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Em Paris, há um lugar que era chamado "Nova Atenas"...
dado o número de pintores e escritores que havia lá.
Era um lugar popular entre as prostitutas...
que se postavam à sombra da igreja de Notre Dame de Loret.
Mas também havia gente mais respeitável...
inclusive banqueiros, como Auguste Degas.
Em 19 de julho de 1834 nasceu ali seu filho...
Hilaire Germain Edgar.
Ainda em criança, Edgar se mudou com os pais...
do distrito de St Georges para a área dos Jardins do Luxemburgo...
para a Rue de la West, hoje Rue de Chasse...
e depois, para Rue Madame.
Sua mãe morreu logo depois, em 1847.
É difícil saber o efeito que isso causou em Edgar.
Ele raramente a mencionava...
mas frequentemente falava em seu querido "papa".
Edgar foi um aluno médio...
mas era descrito como tendo a cabeça nas nuvens.
Tirava notas razoáveis em desenho...
mas outros alunos também, se não melhores.
Nada levaria a pensar que seria "um pintor genial".
Contudo, após completar seus estudos...
Degas decidiu seguir carreira nas artes...
e no dia 7 de abril de 1853, pouco depois de se formar...
ele recebeu permissão para copiar no Louvre.
Não se sabe porque escolheu esse caminho tão rapidamente...
mas essa decisão iria afetar a história da arte.
Não demorou para que o jovem Degas...
tivesse aulas com o pintor Louis Lamothe.
Em 1855 ele foi aceito na prestigiosa École des Beaux-Arts...
ficando em 33o lugar na prova de admissão.
Nessa época, Degas conheceu Ingres e seguiu seu conselho...
quando ele disse ao jovem, após ver seu trabalho...
"Nunca da natureza, jovem...
sempre de memória e dos desenhos dos Mestres."
Com este conselho...
Degas procurou captar, em seus antecessores...
a exatidão da expressão, a fórmula certa...
os segredos técnicos que queria incorporar ao seu trabalho.
Ele destilou desses Mestres os inevitáveis preconceitos...
que são a fundação do trabalho do artista.
No final dos anos 1850 ele usou lápis para copiar um desenho...
o retrato de uma jovem atribuído a Leonardo Da Vinci.
Ele o fez e refez...
não apenas cópias ou pobres reproduções...
mas sutis variações do mesmo tema.
Em 1856, Degas decidiu ir para a Itália.
Em Roma, ele deixou os retratos de lado...
e optou por um estudo mais convencional.
Pinturas históricas, nunca terminadas...
de gente do lugar e cópias dos Velhos Mestres.
Através de um artista que conheceu, Gustave Moreau...
Degas foi apresentado ao trabalho de Delacroix.
Foi o que adicionou uma apreciação de cor e movimento...
à reverência que ele já tinha pelo estilo de Ingres.
Com sua fome de trabalho e estudo ***íduo dos mestres...
veio uma carga de dúvida.
Ele tinha a tendência de duvidar de tudo, até dele mesmo...
de abraçar projetos para rapidamente abandoná-los.
Mas, mesmo reclamando de que pintar retratos era aborrecido...
ele terminou um de seus mais importantes óleos:
Retrato de Família ou Família Bellelli.
É um quadro interessante, no contexto...
dos artistas do Século XIX. Por um lado, é...
uma peça muito tradicional, uma conversa em família.
Se o analisarmos em termos da relação de Degas consigo mesmo...
esta seria sua própria família...
o lado paterno de sua família, italiano.
E fica claro, se o olharmos...
que a cuidadosa composição nos fala...
do relacionamento dentro dessa família.
Aqui Degas começa a mostrar gosto pelo drama doméstico...
uma tendência, como disse o escritor Paul Jamot...
"a revelar a amargura oculta entre as figuras...
mesmo quando nos são apresentadas como meros retratos."
Neste quadro, seria de se esperar ver...
rostos sorridentes. Mas vemos o barão...
virtualmente de costas. A baronesa...
está no centro da sala.
