de perpetuar esta crença dogmática
de que os humanos são inatamente de uma qualquer forma?
Os argumentos da natureza humana são usados como uma forma de silenciar os dissidentes do status quo.
Qualquer crítica da forma estabelecida de fazer as coisas na sociedade
é imediatamente considerada inválida
porque supostamente foi legislado pela natureza.
É assim que as coisas são, e não podemos fazer nada para as mudar.