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Arte
e Anarquia
A razão primeira e fundamental que no final do século 19
impulsionou muitos artistas, poetas e críticos
a se dirigir com simpatia ao movimiento anarquista
se origina pelo rechaço de uma sociedade industrial
que andava provocando desequilibrios sociais devastadores
e que transformavam em mercadoria todo produto do trabalho,
inclusive o artístico.
Graças a este amplo rechaço
cada grupo de vanguarda, fazendo em oposição ao gosto dominante,
se encontrava ao menos por um momento com o movimento anarquista,
que mais que os outros movimentos políticos,
dedicava em seus jornais e em seus debates
um espaço relevante aos problemas artísticos.
Que havía assumido, menos que os outros,
uma organização centralizada e vinculante.
Estes artistas se dedicaram a atacar concretamente a organização social,
denunciaram o sistema capitalista
fundando suas esperanças de artistas e de individuos
na construção de um Mundo Novo,
em que a arte se fundisse
com a justiça.
Seus sonhos de uma justiça na vida social
convergiam com os dos anarquistas,
os quais, mais do que qualquer outra corrente socialista,
havíam feito da liberdade do homem
a finalidade culminante de toda a revolução.
Entre os teóricos do movimento anarquista
coexistiam duas tendências contraditórias:
De um lado, o que Rezsler, chamava de o culto do desconhecido,
a busca de uma nova forma de arte, expressão do momento revolucionário,
capaz de demolir o existente
e que dará as bases de um futuro
em que não fosse possível aprisionar a arte
na prisão das teorias e dos sistemas.
De outro, o culto do conhecido,
que leva a redescobrir certos aspectos da arte e da sociedade medieval
e a propô-los como modelos
enquanto culto de uma arte
que é a criação de todo um povo.
Nos escritos de Proudhon,
Kropotkin e de outros pensadores anarquistas
os dois cultos designam duas direções de uma idêntica vontade revolucionária.
Courbet, escolhido para o Conselho da cidade de París,
entre muitas funções, elaborou o programa da Federação dos Artistas,
que se propunha conciliar a maior liberdade individual
da pesquisa artística
com uma ativa função social.
A Federação foi concebida como uma corporação de produtores
com a convicção de que
"o pensamento humano expressado pela produção dos artistas contribui
fortemente para a Revolução Social".
Por isso integrava, principalmente, a arte com as artes aplicadas:
"Estando a arte decorativa compreendida dentro da Federação,
ao contrário dos erros do passado,
os artistas industriais participarão, de hoje em diante,
de todas as exposições artísticas da Comuna".
A Federação devía também garantir:
"A livre expressão da arte,
desvinculando-se de qualquer tutela governamental
e de todos os privilégios.
O compromisso social e a autonomia criativa.
O problema do compromisso se colocava no pensamento anarquista
de aqueles anos
em termos muito mais vagos do que quando foi concebido
nas décadas seguintes.
Ainda que não faltasse, nem sequer entre os exponentes anarquistas, a tentação de
subordinar o trabalho dos artistas aos objetivos imediatos do movimento,
em geral, se pode dizer que:
"Se para o anarquista a arte da rebelião é uma realidade,
a arte edificante e propagandística, que abunda em certa literatura socialista,
é, sem dúvida, uma ideia que rejeita.
Não se pode definir a arte
como o símbolo da ilimitada criatividade humana
e ao mesmo tempo como o auxilio da luta social".
Grave e Kropotkin
demonstram repetidamente suas preferências por uma arte impregnada
de instâncias sociais.
Grave se sentia feliz acolhendo em suas publicações as obras
dos neo-impresionistas,
cuja representação realista da existência dos humildes
podia servir à causa anarquista,
revelando as injustiças e as desigualdades
da ordem social vigente.
Naquele tempo, as qualidades artísticas das obras utilizadas
podiam ajudar a iluminar os trabalhadores
e a prepará-los para uma existência melhor, prometida pelo porvir anarquista.
Por outro lado, Kropotkin convidava a mostrar ao povo
os horrores da vida contemporânea
e as ignomínias da ordem social atual.
A posição dos artistas é muito mais complexa.
Teria sido muito fácil se eles houvessem se inspirado
em uma arte especificamente de propaganda.
Mas não foi assim.
Antes, pois, aconteceu o contrário.
Tem-se a impressão de que se encontraram frente a uma encruzilhada
dado que por gosto preferiam temas que não concordavam perfeitamente
com suas opiniões políticas.
Dilema este que comportava outro.
