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ACASO
Uma das noções centrais...
do cinema de Robert Bresson...
é, sem dúvida...
a noção de acaso.
E basta considerar um filme como...
Um Condenado à Morte Escapou
para ver o desafio que esta "figura"...
nos propõe com seu cinema.
E, no fundo...
todos os filmes de Bresson são...
encadeamentos de fatos...
acontecimentos...
nos quais sempre se abrem...
várias possibilidades.
As escolhas que, às vezes,
os personagens fazem...
não são regidas...
pela norma tradicional do cinema convencional,
que é a norma da causalidade imediata,
senão pela norma do jogo do acaso.
Tomemos o exemplo de...
Pickpocket.
Esse momento em que Michel...
visita sua mãe que está doente...
e lhe diz: Com certeza você vai ficar bem.
"Corte" e estamos no funeral da mãe.
Este encadeamento de acontecimentos imprevistos...
são uma das marcas do estilo inconfundível de Bresson.
O interessante é que...
o acaso em Bresson...
funciona em dois níveis.
Um, que é este que acabo de explicar
que tem a ver com a maneira...
que o acaso joga..
nos mundos retratados nos filmes..
Porém...
Mais interessante ainda é que o acaso...
é um elemento...
contra o qual Bresson luta...
na hora de dar forma aos seus filmes.
A forma, a qual Bresson submete...
o mundo dominado pelo acaso...
é uma forma não casual, por assim dizer.
O intento do cineasta....
consiste em formalizar...
de tal maneira os elementos...
que a função do acaso...
como elemento estilístico...
esteja reduzido ao mínimo.
Esta curiosa contradição...
entre o acaso como algo que domina...
nossas vidas...
e o acaso como aquilo que dever ser
eliminado pelo artista...
para reduzir...
Para que a obra de arte...
ponha ordem no caos do mundo...
Me parece que especialmente...
é um elemento fundamental...
Não há...
um acaso sem outro.
Ou não há um acaso...
sem o intento de controlar o acaso.
O artista é esse que...
É a pessoa que... Cujo trabalho
controla o acaso.
Que propõe um eixo...
para nossas vidas.
Essa é uma regra importante...
de boa parte da estilística de Bresson.
BERNANOS, GEORGES
Por duas vezes...
em momentos distintos de sua carreira...
Robert Bresson entrou em contato...
com o universo de Georges Bernanos.
No ano de 51...
para filmar Diário de um Pároco de Aldeia...
ou Diário de um Cura Rural...
que é, provalvelmente, a primeira manifestação...
na forma...
do que vai ser o "estilo Bressoniano"
e muitos anos depois...
quando já é um cineasta...
em pleno domínio dos seus meios...
adaptando a "Nouvelle Histoire de Mouchette"
um filme... Que ele reduziu o título exatamente...
ao nome da protaganista
sobre a qual gira todo o filme.
Sem dúvida que entre o universo de Bernanos...
e o universo de Bresson...
há evidentes paralelos...
Há uma série de elementos...
temáticos e figurativos...
que Brresson pôde aproveitar...
para sua estilistica...
da mesma maneira...
que em outros momentos...
de sua carreira...
se aproximará...
de maneira mais ou menos confessa
de autores como Dostoievski...
Penso em Pickpocket...
que é uma adaptação inconfessa...
de Crime e Castigo.
Inconfessa no sentido que...
nos créditos não figura como tal.
Mas a estrutura da aventura de Michel...
tem a ver com...
Literalmente com a mesma que Raskolnikov
que aqui foi convertido num pequeno ladrão.
Ou ao Universo de Tolstoi
Ou, porque não também...
a outro tipo de literatura...
a dos pequenos artigos...
em que se ocuprá em Lancelot du Lac.
No mundo de Bresson...
não há diferença entre...
roteiros originais e adaptações...
porque em último termino...
o material ponto de partida...
seja tomado diretamente da realidade...
como em O Diabo Provalmente...
que se inspira...
ou Au Hasard Balthazar...
que se inspira em roteiros originais...
Ou que o faça sobre materiais...
previamente existentes...
em forma de obra literária...
Como aconteceu também...
com Um Condenado à Morte Escapou...
que em último termino...
parte de um fato real...
mas através da descrição de um fato real...
em um relato literário...
publicado na imprensa...
Dizia, que não há nenhuma diferença...
porque...
o material de partida...
é submetido por Bresson, sempre...
aos mesmos mecanismos...
que consistem em...
inserir esses materiais...
que o cineasta toma da realidade...
E neste caso para Bresson...
não há diferença
entre o que chamaríamos...
Se me premitem a expressão...
"a realidade real"
e a realidade filtrada...
através de um texto literário...
e o que seria...
sua conversão em imagens e sons...
que filtram novamente essa realidade.
O estilo de Bresson,
repito,
aplaina por igual...
para utiliza uma de suas expressões prediletas...
o texto literário...
ou os elementos tomados diretamente...
do mundo real.
CINEMATÓGRAFO
Um dos aforismos essenciais...
desse livro essencial...
que é Notas Sobre o Cinematógrafo
define o cinematógrafo...
como uma escritura...
com imagens e sons.
Há que se entender...
esta afirmação de Bresson...
em dois sentidos.
O que tem obviamente...
de afirmação...
A reinvindicação da escritura...
A reinvindicação do nome...
Da dimensão original...
em si mesmo...
e também o que tem de negação...
do que ele chama...
esse cinema convencional...
de todos os dias...
Cinema que não é mais...
que teatro bastardo
que utiliza...
todos os mecanismos convencionais...
da arte teatral...
e se disfarça...
com os "ouropéis"
da câmera cinematográfica...
para dar-nos...
um espetáculo profundamente falso.
Portanto...
a afirmação do cinematógrafo...
me parece que deve levar...
sempre em conta...
essas duas dimensões:
a dimensão da afirmação...
do desejo de uma obra singular...
presidida pela presença da escritura...
pela presença da escritura...
pela presença da forma...
pela presença de um estilo...
E, ao mesmo tempo...
a denuncia desse cinema...
de todos os dias...
que renuncia...
a extrair do invento de Lumiere...
as potencialidades...
que a câmera cinematógrafica...
e o gravador de som oferecem...
Recordemos que...
em outro momento de Notas Sobre o Cinematógrafo...
Bresson explica...
que o fascinante...
no trabalho do cineasta...
é fazer vê...
o que se vê - diz ele -
com uma máquina que não vê.
