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Tradutor: Mauricio Wolney Revisor: Rosiane Albuquerque
Qual foi o trabalho mais difícil que você já fez?
Foi trabalhar debaixo de sol?
Foi trabalhar para fornecer comida para uma família ou uma comunidade?
Foi trabalhar dia e noite tentando proteger vidas e bens?
Foi trabalhar sozinho
ou foi trabalhar num projeto sem garantia de sucesso,
mas que pode melhorar a saúde humana ou salvar uma vida?
Foi trabalhar na construção de algo, criação de algo, fazer uma obra de arte?
Foi trabalho em que você nunca soube ao certo se era entendido ou apreciado?
As pessoas em nossas comunidades que fazem esses trabalhos
merecem nossa atenção, nosso amor e todo nosso apoio.
Mas pessoas não são os únicos membros de nossas comunidades
que fazem esses trabalhos difíceis.
Estes trabalhos também são feitos por plantas, por animais
e os ecossistemas em nosso planeta,
incluindo os ecossistemas que estudo: os recifes de corais tropicais.
Recifes de coral são fazendeiros.
Eles fornecem alimento, renda e segurança alimentar
para centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo.
Recifes de coral são seguranças.
As estruturas que eles constroem protegem linhas costeiras
de tempestades e ondas,
e os sistemas biológicos que eles abrigam filtram a água
e a deixam mais segura para o trabalho e lazer.
Os recifes de coral são químicos.
As moléculas que estamos descobrindo em corais são cada vez mais importantes
na busca de novos antibióticos e novas drogas contra o câncer.
E recifes de coral são artistas.
As estruturas que eles criam estão entre as coisas mais lindas deste planeta.
E tal beleza é a base da indústria de turismo
em muitos países com poucos outros recursos naturais.
Assim, por todas estas razões, todos esses serviços do ecossistema,
economistas estimam o valor dos recifes de coral
em centenas de bilhões de dólares por ano.
Ainda assim, apesar de todo esse trabalho duro sendo feito para nós
e toda essa riqueza que ganhamos,
temos feito quase todo o possível para destruir isso.
Tiramos os peixes do oceano,
e nele jogamos fertilizantes, esgotos,
doenças, petróleo, poluição, sedimentos.
Nós esmagamos fisicamente os corais com nossos barcos, lemes, tratores,
e nós mudamos a química de todo o oceano,
esquentamos as águas e pioramos as tempestades.
Cada problema já seria ruim por si só,
mas tais ameaças se amplificam mutuamente
e se misturam, deixando-as pior.
Vou dar um exemplo.
Onde eu moro e trabalho, em Curaçao, houve uma tempestade tropical anos atrás.
E no extremo leste da ilha,
onde os recifes estão intactos e prosperam,
mal se podia dizer que uma tempestade havia passado.
Mas na cidade, onde os corais morreram pela pesca excessiva e poluição,
a tempestade tropical levantou os corais mortos
e usou-os como bastões para matar os corais que restaram.
Esse é um coral que estudei em meu pós-doutorado
e pude conhecê-lo muito bem.
E após esta tempestade ter arrancado metade do seu tecido,
ele foi infestado por algas,
as algas tomaram conta do tecido e aquele coral morreu.
Essa ampliação de ameaças, essa mistura de fatores
é o que Jeremy Jackson descreve como "ladeira em direção ao lodo".
Mal chega a ser uma metáfora, porque muitos de nossos recifes agora
são literalmente bactérias, algas e lodo.
Agora, esta é a parte da palestra em que vocês devem esperar de mim um apelo
para que salvemos os recifes de coral.
Mas eu devo ser sincera:
essa frase me deixa louca.
Seja no Twitter, numa manchete de jornal
ou nas páginas reluzentes de um panfleto de conservação,
essa frase me incomoda,
porque há décadas, os conservacionistas denunciam a morte dos recifes de coral.
Ainda assim, quase todos que conheço, não importa quão instruídos,
não sabem ao certo o que é um coral e de onde ele vem.
Como convenceríamos alguém a se importar com os recifes de coral do mundo
quando este é um conceito abstrato que mal podem entender?
Se não entendem o que é um coral ou de onde ele vem,
ou o quão engraçado, ou interessante, ou bonito ele é,
como podemos esperar que se preocupem em salvá-los?
Vamos mudar isso então.
O que é um coral e de onde ele vem?
Corais nascem de várias formas, na maioria das vezes por desova em ***:
todos os indivíduos de uma mesma espécie, em uma noite a cada ano,
liberam na água todos os óvulos produzidos naquele ano,
embalados em pacotes com espermatozoides.
