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Primeiro de janeiro de 1500.
Um jovem português olha para a primeira noite do século XVI.
A estrela Polar, guia dos navegantes,
faz um ângulo de 25 graus com o horizonte.
A constelação de Orion está quase afundando no Oceano Atlântico.
Ele ainda não sabe, mas os astros lhe reservaram...
um destino incomum.
Nesse mesmo momento, a sete mil quilômetros dali,
do outro lado do Atlântico, num lugar chamado Pindorama,
brilha a constelação do Cruzeiro do Sul,
que lá se chama Pauí-Pódole.
Uma jovem índia vê este outro céu. Ela sabe que as estrelas...
são as almas dos heróis indígenas que morreram.
O que ela não sabe é que também vai se tornar uma heroína.
E virar estrela lá no céu.
Ele se chama Diogo, nome que vem do latim e quer dizer...
"pessoa educada ".
Ela se chama Paraguaçu,que em Tupi significa "mar grande ".
Ela é uma princesa, mas ele vai tomá-la por uma selvagem.
Ele será degredado, mas vai se tornar rei do Brasil.
A história dos dois juntos vai virar lenda.
Diogo Álvares?
Perdão. Diogo Álvares, para servi-lo Excelência.
Da Vinci, Botticcelli... O senhor imita bem os italianos.
Eles são para mim os mestres absolutos.
-O senhor também é artista? -Apenas um amador.
Comando uma feitoria em África. Sou traficante de escravos.
Também é uma ocupação interessante, Senhor...
Vasco de Ataíde, cavalheiro da Casa Real.
Vim a Lisboa conhecer minha noiva.
E foi este retrato que o senhor fez dela que me trouxe a sua casa.
A condessa de Sintra. Gostou da pintura?
Muito. Apaixonei-me por ela. Escrevi imediatamente pedindo...
a Condessa em casamento e fui aceito.
Com este quadro eu ganhei da Academia Real o prêmio de "Grande...
Promessa da Pintura Portuguesa".
Pena que essa promessa não vá se cumprir.
Hoje, quando encontrei a Condessa pela primeira vez,
descobri que era a moça mais feia de Lisboa!
A arte não pode se limitar a uma simples cópia da vida, Senhor Vasco.
Ela tem por missão embelezar "um pouco" a realidade.
Um pouco?
O mínimo que eu esperava é que ela tivesse as duas orelhas!
Por quê? Ela precisa de óculos?
De óculos precisa o senhor que viu esta deusa por trás daquele...
acidente da natureza.
Faça como eu, senhor, use a imaginação.
É preciso mais do que imaginação para passar o resto da minha vida...
ao lado daquele estrupício!
Pois então? A minha pintura pode... poderia ajudá-lo nessa tarefa.
Canalha!
Você vai queimar agora todos esses quadros...
e abandonar a profissão de retratista para sempre!
Senhor Vasco! O senhor não pode privar a humanidade da minha arte!
Se o senhor preferir, eu posso privá-la do artista.
Dom Jaime?
-Quem disse isso? -Quem disse o quê?
-Dom Jaime. -Eu disse. Eu estou a perguntar.
O senhor é Dom Jaime?
-Eu pareço Dom Jaime? -Não. Eu nunca o vi antes.
Então porque pensa... que eu sou Dom Jaime?
Desculpe, um dos guardas da entrada me disse que o senhor estaria...
na Cartografia.
Há outras pessoas na Cartografia! Veja lá naquelas mesas. Três pessoas.
-Lá isso é verdade. -Qual deles?
-Qual deles o quê? -Qual deles disse que eu estaria aqui?
-O baixinho ou o caolho? -Na verdade, o caolho.
Foi o que eu imaginei... e... como foi que ele me descreveu?
Ele disse que o senhor estaria aqui, na Cartografia,
e que o senhor... estaria aqui... na Cartografia.
E ele não falou nada sobre a minha... aparência?
-Não que eu lembre. -O senhor tem certeza?
Perfeitamente, Dom Jaime.
Eu não lhe disse ainda se eu sou Dom Jaime...
-Desculpe. O senhor é Dom Jaime? -Haam... sou. O quê que você quer?
Um emprego. Como pintor.
Tem alguma referência do seu trabalho?
-Excelente! Está empregado. -Estou? E quando começo?
Eh! Ainda não começou? Ah! Pensa que pode ficar aqui...
parado enquanto há tanto trabalho para ser feito?
Ah! Continue agindo assim e logo logo será despedido!
-Mas o que espera que eu faça? -Vou lhe mostrar uma coisa.
-Tem uma... uma moeda? -Por certo que sim.
Do quê que estávamos falando?
Eu esperava que o senhor me dissesse o que espera que eu faça.
Ah, sim. Venha comigo.
-Depois o senhor me pediu uma moeda. -Dessa parte eu me lembro.
Talvez o senhor tenha visto o quadro que eu lhe mostrei antes...
de ser queimado.
É um retrato da Condessa de Sintra. Com ele eu ganhei da Academia...
Real o prêmio de "Grande Promessa de Pintura Portuguesa."
Excelente retrato.
Oh! Ainda mais se considerarmos o estupor...
que lhe serviu de modelo.
Fez bem em tirar os bigodes da moça.
Obrigado, Dom... Não é sempre que se reconhece o esforço de um artista.
Este mapa servirá para a próxima expedição ás Índias, comandada por...
Pedro Álvares Cabral, seguindo o caminho descoberto por Vasco da Gama.
O próprio Rei me encomendou este trabalho e eu gostaria que o senhor...
fizesse algumas ilustrações para torná-lo mais vistoso.
Não vou decepcioná-lo. Farei Netuno, Deus dos Oceanos,
irrompendo das águas e acenando para Apolo que no mesmo instante...
singra os céus no carro do sol.
Não, não precisa. Ham... oh... Faça umas baleias aqui e ali e já chega.
Quanto ao pagamento, Dom Jaime...
Ah, o pagamento de um artista é a glória para a eternidade!
A arte é longa, a vida é breve.
-Mas eu não como há dois dias. -Ah! Nem me fale!
Não consigo pintar mais naturezas mortas, comi todas as pêras...
e as maçãs do estúdio. E olhe que eram de cera!
Tenho contas com o senhorio, que me expulsou de casa.
Estou a dormir no chão.
Ah! Eu também tenho tido pesadelos terríveis, rolo e caio...
da cama todas as noites, desde que descobri que a Terra era redonda!
Mas a Terra é redonda.
-Quem disse isso? -O senhor.
Mentira! Eu nunca disse que a Terra era redonda!
Foi o caolho da portaria quem lhe disse isso, não foi?
Não senhor.
Tome aqui, esta moeda como um adiantamento, heim...?
Mas não me peça mais nada, heim!
Vamos ver estas baleias, heim!
Ah! Baleias. Grandes baleias azuis, talvez alguns monstros marinhos...
Capitão Vasco de Ataíde!
Julguei que terminaria seus dias caçando escravos em África.
-O que o trouxe a Lisboa? -Vim me casar.
Meus parabéns, quem é a noiva?
-A Condessa de Sintra. -Meus pêsames.
Foi por isso que lhe chamei.
Vasco! Não me diga que fez-me vir de Paris...
para fazer-me outro pedido de casamento?
Não se trata disso.
Para fugir á visão deplorável de minha futura esposa...
resolvi partir numa expedição marítima e sumir por alguns meses.
Esta é a sina dos maridos de mulheres feias: chegar tarde...
do trabalho.
Em compensação costumam ficar rico.
Pois é justamente de ficar rico que se trata.
Meu assunto predileto.
O Rei organizou uma grande expedição para estabelecer o comércio marítimo...
para as Índias. Acontece que fui preterido do comando que ficou...
a cargo de Pedro Álvares Cabral.
A mim coube apenas o comando de um dos navios.
Pobre Vasco! Cuide para que sua esposa não queira embarcar com você.
Se bem que dizem que os corcundas dão sorte.
As mulheres não são permitidas nessas expedições de conquista.
Graças a Deus!
Por um momento pensei que me convidaria a acompanhá-lo.
Eu quero uma cópia do mapa da expedição.
E você vai conseguir para mim.
Seguirei a rota secreta de Vasco da Gama: descerei a costa...
escaldante da África, contornarei o cabo das Tormentas,
singrarei o Oceano Índico e chegarei ás Índias antes de Cabral.
Isto vale muito ouro. Mais ouro do que você imagina.
Não existe mais ouro do que eu imagino.
Onde está o mapa?
O senhor quer me dizer o que é isto aqui?
Trata-se de uma sereia, Excelência. Uma figura mitológica representada...
por uma mulher com cauda de peixe, ou um peixe com busto de mulher,
se o senhor preferir.
E o senhor poderia dizer o que é que ela está a fazer aqui?
Ela penteia seus longos cabelos enquanto enfeitiça os marujos...
com seu canto arrastando-os para o fundo do mar.