Nesse espaço...
entre o intento do cineasta...
em converter sua visão...
através de uma máquina...
que não vê como ele vê...
está todo o truque...
todo o milagre...
- haveria que se dizer do cinema de Bresson.
DEUS E O DIABO.
Durante muito tempo...
Bresson...
foi considerado um cineasta espiritual.
Um cineasta religioso...
que...
cuja obra se inscrivia...
em relação com a de outros cineastas...
supostamente, também,
participantes...
de uma certa concepção...
espiritual.
Isso, por exemplo...
no caso de um cineasta...
não muito apreciado por Bresson...
como Carl Theodor Dreyer.
O que se admite...
é que em Bresson...
há uma dimensão...
que eu não sei se chamaria...
espiritual...
Mas há um fascinio pelo que chamaríamos...
o mundo do invisível.
Mas, sobretudo,
não se pode fazer um levantamento...
do cinema de Bresson, recusando-se...
a confrontar-se...
com essa dimensão que é importante...
na experiência humana...
que é a espiritual.
Essa dimensão vai se transformando
ao longo de sua obra.
Não podemos pensar da mesma maneira...
o Bresson de Diário de Um Pároco de Aldeia.
ou o Bresson de Um Condenado à Morte Escapou
e o Bresson dos últimos filmes...
muito mais desesperados...
cujos paradigmas são...
O Diabo Provavelmente e O Dinheiro.
E mesmo os títulos desses dois filmes...
O Dinheiro e O Diabo Provalmente...
eu acredito que põem em manifesto...
o sentido de que...
a própria idéia de Deus vai...
tomando corpo...
na obra de Bresson.
À medida que sua obra avança...
a presença de Deus...
vai se diluindo...
e a presença do diabo...
vai emergindo...
de maneira cada vez mais forte.
Inclusive, ainda diriamos mais...
Talvez uma leitura possível...
da obra de Bresson
seja a de que Deus é o diabo.
Se não me recordo mal...
em um momento de O Diabo Provavelmente...
num onibus...
em que o protagonista e seu amigo...
viajam...
depois de terem assisitindo uma conferência...
na Sorbonne...
um dos personagens...
pergunta, retoricamente, em voz alta:
"E quem nos controla...
sem que nos inteiremos?"
E uma voz responde:
"O diabo, provavelmente."
Isso chega ao apogeu...
num filme como O Dinheiro...
no qual...
explicitamente, também,...
os diálogos qualificam o dinheiro...
como deus invisível.
Isso é fascinante...
Que a presença...
do diabo...
ou de Deus, como queiramos...
se materialize em algo tão imaterial...
como o dinheiro.
Nesse meio que...
torna identicas todas as coisas...
Que as tornam materiais...
e sobre as quais infelizmente...
estãos organizadas...
as sociedades contemporâneas.
Sociedades, diria Bresson...
habitadas pelo Diabo.
ESTILO
Há uma célebre definição de arte...
muito citada por um cineasta...
chamado Jean Nicolás,
grande admirador de Bresson...
que diz que arte...
é aquilo através do qual...
as formas se convertem em estilo.
Essa definição se enquadra...
extraordinariamente bem...
ao cinema...
realizado com a extrema precisão...
com a qual Bresson realiza seus filmes.
Se algo se manifesta nos filmes de Bresson...
é um profundo desejo de estilo.
Porque o estilo, a formalização...
Especilamente...
a maneira que o cineasta tem...
de organizar o mundo...
utilizando-se de materiais...
variados...
o cineasta lhe dá uma nova forma...
lhes ordena de uma nova maneira...
e submete a desordem natural das coisas...
à ordem da arte.
No fundo, também não caíria mal a Bresson...
a famosa definição que Godard dá...
nas Histoires(s) Du Cinèma
quando fala das "formas que pensam".
O cinema de Bresson é um cinema...
extraordinariamente...
sensual...
Há uma sensualidade minimalista...
extremamente trabalhada...
e ao mesmo tempo é também um cinema...
em que as idéias têm um papel fundamental.
Em um dos aforismos centrais...
de Notas Sobre o Cimeatógrafo...
ele diz que as idéias...
estão encobertas pela forma.
Esta idéia...
apesar da redundância...
expressa admiravelmente...
o sentido...
O estilo do cinema de Bresson.
Um cinema em que formas e idéias...
não são elementos nos quais...
as segundas veículam as primeiras...
pelo contrário, é algo...
que está indisoluvelmente unido.
Se algo define o estilo de Bresson...
e que entre formas e idéias, não há distancia.
FRAGMENTAÇÃO e FORA DE CAMPO
Qualquer um que entre...
num cinema onde estiver passando...
um filme de Bresson...
não conseguirá deixar...
de reconhecer...
a marca do cineasta.
Essa marca tem...
entre outras coisas...
Ou se apoia sobre..
o uso de dois elementos...
que seguem juntos...
que são inseparáveis...
que são o uso da fragmentação...
e o uso do "fora de campo".
Bresson diz, em Notas Sobre o Cinematógrafo,
que a fragmentação...
é aquilo que lhe permite...
escapar de um dos vícios fundamentais...
do cinema convencional...
desse teatro bastardo...
que ele detesta,
que é o vício da representação.
Bresson salienta...
que uma imagem fragmentada...
uma imagem que seleciona...
aspectos muito particulares...
da realidade...
É uma imagem que automaticamente...
convoca, de maneira natural...
o "fora de campo".
Bresson é um cineasta...
em cujo trabalho...
tão importante quanto o que se vê...
é aquilo que não se vê.
Às vezes, atualizado pelo som...
e às vezes, simplesmente...
deixado de lado,
de reserva, para momentos futuros.
Poderíamos dizer, inclusive,
que no cinema de Bresson...
não existe a tradicional...
divisão em planos...
planos gerais, planos médios...
primeiros planos.
Não porque não existam este sistema de planos.
E sim, porque não funcionam dessa maneira.
Em Breson, todo plano é um primeiro plano.
No sentido pleno da palavra.
Na medida em que...
são imagens independentes...
que ao serem colocadas umas junto das outras...
principalmente quando...
através da...
Chamaríamos a faísca...
que sai da...
a fricção entre estas duas imagens...
onde se produz...
o nascimento do sentido...
cinematográfico.
Isso não é concebível...
senão através do jogo...
entre o fragmentário e o fora de campo.
É, provavelmente uma...
