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(MUSICA POP DOS ANOS 60)
Londres se move ao ritmo do swing.
Jogamos o passado pela janela e ninguém sente falta dele.
O novo é o que conta, a Bretanha respira ar fresco.
Parou de se inclinar ante às tradições,
as vacas sagradas do "establishment" - diretas ao abate.
(Richard Dimbleby) São 9:20.
Ludgate Hill está lotado esta manhã, com milhares de pessoas,
que vieram aqui cedo
para ver passar o corpo de Winston Churchill
a caminho da Catedral de São Paulo, onde estou neste momento.
Mas então, num escuro e frio janeiro, Winston Churchill morreu
e de repente o swing de Londres parou.
Uma espécie de nevoeiro de inverno fora de tempo
saiu arrastando a velha e peluda besta da história, cheia de lembranças.
As pessoas permaneciam de pé nas ruas sob um frio cortante,
enquanto o enorme caixão passava sobre os ombros da guarda.
A realeza rende seus respeitos ao grande político,
esperando-o no altar de S. Paulo.
Os estivadores renderam seus respeitos submergindo seus guindastes,
enquanto a barcaça que levava o ataúde passava ante eles.
A sátira mordeu a língua.
Mesmo nós, estudantes sabidões de história, deixamos de rir
e começamos a prestar atenção, surpresos por uma sensação súbita e inesperada,
com um nó na garganta numa suspeita patriótica.
Algo grande havia ocorrido, a morte de um patriarca,
o desaparecimento de uma certeza sobre o que significava ser britânico.
O que significava, e Churchill o sabia, era ser herdeiro de uma incrível história.
Mas enquanto os chorosos pararam e as lágrimas se secaram,
os desrespeitosos pensamentos voltaram pouco a pouco.
Talvez o peso do passado britânico seria um fardo demasiado pesado,
uma rocha pendurada no pescoço do futuro.
De que nos serviam os "mods" dos contos de Churchill sobre a "ilha do cetro"?
Não, em 1965, minha lealdade era para outro Winston.
Rebelde, desconfiado ante o aplauso fácil:
Winston Smith, o herói da inquietante parábola sobre o futuro de George Orwell
Isto é Londres, 1984,
principal cidade da Franja Aérea n. º 1, província do estado da Oceania.
Sabemos que Orwell se interessava profundamente por história,
não a história de pompa e ostentação, mas a história do povo
escrita em floreadas rapsódias,
mas no inglês de Orwell, afiado e duro como granito.
A história de Orwell não era do tipo que se deleita na auto-complacência.
Era das que fazem perguntas difíceis.
Mas apesar de suas diferenças, Orwell e Churchill tinham isso em comum:
não só escreveram a história do seu tempo, como a viveram.
Olhem Churchill e olhem Orwell e entenderão
o que ocorreu à Bretanha no século XX.
Verão como nosso passado moldou nosso futuro.
OS DOIS WINSTONs
(CANÇÃO DE NAVEGAÇÃO Eton)
Em 1874, o ano de nascimento de Winston Churchill,
este lugar, os Reais Estaleiros Navais em Chatham, estavam em plena atividade,
produzindo navios e armas que fariam a Bretanha mais poderosa
como nunca tinha sido.
Churchill devia acreditar que iria durar para sempre.
Noventa anos depois, quando morreu,
estava a caminho de se tornar num museu e numa demolição.
Mas é que a história é sempre cruel com o otimismo.
Na realidade Churchill nunca teve a opção de fugir à história.
Afinal, nasceu num palácio,
Blenheim, esse montão de pedra calcária de seu antecessor, Duque de Marlborough.
O pai de Winston, Randolph, rapaz maravilha dos Tories,
Ministro da Economia aos 37 anos,
parecia ter sido o último dos Churchill a realizar ascensão meteórica.
Mas também era um "prima-dona", com constantes ameaças de demissão.
No final, os Tories o deixaram ir.
E não mais retornou ao poder.
Sua mãe, Jenny, era a anfitriã social por excelência:
glamourosa, rica, americana, desejável, esquisita e
perpetuamente rodeada por abobalhados admiradores.
