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Alberto Kornblihtt: nós, os genes e a evolução
Gosto de pensar na biologia como a ciência que
se ocupa das semelhanças e diferenças no mundo vivo.
Por exemplo, aqui vemos uma samambaia, um pinheiro e uma rosa.
As três são plantas vasculares.
Mas o que as diferencia?
Bem, a samambaia é uma planta sem semente.
O pinheiro e a rosa possuem sementes, porém no pinheiro as sementes estão expostas
e, na rosa, as sementes estão dentro do ovário.
Seguindo, aqui vemos três moluscos:
o polvo, a lula e o mexilhão.
O que os diferencia, além do fato de que o mexilhão não está
em seu ambiente natural, mas sim no nosso?
O polvo e a lula não têm uma concha.
O mexilhão tem.
O polvo não tem uma pluma.
E aqueles que já fizeram paella e limparam lulas
sabem o que é uma pluma.
É essa parte cartilaginosa, transparente,
que tem dentro das lulas.
Aqui vemos o tubarão, o golfinho e a orca.
Os três são hidrodinâmicos e vivem na água.
No entanto, o tubarão - os três são vertebrados -
o tubarão é um peixe.
Seus ancestrais são peixes.
Enquanto o golfinho e a orca são mamíferos que se caracterizam
por duas características específicas dos mamíferos:
Eles têm pelos e produzem leite.
Agora, se focarmos nas diferenças entre eles,
seus ancestrais eram quadrúpedes que viviam na Terra
e se pareciam com as vacas.
Portanto, sua adaptação hidrodinâmica é uma coisa secundária.
Qual a diferença entre o golfinho e a baleia?
O golfinho é amigável e a orca "nem tanto".
Aqui podemos ver outras diferenças.
Esses dois indivíduos pertencem à mesma espécie, *** sapiens sapiens.
Magic Johnson tem a pele negra
e Manu Ginóbili (cuja imagem hoje é de uma gravação)
tem pele branca.
Agora, as diferenças também podem se aplicar ao mundo virtual.
O cineasta James Cameron produziu essas duas criaturas
que vivem no planeta imaginário Pandora.
Neytiri se diferencia de Jake Sully porque ela é uma Navi
e Jake Sully é um Avatar.
Sendo assim, a diferença é que Jake Sully tem DNA humano
e, portanto, ele possui cinco dedos
e [Neytiri] tem quatro.
E tenho certeza de que muitos dos que viram o filme
vão querer vê-lo de novo para checar se estou dizendo a verdade.
Sim, é verdade.
Tudo isso está localizado na molécula
que tem informação genética, que é o DNA.
O ácido desoxirribonucleico.
Eu não tenho tempo agora de explicar como está codificada
essa informação genética no DNA,
mas posso lhes dizer que existe um senão.
O senão é que todas as características sobre as quais acabei de falar
estão contidas na informação do DNA.
Mas há diferenças entre os seres vivos que nada têm a ver com o DNA,
mas que têm a ver com o meio ambiente.
Por exemplo, o Vice-Presidente argentino, Julio Cobos,
e o ex-Presidente argentino Fernando de la Rúa
pertencem à espécie *** sapiens sapiens.
E há sérias discussões se eles deveriam
pertencer à subespécie dubitativus.(hesitantes) (Risos)
Contudo, claramente estes dois indivíduos são muito parecidos
- todo mundo concorda -,
mas suas semelhanças não são genéticas, mas ambientais.
Suas semelhanças têm a ver com sua sua ideologia, suas deficiências, suas virtudes,
com coisas que lhes aconteceram
durante suas vidas e provavelmente também
por causa dos estímulos que receberam durante suas vidas intrauterinas.
Por quê?
Porque o fenótipo é a soma, digamos, irreversível
do genótipo com o ambiente.
Em algumas circunstâncias, os genes predominam.
Em outras, o ambiente predomina.
O que é o fenótipo?
O fenótipo é o aspecto, a morfologia,
a fisiologia, o comportamento.
O genótipo "é" o DNA.
E o ambiente, apenas isso.
A estrutura do DNA é uma hélice dupla
formada por algo como letras químicas,
que se chamam bases, que dão as ordens
para que as células produzam proteínas.
A estrutura do DNA foi descoberta em 1953
por esses dois famosos cientistas:
James Watson e Francis Crick.