"regra de ouro", afirmar...
que não há grande cineasta...
que não seja...
um grande gestor do fora de campo...
como não há nenhum grande cineasta...
que não seja...
um grande gestor da trilha sonora.
Bresson era um mestre...
no terreno do som.
Da trilha sonora e também no terreno do fora de campo.
De fato...
nesta direção existe também...
um dos aforismos mais famosos...
que regula a relação entre...
imagem e som,
quando ele diz...
"tudo aquilo que possas...
dá ao espectador...
através do som...
não lhe dê através da visão".
Esta reconversão dos lugares...
paradoxal, singular...
que na arte audivisual...
reclame como instrumento fundamental...
o som...
É também um dos grandes milagres...
digamos...
do estilo de Bresson.
GÊNESE, A
Em 1973, imediatamente depois...
da filmagem e da estréia...
do Processo de Joana D'Arc...
Bresson viaja à Roma...
para empreender...
um dos seus projetos mais longamente acariciado.
Quase tão longamente acariciado...
quanto Lancelot du Lac.
Mas, diferente deste último...
nunca concluído.
O projeto: A Genesis ou O Genesis...
que em princípio ia ser inserido...
no marco de uma grande superprodução...
sobre a Bíblia...
produzida por Dino de Laurentiis.
Bernardo Bertolucci nos deixou um relato...
em torno das relações...
entre Bresson e seus produtores.
Quando de Laurentiis...
preparava a filmagem sobre a passagem do dilúvio...
Bresson, muitas vezes tinha falado...
de sua paixão por filmar...
como a água iria inundar o mundo...
E o produtor punha à disposição do cineasta...
toda uma série de animais...
selvágens...
devidamente...
guardados em caixas, em jaulas...
para que a filmagem se realizasse...
de acordo...
com as normas de uma superprodução...
que se sustentasse por si mesma.
Perguntado por de Laurentiis...
sobre o que seria feito com os animais...
Bresson lhe respondeu...
que deles só lhe serviriam...
as pegadas que deixariam...
sobre a areia.
No dia seguinte...
Bresson foi despedido da filmagem.
Esta anedota...
explica...
maravilhosamente...
as relações entre o cinematógrafo bressoniano...
e o cinema convencinal de todos os dias...
Porque marca as limitações...
especialmente as que um artista enfrenta...
quando está convencido...
de levar até o final o seu desejo por um estilo.
Muitos anos depois...
ja tendo realizado L'Argent...
que seria seu último filme.
Bresson tentou inutilmente...
colocar de pé...
A Genesis, de novo.
Mas, provavelmente...
nos tempos dos anos 80 e anos 90...
o cinema tinha mudado...
e já não estava preparado...
nem sequer para tolerar a idéia...
de que um novo filme de Bresson...
pudesse vir à luz.
Lamentavelmente...
nunca veremos...
o paraiso filmado por Bresson.
HIERATISMO
Sem dúvida, uma das experiências...
fundamentais...
quando se vê um filme de Bresson...
é o chamativo...
que é a interpretação dos atores...
Falo erroneamente quando digo atores.
Porque Bresson...
a partir de um determinado momento...
renunciou ao uso de atores profissionais...
para embarcar na aventura...
do uso do que ele chamava de modelos.
Atores não profissionais...
que lhe permitiam buscar...
a verdade, particular e singular...
do sujeito...
e não passar através desses personagens...
que exteriorizam e representam os sentimentos...
que fingem ter.
No mundo de Bresson...
o hieratismo de alguns modelos...
é especialmente uma busca, também, do essencial.
É a busca da interioridade.
Os atores, segundo Bresson...
praticam um método...
que os levam de dentro para fora.
A tarefa do cineasta...
é ir do "fora" do modelo...
até sua verdade interior.
E essa verdade interior é única...
e irrepetível.
E uma vez que tenha sido extraida uma vez...
pela câmera cinematográfica,
já não pode voltar a ser utilizada.
Por isso, o modelo de Bresson...
nunca poderá comparecer em dois filmes.
E é verdade, que uma vez em sua carreira...
Breson descumpriu essa norma.
Há um mesmo modelo...
que repete dois personagens.
Primeiro em Au Hasard Bhaltazar...
e depois em Mouchette.
Sem dúvida...
podemos encontrar duas razões para isso.
Uma primeira...
que os personagens interpretados nos dois casos...
têm traços extraordinariamente comuns.
E a segunda, que dessa maneira...
Bresson cumpria...
uma das normas...
que ele mesmo se havia dado...
e escrito em Notas Sobre o Cinematógrafo...
que diz:
"Impõe-te normas férreas...
para descumprí-las
com dificuldades."
Neste caso...
descumpre com dificuldades...
uma norma...
com resultados, aliás extraordinariamente interessantes.
INTERSTÍCIO
Uma das idéias...
que Bresson afirma insistentemente...
Está em suas Notas Sobre o Cinematógrafo...
de várias formas.
Está também em múltiplas entrevistas.
É a ideia de que...
a poesia é algo...
que desliza por entre os cortes...
Por entre os interstícios...
Entre os planos é onde habita a poesia.
Como não pensar nessas imágens...
de brigas...
como em Pickpocket...
ou Um Condenado à Morte Escapou...
nos quais, uma vez que os atores...
ao abandonarem o espaço...
onde se realiza a ação...
a câmera permance fixa....
filmando por alguns segundos...
o espaço vazio.
Ou esses momentos...
em que a câmera...
filma o espaço vazio...
antes que ele seja habitado...
pelos atores.
São precisamente esses momentos...
em que nada há acontecido...
ou em que tudo deixou de acontecer...
os momentos realmente mais bressonianos...
por assim dizer.
Momentos onde...
essa idéia de...
tornar visível o invisível...
que era uma das grandes obsessões de Bresson...
aparecem com maior pureza.
A poesia não é...
Não tem a ver...
com a beleza das imagens...
Isso é uma estética de cartões postais
- o que Bresson abominava.
Uma de suas "bestas negras"...
Como ele chamava as belas imagens...
"Toda imagem bela deve ser rechaçada...
porque uma imagem bela...
não pode servir para o cinematógrafo."
Assim pensava Bresson.
Pelo contrário...
Essas imagens vazias...
achatadas...
das quais desapareceria toda a ação...
são as que podem ser habitadas...
pela poesia.
A poesia é o que chega...
a esse tempo.
Essa é a ideia de Bresson.
E isso...
é preciso estar preparado...
para receber.
JANSENISMO
Uma das definições convencionais...
que se faz sobre a arte de Bresson...
