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Aqui em Stratford upon Avon, lar de William Shakespeare...
é muito difícil não ouvir o nome de Hamlet.
Canecas e camisetas de Hamlet são muito vendidas nas lojas de presentes...
frases da peça enfeitam toalhas...
diários, canetas, letreiros de lojas e livros.
O foco do comércio de turismo nesta peça é apenas uma indicação...
de quão importante Hamlet vem sendo para a cultura ocidental.
Depois da Bíblia, Hamlet é o trabalho mais citado...
na língua inglesa.
Hamlet é um jovem príncipe, levado ao desespero...
pelo casamento apressado de sua mãe com Cláudio, seu tio.
Mais tarde, Hamlet descobre, através do fantasma de seu pai...
que foi Cláudio quem assassinou seu pai.
A trama lida com a promessa de vingança feita por Hamlet...
e a complexidade de sua relação com os outros...
por causa desta promessa.
A data exata de quando Hamlet foi escrito é uma questão em aberto.
Deu entrada no registro em 1602.
Mas é sabido que foi encenada...
já em 1599.
A incerteza em torno das primeiras apresentações...
é espelhada na escolha do texto.
Existem três versões do Hamlet da época...
provavelmente o primeiro quarto foi publicado por um ator...
que lembrava-se equivocadamente das falas da peça de Shakespeare.
Estamos em terreno muito mais firme com as outras duas versões.
O segundo quarto publicado como uma cópia perfeita e verdadeira...
é quase duas vezes mais longo que o primeiro...
com poesia shakesperiana evidente.
E também há o primeiro fólio de 1623.
Este não inclui 225 falas que aparecem no segundo quarto...
mas acrescenta outras 70 falas.
A peça sempre é apresentada aqui, na Companhia Real Shakesperiana...
e incontáveis trabalhos acadêmicos sobre Hamlet são pesquisados...
escritos e discutidos no Centro Shakesperiano de Stratford...
e no Instituto Shakespeare.
O Dr. Russell Jackson trabalhou como consultor de texto...
em vários filmes shakesperianos, incluindo o Hamlet de Kenneth Branagh.
O Prof. Wells é o diretor do Instituto há muitos anos...
e escreveu inúmeros livros e artigos sobre Shakespeare.
Quem melhor que esses dois experts para tentar definir...
porque Hamlet é uma das peças mais influentes da literatura mundial.
Pobre Yorick! Conheci-o, Horácio.
Um sujeito de chistes inesgotáveis e de uma fantasia soberba.
Carregou-me muitas vezes às costas.
E agora, como me atemoriza a imaginação!
Sinto engulhos.
Era aqui que se encontravam os lábios que eu beijei não sei quantas vezes.
Onde estão agora os chistes, as cabriolas, as canções...
os rasgos de alegria que faziam explodir a mesa em gargalhadas?
É impressionante como Hamlet se tornou influente.
Foi muito usada por outros artistas e é tão popular em tantos países.
O que causou isto é uma questão complexa...
mas penso que, fundamentalmente...
tem a capacidade de adquirir um status mítico...
tornou-se um dos mitos do mundo ocidental...
e acho que a razão mais importante para isto é...
simplesmente, a preocupação com a morte.
Hamlet permaneceu popular e tem sido...
tão encenada, tão lida e tão discutida e tão filmada.
Por causa do material cru que há em Hamlet...
algo que tem apelo para todas as pessoas.
A história é emocionante, o fato de que lida com...
o que se poderia chamar de problema pessoal no âmbito familiar...
e, além disso, no âmbito da política do reino...
significa que tem várias formas de apelo para pessoas...
de contextos diferentes e com objetivos diferentes.
Mostrai que se excedeu nas brincadeiras...
e como se interpôs Vossa Grandeza entre ele e a grande cólera.
Mais nada.
Somente vos reitero: sede ríspida.
Se eu tivesse que dizer numa frase do que trata o Hamlet...
o que é uma bobagem...
mas eu diria que é sobre as reações em relação à morte.