Francis Crick faleceu em 2004.
Ambos receberam o Prêmio Nobel em 1962.
E James Watson ainda é vivo.
Está vivo e, durante os últimos sessenta anos, ele testemunhou
uma revolução, não apenas a científica,
mas também uma revolução da indústria,
na vida cotidiana e na sociedade.
Porque, graças a sua descoberta de que a informação genética
está contida no DNA,
muitos aspectos de nossas vidas sofreram uma revolução.
Aqui vemos Crick com uma régua de cálculo.
O fotógrafo pediu a Crick em 1953
para apontar para a estrutura do DNA com uma régua de cálculo.
Ontem pude constatar que ninguém aqui com menos 40 anos
sabe o que é uma régua de cálculo.
Aqui vocês podem ver uma.
É um instrumento que permitia extrair a raiz quadrada,
obter logaritmos, multiplicar e dividir
sem necessidade de nenhum aparelho eletrônico.
Em 1953 não havia iniciativas como
"Um Computador Por Criança",
mas sim uma régua de cálculo por criança.
Não era assim, pois réguas de cálculo não eram distribuídas de forma maciça,
mas eu só queria mostrar o contexto histórico.
A revolução que Watson testemunhou
- e continua a testemunhar -
envolve a medicina e coisas como
o diagnóstico de doenças hereditárias ou infecciosas e câncer,
ou remédios produzidos por uma tecnologia do DNA recombinante:
interferons, eritropoietina, hormônio do crescimento, insulina.
Vacinas recombinantes, como a vacina da hepatite B,
que a maioria de vocês, ou muitos de vocês, tomaram,
está sendo produzida por meio de engenharia genética.
Terapia genética, apesar de não ser usada cotidianamente,
tem avançado muito na pesquisa.
Animais transgênicos.
Medicina personalizada no futuro.
Anticorpos monoclonais, criados por nosso Prêmio Nobel,
César Milstein.
Na medicina forense, temos
a determinação da identidade e dos laços de família.
Vou me deter um pouco neste tema,
pois ele é especialmente relevante para o nosso país.
Foi justamente o estudo das diferenças e semelhanças nas sequências de DNA
que permitiu a nosso país ser pioneiro na identificação de pessoas.
Em especial, a identificação dos filhos de pessoas desaparecidas
e seus laços biológicos com seus avós.
Algumas pessoas disseram que a análise mitocondrial do DNA
parece ter sido feita especialmente para as avós da Praça de Maio.
Aqui eu gostaria de fazer uma reflexão.
É fundamental se utilizar a análise do DNA
para descobrir a verdade no caso
dos filhos de Ernestina Herrera de Noble.
Assim como a biologia pode distinguir entre espécies diferentes,
ela também pode distinguir entre
um filho adotado e um filho biológico.
E essa é uma verdade que a Argentina
não pode mais esconder.
(Aplausos)
A indústria e a agricultura também passaram por suas revoluções.
Nós tivemos e temos a indústria farmacêutica do DNA recombinante,
a produção de enzimas para a indústria,
a detecção de alimentos contaminados,
os animais transgênicos,
- área na qual a Argentina também é pioneira -,
classificação de sêmen de reprodutores,
identificação de gado roubado,
plantas transgênicas produzidas em nosso país,
a expansão da produção da soja e também nosso superávit fiscal.
Vou me deter um pouco mais nesses exemplos.
Não sei se todos notaram, mas estou vestindo
um par de jeans não desbotados.
Todo par de jeans desbotados vendido no mundo hoje
foi desbotado com uma enzina produzida pela engenharia genética.
A chamada "stone washing" (lavagem com pedra) já não existe mais.
Industrialmente, já não se lavam mais jeans com pedras.
O que se faz é desbotá-los com uma celulase produzida por um fungo.
Jeans são feitos de celulose,
a celulase os desbota. Esse fungo tem um gene
que foi transferido para uma bactéria.
Essas bactérias são criadas industrialmente e produzem a enzima
que é usada pelas fábricas de brim para vender seus jeans.
Ou seja, vejam a que ponto a revolução da indústria
biotecnológica afeta nosso dia a dia.
Todo mundo compra jeans desbotados.
Bem, os cromossomos são encontrados nas células.