Está ereta, distante e orgulhosa.
Suas filhas estão com ela.
A expressão da esposa é desdenhosa e fria.
Acho que as meninas estão bem, mas há alguma coisa...
ocorrendo entre os adultos, que não é muito calma.
Portanto, nos daria uma indicação de que...
não era uma família necessariamente feliz e carinhosa.
Era respeitável e pela aparência...
muito honesta e honrada.
No outono de 1859, o pintor voltou a Paris...
e se mudou para um espaçoso estúdio...
na parte de Paris onde havia nascido.
Ele também voltou à pintura histórica...
e iniciou sua maior tela histórica, A Filha de Jephthah...
tentando emular os trabalhos de seu herói de então, Delacroix.
Finalmente, Degas entregou-se ao prazer das cores.
Usou justaposições de tom nada convencionais...
e espalhou explosões vibrantes pelo quadro inteiro.
Com outra tela histórica, Semíramis Construindo Babilônia...
Degas empregou outra técnica não convencional...
com seu uso de essência, que é tinta a óleo...
sendo que o óleo é diluído em terebintina...
e depois aplicado ao papel montado na tela.
Ele tende a usar esse trabalho de essência.
Este foi, de fato, um método que ele adotou...
secar a tinta líquida...
ou seja, ele tirava o que considerava como excesso...
deixando a tinta muito viscosa, espessa...
e que podia ser aplicada de várias maneiras.
Não dá para se diferenciar o pastel desse tipo de tinta.
Degas usava a cor de modo diferente dos Impressionistas.
O uso da cor é controlado nas suas bailarinas...
da década de 70.
Ele usava branco, rosa, um toque de vermelho...
e seria a única cor brilhante no quadro inteiro.
Nos seus quadros ao ar livre, como as corridas de cavalo...
as cores seriam bem fortes, mas também aí...
não usava muitas cores.
Foi só quando começou com os pastéis...
mais tarde, nas décadas de 80 e 90...
que ele realmente abusou da cor.
Entre 1859 e 1865...
Degas produziu um grande volume de trabalho...
mas ainda não sentia que estava progredindo.
Foi totalmente tomado por sua arte...
o que o deixou meio distante e irritadiço.
Sua impaciência estava se tornando lendária.
Mas por volta de 1865 as coisas começaram a mudar.
Com seu quadro Cena de Guerra Medieval...
finalmente ele pôde exibir no afamado Salon, em Paris...
o que continuou fazendo até 1870.
Afora esta tela, ele parecia ter abandonado pinturas históricas...
e até o início da próxima década, se concentrou em retratos.
Também suas amizades estavam em transição.
Sua relação com Gustave Moreau...
um de seus amigos mais íntimos, parecia ter esfriado...
e ele mal viu outro amigo, Bonnard, após 1863.
Ele estreitou relações com outro pintor, James Tissot...
que tinha o mesmo gosto e bagagem cultural.
Mas foi sua ligação com Édouard Manet...
que provaria ser a mais importante para seu futuro.
Eles teriam se conhecido no Louvre em 1863, onde Degas...
gravava uma cópia de um Velásquez diretamente numa chapa de cobre.
Manet ficou atônito com a ousadia do artista mais moço...
e deu conselhos a Degas quando ficou patente...
que a cópia não estava saindo como ele queria.
Assim começou uma amizade importante e duradoura.
Degas e Manet vinham da mesma camada social.
Eram ambos da burguesia, da classe média alta.
Mas Degas, no início de sua carreira...
trabalhou no espírito do Salon. Fez quadros históricos...
e quando conheceu Manet no Louvre...
Manet apresentou a ele a arte contemporânea...
e as idéias de temas contemporâneos.
E Degas teve a idéia de pintar...
assuntos contemporâneos depois de Manet...
mas sua noção de onde o levaria essa idéia...
deve tê-lo levado mais além do que Manet se disporia a ir.
É difícil separar fato de ficção em relação...
a estes dois gigantes da arte do Século XIX.
Mas sua ligação parece mais forte na década de 70.