Estes artistas insistiam em sustentar a independência da arte
em relação a natureza
defendendo, consequentemente, o programa da arte pela arte
e desvalorizando igualmente o distanciamento progressivo
dos laços com a natureza.
Problemas estes, que unidos podem se exprimir
em uma breve fórmula:
A arte pela arte é para a propaganda
e que a arte independente da natureza
é para a tradição naturalista.
Na discussão interviram vários artistas, entre os quais Signac,
que em um artigo publicado anônimo em La Revolté
como contribuição de um companheiro anarquista afirma:
"Seria um erro, no qual têm caído muito frequentemente
os revolucionários melhor intencionados, como Proudhon,
exigir sistematicamente uma tendência socialista
precisa na obra de arte
já que esta tendência voltará a encontrar
muito mais forte e eloqüente nos estetas puros,
revolucionários por temperamento que, afastando-se dos caminhos seguidos,
pintam o que veem e como o sentem
Irão, inconscientemente, com muita frequência, com um sólido golpe de bico
ao velho edifício social.
Justiça em sociologia e harmonia na arte é a mesma coisa".
Pintor anarquista não é aquele que fará imagens anarquistas
mas sim, aquele que, sem ânsia de lucro, sem desejo de recompensa,
lute com todas as suas forças de indivíduo livre
contra as convenções burguesas e oficiais com sua contribuição pessoal.
"O tema não é nada
ou então, é uma parte da obra de arte,
que não é mais importante do que os outros elementos,
traçado, cor, composição...".
Signac conclui afirmando
que ninguém pode pretender que o simples tema do trabalho
expresse a realização de uma obra revolucionária.
Não existia pois uma arte de propaganda para Pissarro, Signac, Cross,
ou Angrand.
Isto não significa, contudo, que os temas que escolhiam estivessem
desprovidos de conteúdo libertário
como nas obras cedidas a imprensa anarquista
nas que expressam um ideal
as visões utópicas do futuro anarquista.
Signac expressou claramente em "No Tempos de Harmonia" sua fé
e Cross pensou como Signac
que era preferível mostrar os previstos explendores da sociedade anarquista
no lugar de expor as horríveis misérias do tempo presente.
Um exemplo coerente: Camille Pissarro
A adesão de Pissarro à anarquia é entendida como concepção política
que tende a se configurar também como visão da vida e do mundo,
por isso o compromisso que surge não se manifesta tanto no terreno externo
da ação política direta, como no modo de praticar o próprio ofício
com todos os problemas, humanos e sociais, conectados a ele
e com a convicção de que um pintor dá sua contribução para resolvê-los
trabalhando no terreno que lhe é próprio.
Uma atitude que o distingue
de muitos artistas contemporâneos a ele
e, acima de tudo, posteriores,
os quais acreditaram que em um certo momento de sua vida
e em certas condições históricas
seria necessário entrar diretamente na ação política.
Lucien, o filho de Pissarro afirma:
"A distinção que estabelecem entre a arte pela arte
e a arte de tendência social não existe.
Toda produção é realmente obra de arte social, queira seu autor ou não,
porque com o que produziu faz compartilhar com seus iguais
as emoções mais vivas e mais claras que ele sentiu
frente aos espetáculos da natureza.
Uma obra tal, concebida exclusivamente preocupada com a pura beleza, fará pelo
intelecto humano mais do que muitas outras
que tem a pretensão de ensinar".
A subordinação da obra de arte a uma finalidade social externa é, além disso,
"Contrária às teorias de autonomia individual.
Vocês vão pedir, sem dúvida, esta liberdade absoluta
para o artista na sociedade futura
então, por que não admití-la todo o tempo? Ou bem,
não faria falta pintar mais paisagens
porque eu não vejo inteiramente a paisagem anarquista
ou melhor, a vejo claramente, mas não pela escolha do tema.
Corot, Monet, Pissarro,
pintaram interpretando-os de um novo modo e demolindo por isso
as mesmas convenções estéticas dominantes".
E conclui:
"Produzir para a ***, dizem vocês?
A *** atual tem sido mantida
em uma ignorância quase completa
há desigualdades demasiadamente grandes entre os homens.
Aqueles que puderam cultivar suas faculdades intelectuais, não devem usá-las?
Não é melhor produzir aquilo que é a verdade por sí?
Este mal entendido entre os teóricos revolucionários e os artistas
dura já um demasiado tempo.
E está permitido a um artista anarquista tentar dissipá-lo? Sim, é verdade...
Também isto é comunismo".
Destas reflexões se apresenta claramente
que é a dimensão estética da obra a que deve ser definida como revolucionária,
não o conteúdo voluntarista expressado pelo tema
e que a qualidade estética reconhecível,
sobretudo, através das soluções formais,
fora das quais o tema perde todo o significado.