Mas Winston mal conheceu seus pais.
Como é habitual aos pequenos aristocratas, foi sua babá Nanny Everest,
a que quase sempre se ocupou de fazer-se de sua mãe.
E como de costume com os meninos de sua classe,
foi enviado a um internato na primeira oportunidade.
Ali escutava, tremendo de medo,
os gritos das crianças de oito anos recebendo severos açoites na bunda.
Mais tarde, como Ministro do Interior, diria que sua simpatia aos condenados
se devia por ter cumprido pena durante onze anos
nas escolas públicas e privadas da Inglaterra.
Churchill escreveu que só teve algumas conversas com seu pai ao longo de sua vida.
Uma delas ocorreu num dia
enquanto Winston brincava com seus 1.500 soldados de brinquedo.
Randolph nunca pensou que seu menino, roliço e pouco atrativo,
tivesse queda para político ou advogado.
Mas quando viu Winston alinhando sua infantaria e cavalaria,
perguntou-lhe se não gostaria de ser soldado.
E realmente isso foi o suficiente.
Toda a vida de Winston seriam batalhas, com uma arma, uma caneta e sua voz.
Pegaria a espada quebrada de seu pai, trazendo de volta a glória aos Churchill.
Assim que então Winston se entregou ao calor da batalha.
Índia, África, onde ocorria, lá estava ele,
embora tivesse que irromper na história, sem convite,
utilizando seus contatos familiares, pagando para entrar em ação.
E além de se empanturrar de batalhas, Winston começou a devorar... história.
Foi durante as sombras do meio-dia de Bangalore
quando a história se converteu na religião pessoal de Churchill,
a musa que inflamava tudo o que fazia, política, discursos e gritos de guerra.
Ler, escrever e fazer,
eram inseparáveis na personalidade que se revelava:
ardente, fogosa e apaixonada.
E foi no império quando Winston começou a escrever.
Livros, cartas, crônicas para jornais. E pequenas histórias.
Ajudado, claro, porque era socialmente sem vergonha e temido por seu físico.
Ali estava, um gorducho de metro e setenta, inventando histórias vibrantes.
Sabia como sair nas manchetes e como se exprimir.
Mas Winston não era só um entusiasta de si mesmo.
Toda sua vida acreditou na grandeza e na bondade do Império Britânico.
Mas não sabia nada sobre o que fazia o império funcionar: o dinheiro.
(MÚSICA: O CAMINHO PARA MANDALAY)
Enquanto Churchill catarolava o refrão de "O Caminho para Mandalay",
Richard Blair, pai de George Orwell, estava habituado nele,
ganhando dinheiro com o chá e não menos importante, com narcóticos.
Blair trabalhava para o Departamento de Ópio do Raj (Império Britânico na Índia).
Seu trabalho era supervisionar a produção de papoulas e sua exportação a Xangai,
garantindo, em nome do império, que o hábito dos chineses
nunca ficasse sem abastecimento.
Em 1903, a esposa de Richard, Ida, deu à luz um menino, Eric.
Viria a ser conhecido como George Orwell.
Um ano mais tarde, Ida levou Eric e sua irmã maior de volta à Inglaterra,
enquanto Richard permanecia na Birmânia.
Sua casa era a 17 de Vicarage Road, em Henley-on-Thames.
Nostálgico, de classe média, suburbano.
(MÚSICA CORAL)
Embora Winston Churchill estivesse no topo da classe dirigente
e Eric Blair em nível inferior,
estavam ligados pelo rito de iníciação obrigatório a todas
as crianças destinadas a governar o império: o exilio num internato.
Pouco depois de chegar a São Cipriano, comecei a molhar a cama.
Acredito que a incontinência urinária nessas circunstâncias é normal.
é a reação normal em crianças
ao serem removidas de suas casas para um lugar estranho.
No entanto, naqueles dias, isso era considerado um crime repugnante
que a criança fazia de propósito e a cura era uma boa surra.
Noite após noite orava com fervor para que isso não se repetisse,
"Por favor, Deus, não me deixe molhar a cama. Por favor, Deus, não me deixe molhar a cama."