Mas antes de nos animarmos com a idéia de admiração mútua...
os dois eram dados a soltar farpas contra o outro.
Manet atacou o desinteresse de Degas pelas mulheres...
enquanto esse criticou em Manet suas tendências burguesas...
sua ambição e a celebridade de que desfrutava...
desde a época do "Salão dos Recusados"...
uma exposição de quadros rejeitados pelo Salon.
A relação entre Impressionistas não era necessariamente muito fácil...
e a relação entre Degas e Manet era um bom exemplo.
Certamente eles afetaram...
ao outro no sentido de que se estimulavam mutuamente...
mas também podiam discutir violentamente.
Um tema recorrente no trabalho de Degas...
são as corridas de cavalo...
que o interessaram após algumas férias na Normandia com seus amigos...
os Valpinçons, a partir de 1861.
A propriedade deles ficava perto da pista em Argenten...
e a paisagem rústica lembrava Degas das gravuras inglesas que ele amava.
Comparado a seus amigos Tissot, Moreau e Manet...
Edgar Degas era um completo desconhecido...
embora fosse notado por outros artistas da época...
como Renior, Sisley, Monet, Cézanne e Pissarro...
por sua aguda inteligência e pontos de vista artísticos...
e também por sua sede de conhecimento.
Suas exposições no Salon entre 1865 e 1870...
lhe deram sua única chance de uma exposição pública.
Mas os trabalhos que exibia receberam críticas variadas.
Mais importante: Degas não vendia.
Claro que o Salon não era o lugar certo para seu trabalho.
As Exposições dos Impressionistas das décadas de 70 e 80...
lhe trariam mais sucesso.
Antes disto, a década de 60 pode ser vista...
como sendo calma para Degas.
Ele estava envolvido no desenvolvimento de seu estilo...
e não tinha aquela irritação e os problemas...
que marcaram períodos posteriores de sua carreira.
Suas duas irmãs se casaram e seu irmão René foi para Nova Orleans...
levando uma prima como noiva, a pedido de Degas.
Financeiramente, Degas continuava bem graças a seu pai...
portanto, não precisava vender.
No final da década, começou a ganhar fama...
além de seu pequeno círculo de amizades...
e começou a se forçar mais como artista.
Seu irmão Achille adorou informar que...
Degas havia exibido na Galeria...
um lugar muito conhecido em Bruxelas.
Ao mesmo tempo, um marchand inglês, Arthur Stevens...
ofereceu um contrato a Degas de 12.000 francos por ano.
Como Manet, Degas estava testando o mercado inglês...
como saída para seu trabalho.
Londres era diferente.
A Academia Real não era tão forte quanto o Salon...
ao ditar o que era arte boa ou ruim.
E eles já tinham exposições independentes...
e marchands independentes. Não apenas em Londres...
mas também em Manchester, Bristol, Norwich, Sheffield e Newcastle...
e eles serviam a clientela mercantil e industrial.
Grandes produtores de algodão em Manchester, em Leeds...
magnatas têxteis, em Birmingham, os donos do ferro.
Londres provou ser uma ligação importante em uma rede...
de clientes, através não só das exposições...
mas também por sua rede de marchands.
Havia um mercado inglês para quadros impressionistas.
E o interessante é que este mercado...
veio por um marchand francês, Paul Durand-Ruel...
que tinha uma galeria na Inglaterra.
Mas os quadros impressionistas ainda não eram...
o que os ingleses queriam.
O que eles queriam mesmo eram quadros do tipo pré-Rafael.
Foi mais no mercado americano, por exemplo...
que se tornou o mais importante fora da França...
que os impressionistas viram seus quadros.
Como costuma acontecer...
não parecia existir muita coisa para Degas além do trabalho.
Sua circunspeção sobre sua vida particular não ajuda.
O pouco que sabemos, anotações sobre...
ser rejeitado por uma jovem, referências em uma carta à tia...
sobre planos de casamento, trazem mais perguntas que respostas.
Mas Degas tinha uma vida particular reservada.
