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E aí, Valente?
Aonde estamos indo?
Estamos indo para um acidente de carro
com uma vítima.
Na maioria das vezes precisamos dirigir muito rápido.
E sempre fica na cabeça a imagem do último acidente de carro...
Do pior acidente de carro que já vimos.
Sabemos que sempre podemos ser a próxima notícia.
- Você fica empolgado a caminho de um acidente?
Sim, mas tem uma certa adrenalina...
E medo, por causa dos acidentes,
do que pode acontecer com a gente.
Outro carro pode avançar de repente no sinal vermelho e...
- Isso te deixa excitado ou assustado?
É o que é.
Essa é a beleza da noite.
Fotógrafos de crimes enfrentam muitos perigos.
Especialmente por parte dos amigos e parentes das vítimas
que podem se sentir ofendidos quando você tira uma foto.
Às vezes... Na maioria das vezes, aliás,
rola algum problema.
David Alvarado já encarou muitos problemas.
Já destruíram minha câmera, me chutaram, me deram tapas, me bateram.
Ele já chegou aqui depois de ter apanhado umas duas ou três vezes.
Ele já foi atacado por pessoas normais e por policiais.
Mas ele gosta disso, é o trabalho dele.
Mesmo quando digo para ele não fazer algo, ele insiste.
Porque é a função dele, e ele tem que mostrar serviço.
Não importa o que aconteça, ele sempre dá um jeito.
Todo dia, todo dia.
- Sempre que chego no local de um crime, nem faço perguntas.
Não peço permissão.
Eu chego no lugar fotografando.
Minha missão é conseguir a foto do corpo ou do acidente.
Quando comecei a fazer esse trabalho,
conheci o Sr. Bernardo Reyes, do “El Sol de Mediodia”.
Ele trabalhou por 32 anos na ronda noturna.
A gente o chamava de “O Pai”.
E, graças a ele, aprendi a ser proativo.
Aprendi que você nunca deve voltar ao jornal de mãos vazias.
Você precisa conseguir a foto. Tem que ter audácia.
E eu tenho.
Infelizmente ele foi ferido
durante o trabalho.
Ele estava fazendo uma foto no local de um acidente,
deu um passo para trás,
foi acertado por um carro
que o jogou para o alto e ele caiu de cabeça no chão.
Ele não está bem desde então.
Ele foi um cara que...
Me ajudou muito.
Ele era como um pai para mim. Ele me deu muitos conselhos,
tanto na minha vida pessoal quanto...
A gente tinha uma ligação muito forte.
Quando aconteceu esse acidente,
eu senti muito.
- Você acha muito perigoso ser jornalista no México?
Atualmente...
Acho que é muito perigoso.
Acho que temos a segunda ou terceira
maior taxa de assassinato de jornalistas.
Na verdade,
um dos nossos correspondentes foi assassinado no estado de Veracruz.
Esse...
É esse aqui. Roberto Marcos Garcia.
Ele foi morto por ter revelado uma gangue de ladrões.
Ele não aceitou os subornos,
então, infelizmente, foi morto.
Levou nove tiros com uma pistola 9 mm.
Primeiro ele foi atropelado quando estava de moto,
daí os caras saíram do carro e deram nove tiros nele.
Ele foi morto por ter revelado esses caras.
Ele não morreu por ter sido corrupto ou por ter pedido dinheiro.
Ele foi morto por ter feito seu trabalho.
Recentemente um repórter da Televisa foi morto no estado de Guerrero.
A mesma coisa aconteceu em Veracruz.
Em Veracruz...
Dois repórteres da TV Azteca desapareceram em Michoacán.
Acho que o jornalismo policial na fronteira seria impossível para mim.
Cobrir assuntos mais pesados como tráfico de drogas
ou assassinatos do narcotráfico, é muito mais difícil lá em cima,
porque eles podem sumir com você.
Eles te pegam e ninguém ouve falar de você nunca mais.
Ou te matam, ou matam sua família.
Aqui na cidade ainda temos um pouco mais de liberdade.
Mas em outros estados é mais complicado.
- É fodido. - Muito.
Tem muitas coisas que eles não podem investigar.
Se cobrirmos só acidentes e crimes sangrentos,
não tem nenhuma retaliação.
Qualquer um que vai além do que é “permitido” dizer
está correndo um grande risco.
Eles têm que ser muito corajosos.
Eles são muito valentes,
e não tem muitos assim.
Não tem muitos.
Dá para ver por aqui, cara.
- Acenda a luz, cara! - Aí vai.
Aparentemente a vítima foi amordaçada,
amarrada
e executada
com arma de fogo.
Ele estava carregando drogas...
Ele morreu com um tiro na cabeça
e depois foi jogado aqui.
- Vou desligar. - Pronto.
- Acabou, Valente?
