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Tradutor: Erik Lima Revisor: gabriela rocha
Chris Anderson: Talvez possamos começar falando sobre o seu país.
São três pontos no globo. Estes pontos são bem grandes.
Acho que cada um é quase do tamanho da Califórnia.
Fale-nos de Quiribáti.
Anote Tong: Quero começar dizendo que estou muito grato
por compartilhar minha história com pessoas que se importam.
Acho que tenho compartilhado minha história
com muitas pessoas que não se importam muito.
Quiribáti é composto por três grupos de ilhas:
o Grupo Gilbert no oeste,
as Ilhas Fênix no meio,
e as Espórades Equatoriais no leste.
E francamente, Quiribáti é talvez o único país
que está nos quatro cantos do mundo,
porque estamos no Hemisfério Norte, no Hemisfério Sul,
e também a leste e a oeste da Linha Internacional de Data.
Essas ilhas são formadas inteiramente por atóis de coral
e ficam em média a dois metros acima do nível do mar.
É isto o que temos.
Normalmente, não mais que dois quilômetros de largura.
Muitas vezes, as pessoas me perguntam:
"Vocês têm problemas, porque é que não se mudam?"
As pessoas não entendem.
Elas não têm noção do que é que está envolvido.
Com a subida do nível do mar, elas dizem: "Bem, podem ir mais para dentro".
E eu digo a elas:
"Se formos mais para dentro, caíremos no outro lado do oceano".
Esses são os tipos de problemas que as pessoas não entendem.
CA: Sem dúvida, há aqui um quadro de fragilidade.
Quando foi que você percebeu
que podia haver um perigo iminente ao seu país?
AT: A história da mudança climática tem prosseguido
já há várias décadas.
Quando assumi o cargo em 2003,
comecei a falar da mudança climática na Assembleia Geral das Nações Unidas,
mas sem grande entusiasmo,
porque ainda havia muita controvérsia entre os cientistas,
se era causada pelo homem, se era real ou não.
Mas acredito que esse debate terminou em 2007
com o Quarto Relatório de Avaliação do IPCC,
que fez uma declaração categórica de que era real e provocada pelo homem,
e previu alguns cenários muito graves
para países como o meu.
Foi aí que comecei a levar muito a sério.
No passado, eu falava sobre isso.
Estávamos preocupados.
Mas quando esses cenários e previsões apareceram em 2007,
tornou-se um verdadeiro problema para nós.
CA: Essas previsões são, parece-me que, no ano de 2100,
o nível dos mares terá subido cerca de 90 centímetros.
Há cenários em que o aumento é ainda maior,
mas o que você diria a um cético que dissesse:
"O que são 90 cm?
Vocês estão em média a dois metros sobre o nível do mar.
Qual é o problema?"
AT: Acho que é preciso entender
que um pequeno aumento no nível do mar
significará a perda de muito território,
porque grande parte da terra é baixa.
Além disso, temos as ondas nesse momento.
Portanto, não se trata de 90 centímetros.
O que muita gente não percebe
é que julgam a alteração climática como algo que acontecerá apenas no futuro.
Veja bem, nós já estamos no fim do espectro.
Já está em cima de nós.
Temos comunidades que já foram deslocadas.
Elas tiveram que se mudar e em todas as sessões parlamentares,
recebo queixas de diversas comunidades
pedindo ajuda para construir barreiras,
para fazermos algo quanto aos lençóis de água doce,
porque estão sendo destruídos.
Nas minhas viagens, pelas diversas ilhas,
encontro provas de comunidades
que agora precisam enfrentar a perda de colheitas de alimentos,
a contaminação dos lençóis de água doce
e vejo que essas comunidades talvez terão que se deslocar
dentro de cinco a dez anos.
CA: E então, acho que o país sofreu seu primeiro ciclone.
Isso também está relacionado? O que aconteceu?
AT: Bem, nós estamos na Linha do Equador.
Certamente, muita gente sabe que ao estar na Linha do Equador,
era para estarmos numa região calma. Não era para termos ciclones.
Nós os criamos e mandamos para o norte ou para o sul.
(Risos)
Não era para eles voltarem.
Mas, pela primeira vez, no início deste ano,
o Ciclone Pam destruiu Vanuatu,
e no processo, suas bordas atingiram
nossas duas ilhas mais ao sul.
Toda Tuvalu ficou embaixo da água quando o Furacão Pam passou.
Nas nossas duas ilhas mais ao sul,
tivemos ondas que chegaram até a metade delas.
Isso nunca tinha acontecido.
Foi uma experiência nova.
Acabo de voltar do meu distrito eleitoral
e vi aquelas árvores lindas que estiveram ali há décadas,
elas foram totalmente destruídas.
É isso que está acontecendo.