E esses pacotes sobem à superfície do oceano e se desfazem.
E com sorte, muita sorte, na superfície do oceano,
há o encontro com os óvulos e esperma de outros corais.
E é por isso que são necessários vários corais em um recife,
para que todos os seus óvulos possam encontrar seu par na superfície.
Quando eles são fertilizados, fazem o que qualquer outro ovo animal faz:
dividem-se em dois sucessivamente.
Tirar essas fotos com o microscópio todo ano
é um dos meus momentos mais mágicos e prediletos do ano.
No fim de toda essa divisão celular, elas se tornam uma larva aquática,
uma pequena bolha de gordura do tamanho de uma semente de papoula,
mas com todos os sistemas sensoriais que nós temos.
São capazes de sentir cor e luz, textura, componentes químicos, pH.
Podem até sentir ondas de pressão, podem ouvir o som.
E eles usam esses talentos
à procura de um lugar para se anexar no fundo do recife
e ali viver o resto de suas vidas.
Então, imagine ter de encontrar um lugar para viver o resto de sua vida
com dois dias de idade.
Eles se anexam ao local que acham mais adequado,
desenvolvem um esqueleto por baixo de si,
desenvolvem uma boca e tentáculos,
e começam a difícil tarefa de construção dos recifes de corais do mundo.
Um pólipo de coral se dividirá sucessivas vezes
deixando um esqueleto calcário embaixo de si
e crescendo em direção ao sol.
Em centenas de anos e muitas espécies,
o que se obtém é uma enorme estrutura calcária
que pode muitas vezes ser vista do espaço,
coberta por uma camada fina desses animais laboriosos.
Há apenas algumas centenas de espécies de corais no planeta, talvez mil.
Mas esses sistemas abrigam milhões e milhões de outras espécies,
e é essa diversidade que estabiliza os sistemas,
e é onde encontramos novos medicamentos.
É como encontramos novas fontes de alimento.
Eu tenho a sorte de trabalhar na ilha de Curaçao,
onde ainda temos recifes com essa aparência.
Mas, de fato, em grande parte do Caribe e do resto do mundo
a aparência está mais assim.
Cientistas vêm estudando com cada vez mais minúcia
a perda dos recifes de coral do mundo,
e têm documentado as causas com cada vez mais precisão.
Mas em minha pesquisa, não estou interessada em olhar para o passado.
Em Curaçao, eu e meus colegas queremos olhar para o futuro,
para o que pode vir a ser.
E nós temos uma pequena razão para sermos otimistas.
Porque mesmo em alguns recife
que poderíamos muito bem ter descartado há muito tempo,
às vezes vemos bebês corais chegar e sobreviver de alguma forma.
E estamos começando a pensar que bebês corais podem ter a capacidade
de se ajustar a algumas das condições que os adultos não puderam.
Eles talvez sejam capazes de se ajustar
ligeiramente melhor a esse planeta humano.
Assim, na pesquisa que eu faço com os meus colegas em Curaçao,
tentamos descobrir do que um bebê coral precisa
naquela fase inicial crítica, o que procura
e como podemos ajudá-lo através deste processo.
Vou lhes mostrar três exemplos do trabalho que fizemos
na tentativa de responder a essas perguntas.
Há alguns anos, usamos uma impressora 3D
para fazer um levantamento da escolha dos corais.
Cores e texturas diferentes,
e simplesmente quisemos saber onde o coral preferia se acomodar.
E descobrimos que corais, mesmo sem a biologia envolvida,
ainda preferem branco e rosa, as cores de um recife saudável.
E eles preferem fendas, sulcos e buracos,
onde estariam a salvo de ser esmagados ou comidos por um predador.
Podemos então usar esse conhecimento,
para voltar e dizer que precisamos restaurar esses fatores...
o rosa, o branco, as fendas, a superfície
em nossos projetos de conservação.
Podemos também usar esse conhecimento
quando colocamos algo debaixo d'água, como um paredão ou um cais.
Podemos optar pelo uso de materiais e cores e texturas
que podem influenciar o sistema a favor desses corais.
Além das superfícies,
nós estudamos também os sinais químicos e microbianos
que atraem os corais aos recifes.
Cerca de seis anos atrás, comecei a criar culturas de bactérias da superfície
onde os corais haviam se estabelecido. E eu testei uma por uma,
em busca da bactéria que induziria os corais a se acomodar e anexar.
E agora, em nosso freezer, temos várias cepas bacterianas
que com certeza fazem os corais passar pelo processo de acomodação e anexação.
Então, enquanto falamos,
meus colegas em Curaçao estão testando essas bactérias
para ver se elas nos ajudarão a criar em laboratório mais corais acomodados,
e ver se esses corais sobreviverão melhor quando os devolvermos para a água.