Se deveria concluir pois que estes artistas
se mantiveram, além disso, distantes de uma fácil pintura ideológica
não tanto porque mantiveram separadas a esfera da política e da arte
mas porque acreditaram poder expressar sua utopia,
sobretudo, aprofundando a própia investigação formal.
Apesar de Grave privilegiar temas de propaganda
admitiu que os artistas tinham poucas possibilidades
de ser compreendidos pelas massas.
Mas se o artista não se desinteressa do povo e, ao contrário,
contribui ao desenvolvimento de sua cultura
então poderá encontrar em um certo tempo
um público agradecido e apaixonado,
liberado agora dos gostos corruptos da burguesia.
Grave insistiu sem descanso neste ponto,
na ideia de que na sociedade futura
o artista gozaria de uma completa liberdade
para expressar seu conceito particular da beleza,
dizendo ainda, estar de acordo com Guyau
quando afirma que
"a arte é a manifestação suprema do individualismo".
Grave por um lado, os neo-impressionistas de outro,
tiveram profundas preocupações para conciliar a arte com sua ideia anarquista.
Precisamente é este conflito entre a arte e a política o que estabeleceu
a diferença entre os artistas do fim do século e seus predecessores.
Como pode um artista expressar suas convicções políticas
depois do abandono do naturalismo
e dos temas fáceis?
O caso de Signac, de Angrand, de Cross e de todos os outros
está cheio de ensinamentos.
Na aurora da arte abstrata
se delineou este dilema, adotando depois a solução
que prevaleceu logo entre os artistas.
O artista não deve ser fiel mais do que à própria sensibilidade estética
já que é através de sua própria arte
e não mediante aos temas que pode desenvolver,
contribui para demolir a ordem antiga.
Pela demolição da ordem antiga
estão também os artistas do grupo Die Brücke.
Uma das finalidades deste grupo
é o de atrair todos os elementos revolucionarios e em fermentação
e isso diz o próprio nome:
Ponte.
O terreno comum de acordo era sobretudo o impulso
de destruir as velhas regras
e de realizar a espontaneidada das aspirações de cada um
através do próprio temperamento.
Kirchner, o mais representativo do grupo, escrevia:
"A pintura é a arte que representa no plano um fenômeno sensível.
O pintor transforma em obra de arte a confeção de sua experiência,
não há regras fixas para isto.
As regras para a obra individual
se formam durante o trabalho através da personalidade do criador.
Eis aqui, então, a destruição de todo cânone que poderia ser obstáculo
à fluida manifestação da inspiração imediata.
É um dos pontos principais da poética do expressionismo
a intolerância de uma lei, de uma disciplina,
é, sem dúvida, a obediência
às pressões emotivas do próprio ser.
O expressionismo nasce sobre esta base de protestos e críticas
e é, ou quer ser, o oposto ao positivismo.
Trata-se de um amplo movimento que dificilmente se pode prender
em uma definição ou delimitar
segundo a forma que se manifesta.
A poética expressionista foi resumida por Hermann Bahr
em seu ensaio publicado em 1916, "Nós já não vivemos", escrevia,
"somos vividos. Já não temos liberdade,
não sabemos nos decidir,
a natureza está privada do homem,
nunca houve uma época mais perturbada pelo desespero,
pelo horror da morte.
Nunca tão sepulcral silêncio reinou no mundo.
Nunca o homem foi tão pequeno.
Nunca esteve tão inquieto.
Nunca a alegria esteve mais ausente
e a liberdade mais morta.
E aqui o grito de desespero,
o homem pede gritando sua alma,
um só grito de angústia sai de nosso tempo.
Também a arte grita nas trevas chama ajuda, evoca o espírito...
É o expressionismo.
A provocação futurista.
O futurismo nasce na Itália em oposição ao traço extremo
e ao provincianismo do ambiente artístico.
O futurismo, com efeito, como movimento polêmico e de batalha cultural,
com sua busca de uma arte
que saísse dos límites estreitos e inadequados
do oitocentismo,
exercerá influências e dará impulsos a outros movimentos como
o dadaísmo, o construtivismo e o futurismo russo.
Do manifesto dos pintores futuristas ressaltamos:
"Querendo nós também contribuir a a necessária renovação de todas
as expressões de arte
declaramos a guerra deliberadamente a todos aqueles artistas
e a todas aquelas instituições
que, se disfarçando com um vestido de falsa modernidade,
permanecem seduzidos pela tradição,
pelo academicismo e, sobretudo, por uma repugnante preguiça cerebral.