Tem o grande símbolo do espectro...
o fantasma é a grande questão pendendo sobre a existência humana...
a idéia de um outro mundo, onde as coisas começam, para onde vão.
O fantasma está sempre presente nas mentes de Hamlet e da platéia...
e a peça preocupa-se com o que fazemos em relação à morte...
o que Hamlet faz em relação à morte, como o fantasma morreu...
ojeito como Hamlet mata Polônio...
mas também mortes contingentes como...
a de Ofélia em sua loucura, por exemplo...
e acho que a preocupação constante da peça...
com a maneira como as pessoas reagem à morte...
é, para mim, a razão fundamental do porque a peça tem sido...
uma obra de arte tão influente.
Ser...
ou não ser...
Eis a questão.
Que é mais nobre para a alma:
suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso...
ou armar-se contra um mar de desventuras...
e dar-lhes fim...
tentando resistir-lhes?
Morrer...
dormir... mais nada...
Imaginar que um sono põe remate aos sofrimentos do coração...
e aos golpes infinitos que constituem a natural herança da carne...
é solução para almejar-se.
Morrer, dormir...
dormir... Talvez sonhar...
Eis o ponto. O não sabermos que sonhos poderá trazer o sono da morte...
quando ao fim desenrolarmos toda a meada mortal...
nos põe suspensos.
É essa idéia que torna verdadeira calamidade a vida assim tão longa!
Pois quem suportaria o escárnio e os golpes do mundo...
as injustiças dos mais fortes, os maus-tratos dos tolos...
a agonia do amor não retribuído...
as leis amorosas, a implicância dos chefes...
e o desprezo da inépcia contra o mérito paciente...
se estivesse em suas mãos obter sossego...
com um punhal?
Que fardos levaria nesta vida cansada, a suar, gemendo...
se não por temer algo após a morte...
terra desconhecida...
de cujo âmbito jamais ninguém voltou...
que nos inibe a vontade...
fazendo que aceitemos os males conhecidos...
sem buscarmos refúgio noutros males ignorados?
De todos...
faz covardes a consciência.
Desta arte o natural frescor de nossa resolução...
definha sob a máscara do pensamento...
e empresas momentosas se desviam...
da meta diante dessas reflexões...
e até o nome de ação perdem.
Num ponto da peça...
Cláudio, o vilão que eu interpreto...
diz que a vingança não deveria ter amarras.
O assunto da vingança volta uma e outra vez...
para afligir alma torturada de Hamlet.
Ele hesita várias vezes.
Que fatores impedem Hamlet de executar sua vingança?
Se fôssemos pensar nisso, a resposta mais cínica...
seria que Shakespeare quer arrastar a peça, são 5 atos.
E acho que isto não é totalmente descabido...
porque Shakespeare queria escrever sobre muitas coisas...
não queria que a peça terminasse até ele ter tido a chance...
de escrever sobre tudo que está no Hamlet...
mas acho que fundamentalmente isto de consciência.
Hamlet refere-se à consciência. Também penso que o fato de...
que ele, finalmente, só age por instinto...
ele precisa reunir todos seus impulsos...
tanto lógicos como ilógicos, racionais e irracionais.
Todos precisam estar reunidos dentro dele...
antes que ele possa matar sem sentir que tenha se traído...
que tenha matado alguma coisa importante dentro dele.
Isto é fundamentalmente o porque dele não matar Cláudio antes do fim da peça.
Uma das coisas sobre a vingança em Hamlet...
é que muitas pessoas querem se vingar...
e há uma cena extraordinária na qual Cláudio...
que está prestes a ser vítima da busca de Hamlet por vingança...
está incitando outra pessoa a se vingar de Hamlet.
A vingança não deveria ter amarras.
Bem, vingança não é um assunto simples.
Se você tem alguma consciência do mundo em que Hamlet está...
se tem alguma fé em Deus, então sabe que Deus proíbe a vingança.
"A vingança é minha" disse o Senhor, "e eu vou revidar".
Quando ele tem a chance de matar Cláudio na cena da oração...