Talvez São Cipriano não fosse o sádico tradicionalista
que George Orwell descreveu durante 40 anos,
mas não há dúvida de que esse foi seu aprendizado
de desprezo aos rituais do império.
As classes de história as rejeitavam como um condicionamento sem sentido.
Orgias de data com os meninos saltando sobre suas carteiras
ansiosos para gritar as respostas corretas.
E, ao mesmo tempo, sem sentir o menor interesse no significado
dos misteriosos eventos a que se referiam.
Os tormentos e as surras, tigelas com as bordas sujas de mingau da véspera,
o mergulho matinal num banho viscoso,
deixaram Eric com um ódio ardente ao falso espírito de serviço,
porque essas crianças deviam sofrer esses batismos.
Se fosse rico, todo este calvário seria uma prova de fogo,
uma espécie de cartão de admissão à classe dirigente.
Mas Eric não era rico nem fazia parte da classe alta.
Levava chicotadas sem a promessa dos benefícios extras.
Sua arma contra eles foi um ar malicioso de indiferença
e quando veio aqui a Eton, refinou essa despreocupação dando-lhe forma artística.
Se nomeassem Blair corneteiro dos cadetes, aparecia com sua insígnia lateralmente.
Se Blair recitava poesia, era o "Clube dos Suicídas", de Stevenson.
Melhor ainda, simplesmente ficava ali, de pé, silencioso e irônico.
(MÚSICA: O GRANADEIRO BRITÂNICO)
Winston Churchill nunca viu motivos de seu silêncio.
Estava embriagado de palavras e queria que todos partilhassem dessa embriaguez.
Quando deixou o império em 1900 para voltar para casa,
desafiou o pessimismo de seu pai ao se meter na política.
E quando descobriu que tinha verbosidade, deixou sua eloquência desencadear,
escrevendo seus discursos como se fosse um grande ator de teatro Eduardiano.
Ao contrário de muitos políticos,
Churchill não aprendeu a arte do discurso falando em clubes de debate.
Afiou dentes como orador aqui, no norte industrial, subindo em caixotes,
nos tetos de automóveis, em salas de música, onde realmente recebia ovações.
O ativismo incontido de Winston tornou-lhe impossível continuar sendo um conservador.
Quando se ligou aos Liberais em 1904,
o partido estava pregando alegremente os pregos no caixão da Inglaterra Victoriana.
Normalmente não vemos Churchill como um radical,
mas de sua fértil mente surgiu todo o tipo de reformas sociais.
Seguros aos desempregados, apoio para encontrar novos postos de trabalho.
Mas o radicalismo demasiado de Churchill muitas vezes era subordinado a seu egoísmo.
Como Ministro do Interior, estava ansioso por tratar a política como batalhas,
um pouco demasiado rápido no gatilho, enviando tropas contra grevistas,
ou tratando os sufragistas como prisioneiros de guerra.
Teria sentido, portanto, utilizar esta ardorosa beligerância
o que serviria de alguma coisa.
Aos 36 anos, Churchill foi nomeado Primeiro Lord do Almirantado.
Três anos mais tarde, o mundo estava em guerra.
Gallipoli 1915, 52.000 soldados aliados morrem na Turquia.
Um fiasco sangrento, uma expedição promovida por Winston Churchill.
Da noite para o dia, Churchill passou de uma estrela do governo da guerra
a um meteorito queimado.
Acusado, não totalmente justo, de incúria e incompetência,
os Tories cobraram sua traição demitindo-o do cargo.
Doido pela humilhação e torturado por parte de culpa no massacre de Galipoli,
Churchill sucumbiu a uma de suas depressões de "cão ***".
#Em Deus confiam, jovem camponês,
#Ao arar a terra... #
Churchill cumpriu sua penitência nas trincheiras de Flandres,
utilizando seus antigos contatos no exército,
do modo que um político pudesse se degradar a soldado.
Em 23 de novembro de 1915, escreveu à sua esposa, Clemmie:
Querida, terminaram nossas primeiras 48 horas nas trincheiras.
Passei a manhã num banho quente que armamos com alguma dificuldade.
Sujeira e lixo por todo o lado.