Além dessas ferramentas, nós também tentamos desvendar
os mistérios de espécies pouco estudadas.
Este é um dos meus corais favoritos, sempre foi:
Dendrogyra cylindrus, o coral de coluna.
Eu o adoro por essa forma ridícula que ele tem,
porque seus tentáculos são gordinhos e felpudos
e porque é raro.
Encontrá-los num recife é uma satisfação.
Na verdade, é tão raro,
que no ano passado ele foi listado como uma espécie em perigo
dentre as espécies ameaçadas de extinção.
E isso se dá em parte porque, em mais de 30 anos de levantamento,
cientistas jamais encontraram um coral de coluna bebê.
Mal sabíamos ao certo se ainda eram capazes de se reproduzir,
ou se ainda estavam se reproduzindo.
Então, há quatro anos, começamos a segui-los à noite
e os observamos para tentar descobrir quando ocorria a desova em Curaçao.
Recebemos umas boas dicas de nossos colegas na Flórida,
que haviam visto um em 2007, um em 2008,
e finalmente descobrimos quando eles desovam em Curaçao
e os capturamos.
Aqui temos uma fêmea à esquerda com alguns óvulos em seu tecido,
prestes a lançá-los ao mar.
E aqui está um macho à direita, soltando esperma.
Nós coletamos isso, trouxemos de volta ao laboratório, fizemos a fertilização
e conseguimos corais de coluna bebês nadando em nosso laboratório.
Graças ao trabalho de nossos tios e tias cientistas,
e graças aos dez anos de prática que tivemos em Curaçao
na criação de outras espécies de coral,
nós conseguimos que algumas dessas larvas seguissem adiante no processo
e se acomodassem e anexassem,
e se transformassem em corais metamorfoseados.
Portanto, este é o primeiro coral de coluna bebê que alguém já viu.
(Aplausos)
E eu tenho que dizer: se você acha filhotes de panda fofos,
isso é mais fofo.
(Risos)
Então estamos começando a entender os segredos desse processo,
os segredos de reprodução dos corais e como podemos ajudá-los.
E isso é fato em todo o mundo;
os cientistas descobrem novas formas de cuidar dos embriões,
fazê-los se acomodarem,
talvez até descubram os métodos para preservá-los em baixas temperaturas,
para que possamos preservar sua diversidade genética
e trabalhar com eles com mais frequência.
Mas isso ainda é de baixa tecnologia.
Temos limitação de espaço e de pessoas em nosso laboratório
e da quantidade de café que podemos beber.
Compare isso com outras crises
e nossas outras áreas de preocupação, como sociedade.
Nós temos tecnologias médicas avançadas, temos tecnologias de defesa,
temos tecnologias científicas,
temos até tecnologias avançadas para arte.
Mas nossas tecnologias de conservação estão atrasadas.
Volte a pensar no trabalho mais difícil que você já fez.
Muitos de vocês diriam que foi ser pai ou mãe.
Minha mãe descreveu a maternidade
como algo que faz sua vida muito mais incrível e mais difícil
do que você jamais imaginou.
Eu tenho tentado ajudar os corais a serem pais já faz 10 anos.
E ver a maravilha da vida
tem certamente enchido minha alma de encantamento.
Mas eu também vi o quão difícil é para que eles se tornem pais.
Os corais de coluna desovaram novamente há duas semanas,
e nós coletamos seus óvulos e os trouxemos para o laboratório.
E aqui vocês podem ver um embrião se dividindo,
junto a 14 óvulos não fecundados
que irão explodir.
Eles serão infectados por bactérias, irão explodir
e essas bactérias ameaçarão a vida deste embrião
que tem uma chance.
Não sabemos se foram nossos métodos de manuseio que deram errado
e não sabemos
se foi apenas este coral neste recife, sempre sofrendo de baixa fertilidade.
Seja qual for a causa,
ainda temos muito trabalho a fazer se quisermos usar bebês corais
para criar ou tratar ou, sim, até mesmo salvar os recifes de coral.
Então, não se importe de que valham centenas de bilhões de dólares.
Recifes de coral são animais, plantas, micróbios e fungos que trabalham duro.
Eles nos fornecem arte, comida e medicamentos.
E nós quase dizimamos uma geração inteira de corais.
Mas poucos sobreviveram, apesar de nossos melhores esforços,
e agora é hora de lhes agradecer o trabalho que eles fizeram
e dar-lhes todas as chances possíveis para criar os recifes de coral do futuro,
seus corais bebês.
Muito obrigada.
(Aplausos)