é a que...
sintetiza a fórmula que...
Utilizada por John Sturges...
quando falava do "Jancenista da encenação".
Com essa idéia...
se fala de algo que...
o próprio Bresson insistia...
repetidas vezes...
não gostava nem um pouco.
A idéia de que seu cinema era frio...
e limitado.
"Pelo contrário" - dizia Bresson...
"talvez eu possa admitir...
a denominação de jancenista...
no sentido de que...
acredito na predestinação.
Mas eu não gostaria...
que isso fosse identificado com a frieza."
Uma noção...
que certa crítica atribui...
ao cinema de Bresson, epecialmente...
a ausência de emoções...
em seu cinema.
Ningúem explicou melhor...
que as coisas são exatamente...
o contrário...
que Susan Sontag.
Susan Sontag...
disse, em seu famoso texto sobre Bresson...
- incluindo outra interpretação -
que há dois tipos...
de emoção no mundo da arte.
Há emoções que...
obtidas através de uma arte...
que as busca de uma maneira direta,
de maneira imediata...
de maneira - diríamos - grosseira.
E há, pelo contrário, uma arte...
que busca a emoção através...
do filtro da inteligência.
Susan Sontag nos recorda...
que estas emoções...
são as realmente duradouras,
as realmente perduráveis.
Soa, nesse sentido...
por falar do jansenismo de Bresson...
Se pensarmos que o cinema de Bresson...
é profundamente sensual...
mas mediado sempre através...
da ineligência que o ordena e o formaliza.
KYRIE (de MOZART)
Em Um Condenado à Morte Escapou...
Bresson...
troca pela primeira vez em sua carreira...
de registro musical.
Os filmes anteriores
tiveram uma música...
escrita especialmente para os filmes.
Desta vez... Pela primeria vez...
Bresson renunciará...
e para sempre...
à musica escrita especialmente para o filme...
para utilizar...
a ferramenta da música clássica.
A qual, também...
em determinado momento de sua carreira...
renunciará de maneira radical
para manter-se no terreno da música imagética...
A música escolhida para Um Condenado à Morte Escapou...
é a Missa em Dó Menor...
de Mozart...
e de uma maneira muito especial...
o Kyrie que a abre.
O uso da música de Mozart...
ou a confrontação...
o atrito da música de Mozart...
com as imagens de Bresson...
produz um dos momentos mais deslumbrantes...
do cinema dos anos 50.
Penso, no especial...
Em um momento em que...
François Truffaut...
ressaltou em seus escritos sobre...
O Conenado à Morte Escapou...
que se há envolvido os prisioneiros...
no pátio do Forte de Montluc, de Lion...
onde se passa a ação...
cada um deles...
portando os cubos,
em que guardam...
seus dejetos orgânicos...
para despejá-los...
no poço ***éptico geral da prisão.
A combinação do gesto banal...
e o extraordinário...
da música de Mozart...
Isso é, especialmente...
um dos elementos fundamentais...
Digamos que aqui, Bresson...
pratica algo que...
os surrealistas...
reclamavam...
E que Godard nos faz recordar....
através do seu famoso econtro...
com Jean-Pierre Gorin
que diz que...
duas coisas...
quanto mais distantes são entre sí...
mais probabilidade têm de...
- se as confrontamos -
de produzirem um efeito...
criativo.
Este gesto, digamos, de...
combinar...
os dejetos orgânicos...
com a música de Mozart...
inscrita ao mundo...
do sublime...
é, provavelmente,...
uma das idéias mais extraordinárias...
de Um Condenado à Morte Escapou.
LANCELOT DU LAC
Em 1973...
Robert Bresson consegue realizar...
um projeto acariciado há mais de vinte anos.
Sua pessoal visão...
do mundo das lendas do Rei Artur...
encarnado em Lancelot du Lac.
O fascinante do filme Lancelot du Lac é...
a maneira com que Bresson afronta...
este mundo mítico...
da Távola Redonda e dos cavaleiros...
oraganizados em torno do Rei Arthur.
Quando o filme começa...
os cavaleiros estão retornando...
da busca fracassada do Graal e...
o que nos resta...
- o que Bresson vai nos mostrar -
é precisamente...
a desintegração da Távola Redonda.
Filme sobre a morte...
Filme sobre a desintegração...
de uma camaradágem
de amigos...
Filme sobre...
a intromissão do pecado...
no meio de uma comunidade...
e os dramas que isso cria...
é também, provavelmente,...
um dos exemplos mais perfeitos...
do que se supõe...
que seja o uso dos "modelos"...
em Bresson.
Poderíamos dizer...
que no mundo do "modelo"...
tende-se a ter dois paradígmas...
presentes em dois filmes de Bresson.
Um: as armaduras...
de Lancelot du Lac...
Há uma anedota que diz...
que num momento determinado...
Bresson pensou em Richard Burton...
como protagonista, no personágem de Lancelot...
e quando lhe perguntavam...
por Richard Burton...
se não rompia completamente a idéia...
que este tinha sobre os modelos...
"Não tem problema pois o visor da amarmadura...
estará permanentemente sobre seu rosto...
Isso não será nenhum problema."
O segundo caso de uso fascinante ...
dos "modelos"...
é, sem dúvida, em Au Hasard Balthazar...
no qual o asno...
resume de alguma maneira...
uma certa concepção do "modelo".
Em Au Hasard Balthazar...
há uma sequência fascinante...
em que o asno...
levado a um circo...
se confronta com toda uma série de animais.
As armaduras empilhadas...
como sucata...
ao final de Lancelot
e os animais olhando-se entre sí...
em Au Hasard Balthazar...
são os dois pontos extremos...
da teoria bressoniana de "modelo".
MONTÁGEM
Dizia André Bazin...
que há dois tipos de cineastas.
Os cineasta que creem na realidade...
e os cineastas que creem na imágem.
Robert Bresson - não precisa explicar -
pertence claramente ao grupo dos segundos.
Aqueles, para os quais a realidade...
é um ponte de partida...
algo que corresponde à expressão...
em Notas Sobre o Cinematógrafo...
que é o "retoque do real com o real"...
mas para os quais...
tudo se resume...
a constituição da imágem.
Para um cineasta que faz dos princípios...
da fragmentação...
e do uso do fora de campo...
seus instrumentos fundamentais...