Ele nunca se casou.
Sempre foi meio misógino.
Adorava as garotas que desenhava, as bailarinas...
e as que posavam para ele. Mas sua visão das pessoas...
sempre foi ácida. Seu temperamento bem agudo.
Um quadro como Interior, também chamado de The ***...
diz mais do que qualquer comentário poderia dizer...
sobre sua sombria vida emocional e ***.
No quarto de uma jovem está um homem...
que parece não ter nada o que fazer ali.
Seu chapéu e paletó estão jogados pelo quarto.
A alça da roupa íntima dela está abaixada no ombro.
No centro, iluminada pelo abajur, uma tesoura...
e um tecido branco saindo de uma caixa forrada de rosa.
Difícil ver a perda da virgindade simbolizada de modo tão gráfico.
É um estudo da relação entre um homem e uma mulher...
como a família Bellelli...
e talvez reflita sobre...
a situação em que estaria o tipo de mulher pintado por Degas.
Ele pintava prostitutas e operárias.
Não sei se relacionaria isto com a vida dele.
O quadro não vem de uma história real.
Vem de um livro pouco conhecido de Émile Zola...
chamado Kerry's Racca e essa história é...
em qualquer exercício de imaginação...
uma das histórias mais cruéis jamais escritas.
Então acho que...
era mais uma ilustração da história de outra pessoa...
do que, especificamente, a própria atitude dele.
O estilo de vida de Degas, como abordava as pessoas...
era distante e reservado...
mas talvez não tão agressivo como o demonstrado no quadro.
Em setembro de 1870...
Degas e Manet se alistaram na Guarda Nacional...
na época da Guerra Franco-Prussiana...
e a famosa Comuna de Paris.
A guerra trouxe a tragédia.
O pintor Frédérick Bazille foi morto aos 29 anos...
e também o amigo de Degas, o escultor Josef Cevelier.
Sua morte fez Degas se distanciar de Tissot...
porque ele havia pintado um quadro do jovem escultor...
enquanto este morria.
Mas para seu trabalho, a guerra trouxe coisas boas.
Por volta de 1870, Degas pintou o retrato de um amigo músico...
da Ópera de Paris, no poço da orquestra, cercado de músicos.
É uma bela peça, mas o mais importante...
é que no canto superior do quadro...
vê-se ligeiramente um grupo de pessoas...
que iriam dominar o trabalho posterior de Degas...
as bailarinas.
É difícil dizer exatamente quando...
Degas começou a passar tanto tempo no teatro...
nos auditórios e bastidores.
Sabemos a quais atuações assistiu entre 1885 e 1892...
mas faltam detalhes de anos anteriores no teatro.
O teatro o fascinava...
e creio que isso diz algo sobre sua relação com a realidade...
e a imaginação. Ele teve permissão...
de pintar as bailarinas nos bastidores.
No início dos anos 70...
Degas produziu um número maior de quadros de balé...
alguns com bailarinas no palco, mas era mais comum nas aulas.
Fizeram sucesso imediato, e foi principalmente isso...
que levou Degas a pintar tantas bailarinas.
Ele queria captá-las...
não pela posição do espectador sentado no teatro.
Ele queria algo mais pessoal.
Certamente, algo mais pessoal para ele e para elas.
Ele queria pegá-las desprevenidas...
o que é uma típica meta impressionista...
captar o momento passageiro, e foi o que ele fez.
Com frequência, para obter isto...
ele distancia a si mesmo e a nós das bailarinas.
Às vezes, há muito espaço entre nós...
um espaço vazio entre nós e elas, o que nos dá...
a sensação de estar nos bastidores...
apenas observando, sem participar.
Diferentemente de Monet, Renoir ou Pissarro...
Degas vendia seu trabalho, embora sem constância.
Contudo, a introdução do trabalho de Degas...
no mercado e as exposições das quais ele participou...
levaram a uma marcante mudança no seu trabalho.
Uma pequena rede de entusiastas de Degas...
e um grupo de colecionadores estavam se formando.