"É propícia a ocasião." Ele poderia ter se vingado...
mas não o faz porque não tinha tudo reunido...
ele não está de todo ansioso para vingar-se.
O homem completo teria me derrubado por trás...
ele estaria apenas fazendo de um jeito frio, calculado.
É propícia a ocasião; acha-se orando.
Vou fazê-lo.
Desta arte, alcança o céu... E assim me vingaria?
Em outros termos:
mata um biltre a meu pai; e eu, seu filho único...
despacho esse mesmíssimo velhaco para o céu.
É soldo e recompensa, não vingança.
Não.
Aguarda, espada...
um golpe mais terrível:
no sono da embriaguez, ou em plena cólera...
nos prazeres do tálamo incestuoso, nojogo, ao blasfemar...
ou em qualquer ato que o arraste à perdição.
Nessa hora, ataca-o.
Que para o céu vire ele os calcanhares...
quando a alma estiver negra como o inferno, que é o seu destino.
Espera-me a rainha.
Prolonga-te a doença esta mezinha.
As coisas negras não ditas na relação...
entre Gertrudes e Hamlet ocupam o coração deste grande trabalho.
Em certa medida pode-se pensar que Shakespeare...
teria influenciado o trabalho de Sigmund Freud.
Freud, anos mais tarde, revelaria o papel dos sentimentos sexuais...
na complexa relação entre mãe e filho.
Críticos psicanalistas têm argumentado que tal complexo de Édipo...
pode estar na raiz da descrição do distúrbio de Hamlet...
do casamento de sua mãe. Mas é esse o caso de fato?
Então, mãe, que há de novo?
Grande ofensa a teu pai fizeste, Hamlet.
Grande ofensa a meu pai fizeste, mãe.
Devagar; respondeis com língua ociosa.
Vamos, que me falais com língua ociosa.
- Que é isso, Hamlet? - Que há de novo agora?
- Esquecestes quem sou? - Não, pela Cruz!
Sei bem que sois a rainha, casada com o irmão de vosso esposo...
e, prouvera o contrário, minha mãe.
Vou chamar quem convosco falar possa.
Não saireis enquanto não vos apresentar eu um espelho...
que o recôndito da alma vos reflita.
Que pretendes fazer? Não vais matar-me? Socorro! Socorro!
Que é isso? Um rato? Aposto que o matei.
- Santo Deus, que fizeste? - Ignoro-o.
Não era o rei?
Quando Hamlet fica tão bravo com sua mãe na cena do gabinete...
elejá está num estado bastante perturbado.
Afinal, ele acabou de matar...
cometeu o ato de matar pela primeira vez em sua vida.
Adeus, bobo apressado e intrometido. Julguei que era o teu chefe.
Não torçais tanto as mãos; sentai-vos. Quero lutar com vosso coração.
No caso de ser ele amolgável...
se o maldito costume o não deixou...
duro como o aço.
Que fiz eu para usares de linguagem tão grosseira?
Uma ação que mancha a graça e o rubor da modéstia...
que a virtude transforma em falsidade, e osjuramentos em pragas de viciados.
Ai! que ação tão monstruosa, que troveja estrondeando, com o simples enunciado?
Mirai este retrato e mais este outro.
Vede a graça que encima esta cabeça...
cachos de Apolo, a fronte alta de Júpiter...
o olhar de Marte, ao mando e à ameaça afeito...
Esse foi vosso esposo.
Agora o resto: eis vosso esposo...
espiga definhada que o irmão sadio empesta.
Tendes olhos? Deixastes a pastagem deste belo monte...
por um pau? Ah! tendes olhos?
Não chameis a isso amor, que em vossa idade o sangue se arrefece...
fica humilde e obedece à razão.
E que razão passa deste para este?
Pudor, por que não coras?
Quando Hamlet lida com as mulheres...
na opinião de muitas pessoas, ele lida muito mal.
Ele lida mal com Ofélia...
e, certamente, lida rudemente com sua mãe.