Pois, é exatamente isto que irá acontecer caso os pilotos usem...
o seu mapa. A sua "figura mitológica" está a encobrir uma barreira de corais,
na costa da África e fatalmente os barcos se chocarão contra ela.
É que eu tive que prolongar a cauda da sereia de modo...
que ela representasse dois terços do total da figura.
O que o senhor está a me dizer é que quase põe a perder a maior...
expedição que jamais singrou o Atlântico,
só para não fazer uma sereia de rabo mais curto?
Ficaria desproporcional, Excelência.
Desproporcional é o tamanho da sua caixa craniana em relação...
a pequenez de seu cérebro.
Seu trabalho é ilustrar os mapas, não modificá-los!
Corrija isso! Imediatamente!
Falam em renascimento das artes mas o espaço para os artistas...
está cada vez mais restrito.
Diogo Álvares? Eu vim me por a disposição do seu gênio.
Deve haver um engano, eu...
Eu vi o retrato que você fez da condessa de Sintra.
Um verdadeiro milagre da imaginação!
Quase não a reconheci com cabelos!
Se foi capaz de criar beleza a partir daquele horror...
o que não será capaz de fazer se eu lhe servir de modelo!
Minha senhora, melhorar o que é feio é o ofício dos artistas.
Mas uma beleza como a sua só Deus é capaz de produzir.
Infelizmente a beleza é passageira. Não me negue o privilégio de ser...
imortalizada pela sua arte.
Eu é que vou ficar conhecido como o autor do retrato de...
Isabelle d'Avezac, Marquesa de Sévigny.
Quero levá-lo ao mais alto píncaro da glória e estou disposta a fazer...
todos os sacrifícios.
Pousarei para você inteiramente nua.
Ah, dona Isabelle! Eu não vou lhe decepcionar.
Farei a senhora encarnada em Vênus, a deusa grega da beleza.
Ela surge inteiramente nua de uma concha do mar.
Zéfir, o vento do oeste, sopra seus longos cabelos.
E uma ninfa lhe estende o manto florido que cobrirá...
sua magnífica nudez.
O quadro tem que abordar o grande tema de hoje.
-Os descobrimentos! -Exatamente!
O corpo descoberto da mulher comparado com a Terra também...
despida e finalmente revelada pelas grandes navegações!
E os dois, a Terra e o meu corpo, revelados aos homens...
por um artista genial.
Ah! Será minha obra-prima. Um quadro para a galeria do Rei.
Não! Um quadro é pouco! Uma obra dessa magnitude...
não pode ficar pegando poeira entre marinhas e madonas.
Que a sua obra se imortalize no próprio mapa de Pedro Álvares!
Perfeito! A Vênus do Descobrimento, ilustrando o próprio mapa!
Eu vou buscá-lo no ofício onde trabalho.
E eu lhe farei descobrir os "meus" continentes.
Ai meu Deus que desgraça, isso não vai ser possível!
-Por quê não? -Os mapas são secretos.
Não posso mostrá-los a ninguém.
Então eu me disponho a lhe mostrar meu maior segredo...
e você me esconde o seu?
São ordens do Rei, marquesa. O que posso fazer?
Talvez seja melhor você desenhar um jarro de flores.
Posso desenhar um mapa aqui mesmo, um que não fosse conforme...
o original um falso mapa?
Para fazer imitações você não precisa de uma verdadeira mulher.
Peça á condessa de Sintra para se despir e lhe servir de modelo.
Ou então use um bacalhau seco que dará no mesmo.
Espere! Eu vou buscar o mapa. Mesmo que eu tenha que morrer,
quero antes olhar para a verdadeira face da beleza.
Eu vou lhe mostrar a face e todo resto.
Pena que você não possa expor essa obra prima!
Nem adianta tentar. O mapa ia ser confiscado e eu preso.
A posteridade vai reconhecer o seu talento eu também...
Pronto. Terminei a parte do seu corpo que corresponde a Europa.
Agora, se a senhora me permite, é chegado o momento...
de desenhar o norte da África.
-O primeiro destino dos corajosos. -Por mares nunca dantes navegados.
Darei ao seu colo o calor das areias africanas.
Posso sentir os ventos do deserto!
Dona Isabelle, é preciso ir mais ao sul, dobrar o Cabo do Bojador.
Nunca antes revelado...
Quinze expedições tentaram contorná-lo e fracassaram.
O seu será o feito.
"Denúncia contra Diogo Álvares! Artesão instalado no...
Ofício Cartográfico Real... "
Já passo do Cabo Verde... as glórias dos grandes navegadores...
são menores que a minha...
Ainda não alcançaste o Castelo da Mina...
Perdão...
O Castelo da Mina... Fica naquela curvinha da África,
onde o vento sopra mais quente.
E as dunas brancas desenham sombras que se movem.
"O dito Diogo Álvares cometeu crime contra a Coroa,
ao furtar um mapa do Ofício Cartográfico e escondê-lo...
em sua casa, aonde se encontra até esta hora! Á rua das Cabras,
número nove. "
Já me sinto em Diogo Cão, sempre mais ao sul...
-Por mares nunca dantes navegados. -Estou quase ao Cabo Lobo!
"Assino e dou fé, Isabelle d'Avezac, Marquesa de Sévigny.
Lisboa, ano da graça de 1500. "
Aproxima-se o Cabo da Boa Esperança.
O maior de todos os feitos.
Bartolomeu Dias!
Posso até ouvir as batidas do meu coração.
-Abram em nome do Rei! -Fomos denunciados!
Acalme-se! No fundo estamos a trabalhar pela glória de Portugal.
Deixe que eu resolvo tudo.
-D. Jaime! -Talvez eu seja. Onde está o mapa?
Eu estou a trabalhar sobre ele. A senhora que me serve de modelo...
poderá confirmar o que digo. Marquesa?! Ela sumiu!
-Não diga!? E quanto ao mapa? -Também desapareceu!
Ah! Alguma bruxaria, talvez. E para que o mesmo não ocorra...
com o senhor convém colocá-lo em local seguro.
Guardas!
"Confissão de Diogo Álvares, cristão velho,
em sete de março, do ano da graça de 1500.
Disse que desviou um mapa do Ofício da Cartografia Real,
apenas no intuito de ilustrá-lo com a figura de uma mulher,
que para ele se despira, também visando apenas...
o elevado ideal artístico,
que pretendia devolver o mapa e que não praticou nenhum ato...
nefando com a moça, por ser ele mesmo um moço...
e inocente e outros tantos contos da carochinha.
E por isso, será degredado para sempre em África,
partindo na próxima expedição, em destino das Índias. "
Nosso intrépido navegador! Como vão os preparativos...
para a viagem?
De mal a pior. Deram-me o comando da nau dos degredados.
Console-se, meu caro. Comigo, como sempre, a sua sorte vai virar.
-Conseguiu o mapa? -Vasco, o que você faria sem mim?
Agora que eu já tenho o mapa, não preciso mais de você.
Faça bom proveito. Mas aviso que com este mapa você vai chegar...
ás Índias, dois meses depois de Cabral.
Basta devolvê-lo a Cabral e ele fará um belo passeio pelo Atlântico...
antes de chegar ás Índias.
Você segue o mapa original e chega primeiro.
E onde está o mapa com a verdadeira rota?
Em local seguro. Você o receberá quando já estiver a bordo...
e não tiver mais tempo de me trair.
Não quero mais ninguém envolvido nisso.
Ninguém saberá que o mapa é para você.
Quando todos estiverem embarcados eu lhe indico quem é...
e você confisca o mapa em nome do Rei.
E o falso mapa?
Devolva ao Ofício de Cartografia.
Diga que o comprou de uma espiã francesa. E não peça nada em troca.
Sua recompensa será o fracasso de Cabral.
-Dona Isabelle! -Soube que tinhas sido degredado.
E a senhora onde estava?
Fugi com o mapa assim que vi a guarda se aproximar.
Esconda-o! Destrua-o! Será sua sentença de morte.
Destruir essa obra prima? Nunca!
Trouxe-lhe para que leve consigo o meu retrato.
Vou terminá-lo aqui mesmo na prisão.
Precisas ver a parte que ainda falta?
Não! Não é necessário. Guardo-a indelevelmente na memória.
-Espere-me Isabelle! -Até o fim dos tempos!
Eu voltarei!
-Diogo Álvares! -Isabelle!
Adeus! Tchau!
Nem um oceano sem fim pode separar nosso amor!
Nem mil oceanos!
-Guarde nosso segredo! -Junto ao meu peito!
Senhor Vasco!
Que cena romântica! Uma rosa, uma dama, uma partida!
Cheire-a com gosto.
Aonde vais elas não existem.
Olhe-a bem... é a última vez.
Despeça-se de Portugal!
Vai ser para sempre.
Não sabia que gostavas de viajar.
Também fiquei surpreso ao encontrá-lo a comandar este navio.
O mundo é pequeno, meu caro! E redondo!
Mesmo navegando em direções opostas, terminamos por nos encontrar.
Não sabia que se interessava também por geografia.