Para um artista para quem as imágens...
não devem valer...
pelo que em si mesmas siginifiquem...
senão por sua capacidade de relacionarem-se...
entre sí...
não é preciso explicar...
que a montágem se converte...
no mecanismo substancial...
que, precisamente assegura essa relação...
e que está por trás...
da forma e do estilo...
com que ele constroi seus filmes.
Pontanto...
é um cinema organizado...
em torno da figura criadora da montágem...
Com a condição de se entender...
que montágem não é algo...
que se realiza...
depois da filmágem haver terminado...
senão que a montágem é também...
uma montágem conceitual...
anterior...
Que parte da maneira...
de organizar a história...
Que parte da maneira de organizar...
o jogo do acaso...
dos encontros imprevisto na história...
Há uma montágem do acaso...
que Bresson maneja...
com sua estrutura narrativa...
e há uma montágem depois...
mais relacionada...
com o que hoje em dia...
chamamos pós produção...
que é o lugar...
que coloca cada imagem...
em seu lugar preciso...
de maneira que as imagens...
dialoguem entre si...
conversem entre si...
e produzam o sentido real do filme.
A montágem, portanto...
como elemento onde...
não se produz a partir da soma...
da informação...
ou do sentido...
de uma imagem com outra...
senão dessa multiplicação...
que nasce do choque...
e da relação entre imagens.
NOTAS SOBRE O CINEMATÓGRAFO
A obra de Bresson compõe-se....
de 13 longametrágens
um mediametrágem realizado nos anos 30
e, não podemos esquecer...
um livro.
Um texto literário.
Um texto literário intitulado...
Notas Sobre o Cinematógrafo...
que tem a virtude de ser uma espécie...
de legado essencial da prática do cineasta.
E que serve para iluminar...
os filmes...
tanto quanto por sua vez...
o próprio texto é iluminado...
pelos filmes.
Há um diálogo extraordinário...
entre as relfexões do cineasta...
formuladadas na forma de....
sucintos e despidos aforismos...
e seu trabalho como cineasta.
Não há nenhuma diferença...
entre o trabalho de escritura literária...
e o trablaho de escritura fílmica.
Estamos no mesmo terreno essencial...
no mesmo terreno do minimalismo...
No mesmo terreno do reino onde....
menos é mais -
para utilizar a famosa fómula...
de Mies Van der Rohe.
Nas Notas Sobre o Cinematógrafo...
também há uma dupla posição:
o avanço positivo das leis do cinematógrafo...
e a denúncia incansável do cinema convencional...
de todos os dias.
Há algumas notas sobre o cinematógrafo...
em que se pode recorrer...
à essencialidade dá pratica bressoniana.
Seleciono três:
"Às táticas de velocidade, de ruído...
opor táticas de lentidão, de silêncio.
"Traduzir o vento invisível...
diante da água em que esculpe seu passo."
"Construir seu filme
sobre o branco, sobre o silêncio...
e a imobilidade."
OLHO E OUVIDO.
Bresson insiste com frequência...
na relação que existe entre o olho e o ouvido.
E para Bresson a relação entre o olho e o ouvido...
parte da necessidade de separar claramente...
as informações...
que se dá ao espectador...
por um canal e outro.
Ha cineastas para quem a imagem...
deve está acompanhada de seu som.
Cineastas que filmam com som direto...
e apostam em configurar um bloco único...
de espaço/tempo sonoro...
que se entrega ao espectador como tal.
Os cineastas que...
exercem um controle absoluto sobre a imagem...
e que tentam...
converter o caos do real em uma forma artística -
e Bresson tomou parte desse último grupo -
separam o que se dá ao ouvido...
do que se dá à imagem...
precisamente para poder controlar melhor...
os dois elementos.
Especificamente, a estricta seleção...
de materiais visuais...
acompanhada, também,...
com a estricta seleção de materiais sonoros...
devidamente combinados
é o que vai formar a especificidade...
da imagem bressoniana.
Em Bresson,...
tanto a extrema depuração da imagem...
que se pode ver...
quanto a extrema depuração do som...
que se pode ouvir...
formam parte...
de uma premeditada estratégia de formalização...
do mundo.
Porque, para Bresson...
a arte é aquilo que põe ordem na entropia...
da realidade.
PINTURA
Não tem nada a ver com o acaso...
o fato de que as duas artes...
habitualmente convocadas...
em Notas Sobre o Cinematógrafo...
sejam, de um lado, a música...
e, do outro, a pintura.
A pintura reaparece neste livro...
ao longo de muitas páginas...
Cezanne...
e alguns dos aforismos de Cezanne...
Essa idéia extraordinária...
do pintor francês...
da igualdade de todas as coisas...
expressada por Bresson...
como norma fundamental de trabalho...
Mas também...
a referência à pintura de Pompeia...
na hora de compará-la...
ao cinema de todos os dias.
Ainda mais porque Bresson...
sempre considerou a si mesmo,...
inclusive quando filmava,...
como um pintor.
Nada explica melhor esta maneira...
de equiparar o cineasta ao pintor...
que um dos diálogos incluídos...
em um dos filmes de Bresson dos anos 70...
que é Quatro Noites de Um Sonhador.
Em Quatro Noites de Um Sonhador...
Bresson faz dizer...
a um dos seus personagens...
o seguinte:
"Sou a favor de uma pintura adulta...
aberta à sua época...
que não seja um estalido ao contato com a natureza...
mas simplesmente o encontro...
do pintor com um conceito."
O importante não é o objeto a ser pintado...
é o gesto que arranca o objeto a sua presença...
mantendo-o suspenso...
em um espaço...
que o limita e, em suma,...
o sustenta.
Nem o objeto que está ali...
nem o pintor, que está alí...
mas o objeto e o pintor que não estão alí.
É essencialmente sua desaparição visível...
que faz a tela.
Veja estas manchas...
quanto mais pequenas são...
maior é o mundo...
que definem, sugerindo-o.
Não se vê as manchas que se vê.
Se vê o que está e o que não está alí."
Sem dúvida é uma declarão completa....
da poética.
Basta substituir a palavara pintura...
pela palavra cinematógrafo...
para captar o sentido real...
do que Bresson nos transmite.
QUATRO NOITES DE UM SONHADOR
Em 1972 Robert Bresson levou à tela...
sua particular adaptação...
de As Noites Brancas de Fiodor Dostoievski...
Texto que já havia sido adaptado...
alguns anos antes,
para o cinema, por Luchino Visconti...
numa adaptação muito interessante.