No que ele diz sobre o segundo casamento de sua mãe...
sobre a relação dela com Cláudio, há algo tão vívido...
tão nitidamente *** que muitas pessoas acharam isto...
tão perturbador que precisaram descobrir explicações psicológicas.
Boa noite.
Mas evitai a cama do meu tio.
Fazei-vos de virtuosa, se o não fordes. Abstende-vos por hoje...
que isso há de conferir facilidade à próxima abstinência.
Que é preciso que eu faça?
Nada do que vos disse neste instante.
Que outra vez para o leito o rei balofo, vos conduza...
e no rosto vos belisque, vos chame de ratinha...
e que dois beijos infectos e carícias com as mãos grossas...
em vossas costas pronto vos induzam a revelar-lhe...
que estou bom dojuízo...
mas que finjo loucura.
Fica tranqüilo.
Se o falar consiste em respirar, e o fôlego for vida...
não terei vida alguma que respire quanto me revelaste.
Parto para a Inglaterra; já o sabíeis?
Ai! que o esquecera... Assim ficou assentado.
Selaram cartas.
Alguns atores o fazem fisicamente violento com sua mãe e...
isto não é só algum tipo generalizado de misogenia...
me parece haver algo no Hamlet que ele é levado a encarar.
Acho que Shakespeare nos mostra que as próprias reações dele à matança...
vãojogá-lo num tumulto emocional.
Eu não acho que o leva à loucura...
mas o leva perigosamente perto da loucura.
Ele certamente está num estado muito enclausurado...
quando chega ao gabinete de sua mãe...
e que é piorado pela aparição do fantasma...
então, acho que quando ele está falando com a mãe...
todos seus sentimentos presos vêm à tona.
É brilhantemente escrito o modo como Shakespeare...
arquiteta a língua para dar a impressão...
que nós estamos na mente de um homem...
é uma proeza técnica brilhante.
Estendei sobre mim, legiões celestes as asas protetoras!
Que deseja vossa imagem graciosa?
Ai de mim! Está louco.
Não viestes censurar o filho tardo...
que deixa a ira assentar...
e tão remisso se mostra no cumprir vossos preceitos?
- Oh, dizei! - Não te esqueças:
minha vinda só visa a estimular-te o intento rombo.
Mas vê que em tua mãe se assenta o espanto.
Corre a interpor-te entre ela e a sua alma em luta...
que nas pessoas fracas é terrível o estrago da ilusão.
Fala-lhe, Hamlet.
- Senhora, que sentis? - Que se passa contigo...
que os olhos assim pousas no vazio...
e com o ar incorpóreo deblateras?
- Mas, para onde olhas? - Para ele, sim;
quão pálido nos fixa! Seu destino e sua forma...
se influíssem nas pedras, racionais as tornariam.
Tirai de mim os olhos, para que esse gesto piedoso não transmude...
minhas ásperas intenções, pois o que tenho para fazer exige cores vivas.
- Necessito de sangue em vez de lágrimas. - Para quem falas isso?
- Ninguém vedes? - Ninguém; vejo o que nos cerca.
- E nada ouviste? - Nada; a nós somente.
Vede ali! Já se afasta... Meu pai, tal como em vida se vestia.
Acaba... vede-o! de transpor a porta.
Isso é fruto, somente, de teu cérebro.
É sempre muito fértil o delírio no inventar essas coisas.
Como vimos, Hamlet trata a mãe asperamente...
é igualmente áspero com Ofélia, ajovem que ele supostamente ama.
E isto contribui para sua eventual loucura e suicídio.
O modo como ele a trata pode ter algumajustificativa?
Aí vem vindo a bela Ofélia.
Em tuas orações, ninfa, recorda-te de meus pecados.
Como tem passado, príncipe, no correr de tantos dias?
Muitíssimo obrigado; bem.
Não acho que o comportamento dele possa serjustificado...
mas quase nada em Hamlet é passível de simplesjustificativa.
Creio que ele nunca está completamente certo nas coisas que faz.