Guardei este mapa apenas por causa do desenho que fiz para ilustrá-lo.
Mas eu também lhe havia proibido de desenhar retratos.
Fui tomado pelo entusiasmo e não me lembrei de suas ordens.
Pena para ti. Quanto a mim, vai ser um prazer transportá-lo...
para o inferno!
Com licença, este lugar ao seu lado está reservado?
-Não, tenha a bondade. -Obrigado.
Não quer sentar na ponta para ver a paisagem?
Não, prefiro corredor. Mais perto do banheiro.
-É a primeira vez que degredado? -Primeira vez.
Dá para notar. Olha, o banheiro aqui é o mar.
Você pega este balde, faz tudo aqui dentro e joga no mar,
com balde e tudo.
-Prático, não é? -Por certo que sim.
No começo você vai ficar com vergonha de usar o balde,
mas na primeira calmaria você se solta.
Uma vez eu peguei uma calmaria em Cabo Verde de 15 dias.
Só tinha carne estragada para comer. Cento e cinqüenta homens comendo...
carne estragada, 15 dias parados...
no meio do mar, um calor de quarenta graus.
Impressionante a camaradagem que se formou entre o pessoal.
Você foi degredado porquê?
Tirei um mapa da Cartografia Real.
-Para quê? -Para desenhar uma mulher.
Que motivo mais estranho para uma pessoa ser degredada.
-E você foi degredado porquê? -Tranquei uma porta pelo lado de fora.
-E isso é crime? -Artigo 45, parágrafo quinto:
"Que nenhuma pessoa feche porta alguma pelo lado de fora...
sem a autorização de seus donos".
E por que você trancou uma porta de alguém pelo lado de fora?
Ué... para ser degredado, lógico!
Dois anos para a Índia, ainda não conheço a Índia.
Já viajei pelo mundo todo, de graça, só sendo degredado.
-Adoro esse biscoito. Quer um? -Obrigado.
Eles têm um gostinho de barata.
Proteína animal! Barata tem ferro, potássio.
Faz bem para os olhos. Pena que essa viagem é tão curta.
Pois eu daria tudo para sair daqui o mais rápido possível.
-Bom, mas isso é fácil. -Como?
-Basta se vestir de mulher. -E de que isso adiantaria?
Mulheres não podem ficar no navio. Elas são abandonadas na primeira...
parada, nas ilhas Canárias. De lá, você volta.
Foi assim que eu conheci os Açores.
Parece uma boa idéia. Se eu tivesse um vestido...
Gosta do vermelho de alcinha ou prefere o amarelo de mangas bufantes...
-O vermelho de alcinha está bem. -Bonito! Combina com seus cabelos.
Vista-se que eu vou chamar o Capitão.
Capitão! Mulher a bordo, Capitão! Mulher a bordo!
-Uma mulher! Onde? -Por aqui, Capitão!
-Tem certeza? -Claro, Capitão!
Quem mais poderia estar usando um vestido vermelho de alcinha...
digo, amarelo com manga bufante, Capitão?
Silêncio!
-Quem trouxe essa mulher? -Fui eu mesmo, Capitão.
Não sabe que é proibido trazer mulheres a bordo?
Sei, Capitão. Está no código: artigo doze, parágrafo terceiro.
-Terá sua pena dobrada! -Muito justo, Capitão.
E você, me acompanhe! Será desembarcada no primeiro porto!
Aceito a punição que me é devida.
Obrigada, Capitão. Eu não bebo.
Beba!
Já estamos há quinze dias no mar.
Calcule o tamanho da minha solidão.
Água fria é bom para acalmar os desejos.
Se houvesse água.
-Não tomo banho há quinze dias. -Percebo.
-O que procuravas a bordo? -Novidade, excitação, prazeres...
-Já encontrou! -Controle-se, Capitão!
O senhor tem uma esposa!
Um monstro marinho é mais atraente.
E quando o senhor pretende me desembarcar?
Espero que a senhora me perdoe o rigor com que...
está sendo tratada.
Não se preocupe, eu sei que o senhor cumpre com o seu dever.
Mas antes é necessário que eu me certifique de que não estou...
-cometendo nenhuma injustiça. -Como assim?
Preciso provar que a senhora realmente é uma mulher.
Controle-se, Capitão! O senhor não sabe reconhecer uma mulher?
É claro que sei! As formas voluptuosas.
A generosidade das carnes... a senhora cumpre todos os quesitos,
mas eu preciso de uma prova definitiva.
Talvez eu possa lhe cantar alguma romanza ou executar algum bordado...
Seria bem mais rápido se a senhora se despisse.
-Ah! Minha senhora! -Eu sou uma moça recatada!
Desculpe! Não estou a agir como um cavalheiro.
Logo se vê que é uma dama.
Elas nunca querem se despir na minha frente.
O pintor deste mapa teve mais sorte.
Esta aí não conta.
Já se mostrou assim para a metade de Lisboa.
Como ousa difamar a imagem da pureza, canalha!
Ora! Além de mentiroso e ladrão, és também um invertido!
-E parece que disso fazias gosto. -Morrerás pela ofensa.
A morte não será pena maior do que viver naquele porão infecto,
apertado, imundo!
Tens razão. Levem-no para o porão!
-E então? -Quase perco o que me resta...
de honra. O Capitão me queria como esposa!
-E você não aceitou? -Preferi voltar ao inferno!
Não se preocupe. Agora vai melhorar muito essa viagem.
Você está vendo esse nevoeiro?
Depois do vento vem a tempestade, que é a melhor parte!
-E o que há de bom numa tempestade? -Tudo!
As ondas, as ondas, a escuridão, o perigo!
-Mas o melhor mesmo são os raios! -Você gosta de raios?
Claro. Graças a eles podemos ver os monstros!
Monstros?!
Você! Venha!
-Quer que eu use o vestido? -Da próxima vez use o de alcinha!
Eu devia tê-lo matado antes que cobrisse este mapa...
com seus borrões!
O que é isso?
Parece-me uma coxa de galinha, Capitão.
No mapa, imbecil! Essas manchas azuis que cobrem...
a rota a minha frente. São nuvens ou são ilhas?
Nem uma nem outra, Capitão.
São esguichos da grande baleia azul que acompanha...
a nau de Vasco da Gama...
Esguichos de baleia! E para que me servem seus esguichos de baleia?
Só quero saber como chegar as Índias.
Tem certeza que não são pedras?
Absoluta, capitão. Siga tranqüilo, sempre em frente.
Pensando bem, talvez sejam pedras.
Eu vou matá-lo! Miserável!
Meu primeiro naufrágio!
-Capitão! -Para servi-lo.
Se me matar, terá que remar sozinho.
Vejo que não és um imbecil completo.
Mato-te quando me levares á próxima ilha,
que deve estar perto.
Vamos! Comece a remar! Sempre a oeste!
Terra! Terra! Terra a vista!
Terra?!
E pelo visto é linda!
-Estamos salvos, senhor Vasco. -Graças a você, Diogo!
E ao senhor, que poupou minha vida.
-Você soube bem retribuí-la. -E graças a Deus estamos quites.
Agora se me permite passarei a lhe dever.
Excelência, vivo eu ainda posso fazer alguma coisa pelo senhor!
Morrer é a melhor delas.
Miserável! Volte aqui!
Preso, degredado, náufrago, o que mais me falta acontecer?
Senhor Vasco! Cuidava que houvesse morrido!
Estive a lhe esperar para carregá-lo comigo.
Santana que pariu Maria que pariu Jesus Cristo!
Assim como essas palavras são certas a Divina Providência...
há de segurar tua mão.
Amém. Obrigado meu Jesus.
Já basta!
-Oi! -Olá.
-Vieste? -Vim.
Ai, choveu pouco esse ano, não foi?
-Não sei, foi? -Foi.
Tucuruí tá tiririca com Teca não tá?
-Não sei, tá? -Tá.
Sua cara é da cor da sola do meu pé, não é?
Não sei, é?
Sabe o que o papagaio falou pro português?
-Não sei não, o que foi? -Ai, você não sabe responder nada!
-Perguntar, você sabe, não sabe? -Claro que sei!
Olha aí, você sabe responder. E perguntar, você sabe?
-Claro que sei! -Você respondeu de novo!
-E perguntar, você sabe? -Sim! Já disse que sei.
Então pare de responder e faça logo uma pergunta.
-Uma pergunta? -Sim, agora faça outra.
-Outra? -Sim, agora faça outra.
Eu?
Você não tem pergunta mais interessante para fazer?
Tenho.
Ah! Então faça logo a maldita dessa pergunta!
-Onde é que é que eu estou? -Você?
Você está com o pé em cima... como é que eu posso ver?
Ah! Agora faça outra.
-Como é que você fala a minha língua -Língua?
Sim, mas agora é sua vez de responder.
Língua!
Você fala a minha língua?
E fala fluentemente!
Aquele pássaro ali. O nome dele é sabiápiranga,
primo do sabiápoca, do sabiaúna e do sabiágonga,
que mais de vinte qualidades...
de sabiá aqui tem.