- Vamos embora.
Os detalhes ainda não são conhecidos,
mas o repórter de impresso vai fazer todas as perguntas
e depois escrever a matéria.
- Isso é só uma noite comum? - Só uma noite comum.
- E aí, Miguel? - E aí, David?
- Olá. - E aí?
Consegui fotos de um assassinato com uma mensagem do narcotráfico.
- OK. Deixe-me ver as fotos.
Estão aqui.
- Ele levou um tiro na cabeça, certo? - Isso mesmo.
Tem também uma mensagem e uns pacotes com drogas ou algo assim.
- Talvez ele estivesse vendendo drogas onde não deveria.
- Exatamente.
- Os tipos de crimes que você vê no Alarma! mudaram ao longo dos anos?
- Sim, os crimes mudaram bastante ao longo dos anos.
- Muito.
Principalmente o crime organizado.
Nem precisa voltar muito atrás.
Há dez anos, as mortes do narcotráfico eram todas com disparos de AL-47 e só.
Depois começamos a ver outros tipos de mortes.
Tipo pessoas com a mão ou os dedos cortados...
E, mais tarde, pessoas com as cabeças cortadas.
Chegamos até o ponto de ver cinco cabeças na pista de uma boate.
Você acha que esse tipo de morte virou uma tendência?
Acho que é uma maneira de dizer
que são mais violentos e poderosos do que você.
E que podem te causar um dano maior. Acho que é isso.
- O que estamos procurando?
Supostamente um Z1, mas ainda não sabemos o método.
- Z1 significa uma pessoa morta? - Sim.
Bom dia.
- Foi por asfixia? - Sim.
- Por causa da fumaça, certo? - Isso, a fumaça.
Acho que ele começou um pequeno incêndio e...
Essa fumaça é muito espessa.
Às vezes você não consegue se livrar do cheiro de um cadáver por dias.
O cheiro fica com você por uma ou duas semanas.
O cheiro fica bem aqui quando é um cadáver em putrefação.
Obrigado.
- Obrigado, chefe. - Sem problemas.
- Até mais, obrigado.
- Como você descreveria os leitores do Alarma!?
- Acho que qualquer pessoa pode ler o Alarma!.
Achávamos que o público era de pessoas de classe média e baixa,
operários, gente sem muito estudo...
Mas falei com médicos, advogados, jornalistas
e, de certo modo, todos nós somos atraídos pela morte.
Principalmente os mexicanos.
Temos um relacionamento amigável com a morte.
Nós rimos dela. Temos até uma data para isso, o dia 2 de novembro.
É como se não tivéssemos medo dela.
Preferimos ser amigos e falar com ela como se fôssemos camaradas.
No geral, a maioria das pessoas é mórbida.
No tempo que você está aqui acompanhando a gente,
já deve ter percebido como as pessoas sempre ficam em volta...
Olhando.
É uma atração mórbida.
E é por isso que elas compram jornais.
Acho que gostamos de ficar olhando
para entender o que somos, ou como somos,
ou como somos capazes de fazer coisas assim.
Por que alguém ia tirar a pele de uma pessoa e cortar suas bolas fora com um facão, ainda vivo?
Por que alguém colocaria fogo em outra pessoa viva dentro de um carro? Por quê?
O que passa pela cabeça quando alguém está cortando outra pessoa...
É algo inexplicável,
mas, infelizmente, isso ainda acontece.
E aí?
O Gordo disse que é antes do Periférico, num pedaço com grama.
- É para lá que estamos indo.
É ali embaixo.
- Nos anos 1970 e 1980,
falavam que o Alarma! tinha manequins de gente morta
ou que nossos funcionários posavam maquiados nas nossas fotos.
Mas isso não é verdade, é tudo real.
Se você ou alguma pessoa que trabalha com cinema
quisessem fazer um cadáver tão feio quanto esse que você acabou de ver...
Não conseguiriam.
A realidade vai além da ficção.
Eu já dei fotos para gente que trabalha com cinema
para eles verem como é uma cabeça decepada
ou uma pessoa morta a tiros.
Eles não conseguem imaginar essas coisas.
Eles precisam ver a realidade para colocar isso na ficção.
Mas eles nunca vão conseguir ganhar disso.
Eles não querem deixar a gente descer lá?
Aparentemente ela era uma indigente.
Não sei se foi
o marido,
se alguém colocou fogo nela
ou se ela foi espancada até a morte.
Os repórteres de impresso devem ter informações mais detalhadas.
Esta é a rota de Bucareli,
onde ficam os jornais.
Ali é o El Universal,
O Excelsior,
atrás de mim fica o La Prensa.
Os jornais saem às quatro da manhã,
então os distribuidores podem comprar e levar para as bancas.