Mas quando falamos da subida do nível do mar,
pensamos que é uma coisa que acontece gradualmente.
Vem com os ventos, vem com as ondas,
por isso pode ser maximizada,
mas o que estamos começando a ver é a mudança no padrão do clima,
que é talvez o problema mais urgente
que enfrentaremos, mais depressa do que a subida do nível do mar.
CA: Então, o país já está sentindo os efeitos agora.
Ao olhar para o futuro,
quais são suas alternativas, enquanto país, enquanto nação?
AT: Tenho contado essa mesma história em todos os anos.
Tenho viajado pelo mundo para tentar fazer com que as pessoas entendam.
Temos um plano, achamos que temos um plano.
Numa ocasião, falei em Genebra
e havia um senhor que estava me entrevistando
sobre coisas como essas,
e eu disse: "Estamos pensando em ilhas flutuantes".
E ele achou engraçado, mas alguém disse:
"Não, isso não tem graça. Essas pessoas estão em busca de soluções".
Então, eu tenho andado à procura de ilhas flutuantes.
Os japoneses estão interessados em construir ilhas flutuantes.
Mas, enquanto país, fizemos um compromisso
de que aconteça o que acontecer, tentaremos tudo que for possível
para nos mantermos e continuarmos a existir como uma nação.
O que isso vai exigir,
será uma coisa muito significativa,
muito, muito substancial.
Ou vivemos em ilhas flutuantes,
ou teremos que elevar as ilhas para seguir permanecendo fora da água,
conforme o nível do mar suba e as tempestades fiquem mais fortes.
Mesmo assim, será muito difícil
obter o tipo de recursos de que precisamos.
CA: E então, a única opção seria uma forma de migração forçada.
AT: Também estamos considerando isso,
porque caso não apareça mais nada
da comunidade internacional,
estamos nos preparando,
não queremos que ocorra com a gente o mesmo que está ocorrendo na Europa.
Não queremos emigrar em *** em algum momento.
Queremos ser capazes de dar uma escolha ao povo, hoje,
aos que escolherem e quiserem fazer isso, emigrarem.
Não queremos que aconteça algo que os force a emigrar
sem estarem preparados para isso.
A nossa cultura é muito diferente, nossa sociedade é muito diferente,
e quando emigramos para um ambiente diferente,
para uma cultura diferente,
é necessário que as pessoas se adaptem a muitas coisas.
CA: Já houve emigração forçada no passado do seu país.
Acho que ainda nesta semana,
ontem ou anteontem,
você visitou estas pessoas.
O que aconteceu? Como foi essa história?
AT: Sim, e desculpe, acho que alguns se perguntaram
o motivo pelo qual escapulimos para visitar esse lugar.
Tive um bom motivo, porque temos uma comunidade de pessoas de Quiribáti
vivendo naquela parte das Ilhas Salomão.
Mas são pessoas que tiveram que se mudar das Ilhas Fênix,
nos anos 60.
Houve uma grande seca e as pessoas não podiam continuar a viver na ilha,
por isso foram transferidas para viver nas Ilhas Salomão.
Então, ontem foi muito interessante encontrar-me com essas pessoas.
Não sabiam quem eu era, nunca tinham ouvido falar de mim.
Depois, alguns me reconheceram,
mas acho que ficaram muito felizes.
Mais tarde, quiseram me receber mais formalmente.
Mas o que vi ontem foi muito interessante,
porque vejo aqui o nosso povo.
Falei na nossa língua e, claro, eles me responderam,
mas com sotaque. Estão começando a não saber falar Quiribáti corretamente.
Eu vi uma mulher com os dentes vermelhos.
Estava mascando nozes de bétel,
é uma coisa que não fazemos em Quiribáti.
Não mascamos nozes de bétel.
Também conheci uma família que tinha se casado com pessoas daqui.
E é isso que está acontecendo.
Ao entrar em outra comunidade, é inevitável haver mudanças.
Sempre haverá uma certa perda de identidade,
e é isso que enfrentaremos no futuro,
se e quando emigrarmos.
CA: Deve ter sido um dia extraordinariamente emotivo
por causa dessas questões de identidade,
a alegria de verem você e talvez um sentimento do que haviam perdido.
É muito inspirador ouvir você dizer que lutarão até o fim
para tentar manter a nação num mesmo lugar.
AT: Esse é o nosso desejo.
Ninguém nunca quer sair de sua casa,
por isso tem sido uma decisão muito difícil para mim.
Um líder não faz planos para deixar sua ilha, sua casa.
Muitas vezes me perguntam:
"Como você se sente?"
E não me sinto nada bem.
É uma coisa emotiva e tenho tentado conviver com isso.
Sei que, por vezes, sou acusado de não tentar resolver o problema,
porque não posso resolver o problema.
É algo que tem que ser feito coletivamente.