Manga?
-Manga!? -Manga!
Manga!...
Manga.
Hum, fiapo... fiapo de manga
Fiapo. Fiapo de manga.
Com sua licença.
-Arara. -Não! Urubu! Traz urucubaca.
Urubu parece arara. São dois pássaros, cinco letras e uma só vogal.
É fácil, fácil. Arara tem dó colorido e urubu só tem dó preto.
Dó preto? Penso que estás a falar das penas.
E não foi você que disse que "dó" era "pena"?
Sim, mas dó é pena no sentido de... sentimento, de sentir dó.
Pena de pássaro é pena mesmo. É fácil, fácil.
Eh, língua enrolada! É tudo sempre assim, é?
Uma palavra só tem serventia pra um monte de coisas?
Ás vezes dá-se o contrário.
Existe uma infinidade de palavras para explicar o amor, por exemplo.
E amor é bicho ou planta? Mostra onde tem!
Tem aqui..., aqui...
aqui... e aqui.
E faz como na pessoa?
Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente,
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
Eu sei o que é. A gente chama de xodó, rabicho, candonga...
querência, querer bem, saudade de coisa nenhuma.
Tem aqui... aqui... aqui... e aqui.
Parece-me que estamos a falar da mesma coisa.
Pois melhor que ficar dizendo é fazer sem dizer coisa nenhuma...
-Você já tinha feito assim? -Nunca!
-Você fazia como? -Não fazia.
-Lá não fazem? -Fazem, claro!
Eu é que nunca havia feito. Contigo foi a primeira vez.
A primeira..., a segunda, a terceira...
E as próximas mil vezes serão contigo.
Ah! Para mil falta muito.
-Gostas? -Demais!
Vou ficar igual á pintura!
Não faça isso! O pecado impõe a necessidade de vestir-nos.
E por quê que você está me pintando sem roupa?
Ué, porque... porque sendo você uma índia, devo pintá-la nua.
-E não é proibido? -Não! Neste caso não.
É um nu artístico, uma encarnação da beleza. Não há pecado.
-Arara? -Amora!
E arara é fruta? Arara é bicho passarinho.
É verdade que em Portugal ninguém nunca que vê mulher sem tanga não?
Nem o marido. A mulher honesta cobre-se com tantas...
camadas de tecido que não se lhe revelem mais que mão e face.
-E pra prender, amarra? -Com cordões como que trago na calça.
-Tira a calça pra eu ver. -Senhora!
A impudicícia atenta contra o sexto mandamento.
É nu artístico.
Mais grave se torna a falta por ser a moça cunhada em primeiro grau.
Besteira. Cunhada não é parente!
Engano seu. A lei é clara em seu livro cinco, artigo dezessete:
se alguém dormir com sua cunhada, seja degredado dez anos...
para as terras de além mar.
Aqui você tá, aqui você fica...
Calça não vai entrar mais nem!
Carece desatar o cordão!
-Que raios fazes? -Deixa eu mostrar.
-Isto é sério, Dona Moema. -É não, coração. Brincadeira, só.
-É perigoso! -É gostoso.
-Não é direito. -Torto é que é bom.
-E se ela chega? -Ela quem, meus cuidados?
-Paraguaçu! -Quem?
Paraguaçu!!
Paraguaçu, não se trata de nada disso que porventura estejas a pensar.
E do que se trata?
Não! Tua irmã trouxe-me uma arara para comer e perguntou-me sobre...
o vestido das mulheres, e eu tirei as minhas calças para satisfazer...
sua curiosidade e acendeu-me uma vontade contra minha vontade,
nada quero com ela. Só gosto de ti, eu juro.
E essa é a paga que recebo?
-O que posso fazer pra que me perdoes? -Dorme com ela!
Chegue aqui, coração dos outros.
Que a tentação sirva de pedestal ao meu triunfo!
-Maninha, trataste ele mal, foi? -Não, maninha. Fiz carinho bem.
Ele ficou que ficou querendo por demais até.
Mentira!
Então você não fez bem do jeito como eu lhe mostrei que ele gosta?
Fiz as festinhas que a mana me ensinou todas.
-Soprou no cangote? -Quentinho e aromado.
-Cosquinha nas partes? -Continuado e variante.
Ficou desmanchada escorrendo pelo corpo dele?
Molinha que nem mingau de mandioca.
Faltou o que, criatura? O que é que eu tenho que ela não tem?
Mas se é por ti que eu não me quero me deitar com ela.
Ou você passa essa noite com Moema ou não me procure mais nunca!
Vem, meu bem, vem brincar até mais não.
Se não por gosto, pra não fazer desfeita pra mana...
que eu quero tão bem como se fosse eu mesma, ou até mais.
Você faz que eu sou ela que eu faço que tu é tu mesmo que o gosto pega.
Já tá pegando, viu só?
-Hum... Moema? -Não, Paraguaçu.
-Paraguaçu? -Não, Moema.
-Hum! Moema? -É ruim! Itaparica!
Excelência! Muito prazer, Diogo Álvarez para servi-lo!
Eu estou vendo que você está mais contente do que periquito...
em roçado de milho.
Vossas filhas fazem jus a alcunha de gentis e têm me recebido...
de braços abertos.
-E não só os braços. -Ah... Excelência...
Lugar pequeno, meu genro, nada cabe e tudo se sabe.
Mas eu vim mesmo é lhe avisar que eu vou dar um fim nessa situação.
-E vai? -E então!
-Causa de quê nosso pai? -E eu sou lá pai de pançudo...
pra sustentar marmanjo a vida inteira nesse bem bom?
Vadiando com as minhas filhas, só deitado na rede comendo mingau,
comendo mingau, comendo... É ruim!
Mas, está claro que não. Minhas intenções com suas filhas...
são as melhores e pretendo regularizar essa situação.
Mas qual das duas há de ficar comigo?
Cada uma fica com um pedacinho.
Quem me dera, Alteza, se eu pudesse me repartir em dois.
Em dois, só é que não. Em muito que mais.
Você engordou bem, já.
Você se tornará carne da nossa carne.
É muita honra, Excelência.
Então ficamos ajustados: amanhã a gente enfeita uma festa bem grande.
Eu cá por mim fazia apenas uma cerimoniazita para os íntimos.
Que nada. Boto milho, pacova, macaxeira, aluá,
todos esses come e bebe bom.
Faço questão, sendo você meu genro. Quero tudo nos trinques...
para lhe devorar nos conformes.
Devorar? Acaso "devorar" em vossa língua significa "casar"?
-Vivo!? -Não! Primeiro a gente assa bem.
-Mas eu fiz alguma coisa errada? -Fez não. Você é corajoso por...
demais, até. Comendo você a nossa força da gente aumenta bem muito.
É o que vocês pensam. Eu sou covarde!
Vou contaminar vossa tribo!
Seus guerreiros vão virar uns poltrões depois não digam que não avisei.
Carece ter medo disso não que agora é que você não morre...
mais nunca seguindo vivo dentro da gente.
Eu preferia seguir vivo fora.
Você negando ser comido vai ter sentença de morte.
Mas por que não me avisaste antes, isso muda tudo!
Eu já escolhi um bocadinho seu bem bom de comer.
Que tal fazermos a coisa a prestação?
Amanhã vocês poderiam comer um naco de perna, por exemplo.
A título simbólico.
Cumpre-se o ritual e vocês estariam a fazer um excelente investimento.
Poderiam me comer aos bocados durante muitos anos,
para mais glória ainda minha e da nação Tupinambá!
Dá não, que nosso pai já prometeu pedaço pra todo mundo.
Ah! Conversê desgramado! Vamos despedir já.
Vem cá minha comidinha gostosa... Chegue, meu pedaço de mau caminho...
-Que foi, coração, tá sem vontade, é? -Enjoou da gente, foi?
Nada não. Preocupação á toa.
"Curupaco! Diogo, Diogo! Diogo, Diogo! Curupaco!"
Lá vai nossa comida correndo! É ruim!
Santana pariu Maria que pariu Jesus Cristo!
Assim como essas palavras são certas a Divina Providência...
há de me estender sua mão!
Mas, que pipoco é esse de matar urubu?!
Não seria uma arara?
Caramuru! Caramuru! Caramuru!
Caramuru!
Caramuru! Caramuru! Caramuru! Caramuru! Caramuru! Caramuru!
Então, meu genro, já preparou outro pipoco daquele pra nós...
Levar pra guerra?
Infelizmente os deuses não têm sido favoráveis.
Mas tenho um projeto para aumentar a glória dos Tupinambás.
Massacrar os inimigos dormindo, é?
Não: comércio. Venderemos comidas para os brancos...
que chegarem nos navios.
E nós vai morrer de fome? É ruim!
Passaremos a colher e a caçar mais.
Isso dá muito trabalho.
-Trocaremos por muitas mercadorias! -Eu preciso de mais pra quê?