E aí, no dia seguinte, as pessoas leem sobre o que aconteceu.
- Me fale sobre a sua família. Eles ficam impressionados com o que você faz?
- Sim.
Minhas filhas, minha mulher e meu filho,
eles gostam do meu trabalho
e se orgulham de mim.
Especialmente meu filho.
Ele fica se gabando para os amigos, do tipo: “Meu pai que fez esta foto”.
“Meu pai passou aqui e ali.”
Eles se orgulham de mim e eu me orgulho deles.
Esse é o produto
do trabalho que fizemos no sábado à noite.
Uma foto virou manchete e tem outra dentro.
Esta aqui.
É um reconhecimento do nosso trabalho.
Não tem nada como ver seu trabalho impresso no papel.
E se vira manchete,
é uma satisfação ainda maior.
- A “"Nota Roja" no México é bem mais pesadas do que em outros lugares, não?
- Não acho que a violência no México seja pior
do que em outros lugares.
A diferença está na maneira como cobrimos e retratamos isso.
Acho que essas coisas acontecem também em Nova York, talvez até com mais frequência.
Mas nunca fui para lá.
O único lugar que conheço é a Cidade do México,
mas acho que as brigas de gangues causam tantas mortes lá quanto aqui.
É só que talvez as pessoas não queiram admitir que vivem numa cidade violenta,
daí isso não aparece no noticiário.
Na Cidade do México, não temos nenhuma restrição ao nosso trabalho,
Agora, por causa das mudanças de tecnologia,
quase não recebemos mais fotos impressas.
Não existem mais fotos impressas.
Por isso comecei a salvar algumas fotos que sobravam
e comprei um álbum.
Não vá achar que eu sou psicopata,
mas guardei essas fotos como lembrança.
Eu coleciono um monte de fotos impressionantes dos nossos correspondentes.
Todo tipo de coisa,
um crime passional,
uma pessoa atropelada por um carro,
vítima de facão,
uma pessoa que se enforcou,
uma execução,
um cadáver queimado ainda saindo fumaça...
Esta é uma foto muito boa
de uma pessoa sem rosto.
Alguém roubou o rosto.
Como isso pode acontecer? Quem roubou esse rosto?
Acho que muitas pessoas podem pensar
que o editor-chefe do Alarma!
se diverte com esse tipo de coisa.
Mas não.
Eu só vejo como algo normal.
São mortes, em diferentes circunstâncias.
Mas eu não me divirto com isso.
Ao mesmo tempo, não tento fugir de algo tão real assim.
E não é porque sou sádico.
Não, não, não.
Na verdade, desde pequeno aprendi a encarar a morte como algo normal.
Na minha família, meu pai e três dos meus irmãos morreram.
Meu irmão morreu num acidente, quando tinha 27 anos.
Minha irmã morreu quando tinha 29.
Depois foi meu outro irmão e...
Eu apenas vejo as coisas como elas são.
No fim das contas, eles morreram
e nós precisamos seguir em frente.
Não é que isso não me atinja. Eu sofro,
mas aprendi a controlar essa dor.
No fim, é essa a questão. Entender que isso acontece,
que já aconteceu antes e que vai acontecer de novo.
Talvez não tenha nada que a gente possa fazer para impedir que essas coisas aconteçam.
Acho que no começo da nossa carreira de jornalista...
quando você começa a cobrir “Nota Roja”
é chocante, mas depois vira algo de todo dia.
Você vira meio sangue-frio.
Mas algo que não dá para escapar é do sentimento por outras pessoas.
Porque, no fim, nos aproveitamos da dor de outras pessoas.
Isso muda a maneira como você se sente, mas não a maneira como você fotografa.
Você fica pensando em como a vida é injusta.
- A maneira como vejo isso
é que termino meu expediente e, como um computador,
você aperta delete, delete, delete...
E apaga da sua cabeça as imagens que viu naquela noite.
As pessoas sempre me perguntam
se, com todos esses acidentes que já vi
e as fotos que já tirei,
se eu tenho pesadelos.
Eu digo que não.
Eu durmo normal.
Às vezes, quando vamos cobrir um acidente
e a família da vítima me pergunta: “E se fosse um parente seu?”.
Eles me perguntam se eu ousaria fazer a foto de algum parente meu.
Eu digo que talvez faria, para poder usar como prova
e mostrar como aconteceu o assassinato ou o acidente.
Com toda a dor no meu coração, eu ainda faria.
Sou fotógrafo.
E até o dia do meu acerto de contas com Deus,
vou continuar sendo fotógrafo.
Tento fazer meu trabalho da melhor maneira possível.
Para que, quando a revista fizer cortes de pessoal,
eu não seja demitido por causa da minha idade.
Enquanto meu corpo me permitir e Deus me der vida,
vou continuar
mostrando essas fotos.