A mudança climática é um fenômeno global, como tenho argumentado muitas vezes.
Infelizmente, os países, quando chegamos às Nações Unidas...
Eu estive numa reunião com os países do Fórum das Ilhas do Pacífico,
de que a Austrália e a Nova Zelândia também são membros,
e tivemos um debate.
Isso foi noticiado nos jornais,
porque eles argumentavam que reduzir as emissões
era uma coisa que eles não podiam fazer,
porque isso afetaria as indústrias.
E eu disse:
"Tudo bem, estou ouvindo vocês,
entendo o que estão dizendo,
mas tentem também entender o que eu digo,
porque se vocês não reduzirem as emissões,
será a nossa sobrevivência que estará ameaçada.
Portanto, vocês têm que levar isso em conta, essa questão moral.
É a indústria em oposição à sobrevivência de um povo".
CA: Ontem, perguntei-lhe o que deixa você irritado
e você disse: "Eu não fico irritado". Mas depois, fez uma pausa.
Acho que isso deixou-o irritado.
AT: Lembro-me do meu primeiro discurso nas Nações Unidas.
Estava muito bravo, muito frustrado e depois me senti deprimido.
Tive uma sensação de insignificância,
de que estávamos travando uma luta a qual não tínhamos chances de vencer.
Tive que mudar de abordagem.
Tive que ser mais razoável,
porque pensei que as pessoas escutariam alguém mais racional,
mas sigo radicalmente racional, seja lá o que isso for.
(Risos)
CA: Uma parte fundamental da identidade da sua nação é a pesca.
Você disse que quase toda a população está ligada à pesca de alguma forma.
AT: Bem, comemos peixe todos os dias.
Penso que ninguém duvida de que o nosso consumo de peixe
é talvez o mais alto do mundo.
Não temos muito gado,
por isso dependemos do peixe.
CA: Portanto, dependem do peixe, tanto a nível local,
como quanto às receitas que o país obtém
do negócio de pesca mundial de atum.
No entanto, apesar disso, há alguns anos vocês tomaram uma medida muito importante.
Pode falar sobre isso?
Penso que aconteceu alguma coisa aqui nas Ilhas Fênix.
AT: Primeiro, vou traçar o quadro do que o peixe significa para nós.
Temos uma das maiores pescas de atum que ainda restam no mundo.
No Pacífico, acredito que temos uns 60%
do que resta da pesca de atum,
e mantém-se relativamente saudável para algumas espécies, embora nem todas.
Quiribáti é um dos três principais donos dos recursos,
dos recursos de atum.
No momento, obtemos
cerca de 80 a 90% das nossas receitas
de taxas de acesso, de taxas de licenças.
CA: Das suas receitas nacionais.
AT: Receitas nacionais,
que movimentam tudo o que fazemos
no governo, hospitais, escolas, etc.
Mas decidimos acabar com isso e foi uma decisão muito difícil.
Posso garantir a você que, politicamente, a nível local, não foi fácil,
mas eu estava convencido de que tínhamos de fazer isso
para garantir que a pesca continuasse sustentável.
Houve indícios de que algumas das espécies,
em especial o atum-patudo, estavam seriamente ameaçadas.
O atum-amarelo também estava sendo pescado excessivamente.
O atum-bonito segue em boas condições.
Tínhamos que fazer algo nesse sentido, e foi essa a razão por que fiz isso.
Outra razão para ter feito isso
foi porque eu vinha pedindo à comunidade internacional
que, para lidar com a mudança climática, para lutar contra a mudança climática,
tinha que haver sacrifícios, tinha que haver empenho.
Por isso, ao pedir à comunidade internacional para fazer sacrifícios,
pensei que nós também tínhamos que fazer sacrifícios.
Então, fizemos o sacrifício.
Renunciamos à pesca comercial
na área protegida das Ilhas Fênix,
o que significa uma perda de receitas.
Ainda estamos avaliando o tamanho dessa perda
porque só a suspendemos no início deste ano,
portanto só saberemos no fim deste ano
qual será o tamanho das receitas perdidas.
CA: Há muitas coisas em jogo.
Por um lado, pode proporcionar pescas mais sustentáveis.
Em quanto poderão aumentar o preço
que cobram pelas áreas restantes?
AT: As negociações têm sido difíceis,
mas conseguimos aumentar o custo diário do navio.
Para qualquer navio que venha pescar por um dia,
aumentamos as taxas, que eram de US$ 6 mil e US$ 8 mil,
para US$10 mil e US$12 mil diários por navio.
Portanto, foi um aumento significativo.
Mas, ao mesmo tempo, é importante saber
que, enquanto no passado esses barcos de pesca
conseguiam pescar num dia inteiro umas dez toneladas,
agora conseguem umas 100 toneladas, porque estão muito mais eficazes.