Não é preciso dizer...
que o trabalho de Bresson...
situa-se num terreno...
bem diferente do de Visconti...
mas não menos apaixonante.
Umas das dimensões substanciais...
de Quatro Noites de Um Sonhador...
tem a ver com...
o precioso trabalho com o som.
Precioso trabalho com o som...
pelo papel que o filme confere...
a um elemento...
como o gravador.
O protagonista - Jacques -
do filme...
narra seus solilóquios...
seus relatos,
suas histórias...
Sua maneira de ver o mundo...
a um gravador ao qual confia...
suas impressões.
As cenas em que Bresson filma a gravação...
e as cenas em que Bresson filma a reprodução...
e põe em contraste umas com as outras...
são das mais interessantes...
que o cineasta francês filmou...
ao longo de sua carreira.
São exercícios extraordinários...
no terreno do som...
Recordemos a insistência de Bresson...
em Notas Sobre o Cinematógrafo...
sobre o que tudo aquilo que possa ser...
resolvido através do som...
não deve ser objeto de tratamento visual...
Eu dizia que...
Quatro Noites de Um Sonhador...
é um exemplo extraordinário...
dessa máxima de Notas Sobre o Cinematógrafo...
que diz: "Retoca o real com o real."
A gravação do som...
nos permite ouvir o que ouvimos...
como não havíamos ouvido...
na primeira vez que ouvimos.
E novamente...
volta a ser gravado...
e está lá, difinitivamente,...
na trilha sonora do filme de Bresson.
Isso é o que nós, espectadores, recebemos.
RODÁGEM (FILMÁGEM)
Bresson explica em um dos seus aforismos...
que o precesso de confecção de um filme...
é de fato...
um conjunto...
de mortes e ressurreições permanentes.
O que nasce, primeiro sobre o papel,
logo morre e renasce de novo...
na filmágem...
para voltar a reaparecer transfigurado...
no processo de montágem.
Sem dúvida, o processo...
do momento da filmágem...
é um dos momentos essenciais de Bresson...
Porque são momentos em que...
o olho da câmera
e o ouvido do gravador...
se confrontam com essa matéria prima...
da realidade...
com a qual trabalham os cineastas.
É também o momento...
de controlar o acaso...
De esperar...
À mercê...
da revelação que a realidade pode produzir.
E de estar preparado
para captá-la.
Uma anedota apócrifa conta que...
durante a filmagem
de Au Hasard Balthazar...
Bresson tinha que filmar uma janela "vazia".
Ghislain Cloquet, seu operador,...
preparou o plano
que Bresson fez repetir insistentemente...
pelo menos umas vinte vezes.
Pese que toda a equipe...
via com desconfiança...
essa necessidade de repetir uma e outra vez...
uma imágem tão simples e banal...
Quando terminaram a última tomada...
Bresson indicou:
A quinta é a boa.
Conta Ghislain Cloquet...
que nessa noite por eleição...
todos descobriram...
que a quinta tomada...
tinha algo de que as demais tomadas...
careciam.
Este exemplo...
mostra um pouco esse momento da filmagem...
como o momento privilegiado
que faz surgir...
da realidade...
algo que é fisgado pela câmera cinematográfica...
e que o olho humano...
não é capaz de perceber.
SOM
Todos os grandes cineastas...
da historia do cinema
foram cineastas para os quais...
o som teve um papel...
extraordinariamente importante.
Os filmes de Bresson são autênticos acontecimentos...
sonoros.
Para um expectador acostumado...
a ver filmes com som e não filmes sonoros...
entrar no universo auditivo de Bresson...
é viver uma esperiência única.
Bresson trabalha sempre...
com uma trilha sonora...
por sincronizar...
o que lhe permite...
reorganizar os ruídos amorfos e caóticos do mundo,
selecionar aqueles elementos...
que quer utilizar...
e colocá-los em relação com as imagens...
que, previamente, há depurado.
Para Bresson...
a trilha sonora se compôe de três elementos.
Havia que se adicionar um quarto.
Esses três elementos são, sem dúvida,...
por uma parte, os ruídos...
Por outra parte, a música...
e, sem dúvida, os diálogos.
Diálogos que não são unicamente...
um lugar de onde se transmite a informação...
mas são, também, rúidos sonoros...
que compõem...
e se amoldam ao universo auditivo do filme.
Mas não contaríamos toda a verdade...
se não insistíssemos em dizer...
que esse três elementos...
não existem sem o definitivo...
o fundamental...
que é o silêncio.
TEMPO
Se todo filme é algo não escrito -
uma experiência com o tempo...
Esta frase parece...
pensada especilamente...
para os filmes de Bresson.
Onde a experiência da temporalidade...
toma parte substancial...
do estilo do cineasta.
Não só porque...
a lentidão...
prime sobre a velocidade.
Não só porque...
em muitos momentos...
o cineasta se detenha...
nesses instantes...
aparentemente banais...
em que nada acontece.
Mas sobretudo pela maneira que Bresson...
reorganiza os acontecimentos do mundo;
pela maneira que Bresson...
faz que os efeitos...
sejam sempre...
anteriores às causas...
invertendo a lógica convencional...
e extraindo disto uma força dramática nova...
fazem que a dimensão temporal...
dos filmes de Bresson...
situem o espectador...
diante de uma experiência sensorial...
radicalmente distinta.
Se por um lado...
Bresson coloca o expectador...
diante de uma nova maneira...
de se confrontar com o espaço...
através da idéia da fragmentação...
por outro...
nos obriga a reconsiderar o tempo
através do jogo da causa e efeito...
aqui, reconvertidos...
e ordenados de maneira distinta.
O que Bresson parece nos dizer é que...
o que pensávamos...
que o que era efeito são causas...
e o que pensávamos que era causa...
são, muitas vezes, efeitos.
UMA MULHER DÓCIL
Em 1979, Robert Bresson...
realiza Uma Mulher Dócil
que tem a particularidade de ser...
seu primeiro filme colorido.
No entanto, a caracteristica mais importante desse filme...
Porque o que distingue Uma Mulher Dócil...
na obra de Bresson...
É que estamos diante de uma autêntica arte poética.
Em nenhum outro filme de Bresson...
encontramos o que vemos em Um Mulher Dócil.
A confrontação do cinematógrafo bressoniano...
com o cinema convencional.
O filme inclui em seu interior...
uma sequência de um filme feito para o cinema -
Benjamim, de Michel Levy...
Mas também a confrontação...
do cinematógrafo com a televisão...