O resultado foi que o artista deu mais atenção às suas opções.
Seu dia era previsível.
Trabalhava pela manhã e à tarde.
À noite, ele iria ao Champs Élysées...
e de lá a um café, para ouvir música.
Uma mudança nesta rotina viria...
quando seu irmão o persuadiu a ir visitá-lo em Nova Orleans.
Durante sua estada em Nova Orleans...
Degas se impressionou com o que viu. Ele assimilou tudo:
As tonalidades das mulheres negras que cuidavam das crianças.
As casas com colunas imponentes...
e os barcos a vapor do Mississipi.
Mas ao invés de transformar isso tudo no que seria...
uma fascinante série de quadros...
Degas se recolheu, ansiando por seu mundo parisiense.
"Tudo o que quero ver agora é meu cantinho no mundo...
e ficar lá bem escondido."
Mas a exceção à regra de evitar tudo o que era americano...
foi seu famoso quadro Retrato de Um Escritório...
mais conhecido como Mercado de Algodão em Nova Orleans.
Nele vemos 14 indivíduos no escritório do tio de Degas...
Michel Musson...
todos ocupados com o comércio de algodão...
exceto os dois irmãos do pintor, que parecem nada fazer.
É o quadro de um escritório apinhado, porém organizado...
que passa perfeitamente sua visão dos EUA...
de uma terra distante de tranquila prosperidade.
Degas se cansou da vida lá...
porque ele achava que tudo se baseava no algodão.
Pensavam e falavam em algodão, dormiam com algodão.
Mas o que ele tentou fazer lá...
foi usar uma técnica que utilizou muito depois, um ângulo oblíquo.
Uma espécie de perspectiva tradicional e direta...
ele olhava por cima e obliquamente...
para dar uma visão geral da sala.
De novo, não há muitas cores diferentes.
Preto para os homens, creme para o fundo.
São retratos de pessoas que ele conheceu lá.
Ele deve ter ficado lá, desenhando...
e depois montou o quadro no estúdio.
Quase que se pode caracterizá-lo...
como uma fotografia de imprensa.
Tem um ponto de vista alto...
e o quadro parece se dividir em áreas...
de retângulos brancos, como o jornal e os livros...
e um pedaço de tecido contra formas pretas...
e com isso uma sensação de fotografia...
de um instantâneo, vem do quadro.
Além de uma variação sobre o mesmo tema...
este é o único quadro que Degas teria terminado...
enquanto esteve nos EUA.
Outros que talvez tivesse começado lá, foram terminados em Paris.
Agora se acabavam as longas estadas fora.
Até a hora de sua morte...
Degas só deixaria Paris para passar o verão a Normandia...
ou para ir aos balneários do sudoeste da França...
e algumas viagens a Nápoles, a negócios.
Em 23 de fevereiro de 1874, o pai de Degas morreu.
Isso teria um profundo efeito no pintor.
Ao lado de sua cama, ele mantinha um quadro...
que ele havia pintado 2 ou 3 anos antes...
mostrando o pai ouvindo Lorenzo Pagans cantar.
É emocionante, ele mostra um homem curvado pela idade...
mas ainda alerta, sentado ao fundo.
O pai deixou a firma em estado lamentável.
A impossibilidade de dividir a propriedade de Nápoles...
e os débitos feitos pelo irmão René...
trouxeram a Degas seu primeiro problema financeiro...
e o forçaram a se concentrar na venda de seu trabalho.
Agora, sua arte era seu negócio.
Ao mesmo tempo, a opinião geral era que Degas...
era independente financeiramente, o que era verdade, no início.
A família enfrentou tempos difíceis...
e teve que abandoná-lo. Ou seja...
Degas agora tinha que ver a arte como fonte de renda.
Para tanto, Degas foi importante na organização...
da famosa série de Exposições Impressionistas na década de 70.
Ele se uniu a Monet, Pissarro...
Sisley, Morisot, Cézanne e outros...
para formar a Société Anonyme des Artistes.