De "A pintura dos sons, dos ruídos e dos odores" de Carrà, citamos:
"A imaginação sem fim, as palavras em liberdade
o uso sistemático das onomatopéias
a música anti-elegante e sem marcação ritmica e a arte dos ruídos nascem
da mesma sensibilidade que gerou a pintura dos sons, dos odores
e dos ruídos.
Este borbulhante turbilhão de formas e de luzes sonoras, ruídos e odores
foi proposto em parte por mim,
por Boccioni, Russolo e Severini
em quadros violentamente discutidos em nossa primeira exposição de Paris.
Esta ebulição implica uma grande emoção e quase um delírio no artista,
o qual para gerar um redemoinho
deve ser um redemoinho de sensações uma força pictórica
e não um frio intelecto lógico".
Dadaísmo:
nasce a negação total.
Anti-artístico, anti-literário, anti-poético é Dada
sua vontade de destruição tem em objetivo preciso,
que é em parte o mesmo objetivo do expressionismo,
mas seus meios são mais radicais.
Dada está contra a beleza eterna,
contra a eternidade dos princípios,
contra as leis da lógica,
contra a imobilidade do pensamento,
contra a pureza dos conceitos abstratos,
contra o universal em geral.
Dada está, sem dúvida,
a favor da desenfreada liberdade do indivíduo,
da espontaneidade.
Por aquilo que é imediato, atual, aleatório,
pela crônica contra a temporalidade,
pela contradição,
pelo não, onde outros dizem sim.
E pelo sim, onde os outros dizem não.
Pelo caos contra a ordem,
pela imperfeição contra a perfeição.
Para Dada o espírito não deve ser aprisionado
na camisa de força de uma regra
ainda que seja nova e diferente.
Mas sim que deve ser sempre livre,
disponível,
deixado livre no contínuo movimento de sí mismo
na contínua invenção da própria existência.
Nenhuma escravidão, nem sequer a escravidão de Dada sobre Dada.
Não existe uma liberdade fixada para sempre
mas sim um incessante dinamismo da liberdade
no qual ela vive negando-se continuamente a sí mesma.
Do Manifesto Dada de 1918:
"Nós não reconhecemos nenhuma teoria.
A arte serve, talvez, para amontoar dinhero e acariciar os gentís burgueses.
As rimas se ajustam ao tilintar das moedas e a musicalidade a encobre
ao longo da linha do ventre colocado de perfil.
Todos os grupos de artistas acabaram neste banco,
apesar de cavalgar distintos cometas.
Eu lhes asseguro: não existe começo e nós não trememos,
não somos sentimentais
Nós dilasseramos como o furioso vento a roupa branca das nuvens
e das preces, e preparamos o grande espetáculo do desastre,
o incêndio, a decomposição.
Preparamos a supressão da dor e substituímos as lágrimas
por sirenes alargadas de um continente ao outro.
Eu destruo os compartimentos do cérebro e os da organização social,
desmoralizar onde quer que seja e lançar a mão ao céu e ao inferno,
restabelecer a roda fecunda de um círculo universal
nas potências reais e na fantasia individual.
Eu odeio a crassa objetividade e a harmonia.
Esta ciência que encontra todas as coisas em ordem.
Eu estou contra os sistemas.
O único sistema todavia aceitável, é o de não ter sistema.
A lógica é sempre falsa,
a moral atrofia, como todos os flagelos da inteligência,
o controle da moral e da lógica nos impôs a impassibilidade
frente aos agentes de polícia,
causa de nossa escravidão.
Podres ratos com os quais a burguesia enche a pança
e que infectaram os únicos corredores de nítido e transparente cristal
que permaneciam, todavia, aberto aos artistas.
Cada homem deve gritar:
Há um grande trabalho destrutivo, negativo que cumprir,
limpar, lustrar...
A plenitude do indivíduo se afirma depois de um estado de loucura
agressiva e completa
contra um mundo deixado nas mãos de bandidos
em que se despedaçam e destroem os séculos.
Toda forma de aversão suscetível de tornar-se uma negação da família é: Dada.
O protesto violento contra tudo com intenção
de uma ação destrutiva é: Dada.
A abolição de toda a hierarquia e de toda equação social
instaladas por nossas servos é: Dada.
Qualquer objeto,
todos os objetos,
os sentimentos e a escuridão,
as aparições e o choque preciso das linhas paralelas
são meios de luta: Dada.
Abolição da memória: Dada.
Abolição da arqueologia: Dada.
Abolição dos profetas: Dada.
Abolição do futuro: Dada.