Não se entende em Uma Mulher Dócil...
se a televisão...
que Bresson trata como ruído...
como imagens que produzem ruído...
no sentido que a televisão dá a esta expressão...
Também o cineatógrafo se confronta...
em Uma Mulher Dócil...
com o teatro...
na forma de cenas da representação de Hamlet...
assistidas pelos protagonistas...
Bresson elege a cena em que Hamlet...
dá conselhos aos atores...
em que Hamlet explica aos atores...
como devem interpretar...
a cena que vão apresentar para o seu padrasto...
e para sua mãe...
E, por último,...
a confrontação, também, do cinematógrafo...
com as artes convencionais.
As visitas ao Museu de Arte Moderna...
da cidade de Paris...
confrontam o cinematógrafo...
com a pintura...
e com a escultura.
E porque não, também,...
a confrontação...
com a antropologia...
as ciências...
atavés dessa expressão...
que diz...
que tudo neste mundo...
é feito da mesma matéria.
Tudo o que é igual...
e que só pode ser...
feito diferente...
pelos poderes da arte.
O cinematógrafo...
se confronta com as outras artes...
se confronta com o real...
e produz...
isso que Bresson chama...
o estilo.
VOZ EM OFF
Em três de seus filmes...
Bresson utiliza um procedimento...
que tantos cineastas utilizam...
como mecanismo...
puramente alimentício...
e que, no entanto,...
em Bresson, toma...
uma dimensão criativa extraordinariamente importante.
Que é a voz em off,...
que acompanha...
e se confronta com as imagens.
Tanto em Diário de Um Cural Rural...
como em Um Condenado à Morte Escapou...
ou em Pickpocket...
a palavra...
Neste caso, a palavra do protagonista...
em forma de...
diário íntimo e reminiscência...
assumem um papel substancial.
Em dois deles...
Nos dois filmes...
que se situam...
como a clara parte de uma trilogia...
essa palavra...
estabelecerá uma relação...
com a versão escrita dessa mesma palavra.
E, de fato,...
as relações que se estabelecerão...
entre o que ouvimos e o que vemos...
que, às vezes, coincidem...
e, às vezes, são diferentes...
serão dois elementos estilísticos fundamentais...
Em Um Condena à Morte Escapou...
não haverá a presença da escritura...
mas a pertinência da voz...
é extraordinária.
Como esquecer-nos...
da primeira vez que ouvimos...
a voz do condenado à morte, no filme?
Após a longa cena...
em que o protagonista é conduzido...
aos calabouços da Gestapo...
em um carro.
O intento de fuga, falido.
A tortura...
não demonstrada
através de elipes...
E o momento em que o corpo do protagonista
ensanguentado...
é lançado depreciativamente....
por seu carceireiros,...
na cela...
quando nada nos previne para isso...
a voz em off do protagonista entra...
dizendo:
"Sentia que estavam me observando."
É difícil descrever...
a sensação que se produz...
pela maneira que nos chega a voz.
A voz já não é...
algo que serve...
para conduzir-nos a um sentido...
prévio...
É algo, pelo contrário,...
que nos propõe...
uma nova maneira de ver as coisas.
Essa maneira de inserir a voz...
em uma nova relação com as imagens...
é uma das marcas fortes...
do estilo do "primeiro Bresson".
WIAZEMSKY, ANNE
Em 1966, Bresson...
seleciona como modelo...
para Au Hasard Balthazar...
a jovencíssima neta
de François Mauriac, Anne Wiazemsky.
Anne Wiazemsky...
que protagonizará Au Hasard Balthazar
conhecerá depois...
uma carreira cinematográfica importante...
sobretudo através de sua relação....
pessoal e cinematográfica...
com Jean-Luc Godard...
que a levará depois...
a protagonizar filmes...
de Philippe Garrel...
Marco Ferreri...
Pier Paolo Pasolini...
e a transformar-se em atriz notável.
Não é o único caso...
em que um modelo bressoniano...
logo depois haja seguido carreira como ator...
É o caso, também, de Dominique Sanda...
nomearia Martin LaSalle, protagonista de Pickpocket...
e alguns outros nomes.
Convém insistir...
que, quando se põem...
diante da câmera, Bresson
nunca os havia visto antes...
e que nada tem a ver...
a experiência posterir como atores...
com essa experiência primeva...
com o cinematógrafo bressoniano.
Anne Wiazemsky...
além disso...
conhecerá posteriormente..
uma importante carreira como novelista.
Algo que a iguala também...
a outra modelo bressoniana,...
Florence Delay
que havia protagonizado em 1962...
O Processo de Joana D'Arc
e que, também, é agora...
uma das mais importantes escritoras francesas.
"Espanista", além de...
tradutora ao francês
de A Celestina.
Como se pode ver...
o destino...
ou a predestinação...
dos modelos bressonianos...
é uma coisa que merece uma certa consideração.
"X..."
Em vários dos aforismos...
de Notas Sobre o Cinematógrafo...
Bresson utiliza...
um X
quando...
quer se referir
à pessoas...
cujas ações...
ou filmes...
ou interpretações...
não tomam parte do que lhe agrada.
X serve para...
nomear esses atores...
que se disfarçam...
hoje de um personagem...
amanhã de outro.
Que emprestam seu corpo...
à diferentes encarnações...
e que produzem...
o efeito típico...
do cinema de todos os dias...
que é a incredulidade diante de um corpo...
que se repete com diferentes máscaras.
Mas ao mesmo tempo...
que alguns personagens...
são ocultados...
sob o X...
outros, pelo contrário...
são denominados com seus nomes.
Sem dúvida,...
os que aparecem com seu nome próprrio...
são os que...
tomam parte...
da raça de artistas ou criadores...
com os quais Bresson se identifica.
Desde Montaigne...
até Mozart,...
passando por Cezanne...
ou por Joseph Offenbach.
O que nos esclarece...
que a presença desse nomes
em Notas Sobre o Cinematógrafo...
marca toda uma filiação...
Um filiação que coloca...
Bresson e sua criação...
em relação...
com a meneira com que outros artistas...
conceberam ao longo da história...
o problema da arte.
Não deixa de ser chamativo...
que nenhum só nome...
de cineasta...
compareça nessa lista.
A consciência de singularidade...
A consciência...
de trabalhar à margem das normas...
- inclusive artísticas - estabelecidas...
se marca, entre outras coisas...
desta maneira.