-Põe-se a juntar, em breve está rico. -De que me serve?
Rico não precisa trabalhar.
E rico faz o quê?
Nada. Fica parado, deitado na rede.
Na rede eu vivo faz tempo. É bão!
Vai passar a tarde toda banzando aqui na praia, campeando, que coisa?
Cuidando se avisto algum navio.
Larga de leseira, meus cuidados, navio pra quê?
Fazer comércio. Anseio por comodidades de minha terra.
A tua terra agora é essa!
E mais não fosse a gente é perdida de gosto por ti, Caramuru...
nosso maioral, agora Cacique dos Tupinambás!
Grande chefe que eu sou! Ando quase nu, como raízes...
e durmo pendurado numa rede.
Na minha terra os caciques chamam-se reis e vivem em casas como essas,
grandes castelos cheios de panos macios e pedras preciosas.
-E eles nunca que morrem não? -Está claro que morrem.
E juntam tudo isso pra quê?
Para o caso de surgir uma... eventualidade, para o caso de...
surgir um... um imprevisto... para o caso de surgir... um navio! Navio!
Avistei no horizonte uma canoa grande como um jacarandá...
onde homem branco viaja por cima d'água atravessando o mar grande.
Pelo visto é um navio.
Exatamente, Excelência, um navio aproxima-se da nossa praia!
Mas de que qualidade: nau, bergantim ou galeão?
Não saberia lhe informar.
Vela latina, pequeno calado, 21 passos de comprimento:
essa bicha é caravela, e é francesa!
-Vejo que o senhor é um conhecedor! -Muitos anos de praia, meu genro.
Deixe que eu trato com eles. Tentarão nos dominar mas, não conseguirão.
Temos dignidade, inteligência e acima de tudo temos coragem!
Senhor Vasco! Perdoa este inocente que vos suplica pela vida!
Eu que devo desculpas ao famoso Caramuru,
soberano dessas terras.
Sua fama já corre a Europa.
Sou apenas um degredado, Excelência.
Mas não para o Rei da França, que represento agora.
É em nome dele que venho propor uma sociedade comercial...
ao chefe dos Tupinambás. Juntos, ganharemos muito dinheiro.
Eu ainda sou o chefe dos Tupinambás.
O pau-brasil vale uma fortuna na Europa.
Isso aqui tem muito!
O que eu preciso é de gente disposta para trabalhar!
Isso aqui tem pouco. Ó, para esses assuntos...
de trabalho fala com o meu genro, que ele é o novo chefe.
Minha proposta é extremamente vantajosa!
Eu gerencio as vendas com exclusividade e fico com os lucros.
-E nós? -Vocês não.
-Parece justo. -Mais que justo.
Em troca, vocês trabalham.
-E o que eu ganho para trabalhar? -E o que eu ganho para não trabalhar?
Quem ganha é o país, que se desenvolve, gerando empregos,
aumentando a circulação de mercadorias.
E vocês não precisam me pagar nada nada por isso...
Bom demais! Ele trabalha, você lucra e eu não faço nada.
Para mim está tudo certo. Tudinho.
O terreno é uma belezura! Não tem maremoto, terremoto, furacão,
nada disso!
Vista consolidada!
Tem a praia para as crianças, cinco mil quilômetros.
E a localização?
No meio do caminho pras Índias. Floresta, minério.
Lugar para estacionar.
Dizem que pro sul tem até a tal de neve.
Olha, eu posso fazer pro senhor um precinho camarada,
bem bom mesmo: um espelho! Mas tem que ser espelho do bom.
Quantos quiseres.
Tem até essa pedrinha aqui também, ó.
-Isto é ouro?! -Pedras de luz!
Há cinco luas de distância, onde o sol se esconde atrás...
da montanha faiscante.
O chão se cobre de pedras de luz!
Os nossos antepassados ensinaram que são como estrelas caídas.
Eu compro. Eu compro tudo! E dessas aqui vocês não têm?
Deixa na minha mão que eu arranjo pro senhor.
Olha a pulseirinha... uma é três... três é dez.
Já está acabando.
Compra também o remédio do índio, maravilha curativa da floresta!
Traz força pro marido e felicidade pra esposa!
Feito da semente mais rara e da raiz mais profunda.
É bom pra passar na cara, é bom pra passar nas costa.
Olha o remédio do índio...
-O que é isto? -E não é urucum?
-E esse urucum todo é pra quê? -E eu não vou lá na praia?
-Vai lá na praia pra quê? -E não é pra pegar o bote?
-Pegar o bote pra quê? -E não é pra ir pro navio?
-Vai lá no navio pra quê? -E eu não vou dar pro francês?
-Perdão!? -Hospitalidade Tupinambá, coração.
Um chefe deve ceder sua esposa aos visitantes.
Ah, não! Eu não lhe obrigaria a fazer uma coisa que você não quer.
-Mas eu quero... -Mas eu não quero!
-Ainda tem urucum? -Tem! Mas acabou!
E eu vou assim, é?
-Pra ir á praia? -E não é?
-Pra pegar o bote? -E não é?
-Pra ir pro navio? -E não é?
-Pra dar pro francês? -E não é?
Não! Não é mesmo! Ninguém aqui vai dar mais pra francês nenhum!
Acabou esse negócio de dar pro francês!
Mania que esse povo tem de paparicar tudo que vem de fora!
-Parece índio! -E a hospitalidade Tupinambá?
Acabou-se!
Agora chega-te aqui, vamos.
Eh, não...
-Então chegue você, vem... -Vou nem...
-Tratar-se-ia de uma greve? -Geral!
Mas não é que isto é uma greve?!
Mas deixa de nove hora, homem.
Suas esposas devem tratar bem o estrangeiro.
Isso é que é ser chefe!
-Na minha terra isto é ser corno. -Hospitalidade Tupinambá, meu genro.
Ah! Não posso mais não, minha mana...
Um dia ele vai ter que ceder que a gente ceda pro francês.
Mas é que eu já estou pegando fogo!
Estou que não me agüento!
Há mais de vinte dias que as malvadas não me procuram!
Eu estou vendo que você está um bocado nervoso...
Vivo a tomar banho de rio, já pedi, já ameacei,
mas quem pode obrigar as mulheres?
Com elas é nada feito. E nada se faz sem elas.
Quando a esposa lhe pedir alguma coisa você diz logo que sim...
que é pra fingir que você manda. Assim, elas fingem que obedecem.
Qualquer coisa, menos dar para o francês!
Deixe ao menos que elas emprestem, ué.
Nem morto!
Mas... de que adianta? Nem com você, nem com eles!
Ah! Isso é a mesma coisa que deixar o mel pras formigas.
Água fria é bom pra espantar as vontades...
Vá tomar banho de rio, Moema, vai!
Já fui! Eu encontrei o Diogo lá e quase quase que eu termino a greve.
-Boa idéia, maninha! -Terminar a greve!?
Quase quase! Você vai e atiça ele bem.
Se faz de mansa, se faz de brava. Cozinha ele bem. Deixa ele em brasa!
Mas não deixa mais nada! Depois, deixa comigo...
-Calor, não é mesmo? -Demais!
-Vamos tomar um banho de rio. -Posso não...
-Banho só... Pra refrescar... -Só se for...
-Está frio... não é mesmo? -E então...
-Dê cá um abraço. -Abraço onde?
-Um abraço só... pra esquentar... -Só se for...
-Tá subindo um comichão,não é mesmo? -É...continuado...
-Vamos pra rede... -Posso o que...
-Deitar só... pra relaxar... -Ah... só se for...
Ah... Está dando uma zoeira, não é mesmo?
-Ah... uns arrepios também... -Ah... vamos namorar, vamos...
-Não posso não... -Amor só, sem completar...
Só se...
Você deixar a gente encontrar o francês!
Mas será que vocês não entendem que eu faço isso porque eu gosto...
muito das duas?
Se você gosta tanto das duas, porque que a gente não pode gostar...
só um pouquinho de outro?
Ora por quê, por quê...Porque vocês têm que gostar só de mim.
A gente gosta só de você depois...
-Sopra no cangote... -Faz carinho bem...
Cosquinha nas partes...
Molinhas, molinhas que nem mingau de mandioca...
Vamos fazer o seguinte. Terminou isso de gostar de duas!
A partir de hoje, e para sempre, eu vou gostar só de uma.
E essa uma não vai gostar de mais ninguém, só de um! No caso, eu.
Qual das duas?
Mi-nha mãe man-dou eu es-co-lher es-sa da-qui. Mas co-mo eu sou...
tei-mo-so eu es-co-lhi es-sa da...
Impossível escolher.
A gente não escolhe quem vai amar.
O amor é que escolhe a gente.
E ele me escolheu para gostar das duas.
E se um pode gostar das duas.
As duas podem gostar de dois também.
-Que lindo! -Que amor!
-Vamos? -Vamos.
O amor é querer estar preso por vontade.
É servir a quem vence o vencedor.
É ter com quem nos mata a lealdade.
O amor é uma desgraça!