Portanto, temos que responder do mesmo modo.
Temos que ser muito cuidadosos, porque a tecnologia evoluiu muito.
Houve um tempo em que a frota brasileira mudou-se do Atlântico para o Pacífico.
Não conseguiam.
Foram experimentar se conseguiam.
Mas agora já arranjaram formas de o fazer e estão muito eficazes.
CA: Pode dar uma ideia de como são essas negociações?
Porque vocês enfrentam empresas
que têm centenas de milhões de dólares.
Como vocês lidam com isso?
Você tem algum conselho a dar
a outros líderes que estão lidando com as mesmas empresas
sobre como obter o máximo para o seu país,
como obter o máximo para uma pesca sustentável?
Que conselhos daria?
AT: Penso que damos muita ênfase ao licenciamento
a fim de obter a taxa de retorno,
porque o que recebemos com as taxa de licenças
é cerca de 10% do valor do pescado,
pelo lado do porto, não pelo lado de venda a varejo.
Só recebemos cerca de 10%.
O que temos tentado fazer ao longo dos anos
é aumentar a nossa participação na indústria,
na pesca, no processamento,
e, por fim, esperemos, na comercialização.
Não é fácil penetrar nisso
mas estamos trabalhando para isso,
e, sim, a resposta será nos esforçar.
A fim de aumentar a nossa taxa de retorno, temos que nos envolver mais.
Portanto, começamos a fazer isso
e temos que reestruturar a indústria.
Temos que dizer a essas pessoas que o mundo mudou.
Agora queremos produzir os peixes nós mesmos.
CA: No entanto, para os pescadores locais,
eles ainda podem pescar,
mas como é o negócio para eles?
Está mais difícil? As águas estão esgotadas?
Ou se pesca de forma sustentável?
AT: Para a pesca artesanal,
não participamos na atividade da pesca comercial
a não ser para fornecimento do mercado interno.
A pesca do atum é inteiramente para o mercado estrangeiro,
na sua maioria para os EUA, Europa e ***ão.
Eu também sou um pescador
e eu conseguia pescar atum-amarelo.
Agora, é muito raro conseguir pescar um atum-amarelo
porque estão sendo pescados às centenas de toneladas
por esses atuneiros.
CA: Temos aqui duas lindas garotinhas do seu país.
Quando pensa no futuro delas,
que mensagem transmitiria a elas
e que mensagem transmitiria ao mundo?
AT: Venho dizendo ao mundo que temos que fazer alguma coisa
acerca do que está acontecendo com o clima
porque, para nós, trata-se do futuro destas crianças.
Tenho 12 netos, pelo menos.
Acho que tenho 12, a minha esposa é quem sabe.
(Risos)
Acho que tenho oito filhos.
Trata-se do futuro deles.
Todos os dias vejo meus netos, da mesma idade destas garotinhas,
e me pergunto,
e às vezes fico zangado, fico mesmo.
Penso no que virá a ser deles.
É por causa deles
que devemos dizer a todo o mundo,
que não se trata dos seus interesses nacionais,
porque a mudança climática, infelizmente,
é considerada por muitos países como um problema nacional, mas não é.
Esta é a discussão que tivemos recentemente com os nossos parceiros,
os australianos e os neozelandeses,
porque eles disseram: "Não podemos reduzir mais".
Foi o que disse um dos líderes, o líder australiano.
Ele disse: "Já fizemos a nossa parte, estamos reduzindo as emissões".
Eu disse: "E quanto ao restante? Porque é que não ficam com o resto?
Se conseguissem conter o resto das suas emissões,
dentro dos seus limites, dentro das suas fronteiras,
nós não teríamos nenhum problema.
Vocês poderiam continuar como quisessem.
Mas, infelizmente, enviam para o nosso lado.
e estão afetando o futuro dos nossos filhos".
Penso que esse é o principal problema da mudança climática atualmente.
Vamos nos reunir em Paris no final deste ano,
mas até quando não tratarmos disso como um fenômeno global,
porque nós o criamos, individualmente, enquanto nações,
mas afeta a todos os demais,
porém recusamos a fazer qualquer coisa sobre isso,
e lidamos como se fosse um problema nacional, mas não é.
É um problema global
e tem que ser tratado de forma conjunta.
CA: As pessoas reagem muito mal a gráficos e números
e recusam-se a aceitá-los.
De alguma maneira, reagimos um pouco melhor a pessoas.
Parece muito provável que o seu país,
dados os enormes problemas que enfrenta,
possa ser a luz de alerta para o mundo, que brilhe de forma mais visível,
de forma mais forte.
Quero agradecer-lhe, em nome de nós todos,
pela sua extraordinária liderança e por ter vindo aqui.
Senhor presidente, muito obrigado.
AT: Obrigado.
(Aplausos)