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hoje, pela manhã, vindo ao trabalho, de moto, cruzei por uma mulher que atravessava a rua
levando três cães para passear. fiquei pensando se aquilo, para ela, era uma prisão ou um
prazer. não consegui chegar a uma conclusão. na verdade só dentro de sua cabeça estaria
a resposta.
talvez (e eu tenho quase certeza disso) ela não me responderia com honestidade e falaria
que é um prazer. sorriria, afagaria a cabeça dos cachorros (de dois, pelo menos) e continuaria
andando. acho que depois de cinco ou seis passos ela desfaria o sorriso.
o pior é que acho que daí então, depois da minha pergunta, ela começaria a se questionar
se aquilo era um prazer ou uma obrigação. e seria esse questionamento o início da tragédia.
eu já agi assim, como essa mulher (teoricamente falando), sem questionar a vida, sem questionar
meus pequenos atos. não questionava nem os grandes.
mas, em meu crescimento humano, um dia, um bendito dia, eu comecei a questionar tudo:
a minha existência, a existência divina, a existência das pedras, a existência da
inteligência, a existência da ignorância. e por aí vai.
não sei quando isso começou. eu acho que tudo aconteceu depois de minha separação,
quando comecei a me relacionar com pessoas inteligentes, criativas, inquietas, etc. acho
que tudo começou em santa bárbara d´oeste.
mas não era disso que eu queria falar.
o que interessa é que não consigo ficar satisfeito com nada. meus cães são mais
que três. minhas mulheres são mais que mil. meus questionamentos são infinitos.
não consigo ter fé, não consigo me acostumar com amigos inconsequentes, não consigo me
satisfazer com um emprego medíocre (mas que faria tantos felizes). não consigo nem me
consolar com o silêncio existente pois a qualquer momento (mesmo que dure horas) o
silêncio será rompido.
filosofia? psicologia? esquizofrenia? não sei o que é nem quem pode me ajudar. também
não sei quem pode me criticar.
não gostaria de ser assim. gostaria de me sentar no banco da igreja e rezar, orar, cantar
alegremente e com fé, obediência cega.gostaria que me fizessem uma lavagem cerebral onde
eu pudesse me esquecer de tudo o que sei, ou o que penso que sei.
já se imaginou rezando "pai nosso que estais nos céus" e se questionando: que pai? que
céus? eu sou assim. um poço de dúvidas, de inquietações.
eu não sou ruim, não faço o mal, não sou perverso ou tenho perversões. mas tenho um
grande defeito: eu quero que as pessoas pensem como eu. eu não consigo ter um bom relacionamento
porque quero que a mulher questione a vida como eu questiono. isso é ridículo, você
diz. eu sei que é.
por isso quero viver sozinho. por isso procuro a solidão. por isso me afasto dos amigos
e da família. por isso não durmo bem, não vivo bem, não realizo meus sonhos. por isso
estou envelhecendo rapidamente. por isso minhas dores de cabeça, das costas, das pernas,
estão aumentando. por isso estou engordando. por isso não paro em lugar nenhum. por isso.
fiz um passeio maravilhoso. e louco. andei 1.700 km em uma moto 150 cc. em cinco dias.
fui ao paraná, à praia.
antes disso eu pensava em ir a santos mas pensava na distância, nas dificuldades, na
serra, na estrada, etc.
de repente, não mais que de repente eu saí para a praia do estado vizinho. paraná. saí
pela manhã e à noite eu estava há 702 km de distância de casa. na beira do mar. ouvindo
as ondas. e peguei tráfego, serra, chuva, escuridão da noite, desconhecido, etc. bem
pior do que ir a santos. e fui. e cheguei. cansado mas feliz.
e voltei pela praia, como sempre quis. fui a cananeia, fui a ilha comprida, fui a iguape.
fui, passeei, tirei fotos, fiz turismo, conheci. maravilhosa a volta para casa. subindo serras,
estradas maravilhosas, restaurantes, pessoas diferentes, sotaques diferentes.
mas uma semana depois a insatisfação voltou.
é adrenalina? querer mais, e mais, e mais? o que é essa inquietude que me mata?
não quero amar. não quero trabalhar. não quero morar. não quero nada. ou quero. quero
andar, andar, andar, pelo desconhecido, a pé, de moto, de ônibus, sem parar, sem pensar,
tirando fotos, escrevendo bobagens, sobrevivendo como der.
o que é essa inquietude? uma doença?
ou é a vida?