Ah, os trópicos! Não existe pecado ao sul do Equador!
Pensei que estaria a desfrutar a hospitalidade Tupinambá.
O objetivo da minha viagem é o inverso: oferecer-lhe...
a hospitalidade francesa.
Vim lhe convidar para voltar comigo para a França.
Não estou interessado.
O Rei da França tem pretensões ao Novo Mundo...
e deseja discutir este assunto com você!
-Nossa terra não está a venda. -Trata-se de comércio!
Queremos exclusividade sobre a riqueza desta terra.
E por que haveríamos de dá-la a vocês?
Eu tenho um argumento que talvez seja capaz de convencê-lo.
Duvido.
Aceite jantar comigo e verá.
Que maravilha!
Mas o senhor ainda não provou um só gole!
Estou a falar do copo. Estava com saudades do vidro.
Cristal, porcelana, talheres...
Toalha, mesa, cadeira, prato.
Ah! Guardanapos! Adoro guardanapos!
Prove o vinho.
Deus só fez a água, mas o homem fez o vinho.
-O queijo, o vinho, o pão... -E a França juntou os três.
Por que não parte comigo?
Meus laços com esta terra são muito fortes.
E formosos.
Mas a beleza... também existe na Europa.
Uma vez eu me encontrei com ela.
Além do mais, com uma francesa, o senhor pode se casar de verdade.
Juramos ser fiel até a morte.
Mas lembre-se que o matrimônio impede, ao menos em tese,
a "hospitalidade tupinambá."
Ah, meu amor, como pude trai-la?
"Diogo, onde quer que estejas, estás perdoado. Isabelle."
Isabelle!
Isabelle d'Avezac, Marquesa de Sévigny, lhe espera ansiosamente.
-Disse ao senhor? -Diz a todos.
E seu casamento com ela será apadrinhado pelo Rei...
e marcará uma nova etapa nas relações da França...
com o Novo Mundo!
"Plaisir d'amour..."
Vocês não iam passar á noite no navio?
-É que o balanço de rede é melhor... -Você é melhor...
Não parece. Há vinte dias não me procuram.
Os franceses vagamundaram um horror de tempo pra chegar aqui!
É, e longe das querências deles, tadinhos!
E nem banho de rio pra refrescar não tinha!
"Hospitalidade tupinambá," eu sei, não precisa repetir.
Cabe gente é muita naquele navio!
É, e eles gostaram de nós duas por demais!
É que as mulheres lá não devem saber como é fazer carinho bem, não.
-Soprar no cangote... -Fazer cosquinha nas partes...
Olha... Talvez eu precise fazer uma viagem.
Viagem pra onde, meus cuidados?
Eu volto pra casa. Vou buscar umas coisas que eu preciso.
Precisa mais de quê? Tem tudo aqui.
Preciso buscar umas roupas.
Se está com frio a gente esquenta, coração.
Não, é que... Eu estou acostumado a usar roupas!
Desacostuma.
-Eu vou buscar remédios. -Você tá doente?
Não, mas eu posso ficar. Vocês também podem.
Tudo que cura tem aqui. Mais que lá.
-Eu preciso também de talheres. -Talheres é o quê?
São coisas para comer sem sujar as mãos.
E a gente pode ir junto?
Boa! A gente conhece sua terra e ninguém padece saudade.
Não dá, é perigoso! Pode acontecer alguma coisa na viagem.
-Mas que coisa? -Um acidente.
Muitos navios naufragam na travessia!
Então! Não paga a pena de você se arriscar de morrer só para...
não melar a mão de comida.
-Esse aí volta mais nem! -Volto. Eu quero voltar!
E por causa de quê não leva a gente junto?
-Não posso! -Por quê?
-Porque não! -Por que não, não é resposta.
-Você volta mais nada! -Volto.
Volta o quê!?
Eu só posso levar uma! É isso!
-Por quê? -Porque sim!
Porque sim é resposta?
Lá é assim. Cada um só pode ter uma. Está na lei.
"Todo homem que sendo casado e recebido com uma mulher...
se com outra se casar e receber morra por isso."
E... receber é o quê?
Receber é isso que a gente faz, os três, todo dia.
-Brincar...? -É.
Lá só pode brincar cada um com uma.
E matam alguém que brincar com duas?
-Matam. -E comem?
Não, por certo que não! Comer uma pessoa é uma violência.
Violência é matar. Não comer é desperdício.
-E se a gente brincar escondido? -Não dá.
-Lá não tem mato, não? -Não posso, não é nem por mim.
Os franceses não iriam deixar. Só posso levar uma.
Leva Paraguaçu. Ela é a mais antiga.
Vai Moema. Vocês brincaram menos. Eu me arranjo.
Se arranja nada, que você está velha com quase vinte!
Você que ainda nem não sabe fazer direito, Moema?!
Vai que você aprende, vai.
-Eu sei muito mais que você! -Eu não posso levar nenhuma.
-Eu não posso. -Por que não?
Por que não! E por que não é resposta sim!
Eu nem sei se eu vou. Eu disse talvez.
-E talvez é quando? -Talvez pode até ser nunca.
Não vou arriscar morrer no mar só para não sujar as mãos.
Suja e lava, qual é o problema?
É tão bom comer com a mão...
-Pois é. É melhor ficar. -É melhor mesmo. Vamos dormir.
-Vem pra rede, vem. -Vai você. Eu estou sem sono.
-Não, vai você. Eu durmo ali. -Vêm as duas. A rede é grande.
'Curupaco! Curupaco!
Caramuru! Caramuru!
Paraguaçu!
Caramuru!
Pensava que o mar era grande, mas ele é maior ainda...
Assim vai saber o quanto andei para encontrar-te.
E eu vou andar tudo de novo pra ficar com você!
Paraguaçu, penso que seria prudente usares alguma roupa.
Parece que nunca me viu assim!
O problema são eles! És a única mulher a bordo!
Parece que nunca me viram assim!
Paraguaçu, estamos indo a Europa. Não podes mais andar desse jeito!
Você não andava de seu jeito em nossa terra?
Sim, mas o meu jeito é que é o jeito certo.
-Por que? -O normal é ter vergonha.
Desde quando?
Desde sempre! Desde que nós fomos expulsos do paraíso.
-Nós quem? -Nós todos!
E parece que você também quis fugir de lá.
Bem-vinda a civilização!
-Que bicho é esse? -Um castelo.
Isso eu sei, você fazia igual de areia.
Mas por que é que o chão daqui da frente está todo dobrado?
-É uma escada. -E faz o quê?
Não faz nada! Por ela sobe-se de um lugar a outro.
Experimente.
Pode subir sem medo!
Ai, e como é que eu desço?
Por ela mesma. Serve para subir e para descer.
Vem que eu quero te mostrar outras coisas.
Deixa eu andar mais um pouco. Gostei demais de escada!
-Você me dá uma escada? -Vem!
-O que é isso? -Uma porta!
-Pra que serve? -Para abrir e fechar a casa.
Com uma chave. Veja bem.
E se perder a chave, faz o quê?
-Bem, aí tens que mandar fazer outra. -Outra porta?
-Outra chave. -E de que serve fechar a porta?
Fecha-se a porta da casa e só quem nela mora e tem a chave...
-é que pode entrar. -E quem mora aqui?
Nós, por algum tempo, como hóspedes do Rei!
Maria, a filha do Rei José, morava neste palácio.
Casou-se com seu tio, Pedro. Ela era muito jovem...
e apreciava música.
Todos os grandes compositores apresentaram-se nessa sala.
Mas era uma rainha muito triste. Tinha crises de melancolia!
Seus gritos de angústia assustavam os visitantes!
Maria enlouqueceu completamente com a morte de seu filho.
-E ele morreu de quê? -Catapora...
-Como você sabe disso? -Está nos livros.
-E o que é livro? -Livro é isso aqui.
-Serve pra contar histórias. -Não estou ouvindo nada.
"Roubaste meu coração, minha irmã, noiva minha!
Roubaste meu coração com um só dos teus olhares,
uma só volta dos teus colares.
Teus amores são melhores que o vinho.
Mais fino que os outros aromas é o teu perfume.
Teus lábios são favo escorrendo, ó noiva minha!
Tens leite e mel sob a língua."
Ai, que bonito! Foi você ou o livro?
Foi o livro. Mas eu concordo com ele.
Dizem que foi escrito por um rei... Salomão.
Precisa de chave pra abrir?
Não, basta saber ler para entrar num livro.
Este conta uma história de amor.
Pode botar a nossa história num livro também?
-Por certo que sim. -E cabe?
Cabe tudo num livro, basta que escrevas.
Eu te ensino. Vamos, tens muitas outras coisas para conhecer.
-O que mais que tem? -Janelas, paredes! Tem a torre!
-De que jeito que sobe na torre? -Pela escada!
-Oba! Então vamos para torre! -Depois. Vamos lá fora primeiro.
-Ahn... E o que tem lá fora? -Muitas coisas.