Mas também há um aforismo...
em que de alguma maneira....
mesmo que seja anônima...
e coletiva...
Bresson reinvindica...
um certo tipo de cineasta...
Em um dos aforismos...
no qual ele reclama...
para o futuro do cinema...
Ou vincula o futuro do cinema...
à aparição de jóvens...
capazes de arriscar tudo...
para seguir seu sonho...
cinematográfico...
à margem das convenções estabelecidas.
Entre o X generalizador...
e o anonimato desses jóvens cineastas...
se estabelece a trajetória de Bresson.
JUSTAPOSIÇÃO
Não há arte sem transformação -
opina Bresson.
Por isso...
o cineasta...
faz da justaposição...
das imagens...
o elemento fundamental...
que faz brotar a faísca...
O fosso...
- como diz em outro lugar...
em Notas Sobre o Cinematógrafo -
da criação.
Por isso, também....
a insistência em...
Ou a renúncia...
às imagens belas...
A insistência...
e a necessidade de aplainar as imagens...
a necessidade de aplicar-se...
à construção de imagens...
insignificantes...
De tal maneira que seja...
a relação... A fricção...
entre as imagens...
o que produza...
o surgimento do sentido...
do cinematógrafo.
Onde o cinema de todos os dias....
esgota-se na contrução...
de cartões postais...
e de belas imagens...
o cinema de Bresson busca...
através da extrema depuração...
das imagens...
que estas imagens possam ser colocadas....
umas junto das outras
todas justapostas...
para que desse atrito...
surjam o novo sentido...
a nova ordem...
que a arte é capaz...
de impor ao real.
Para ilustrar esta idéia...
nada melhor que....
ir a Notas Sobre o Cinematógrafo.
"É necessário que uma imagem...
se transforme...
ao contato com outras imagens....
como uma cor ao contato com outras cores.
Um azul...
não é o mesmo azul...
ao lado de um verde...
de um amarelo...
de um vermelho.
Não há arte sem transformação."
ZUNZUNEGUI, SANTOS
Na história de todas as pessoas...
que nos dedicamos ao cinema...
mesmo que seja de uma forma tão marginal...
como pode ser a da crítica...
sempre permanecem inscritos....
alguns momentos fundadores.
No meu caso...
um destes momentos fundadores...
Um dos primeiros -
devo dizer -
que me abriram...
a janela do cinematógrafo como arte...
foi a confrontação...
com um filme de Robert Bresson.
O primeiro filme de Robert Bresson que eu ví...
foi O Processo de Joana D'Arc,
importado no ano de 63, 64...
- creio me lembrar -
pela Federação de Cineclubes...
para ser exibido...
não sessões restritas
que ofereciam os cineclubes...
que então se proliferavam
por toda a Espanha...
E que era uma das poucas sessões...
em que se podia ver algum filme...
que diferisse do tipo de filme...
que estreavam naqueles momentos...
nas telas espanholas.
Creio que não esquecerei jamais...
a extrema concentração...
do cinema de Bresson.
62 escassos minutos...
para concentrar...
o processo e a morte...
da "Donzela de Orleans"...
A obsessiva maneira....
com que Bresson filma...
planos simples...
e contraplanos...
As intercalações...
entre Joana...
e seus juízes...
A imobilidade da câmera...
somente quebrado
- creio recordar -
por duas vezes no filme.
Pelos tralings...
o primeiro que acompanha...
à mãe de Joana...
na sequência coadjuvante....
que reflete o momento...
da reabilitação pela Igreja Católica...
da figura de Joana
ou o impressionante traveling final...
que acompanha...
os pés de Joana...
à caminho da fogueira.
Sobretudo, como esquecer...
a última imagem...
Talvez um emblema de todo cinema...
de Bresson...
que mostra o poste queimado...
sobre o qual o corpo de Joana...
ardeu...
E que mostra o desaparecimento...
desse corpo...
- uma das idéias que acompanha o cine de Bresson.
A morte como....
o momento em que os corpos...
saem de campo.
Saem de campo definitivamente...
como alguns anos depois...
sairá de campo Mouchette...
para cair nas águas...
de um lago gelado.
Anos depois...
pude ver na televisão espanhola...
no final dos anos 60, de novo...
Pickpocket...
Naqueles anos em que a televisão espanhola...
se permitia programar em preto e branco...
A televisão ainda não era a cores...
Os últimos filmes de Ozu...
Mas, também,...
no mesmo de sua produção...
filmes como
ou Pickpocket de Bresson.
E que permitiam...
a um jovem estudante...
acrescentar à experiência...
de Joana D'Arc...
a nova e decisiva de Pickpocket.
Desde então...
a frequência aos filmes de Bresson
tem sido uma...
permanente prática...
em minha vida de espectador cinematográfico.
Porque o que têm os filme de Bresson...
- como as de algum ou outro cineasta -
antes já havia Ozu...
e seria bom, também...
de alguma maneira
colocá-lo junto de Bresson...
os filmes que se pode retornar...
uma e outra vez...
com a certeza de que...
a experiência nova...
não é uma repetição...
da experiência anterior.
Nesse sentido...
os filmes de Bresson são filmes...
plenamente clássicos...
se definimos um clássico...
como esse texto
ao qual podemos retornar...
uma e outra vez...
para encontrar coisas novas.
Creio que eu nunca me recuperei de todo...
da impressão...
de ser espectador de um filme de Bresson.
De alguma maneira quando,...
há alguns anos,
escreví um livro sobre Bresson...
pagava um certa dívida simbólica...
um dívida simbólica que fez com que eu...
já não possa...
me desprender do cinema.
É verdade que...
alguém pode pensar,...
que quando se ama o cinema de Bresson...
talvez isso lhe impeça...
amar o resto do cinema.
Pois quando se ama
haveria que se dizer, exatamente,
o cinematógrafo de Bresson...
já não pode se interessar pelo cinema.
As coisas, evidentemente,...
são muito mais complexas...
e não é incompatível...
amar o cinematógrafo de Bresson...
com interessar-se....
por isso, que ele chamava o cinema.
Mas o que não questiona...
é que, nesse mundo do cinema...
há poucas obras...
que possam comparar-se...
com a de Bresson.
Alguém disse...
"Robert Bresson não é...
um mestre...
é só um exemplo."
Que alguém como uma cantora pop...
- mas não só uma cantora pop -
Patti Smith...
perguntada sobre quem era seu mestre...
disesse que era Robert Bresson...
mostra que o vento...
sopra na direção que quer.