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Itália, 1610.
Michelangelo Merisi de Caravaggio está fugindo, novamente.
Sempre com problemas, este artista esteve metido em confusões a maior parte de sua vida.
Mas desta vez é diferente.
Desta vez, ele é procurado por assassinato.
Existe um prêmio por sua cabeça, vivo ou morto.
Então ele faz o que sempre fez,
faz o que melhor sabe fazer.
Tenta usar a pintura para fugir dos problemas.
Então foi isso o que ele pintou: Davi com a cabeça de Golias.
É um auto-retrato.
mas por que Caravaggio não pinta a si mesmo como o herói, Davi?
Por que se pintou como o vilão na peça,
o monstro, Golias?
Espera talvez ao fazer esta mea culpa na pintura
ser perdoado.
Talvez oferecendo sua cabeça na pintura, salve a si mesmo na vida real.
sempre preferimos imaginar que o gênio é o herói,
que o cara bom vence.
Mas esse é Caravaggio, e o gênio é o vilão.
É um auto-retrato diferente de tudo que já se pintou antes.
Normalmente, quando os artistas olhavam no espelho, gostavam do que viam,
e o que viam eram homens, jovens ou velhos,
cujas feições foram enobrecidas por sua profissão
ao trazer virtude, beleza e graça para o mundo.
Agora, observe Caravaggio.
Uma cabeça decapitada, ele é Golias, um sanguinário grotesco, um monstro.
Na Decapitação de João Batista, o mal era feito por outra pessoa.
Aqui é Caravaggio quem personifica a maldade.
Nesta vitória da virtude sobre o mal, é Davi quem deveria ser o centro de atenção.
Mas você já viu um vencedor menos triunfante?
Em sua espada está escrito "Humilitas occedit superbiam",
"A humildade conquista o orgulho."
Uma batalha que vinha sendo travada dentro da cabeça de Caravaggio,
entre os dois lados do pintor retratado aqui.
Há o devoto, o corajoso Davi Caravaggio
e o pecador criminoso, o Golias Caravaggio.
"Eu sei quem eu fui", diz a patética cabeça, incapaz de nos olhar nos olhos,
"Eu sei o que eu fiz."
É uma visão desolada oferecida a nós na escuridão absoluta.
Nenhuma virtude, nenhuma graça,
apenas a negra verdade de dentro da cabeça de Caravaggio,
inundada com trágico autoconhecimento.
Para mim o poder de sua arte é o poder da verdade,
não apenas sobre nós mesmos.
Pois se tivermos a chance de alguma redenção,
ela deve começar com um ato de reconhecimento de que em todos nós
o Golias compete com o Davi.