Seu objetivo era expor sem as comissões de seleção...
para vender as obras expostas e publicar um jornal de arte...
embora este último nunca tenha sido publicado.
Na primeira mostra do grupo na primavera de 1874...
Degas exibiu dez quadros...
e recebeu boas críticas.
Mas a exposição como um todo foi um fracasso.
Recebeu ataques selvagens da imprensa...
teve pouco público e as vendas limitadas...
levaram ao colapso da cooperativa.
Dois anos depois eles tentaram novamente...
mas, desta vez, na Galeria Durand-Ruel.
Degas tinha 22 trabalhos na exposição.
Mas até mesmo seus detratores, viram em Degas...
o líder do movimento, bem como um individualista.
As exposições subsequentes de 1877, 79 e 80...
tiveram melhor aclamação que provou uma nova apreciação...
da arte de Degas e de seu lugar especial dentro do grupo.
Degas usava uma variedade de meios para seu trabalho...
tinta a óleo e outros, mas também pastel.
O pastel permitia um trabalho espontâneo, porque é seco...
e ele podia fazer mudanças, porque é opaco.
Era o ideal para um artista que gostava de trabalho rápido...
mas que gostava de retocar várias vezes o mesmo quadro.
Ele começou experimentando com pastéis...
e começou a usar cores muito fortes...
para pintar suas bailarinas nos bastidores.
Talvez isso tenha acontecido porque sua visão havia deteriorado...
talvez ele não percebesse que usava cores tão brilhantes.
O que Degas fazia, ele pegava o pastel...
e o derretia de novo...
e ele chegava até a fervê-lo durante a noite...
fazendo um mingau daquilo...
e usando como tinta. Quanto secava...
voltava a ter a textura do pastel...
mas dava a ele uma base...
sobre a qual ele desenhava...
e assim seu uso do pastel foi muito mais experimental...
do que era até então.
Este "pó de asas das borboletas" era o veículo perfeito...
para retratar indistintamente dançarinas de cafés...
ou bailarinas.
É agora que Degas se torna o Pintor das Bailarinas.
Ele produziu um grande número de cenas de dança...
usando uma ampla gama de técnicas.
Ele as segue até os bastidores e salas de ensaio...
longe das luzes do palco.
Ele nos mostra bailarinas se aquecendo...
em alongamento, conversando.
Suas observações eram agudas e descompromissadas.
Não eram grandes beldades. Vemos suas mães acompanhando-as...
trajes escuros e o movimento dos tutus...
e a cor das fitas em suas cinturas.
Acho que Degas via nessas meninas...
uma certa familiaridade com a maneira como ele trabalhava.
Que o trabalho dele precisava de anos de dedicação...
antes que pudesse obter qualquer espécie de habilidade...
e o mesmo se passava com as bailarinas.
Na verdade, ele ficou amigo de muitas delas...
e elas o viam como um cavalheiro...
amigável e talvez um tanto excêntrico.
Na década de 80, a vida de Degas teve muitas mudanças.
No início da década ainda havia os pesados débitos...
mas quando ele se mudou em 1890...
foi para um apartamento enorme de três andares...
com sua sempre crescente coleção de quadros dos Velhos Mestres.
Mas a década também lhe trouxe várias perdas.
Manet morreu em 1883...
seu amigo Guiseppi Dinitis no ano seguinte...
e também um amigo de escola, Alfred Newaday.
Nesta década continuaram as Exposições Impressionistas...
e permaneceram como eventos importantes no calendário de artes.
Mas o papel de Degas na organização tornou-se alvo de críticas.
Paul Gauguin não confiava nele...
e temia que ele pudesse sabotar as exposições.
Sua crítica maior, compartilhada por Pissarro e outros...
vinha da insistência de Degas para incluir...
alguns amigos seus.
Como resultado, em 1882...
Degas pagou sua parte, mas não exibiu nada.
E na última Exposição Impressionista em 1886...
só levou 10 das 15 telas que colocara no catálogo.
Contudo, todas elas foram aclamadas pela crítica.
