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Bem, boa noite.
Obrigado por ter colocado a questão.
Então, o que eu vou apresentar para vocês é uma escola de cinema indígena.
É o que a gente faz.
Não sei se vocês acharam insólita, exótica,
talvez inoportuna a intervenção.
Eu ouvi muitas vezes esse comentário:
"Você está poluindo os índios com a nossa tecnologia".
Não pense que os índios são passivos
no processo intenso de mudança cultural
que sofrem as suas vidas e suas comunidades.
Isso é um processo discutido diariamente,
no qual os velhos, evidentemente, cumprem o seu papel
de cobrar o respeito às tradições
e de aviventar a memória do grupo.
Mas, evidentemente, a cada nova geração
os jovens têm o seu olhar voltado para o mundo de fora.
O biculturalismo é uma realidade histórica incontornável.
Os índios querem ser parte da modernidade
e querem participar do processo histórico deste momento da humanidade.
Essa modernidade que trouxe tantos prejuízos,
como a mortandade, por contágio, de tantos velhos
que levaram tantos conhecimentos, que foram perdidos.
Essa modernidade que corrompeu tantos mecanismos internos
de transmissão de conhecimento e de tradição.
Por quê não usar, também, a modernidade, a tecnologia, a favor da tradição?
Não existe nenhuma contradição nisso, é nisso que a gente tem trabalhado.
Esse trabalho, evidentemente, não nasceu do nada.
Nasceu de 15 anos de militância e de convivência com os indígenas.
E a um certo momento eu pensei: "Qual é a contribuição que eu poderia dar?"
E sabendo que para os índios, a questão da memória é uma questão fundamental.
E aí eu comecei esse projeto há 25 anos atrás.
Primeiro, é um projeto que não nasceu pronto.
Eu comecei a botar a minha câmera a serviço de lideranças visionárias
com um discurso de resistência cultural.
E o instrumento do registro foi extremamente estimulante,
foi uma caixa de ressonância do seu discurso de resistência cultural.
Eu comecei a visitar e a registrar para eles, a seu pedido,
seu patrimônio cultural,
que muitas vezes precisava ser rememorado,
aviventado, revivido.
Aos poucos, eu comecei a viajar
e descobri que a emergência da mídia indígena,
ou da mídia nativa, era um processo global.
Os Inuit do Polo Norte, os Aborígenes da Austrália,
os Saami da Noruega, da Finlândia,
todos eles já estavam engajados nisso.
Aí partimos para uma segunda etapa do projeto, justamente a formação de cineastas indígenas.
A produção de documentários é um processo de autoconhecimento muito interessante
e não é à toa que a maioria dos nossos alunos são professores indígenas de suas escolas
que nesse momento estão trabalhando para implantar um sistema educacional próprio,
para ensinar a sua história, para ensinar a sua cultura. E são pesquisadores da sua cultura.
A partir de um certo momento, a produção indígena de alta qualidade, reconhecida em muitos festivais,
tem encontrado um novo espaço.
Eu acho que o Brasil vive, nos últimos anos, uma coisa muito positiva.
de olhar para o Brasil, de valorizar a sua diversidade cultural.
E tudo isso é um movimento que foi subsidiado por uma política cultural,
que eu diria revolucionária,
e na qual os índios, claro, foram incluídos.
Uma política de inclusão de populações marginalizadas.
Tem uma outra luz no fim do túnel.
Uma coisa muito positiva que aconteceu em 2008,
uma lei criando o ensino obrigatório
das culturas indígenas nas escolas brasileiras de ensino fundamental e médio.
O fato é que a ignorância da população
sobre os povos indígenas é enorme.
E isso poderá representar uma virada nesse desconhecimento.
Evidente que, por enquanto, essa lei ainda é uma carta de boas intenções.
Vai levar alguns anos e muitos investimentos
em formação de professores e produção de material didático.
Mas, para a produção, a gente tem se empenhado em fazer chegar às escolas
essa produção de documentário indígena
que trazem um novo olhar sobre a sua realidade.
Pela possibilidade da intimidade,
pela possibilidade das pessoas se expressarem em sua própria língua.
Eles trazem uma visão que nunca foi vista dos povos indígenas.
Não é um olhar que exotiza a diferença,
mas que humaniza e aproxima os índios da gente.
Enfim... basicamente, o que eu tinha para dizer era isso,
e para falar de cinema,
a gente não pode deixar de mostrar alguma coisa.
Por isso eu separei três minutinhos de um filme que está ainda em processo de montagem
que talvez possa esclarecer e ilustrar aquilo de que estou falando.
Vamos observar duas crianças Guarani, do Rio Grande do Sul, filmadas por um adolescente,
podendo se expressar em sua própria língua,
indo cortar lenha na reserva florestal da fazenda vizinha.
A gente vai ver como as crianças podem expressar a alegria e os dramas de um povo.
Por quanto você vai vender isso?
Ela já falou, dez pilas.
E tudo junto vai dar quanto? 50?
Tá louco, isso não vale nem 5 centavos.
Os brancos sempre querem pagar mais barato para levar mais.
E os filhos dos brancos também.
Nós, Mbya-Guarani, não podemos mais fazer armadilhas muito longe,
se não, os brancos podem atirar na gente.
Olha só como já está bem cortado.
Olhem só, cortaram uma cerejeira!
Cortaram uma que a gente come.
Todas estas árvores têm espírito.
E elas não querem morrer.
Só que os brancos cortam com motosserra.
Essa árvore é uma frutífera,
só as fêmeas que dão frutas.
Demorô! Vem dançar comigo, em toda vão, sentou, girou!
Vem amor! Por favor, na solidão!
E me entende, por isso de perto. Meu amor.
Fazendeiro!!!
Não vá! Não vá! Por favor.
Fazendeiro!!!
Fazendeiro muito bêbado!
Vem aqui com o metralhador e você também!
Para me matar! Maluco!
150! Querendo calcinha!
Eu quero ma...
Fazendeiro vem aqui e metralhador em você! Pra me matar! Eu quero morrer!
Aquele dia foi divertido,
eu fui o primeiro a correr.
Saímos correndo, derramando toda a farofa pelo caminho.
Deram três tiros atrás de nós.
- Mas os tiros só pegaram nas árvores. - Tiros de espingarda?
O fazendeiro, um branco.
O Avito começou a chorar, ele se apavorou mesmo.
Obrigado.