Ele se comporta brutalmente em relação à Ofélia...
mas por outro lado, ele pensa ter sido traído...
e no que diz respeito a ela, no decorrer da cena...
ele parece abandoná-la e rejeitá-la.
Eu nunca te dei nada.
O príncipe bem sabe que é verdade...
e com palavras de tão doce anélito...
que o valor dos presentes aumentava.
Mas, evolado o aroma, agora os trago. Os brindes se empobrecem...
para uma alma bem-nascida, de par com os sentimentos de quem os dá.
- És honesta? - Como assim, príncipe?
- És bela? - Que quer dizer Vossa Alteza?
É que se fores, a um tempo, honesta e bela, não deves admitir...
intimidade entre a tua beleza.
Mas poderá haver melhor companhia para a beleza do que a honestidade?
Realmente, que a beleza com o seu poder, levaria menos tempo para transformar...
a honestidade em alcoviteira...
do que esta em modificar a beleza à sua imagem.
Já houve época em que isso era paradoxo;
mas agora o tempo o confirma.
Cheguei a amar-te.
Em verdade, o príncipe me fez acreditar nisso.
Eu acho que o modo como Hamlet trata Ofélia...
é compreensível devido ao seu estado mental...
o estado mental de alguém que recentemente...
vivenciou o assassinato do pai em circunstâncias misteriosas...
as quais ele está desesperadamente tentando desvendar, combinado...
ao recente casamento de sua mãe...
com a pessoa que sabemos ser o assassino de seu pai.
Ele está num estado mental terrível.
Vai; entra para o convento; adeus.
Ou então, se tiveres mesmo de casar, escolhe um néscio para marido...
porque os assisados sabem em que monstros as mulheres os transformam.
Para o convento, vai; e isso depressa. Adeus.
Poderes celestiais, restituí-lhe a razão!
Conheço muito bem vossas pinturas;
Deus vos deu um rosto e arrumais outro;
andais aos pulinhos, dais nomes indecentes às criaturas de Deus...
fazendo vossa leviandade passar por inocência.
Não insisto, porque foi isso que me deixou louco.
O que digo é que não teremos casamentos;
os quejá são casados, com exceção de um...
hão de continuar vivos; os demais, prosseguirão como estão.
Para o convento; vai!
Eu acho que outra faceta de Ofélia...
esteja no projeto global da peça.
Em arte, a peça versa sobre as reações à morte.
Hamlet reage à morte do pai...
Ofélia reage à morte do pai.
Ela e Laertes reagem à morte do pai.
A morte de Polônio causa...
a loucura de sua filha...
e faz o filho buscar vingança.
De uma forma, elas polarizam com...
dois aspectos das reações de Hamlet à morte do pai.
Hamlet quase enlouquece...
Hamlet certamente quer se vingar...
mas Hamlet é uma figura muito mais complexa...
então, Laertes e Ofélia...
são retratos simplificados de certos aspectos do próprio Hamlet.
A mais florida esperança do Estado...
o próprio exemplo da educação, o espelho da elegância...
o alvo dos descontentes, tudo em nada!
E eu...
a mais desgraçada das mulheres, que saboreei o mel de suasjuras musicais...
ter de ver essa admirável razão perder o som...
qual sino velho, essa forma sem par...
a flor da idade, fanada pela insânia!
Ó dor sem fim!
Terjá visto o que vi, e vê-lo assim!
Embora qualquer descrição da ação da peça...
dê a impressão de uma série de eventos cruéis...
existe, na verdade, uma grande dose de humor dentro dela.
Há esta tensão entre os toques cômicos...
e a obsessão com a morte que explica a estranha popularidade da peça.
Temos aqui outro crânio, que vos ficou na terra seus vinte e três anos.
- De quem era este? - Do mais extravagante louco.
- Quem pensais que ele fosse? - Não posso sabê-lo.
Para o diabo com sua loucura!
Certa vez atirou-me à cabeça uma botija de vinho do Reno.
Esse crânio aí, senhor, era o crânio de Yorick, o bobo do rei.
- Este? - Precisamente.
Deixa-me vê-lo.