Uma séries de nus femininos se banhando, se secando...
e penteando os cabelos, causou mais comoção...
do que o famoso quadro de Seurat na ilha de Grand Jatte...
que hoje temos como a jóia da exposição de 1886.
A relação entre Degas e seus colegas expositores...
ficou cada vez mais difícil.
Contudo, a admiração de Pissarro por ele ficou intacta...
apesar do temperamento difícil de Degas...
e do virulento anti-semitismo que demonstrava.
Degas mostrava menos entusiasmo pelo trabalho de Monet...
descrevendo-o mais como "um negociante do que artista"...
e um homem que "não produzia nada a não ser belas decorações."
E Degas começou a se concentrar mais e mais nas mulheres.
Nós as vemos experimentando chapéus em lojas...
passando roupa, agradecendo no palco de tutu...
ou ensaiando nos bastidores e amarrando uma alça.
Ele as pintou sozinhas em seus quartos...
se lavando, se penteando, se enxugando.
Nem sempre vemos seus rostos, inconscientes de sua nudez...
pegas pelo artista pensando que não eram observadas.
O retrato dessas mulheres por Degas foi considerado cruel...
por serem tão verossímeis.
Alguns diziam, e outros continuaram a dizer...
que Degas era um "***" que via as mulheres como animais.
Para mim, a atitude dele em relação às mulheres parece...
desinteressada quanto a serem objetos sexuais. Ele as vê...
como objetos em movimento...
e essa coisa toda sem coreografia...
que o fotógrafo chamaria de bastidores...
era algo que o atraía particularmente.
Esta série de mulheres se lavando ou enxugando...
mostra as pessoas numa atitude que não é normal ser vista...
e não seria exibida normalmente.
Ele queria mostrar as mulheres como ele as via ao pintá-las.
A Banheira...
por exemplo, que tem a mulher no banho...
você a vê, e à direita tem uma penteadeira...
que meio que a corta. Ele nos separa da mulher...
ela é parte do fundo, do ambiente...
e é isso que o interessa e não mostrá-la...
como um objeto ***, e sim, como uma pessoa.
Na última década do século, o artista começou a se retirar.
Optou pelo isolamento.
A partir de 1890 começou a ver menos os amigos...
e em 1892 já não era visto nos ensaios de balé.
Autorizava menos exposições de seu trabalho...
e com a amargura de estar envelhecendo...
foi se isolando de tudo.
Mas sua rotina de trabalho ainda era a mesma.
Pintava no estúdio até a noite...
e depois fazia uma refeição preparada pela fiel empregada Zoe Closier.
Às vezes, jantava na casa de um velho amigo...
e continuava a passar férias com o círculo de amigos.
Muitos contemporâneos seus morreram em rápida sucessão...
deixando Degas mais isolado.
Berthe Morisot morreu em 1895...
Toulouse-Lautrec em 1901...
Gauguin e Pissarro em 1903...
e Cézanne em 1906.
Seu círculo de parentes e amigos íntimos também encolheu...
com as mortes contribuindo para uma crescente solidão.
Então houve o Caso Dreyfus.
Em 1894, um oficial do exército francês, Alfred Dreyfus...
judeu e inocente, foi condenado por traição...
e recebeu pena perpétua na notória Ilha do Diabo.
O caso foi uma importante questão política por mais de uma década...
dividindo a França em anti-semitas e realistas de um lado...
e os que apoiavam Dreyfus do outro lado.
Desde o começo Degas estava do lado dos realistas...
e não se absteve de fazer comentários anti-semitas.
Temos que entender que Degas era direitista...
e muito anti-semita. E o fato de que...
não há indicação de que Dreyfus traiu o país...
mas ele era judeu.
Mas então soube-se que as acusações eram falsas.
Tinham que ser retiradas e isso deixou Degas isolado.
O triste fato de que realmente ele era anti-semita...
permanece sendo um dos aspectos desconcertantes deste grande homem.
Acho que não refletiu bem na pessoa dele...
mas essa era a natureza do homem.
Ele era assim e não creio...
que tenha afetado a relação dele com os amigos.