Isto é uma fonte. A água vem por debaixo da terra.
Não precisas ir até o rio.
-Tem peixe? -Não, peixe não.
-Dá para tomar banho? -Não seria muito confortável.
-A gente pode namorar na fonte? -Não seria muito apropriado!
-Gosto mais de rio. -Também há rios por aqui.
-Tem? -Ah! Mas por certo que sim!
-Então vamos lá! -Não dá!
-Causa de quê? -É sujo.
-O rio é sujo? -É, aqui é.
-Sujo de quê? -De coisas sujas! De lixo!
-E esse lixo vai pra onde? -Vai para o mar,
junto com o rio.
E o mar vai para todos os lugares.
Isso eu sei. Só não conhecia era o lixo.
Ah! Olha, o que eu gostei mais foi de livro e de escada.
-Ah, vamos dar um pulinho de escada? -Não posso, tenho um encontro!
E eu vou fazer o quê? Não sei ler e não posso nem entrar no rio!
Vá comprar umas roupas. Estamos em Paris,
a terra da moda! Que queres mais?
Como posso sentar-me á mesa com uma marquesa?
Não estale os lábios enquanto comes.
Lembre-se de esvaziar e enxugar a boca antes de beber.
Corta e não rompas o pão.
Não sopre a comida, nem para esfriar nem para aquecer.
Melhor que não coma nada. Isabelle há de pensar...
-que tornei-me um selvagem. -Calma, Diogo! Ela te ama!
E depois o exotismo está em moda na Europa.
-Estarei ansioso demais para comer. -Pois então beba.
Antes, o amor dá sede. Depois, ele aumenta o apetite.
É ela que chega.
Devagar. Andar muito rápido é bom para os lacaios.
Nem tanto! Devagar demais é próprio das matronas.
-Isabelle! Temia que não viesses. -Desta vez para sempre!
Coloquem as malas no primeiro andar.
Nem um oceano sem fim pode separar nosso amor!
-Esperaste por mim? -Até o fim dos tempos, e você?
É que... aconteceu tanta coisa.
-Eu estava muito sozinho. -Eu também.
-Eu quase morri. -Eu também.
-Eu quase fui comido. -Eu também!
Mas vamos esquecer o passado. Meu amor!
-O que é isso? -Paraguaçu?! Chegas em boa hora.
Quem é essa?
Isabelle... esta é Paraguaçu. Paraguaçu, Isabelle...
Não há motivos para constrangimentos.
Os tupinambás não conhecem o ciúme.
Paraguaçu! Acudam!
-O quê que houve? -Um incidente diplomático.
Essa mulher é uma selvagem!
Aquela mulher é muito magra!
Olha, vais ter que te acostumar com Isabelle: ela será nossa hóspede.
-"Hospitalidade francesa"? -Não é o que estás a pensar.
E o que eu estou pensando?
Pensas que eu e Isabelle... que estávamos dando um beijo.
O que é isso!?
Beijo? Beijo é uma coisa que se faz aqui, assim, encostar...
-a boca um no outro. -E pra que serve?
Não serve para nada. É algo que se faz em quem se gosta.
Então tens amor por ela?!
Nos conhecemos há muito tempo. Vamos nos casar.
-E de mim, você gosta? -Gosto. Muito!
Mas nunca que me deu um beijo.
-Queres... que eu te dê um beijo? -Quero...
Bem... então... Com sua licença...
-E então? -Então o quê?
-Gostaste? -Assim, assim.
Botando a língua ficava melhor.
-Podes botar a língua! -Pode? Então chegue.
-Ficou melhor, ficou não? -Bem melhor.
-Morder pode? -Não! Morder não.
Pode escrever pra todo mundo ficar sabendo que você me beijou bem muito?
-Por certo que sim. -Pode beijar na escada?
-Acho que pode. -Então venha!
Vamos subir correndo e descer beijando!
Está bem.
De certeza que não pode morder? Ah... dá uma vontade...
Melhor não.
-Casa comigo também... -Não posso.
Aqui só se casa com uma.
Mas se aceitares podemos ser amantes.
-E amante é o quê? -É parecido com esposa.
-E não precisa cozinhar. -Eu gosto de cozinhar!
-Cozinhas escondido. -E a francesa deixa?
-Você cozinhar? -Não, eu ser sua amante?
Não creio! Ter amante é proibido! Mas muitos as têm.
Esquisito!
Por quê? Com Moema não era assim?
Com Moema é diferente ela é minha irmã.
-Depois, lá pode. -Aqui não. Isabelle não pode saber.
-E se ela desiste de casar? -Mas ela me ama!
E eu sou perdida de gosto por ti!
Juramos amor eterno. Ela me esperou todo esse tempo.
-E eu também gosto dela. -E de mim não?
Muito! Mais ainda depois do beijo!
"Beijo" escreve como?
-Assim, oh. -Ai... faz um beijo bem grande!
Grande ou pequeno, escreve-se igual.
-Quantos beijos cabem num livro? -Muitos. Quantos quiseres.
Eu vou copiar uma imensidão de vezes pra entulhar nossa história de beijo.
Para dizeres que são muitos basta colocares...
a letra "s" no fim da palavra.
Me ensina de novo...
-Bê - i... -Não! De verdade!
-Nem uma mordidinha? -Bem... Mordidinha.
Avise ao Rei que o preço subiu!
Ninguém me disse que ele era casado com uma canibal.
-Ela é filha do chefe. -Não disseste que o chefe era ele?
É. Mas se ele voltar sem ela, eu acho que vira almoço.
E por que foi que a trouxeste?
Ela nadou até o navio. O que é que eu podia fazer?
Matá-la! Mas pode deixar que isso faço eu!
O importante é garantires teu casamento.
Depois nos livramos dela, vendemos para um circo, sei lá.
E como é que eu vou entrar na igreja com essa louca me mordendo?
Sem casamento, não recebes nada. És uma profissional.
Não deve ser a primeira mulher ciumenta que tens que enfrentar.
A primeira que morde.
-Isto! Como se escreve? -Is-to.
-Não. Isto. Isto aqui. -Aah! De-do.
Não. Não. Isto que eu estou a apontar. Isto.
-Li-vro. -Não. O que está no livro...
Aah! Tin-ta.
É uma arara. Arara!
Isso não é arara nem... Arara é maior! Muito!
-É uma pequena arara. -Não existe arara desse formato!
Só se for aqui, lá é que não!
É só para que escrevas. A-ra-ra!
Vou escrever bem pequenininho!
A-ra-ra que não e-xis-te.
"Sua Majestade, o Rei Francisco l, convida para o casamento...
de Diogo Álvares Correia, soberano dos Tupinambás,
e Isabelle d'Avezac, Marquesa de Sévigny,
selando o acordo entre a França e a Terra dos Papagaios."
Parece bom.
Que tal "Soberano Supremo dos Tupinambás"?
-Soberano já parece muito. -És muito modesto.
A modéstia é a moldura da glória.
Soberano apenas está bom.
De que jeito que casa aqui?
É numa igreja. O padre abençoa, escrevemos nossos nomes num livro,
para que todos saibam que casamos.
Você pode ser a madrinha!
Que serventia tem?
A madrinha, como os noivos, escreve o nome no livro do casamento.
Posso escrever junto de madrinha que eu também sou sua amante?
-É melhor não. -Aah... gosto mais de ser noiva.
Eu já expliquei que não é possível que sejas a noiva!
Tenho que me casar com uma francesa.
Eu chamo a francesa pra ser madrinha!
Volto já-já.
Conheci que não pode morder não.
Que bom!
-Você gosta de cozinhar? -Não muito.
E por amor de quê você quer casar com ele?
Bem... Esperei por ele este tempo todo, juramos amor eterno...
essas coisas... sabe como é. Olha, eu sei que tinhas uma grande..
expectativa, nadaste até o navio e tudo mais.
Eu compreendo a lua, o calor, os dois nus naquela...
praia deserta... eu sei como é isso.
Só nós dois não, tinha gente muita naquela praia.
Eu sei como é isso também.
Mas tens que entender que este casamento é muito importante...
para mim... para o Diogo... para o Rei da França...
-Você já mordeu ele? -Eu? Não que eu me lembre. Tu já?
Mordidinha...
Pedras de luz! Ah! Lá tem muito.
Só não tem essa carinha pintada aí.
Isso é ouro! Da onde vem isso?
Há cinco luas de distância, o sol se esconde por detrás...
da montanha faiscante. O chão se cobre de pedras de luz.
Nossos antepassados ensinaram que são estrelas caídas.
Eu levo você lá.
-O Vasco sabe do ouro? -Sabe nada!
Querendo eu mostro!
Não! Melhor não. Não fales do ouro para ninguém.
Não sabes o que as pessoas fazem por ouro.
-Sei demais! -O que queres?
Casar com Diogo e escrever um livro.
E eu?
Você vira madrinha e amante.
Eu? Amante? Nunca. Nunca!
Melhor ser amante com ouro do que esposa sem ouro.