O DNA é encontrado no cromossomo.
O DNA é dividido em diferentes segmentos chamados genes.
Cada gene é copiado de modo a fabricar outro ácido nucleico chamado RNA.
Esse RNA, por sua vez, é copiado para produzir uma proteína,
que é o produto final e desempenha sua função em nossas células.
As proteínas sãos como trabalhadores das células.
Aí a coisa começa a ficar complexa e tem a ver
com o tema sobre o qual quero falar.
Um gene, na verdade, é constituído de
segmentos alternados
chamados éxons e íntrons.
Quando eles são copiados, ambos são copiados: éxons e íntrons.
Mas antes de acontecer a segunda cópia,
o RNA elimina os íntrons
- ele os joga fora -
e une os éxons entre si.
Esse processo se chama "splicing",
que em inglês significa basicamente "cortar e juntar",
e está acontecendo nas células de todos vocês agora mesmo,
simultaneamente, o dia todo,
em todos os seus genes.
Ou seja, produz-se um RNA maior que é encurtado em um mais curto.
Até os anos 1980, acreditava-se que cada gene
era capaz de produzir apenas uma proteína.
No entanto, em meados dos anos 1980,
foi descoberto um gene que produzia muitas proteínas.
Esse processo é chamado "splicing alternativo",
e é uma variante do "splicing" que acabei de mencionar.
Essa variante complexa implica no seguinte:
se o gene tem éxons e íntrons,
quando é copiado, a primeira cópia duplica um RNA
com éxons e íntrons, mas logo o "splicing"
pode ocorrer de duas formas diferentes.
Por exemplo, incluindo o éxon que está no meio
ou o excluindo, com o qual o gene pode produzir duas proteínas diferentes.
E isso é muito mais complexo, pois cada um de nossos genes
podem produzir às vezes centenas de proteínas distintas.
Agora, o "splicing alternativo" parece ser a causa
da grande complexidade dos vertebrados.
Quer dizer, da nossa complexidade.
Por quê?
Olhem, esse verme microscópico, que se chama Caenorhabditis elegans,
é um invertebrado microscópico de um milímetro de largura
formado por mil células.
Cada uma dessas células contém 19.000 genes.
Tudo bem, esses números não significam nada.
Mas esse outro animal, chamado Madonna,
pertence à espécie *** sapiens sapiens.
Podemos ver facilmente que é um vertebrado macroscópico,
tem quase 2 metros de altura e é formado por 10 elevado a 13ª potência de células.
Ou seja, por dez trilhões de células
e tem 23.000 genes.
Por menos antropocêntricos que sejamos,
é óbvio que Madonna e nós somos de longe mais complexos
do que aquele pobre verme microscópico.
Apesar disso, nosso número de genes é bastante semelhante.
Onde está a diferença então?
Primeiramente, temos de saber o que não acontece:
não somos mais complexos porque temos mais genes.
Em segundo lugar, 19.000 e 23.000 se equivalem
na mesma ordem de magnitude,
esse verme pode produzir 25.000 proteínas com 19.000 genes,
enquanto conseguimos produzir com nossos 23.000 genes
em torno de 100.000 proteínas,
pois 80% dos nossos genes são capazes de
produzir mais que uma proteína por meio do splicing alternativo.
Ou seja, nossa grande complexidade tem a ver com a grande quantidade
de variantes de proteínas que podemos produzir.
Quando digo "nós", quero dizer os vertebrados,
os mamíferos, as aves.
Não me refiro apenas aos seres humanos.
Assim, vimos que nossos genes
podem produzir muito mais proteínas que os dos vermes.
Agora, o splicing alternativo
- que é o que estudamos em nosso laboratório -
tem muita importância na causa de muitas doenças.
Para lhes dar alguns exemplos, posso mencionar:
cânceres mamários, renais e gástricos; doenças hereditárias,
como a síndrome do cromosso frágil X ou distrofia miotônica,
ou a fibrose cística.
Deixe-me lhes dar um exemplo
que não é uma doença e nem mesmo está comprovado,
mas mostra como o splicing alternativo
tem a ver com nossas experiências cotidianas.
Vejam, isso é uma orelha.
Dentro dela, encontramos um aparelho sensor, que é o ouvido interno.