Túmulos construídos nas defesas e dispersos promíscuosamente.
Pés e vestuários afundando na terra.
No brilhante luar, exércitos de ratos enormes
circulam entre nossos eternos companheiros: rifles e metralhadoras.
A vida no front foi uma expiação para Churchill.
Havia cumprido sua pena.
Agora podia olhar aos soldados e à Câmara dos Comuns nos olhos novamente.
Eric Blair era muito jovem para as trincheiras,
mas estando em Eton, fez sua parte escrevendo poemas de recrutamento.
Quando a guerra acabou, talvez sentisse culpa, como muitos de sua geração,
culpados por perder o massacre.
O próximo passo após de Eton seria Oxford.
Mas, como Churchill, seu destino foi decidido por um prematuro veredicto de estupidez.
Seu pai achava que era demasiado cedo para dar-lhe uma bolsa de estudos.
E mesmo que Eric tivesse a oportunidade é provável que a tenha rejeitado.
É fácil o caminho pavimentado com dinheiro até o privilégio.
Em vez disso, partiu para as colônias.
(MÚSICA DE NAVEGAÇÃO Eton)
No entanto, não há sinal de que Eric pensara que eles o haviam jogado.
Pode que compartilhemos algo de idealismo de Churchill sobre o império benevolente.
Cinco anos na polícia da Birmânia,
talvez o ramo mais ingrato de todo serviço colonial,
tenha cicatrizado isso.
Fazendo seu trabalho o mais eficientemente, caçando menores delinquentes,
olhando o outro lado, quando se lhes golpeava, vestia seu poder como um cilicio.
Ele sabia que os birmaneses que prendia não eram criminosos,
mas vítimas de conquistadores estrangeiros.
Por todo o império, havia homens que odiavam sua parte no império como ele,
mas estavam capturados numa conspiração de silêncio ou covardia, ou aquiescência.
Um incidente mas que nenhum outro fez sentir sua reclusão imperial.
Um elefante quebrou suas correntes e causou estragos num bazar local.
Blair pegou seu rifle.
- Chamo os caçadores? - Não, não acorde ninguém.
Tentarei sozinho.
Quando encontrou o animal,
metendo capim e brotos de bambu pacificamente na boca,
era óbvio que não havia motivo para matá-lo, exceto na expectativa da imensa multidão.
Senti duas mil vontades empurrando-me de forma irresistível.
Foi neste momento, com o rifle em minhas mãos,
quando compreendi a futilidade do domínio do homem branco.
Ali estava eu, o homem branco com a sua arma,
ante uma multidão de nativos desarmados,
parecendo o ator principal da peça.
Mas, na realidade, apenas era um fantoche absurdo.
(MÚSICA DE NAVEGAÇÃO Eton)
Quando puxei o gatilho, não ouvi o disparo nem senti o coice,
senão o diabólico rugido de júbilo que veio da multidão.
Nesse instante, demasiado curto para que a bala chegasse,
uma mudança terrível e misteriosa ocorreu ao elefante.
Não se movia, não caia, mas todas linhas de seu corpo estavam alteradas.
Afinal, não pude suportar mais e sai dali.
Ouvi, depois, que levou meia hora para morrer.
Muitas vezes me perguntava: os demais se deram conta
de que só o fiz para não parecer um idiota?
Em 1927, Blair voltou para casa,
onde ao cheirar o ar inglês se convenceu
de que não poderia fazer parte de um sistema opressivo nenhum dia mais.
Sua casa ficava aqui em Southwold,
uma cidade costeira de Suffolk tão cheia de aposentados anglo-índios
que era conhecida como um pequeno "Raj à beira mar."
A irmã de Eric, Avril, tinha uma loja de chá,
sua mãe jogava bridge e seu pai olhava o mar.
Quando Eric anunciou à sua família que deixaria a polícia birmanesa
para ser, nada menos, que um escritor, podemos imaginar seu horror e incredulidade.
(MÚSICA CORAL)
E que era a Inglaterra a que Eric havia retornado?