É extraordinário que Hamlet seja a mais engraçada das tragédias de Shakespeare.
O clima de comédia da peça, eu creio...
está na cena do cemitério, o que é um paradoxo, não é?
Você tem um personagem engraçado, mas que está cavando sepulturas...
para pessoas mortas serem enterradas, mas esse é apenas um aspecto de...
uma seqüência cômica que permeia a peça.
Shakespeare está constantemente preocupado...
em permitir uma perspectiva cômica na ação da tragédia que está retratando.
Mais ou menos assim: Alexandre morreu; Alexandre foi enterrado;
Alexandre tornou-se pó. O pó é terra;
da terra faz-se argila; por que, então...
não se poderá tapar um barril de cerveja...
com a argila em que ele se converteu?
O grande César morto e em pó tornado...
pode a fenda vedar ao vento irado.
O pó que o mundo inteiro trouxe atento...
ora o muro protege contra o vento.
Também deveríamos lembrar que a figura mais engraçada da peça é Hamlet.
Hamlet é sagaz.
Ele é uma figura muito inteligente que é satírica...
e ele satiriza, por exemplo, Polônio.
Na cena do cemitério, ele tem mais sátiras abstratas de advogados...
quando está falando lá. Ele é o personagem inteligente da peça...
e a inteligência sempre assume a forma de sagacidade...
na medida em que estimula as pessoas.
Tenho ouvido dizer que os criminosos...
quando assistem a representações...
de tal maneira se comovem com a cena...
que confessam na mesma hora em voz alta seus delitos...
pois embora sem língua...
o crime fala por modo milagroso.
Nós podemos dizer que Hamlet, numa vida mais feliz, teria sido...
o herói das comédias românticas de Shakespeare.
Ele é o único dos heróis trágicos de Shakespeare...
que poderia ter sido o herói de uma comédia, em melhores circunstâncias.
E eu acho que também é parte do apelo da peça...
que Hamlet seja um homem muito atraente.
E não necessariamente fisicamente. Pode ser também fisicamente...
mas ele é atraente no sentido de que é...
introspectivo, o que traz um lado solidário...
mas ele também é tão articulado, ele poderia estar...
sentindo-se inarticulado, mas sua própria inarticulação...
é explorada por ele numa linguagem maravilhosamente articulada...
e isto atrai a platéia para Hamlet de maneira excepcional...
então a comédia dentro de Hamlet...
é, em si mesma, um importante aspecto de seu tratamento cômico.
Eu acho que há tanta variedade em Hamlet...
e o personagem Hamlet tem tanta variedade e vitalidade...
que seu apelo é difícil de superar.
Enfim, sozinho!
Que velhaco sou eu, que vil escravo!
Pois não será monstruoso? Este ator pôde...
numa simples ficção, num sonho apenas de paixão...
forçar a alma aos seus preceitos, a ponto de fugir-lhe a cor do rosto...
marejarem-lhe os olhos, o conspecto confundir-se-lhe...
e toda a compostura conformar-se às suas influições.
Tudo por nada!
Que faria, se tivesse, como eu, deixas violentas?
Inundara de lágrimas o palco...
rasgara o ouvido a todos com seus gritos;
assombrados deixara os inocentes, insanos os culpados...
confundidos os ignorantes; sim, deixara atônitos...
os sentidos usuais da vista e ouvido. Ao passo que eu...
um parvo feito só de lama, um néscio...
como um joão-sonhador...
sem nenhum plano de vingança, me calo...
quando a vida preciosa e o trono um rei a perder...
veio por maneira tão bárbara e maldita.
Serei covarde? Quem me lança o apodo de vilão?
A cabeça me abre em duas? Puxa-me do nariz?
De mentiroso me acoima até os pulmões?
Quem me faz isso?
Ah! Fora bem feito. E a causa não é outra:
tenho sangue de pombo, o fel me falta que a opressão torna amarga...
ou já teria dado as entranhas desse escravo...
a todos os abutres do céu. Vilão nojento...
sanguinário, traidor, devasso, estéril!
Oh vingança!