Se olharmos para o ouvido, dentro dele, no ouvido interno,
existe uma região chamada cóclea.
Dentro da cóclea existe um fluido que vibra quando recebe uma onda sonora.
Esse líquido banha umas células chamadas de células ciliadas.
E essa células, os cílios, são como cabelos.
Esses cabelos têm alguns canais dentro deles, que estão em verde,
que estão em sua membrana e podem estar tanto fechados quanto abertos.
Do lado de fora, no fluido, existem sais, existem íons.
Quando o som chega e faz o fluido vibrar,
esses cílios se movem mecanicamente.
E ao se mover, eles abrem os canais,
os íons entram aí - como está indicando a seta -
e é gerado um impulso elétrico que é enviado para o cérebro
e nos faz sentir o som.
A questão é que, ao longo da cóclea,
as células vão captando frequências distintas do som.
Temos a capacidade de captar frequências distintas do som.
E acredita-se que cada canal verde
de cada um dos cílios dessas células
é uma variante diferente do splicing alternativo.
O que isso significa?
Que nossa capacidade de perceber diferentes frequências
tem a ver apenas com uma única proteína que é a do canal
-- não sei se tem vários polipétidos, isso é coisa técnica --
As variantes das proteínas
são adaptadas para perceber diferentes frequências
e produzir impulsos nervosos
de diferentes magnitudes, dependendo da frequência.
Em outras palavras, podemos dizer que o splicing alternativo
é como música para os nossos ouvidos e nos permite distinguir,
por exemplo, Beethoven
dos Beatles.
Como é controlado o splicing alternativo?
Nos dois minutos que me restam vou projetar
em dois slides 12 anos de pesquisa
do nosso laboratório da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais
da Universidade de Buenos Aires.
Mencionei antes que se a enzima que copia o gene
e faz o RNA é lenta, isso permite descartar os ítrons
um a um, para conseguir um RNA com todos os éxons
de uma das variantes do splicing alternativo de cada gene.
No entanto, se a cópia é rápida,
a seção com o EXON interno vai ser eliminada,
os íntrons não podem ser eliminados individualmente
e isso produz uma variante diferente.
Descobrimos que a velocidade da cópia
determina parcialmente o resultado
de qual variante de proteína produz cada gene.
Não faz muito tempo nós também descobrimos que a velocidade da cópia
é altamente limitada pela estrutura do gene no DNA.
O DNA não está descoberto.
Ele é recoberto por proteínas, formando o que se conhece como cromatina.
Aquela cromatina dentro do núcleo tanto pode estar mais solta ou mais compacta.
Se estiver relaxada, a cópia é rápida.
Se for compacta, a cópia é lenta,
como o diagrama do caminhãozinho mostrado aqui.
É a diferença entre dirigir no asfalto e no cascalho.
No cascalho, deve-se dirigir devagar,
por causa dos muitos obstáculos.
Já termino. Ainda tenho 55 segundos. Esses dois slides
mostram 12 anos de trabalho do nosso grupo de pesquisa
feito na Faculdade de Ciências Exatas
no Instituto de Fisiologia, Biologia Molecutar e Neurociências do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas,
cujo diretor está aqui na plateia,
da Universidade de Buenos Aires.
Me pediram para não dizer nada, mas não pude evitar.
A Universidade de Buenos Aires é uma universidade pública, estadual.
Ela é gratuita e autônoma, (aplausos)
co-governada, leiga, de ***,
científica e tecnológica, e de excelência.
(Aplausos)
Tenho um epílogo, mas não vou mostrá-lo.
Isso é tudo. Minha ideia, se o TED é um lugar para ter ideias,
ou para compartilhar ideias, a ideia que quero deixa com o último slide
é basicamente uma contraideia.
A contraideia que quiseram nos inculcar nos anos 1990
de que a educação tinha de ser privatizada,
elitista e exclusiva de universidades privadas.
Se vocês me conhecem, sabem muito bem que
sou um defensor da universidade pública.
Mas isso não é um capricho.
Nossa experiência cotidiana mostra que a universidade pública,
sob as condições que mencionei,
é o lugar natural para gerar o conhecimento.
A universidade privada pode aspirar
produzir conhecimento, mas ela não consegue.
Não consegue, porque faltam muitos desses fatores
que estão ali.
Muito obrigado.
(Aplausos)