Confiança absoluta em qualquer deus produzido de imediato
pela espontaneidade.
Dada igual a liberdade".
Surrealismo:
o problema da liberdade
O que Dada não havia podido fazer por sua mesma natureza
tentou fazê-lo o surrealismo.
Dada encontrava sua liberdade na prática constante da negação.
O surrealismo a esta liberdade tenta dar o fundamento de uma ética.
É o passo da negação à afirmação.
Muitas das posições dadaístas permanecem no surrealismo,
muitos de seus gestos, muitas de suas atitudes destrutivas,
o sentido geral de sua rebelião
e até seus métodos provocadores,
mas tudo isso adquire uma fisionomia diferente.
Se efetivamente o anarquismo do dadaísmo
apontava primeiramente o caráter desejoso de gerar polêmica
e alcançando ao máximo
a concepção da liberdade
como imediata e vitalista recusa
de toda a convenção moral e social,
o surrealismo se apresenta com a proposta de uma solução
que dê ao homem uma anarquia realizável.
À recusa total, espontânea, primitiva de Dada,
o surrealismo a substitui pela investigação poética
que se inspira amplamente nos conceitos freudianos
da importância do inconsciente.
Os problemas da liberdade e da conciliação entre arte e sociedade
permanecem como o nó fundamental do surrealismo.
Igualmente a Dada o surrealismo tampouco se apresenta
como uma escola literária ou artística.
A aposta que está em jogo
é muito mais importante que a arte de fazer quadros ou escrever:
está em jogo o destino do homem,
sua fortuna ou sua ruína na Terra.
Isto é o que o surrealismo entende
e está precisamente na direção desta verdade,
sem subentendidos com os que começam sua ação.
A liberdade da arte em Breton:
"Nenhuma norma na arte, nunca, aconteça o que acontecer.
A ignóbel palavra compromisso que se converteu em moda durante a guerra
exala uma verbosidade que produz horror à poesia e à arte".
Schwarz
recorda o conceito base do surrealismo:
"Para transformar o mundo é preciso conhecê-lo
e como podem transforma-lo aqueles que traem a verdade e a beleza?"
Citação a Breton:
"Que aberração, que imprudência existe em querer transformar o mundo quando
se faz tão pouco caso da necessidade de interpretá-lo
no que tem de mais permanente".
Do surrealismo e a anarquia de Arturo Schwarz.
Ser surrealista significa em primeiro lugar ser anarquista,
com tudo o que o termo comporta e isto é pura rebelião,
consciente recusa de todo princípio de autoridade,
de toda hierarquia, de todo sistema, de toda violência.
As opções fundamentais do surrealismo conservam toda sua carga subversiva
porque expressa as aspirações mais profundas do homem.
O surrealismo, recordemo-lo, é amor, poesia,
revolução ao lado do poeta, do apaixonado, do alquimista.
O surrealista é um pária,
um solitário,
inclusive quando milita em grupo
e então, o mesmo grupo
é um grupo marginal, fora do sistema do qual nega as regras do jogo.
A solidão do surrealista é a de Nietzsche e de Stirner
onde a fronteira entre solidão e egoísmo
é difícil de encontrar.
Porque o amor do próximo é operante somente na medida em que
o próximo se descobre em si mesmo,
o amor de si mesmo
é o pressuposto para o conhecimento de si mesmo
e compreendermos a nós mesmos significa
compreender e amar ao outro.
A transformação da sociedade
passa necessariamente
pela transformação do indivíduo.
Pensar o contrário significa colocar-se em uma perspectiva católica ou marxista,
para quem a felicidade não é nunca uma realidade a conquistar
agora e por sí,
mas sim uma promessa para os outros
que devería realizar-se em um hipotético futuro,
com a condição, evidentemente, de que se aceite renunciar hoje
aquilo que nos é prometido para o amanhã,
exatamente como o taberneiro
cuja placa avisa:
fiado só amanhã.
O egoísmo do surrealista é individualismo
no sentido já lembrado.
O surrealista aspira a totalidade,
luta por encarnar a letra e o espírito da revolução, por ser verbo e ação,
por conciliar o sonho e a realidade.
Nos muros de Sorbonne uma mão anônima havía traçado em 68:
"Tomo meus desejos por realidade
porque creio na realidade dos meus desejos".
"Liberdade, cor de homem", dizia Breton.
E Antonin Artaud recordava, por sua vez,
que "toda liberdade é negra".
Legendas: Biblioteca Terra Livre
Tradução: skoda Revisão: Rodrigo Rosa
bibliotecaterralivre.noblogs.org