Nem afetou realmente a admiração por sua arte...
ou o modo como seus quadros começavam a ser vendidos então.
Nos anos 90, Degas canalizou seu entusiasmo...
na expansão de sua coleção pessoal de arte.
A intensidade com que fazia isso era tal que preocupava seus amigos...
de que isso o levaria à falência.
Ele estava comprando as peças que fariam dele...
um dos mais importantes colecionadores da época.
Ele comprou Gauguin e El Greco...
e obras de Delacroix num curto espaço de tempo.
"Eu compro e compro", ele disse. "Não consigo mais parar."
Em 1895 outra coisa o entusiasmou: A fotografia.
Ele comprou uma câmera, provavelmente a Eastman-Kodak No 1...
e a usava, como disse um amigo...
com a mesma energia que punha em tudo o que fazia.
Ele usava um tripé e chapas de vidro...
pois não se interessava pelos instantâneos.
Ele fotografava à noite, após parar o trabalho...
podendo assim explorar a atmosfera das lâmpadas e do luar.
Fazia seus modelos ficarem na mesma posição por muito tempo...
num inescrutável espaço...
dando-lhes uma aparência quase espectral.
A fotografia foi importante no final do Século XIX.
Foi vista como uma séria ameaça a certas manifestações artísticas...
como a pintura de retratos e muitos artistas...
foram afetados.
Alguns tentaram ignorá-la.
Mas outros, como Degas, e ele surpreendeu com isso...
a utilizaram para ter maior informação sobre o movimento...
e esta é a chave para entender alguns trabalhos dele.
O que ele gostava na fotografia era...
o fato de que ela podia captar o minuto passageiro...
e acho que isso o inspirava.
E quando fosse para o estúdio pintar...
ele sempre poderia usar as fotografias como referência...
do mesmo modo que usava os rascunhos que desenhava.
Diferentemente de muitos de seus contemporâneos...
Degas tinha a necessidade de se reinventar...
de encontrar novas abordagens para a arte...
e usar métodos de expressão não convencionais.
Sua idade avançada nada fez para mudar isso.
Como Ticiano antes dele e Picasso depois...
ele continuou sendo um desbravador.
Seus tons dissonantes saltavam dos quadros...
como disse um crítico, sem preocupação com veracidade...
similaridade ou credibilidade.
Em quadros como Dançarinas Russas...
produziu cores não ortodoxas irresistíveis, nas palavras dele.
Repetiu isso com seus últimos nus e outras dançarinas.
Vemos amarelo-canário, rosas radiantes...
verdes suaves e azuis vibrantes.
Seu desenho começava a mostrar uma forma de expressionismo.
Os rostos perdiam a definição ao se mesclar...
numa pincelada de movimento colorido.
Ele virava as costas ao realismo dos anos 80.
Agora pintava jóqueis vagando por campos vagos...
que pareciam ter pouco a ver com suas pistas de corridas.
Seu trabalho tornou-se mais enfático e econômico...
antecipando a arte de Henri Matisse.
Entre 1912 e 1917, Degas estava em declínio.
Um amigo escreveu que ele não passava de um caco.
Estava morrendo lentamente, perdendo a visão...
até ficar praticamente cego.
Quando saía, percorria uma curta distância...
e podia ser visto diante de uma casa onde havia morado...
olhando para ela, mas ela havia sido demolida...
e ali havia um espaço vazio, mas Degas não podia ver.
Edgar Degas morreu em 27 de setembro de 1917...
e foi enterrado no túmulo da família no Cemitério de Montmartre.
Sua morte foi seguida da venda de suas obras...
que deu início à sua imortalidade.
Uma imagem, mais que outras, fica na mente.
Em 1911 ele foi à exposição de Ingres com Daniel Halivi.
Quase cego, disse a ele...
"Posso ver algo nos quadros que conheço...
e aqueles que não conheço não significam nada para mim."
Ele ficou parado diante dos quadros...
tocando-os, passando as mãos neles.
Um artista até o fim.