Confesso que não havia analisado a situação por esse ponto de vista.
Paras de me morder, eu fico com o ouro,
posso ser amante dele quando quiser e não preciso mais casar-me...
-com aquele banana? -Ai, eu gosto de banana!
Parece bom!
-Eu lhe ensino a ser amante. -Eu lhe ensino a ser esposa.
Pra quê esse horror de pano!
Para tirar! O vermelho está se usando muito!
Por isso todo mundo quer o pau-brasil.
As mangas mudaram. Antes eram justas,
agora está se usando assim, folgadas.
Vou lhe mostrar uma coisa que toda amante tupinambá tem que ter.
-O que é isso? -Não ponha o dedo!
Isso é veneno de lagarto. Se você põe o dedo,
ele fica duro, inchado, enoorme!!
-E para que serve isso? -A gente não usa no dedo!
-Estão vestidas? -Estamos!
Estamos vestidas ao contrário.
Pois a mim parece que estão ao contrário de vestidas!
Talvez uma de vocês possa me explicar o que se passa?
Estou a ensiná-la a ser uma dama.
E eu estou ensinando a ela tudo que você gosta.
-Serei sua amante tupinambá. -E eu sua esposa francesa.
-Vasco sabe disso? -Nem deve saber. Ele não entenderia.
Nem eu.
Paraguaçu me fez perceber que nada pode separá-los.
Vocês casam hoje mesmo.
-Casamos? Quem? -Eu e você!
Serei a madrinha.
Madrinha pode escrever no livro. E amanhã vamos para casa.
-Vamos? Quem? -Nós três.
Você não acha que este traje tupinambá serviu perfeitamente em mim?
Sem dúvida é o seu número. Você não vai mais brigar com ela, não é?
Eu gosto dela... Quer ver?
Ai,... acho que beijo é até melhor que escada!
Isso! Depois você avança pelo corredor.
Devagar! Não pode correr.
Ué!? Chama corredor e não é pra correr?
É... Depois o padre manda você ficar de joelho.
Isabelle!... Eu não já estou de joelho?
Daí o padre diz muitas coisas e por fim pergunta:
-Catarina do Brasil... É você! -Eu?
Sim. É seu nome cristão.
Cumprido demais!
Vamos ver na hora... O padre está chegando. Vai lá fora.
Este é o dos vestidos! Coloque junto com o baú dos chapéus.
Cuidado com esse! São os meus cremes!
O Rei não ficou nada satisfeito com a sua traição, Isabelle!
E retirou o seu título de marquesa.
E eu lhe afirmo, Vasco que em breve ele me fará duquesa.
Tenho ordens para prendê-la.
Serei coberta de jóias quando o Rei souber...
que eu descobri onde existe muito ouro.
Aposto que foi "há cinco luas de distância, onde o sol...
se esconde na montanha faiscante".
Você já sabia?
Ora! Não me diga que você caiu no velho truque índio do Eldorado?
Sua mentirosa! Cadê o ouro que você me prometeu?
Mas o que está acontecendo? Que ouro?
Ela gosta muito de ouro.
E por que você acha que eu estava indo embora com você seu banana?
-Quem é banana? -Eu gosto muito de banana!
-Claro, toda macaca gosta! -Quem é macaca?
Ela é que é uma vaca!
Meu Deus, como eu fui burro!
Como você descobriu que eu estava de partida?
Digamos que foi uma esposa vingativa.
Traidora! Meus vestidos! Meus cremes!
Romance, aventura e surpresas!
Vou começar do início. Depois eu vou até o fim. Aí eu paro.
Bem, eu vou atrás de você.
Ai! Virgem é como?
Virgem?... Bem, virgem é uma mulher, uma moça que... não conheceu...
o amor, que é pura, que nunca esteve com um homem antes.
Isso eu sei. Eu só queria saber se é com "gê" ou com "jota"?
Com "gê".
Eu posso escrever arara vermelha com tinta preta?
Pode.
-Você acha que eu sou linda? -Acho.
-Muito linda ou mais ou menos? -Muito linda!
Ah! Ainda bem, eu já tinha escrito o "mu". "Muito linda".
-E isso é como? -Muito lindos.
Isso eu sei. Eu quero saber o nome.
Bem... há vários possíveis... Colo...
-São dois, escrevo colos? -Não, não. Escreva... distintivos.
Distintivos.
-Isso! Distintivos! -Que nome para teta!
No fundo da mata virgem, o céu incendiou-se...
de araras vermelhas.
Depois fez um silêncio tão grande...
que alguma coisa estava pra acontecer.
Eu ainda nem sabia que ia topar com o Diogo,
mas tinha me enfeitada toda... pintando o rosto...
e os distintivos com semente de urucum.
Fiquei muito linda! Naquela tarde brincamos até mais não...
E conhecemos que o paraíso existia. Sendo o paraíso bem ali...
onde a gente estava...
mas o destino de Diogo era virar herói de nossa gente.
E de repente, correu pelo mato uma notícia de assombro!
Caramuru, o filho do Trovão, desceu do céu para ser...
"Rei dos Tupinambás!" Ele Rei, eu sua Rainha,
descobrimos as terras além do mar...
Beijamos... casamos...
e escrevemos nosso nome no livro!
Agora o navio vai de novo, atravessando o mar...
e eu vou atravessando um livro novo,
com esses sucedidos que vocês acabaram de ouvir.
E, por fim, o navio e o livro vão trazendo a gente de volta,
até a praia onde essa história toda começou.
-Vieste? -Vim. Olha o que eu trouxe pra você!
Choveu pouco esse ano, não foi?
Não sei, foi? Lá choveu muito!
Lá é diferente daqui. É?
Muito! Quer ver uma coisa que eu aprendi?
-Não pode morder! -Ah! Isso é beijo...
-Isso eu já sei faz tempo! -Desde quando?
É, choveu pouco mas teve muito navio.
Francês, espanhol, italiano.
Aprendi cada coisa! Depois eu te ensino.
Deu muito caju esse ano, não deu?
Deu? Lá estava cheio de cereja.
Eu sei beijar, quer ver?
Agora eu sou a esposa! Moema fica no lugar de Isabelle!
-Quem é Isabelle? -Uma vaca.
Vaca é o quê?
Um bicho que dá leite e serve pra comer.
Que nem gente?
Sim.Mas quando a mulher é uma vaca, quem vai comer quebra o dente.
Ah! Eu não quero ser vaca!
Você não vai ser vaca! Você vai ser a amante!
E amante é o quê?
É uma esposa que tem que cozinhar escondido.
Lua vai ficar cheia essa noite, não vai?
E vai? Lá estava minguando...
Moema está vestida de quê, heim?
Lá as mulheres usam essa roupa quando vão casar.
E antes, elas tiram pro marido ver como é que elas são, é?
-Nem antes nem depois. -É ruim!
-Amante também tira não? -Amante tira toda hora!
Amante é muito melhor!
Melhor de tudo é livro! Quer ver?
Os desenhos são bonitos. Mas esses riscos aqui estragam.
Isso é que é o bom, Moema! Eu vou ler pra você.
"O nosso pai e seus guerreiros gostaram...
foi muito das roupas da francesa.
E quando iam pra guerra só se vestiam com elas.
E ficavam mais valentes ainda!
O quadro que Diogo fez de Moema foi pra Europa!
Ganhou fama e nossa praia encheu de gente...
querendo casar com ela.
Mas Moema desejava ser esposa não. Amante só o que ela queria ser.
Diogo me ensinou a amar... e eu ensinei ele a querer bem...
E fomos felizes agora... que é melhor que pra sempre... "
-Ficou pronto? -Quase quase.
-E como é que termina? -A gente se beija... e fim.
-Original! -Só falta escrever.
-Espera! Não é a nossa história? -É.
Então primeiro a gente beija... depois você escreve.
A história de Caramuru e Paraguaçu é baseada em fatos reais,
e também em outras histórias, em parte reais, em parte inventadas.
É verdade que eles se casaram na França.
É verdade que eles viveram no Brasil.
E é verdade que eles viraram lenda.
-Como escreve fim? -Com "efe".
Não!... Com "eme"... Não!.. com "eme" no fim!
E não tá? Olha o "eme" aqui no fim!
Não! É "efe" no começo e "eme" no fim! No fim do fim.
-É melhor apagar e fazer de novo... -É melhor mesmo.
-Você me dá outro beijo? -Por certo que sim.
O Caramuru reinou entre os Tupinambás por mais de 50 anos.
Graças a ele, os portugueses fundaram Salvador:
a primeira capital do Brasil.
-Agora sim! -Não!!...
-Não? Você falou que era assim! -Mas estava certo!
Eu vou fazer tudo de novo! Estou gostando do fim.
-Você não? -Estou a adorar!
-Vamos fazer o fim outra vez? -Do começo...
Diogo e Paraguaçu foram felizes e tiveram muitos filhos.
Mas isso eles ainda não sabem.
A história dos dois está só começando...
Ripado por Pheco :)
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