Um país que mais tarde seria descrito parecido com uma família:
uma familia victoriana estirada onde se humilha ante uma família abastada
e que se senta de forma horrível sobre os parentes pobres;
onde os jovens estão frustrados
e a maior parte do poder está em mãos de tios irresponsáveis e tias prostradas.
Uma família, disse, com os membros errados no poder.
Maio de 1926, Greve Geral.
Os jornais deixam de imprimir após a meia-noite.
Um dos que estava no poder era Winston Churchill.
Após 20 anos longe dos Tories,
agora havia retornado ao redil como Ministro da Economia,
ocupado em reprimir a Greve Geral.
Shouthwold não era exatamente um viveiro de socialistas
o que fez Eric mais decidido a expiar os pecados do império.
Num mundo no qual quase todos sabiam qual o seu lugar,
ele estava ansioso em deixar o seu.
A maioria dos que não estão satisfeitos com o que lhes toca querem subir de classe.
Eric, ao contrário, estava ansioso por descer mais ainda.
Havia algo quase franciscano em mergulhar na miséria.
Não era apenas uma renúncia à respeitabilidade da classe média,
foi uma calculada adoção corporal de tudo o que repelia o maníaco Eric:
sujidade e odores indescritivelmente fétidos.
Quando vendeu suas roupas e arranjou vestes de vagabundo,
estava proclamando algo, pelo menos a si próprio,
que sua vida como escritor começaria sondando as profundidades.
Foi como Santa Catarina de Siena, bebendo do vaso de pus
para mostrar que não estava por cima de nada que fosse humano.
Por dois anos, Blair fez um giro pelos locais de pobreza,
exaustivo, incansável e horripilantemente anti-teatral.
No banheiro de um asilo particularmente horrível,
finalmente a degradação o levou às verdades básicas da vida.
Era uma visão repugnante.
Todos os segredos indecentes de nossa roupa interior ficavam expostos.
Sujeira, remendos, pedaços de corda que fazem função de botões
e a multiplicidade de camadas de trapos sobrepostos,
algumas delas meras coleções rejeitadas pela sociedade.
A habitação se converteu num montão de nudez fumegante,
onde o cheiro suado dos vagabundos
competia com o enfermo fedor sub-fecal da própria casa.
Ele não teria de fazer isso, ele não era tão duro.
Porém, em Blair, nada era de segunda-mão,
e o mesmo ocorria com Churchill. Ambos eram homens de ação, não espectadores.
Nas trincheiras ou nos asilos tinham de viver para depois contar.
Em 1933, Eric publicou seu primeiro livro, "Down and Out In Paris and London",
mas o nome na capa não era Blair, mas George Orwell, um pseudônimo.
Não havia nome mais monárquico que o nome do Rei, George,
e Orwell, um rio em Suffolk que o ligava à paisagem inglesa.
Mas a paisagem através da qual George Orwell viajaria
não estava composta por sebes e aves, mas de favelas e fábricas.
(MÚSICA: JERUSALÉM)
Durante os anos da depressão,
Orwell e Churchill estavam em lados opostos das barricadas.
Orwell havia declarado guerra ao Império,
e Churchill estava obcecado em defendê-lo até o fim.
Nosso mito era que o Império Britânico se fundamentava nos campos de Eton.
Mas Orwell tinha estado ali e sabia que não era assim.
Sabia que o Império Britânico se fundamentava nos campos de carvão.
Alemães e americanos podiam intervir com seus produtos químicos e elétricos,
mas nossos alicerces eram o coque e a escória de carvão.
Mas então, nos anos 1930 os cimentos se desmoronaram.
A demanda externa desabou, fechando minas e cidades inteiras.
A isto é o que a história britânica, a grandiosa epopeia do império,
havia ficado finalmente reduzida, do Jarrow ao Venerável Bedê
ao Jarrow das marchas pela fome.
O país nunca tinha estado tão amargamente dividido.
No Sul, construiam-se modelos de povos com minas em miniatura,
fazendas e grupos de agricultores em miniatura escalando uma colina.
Em Gales, Escócia e norte da Inglaterra, essa colina tinha sido um monte de escórias,
e não eram camponeses,
mas homens desesperados buscando resíduos de carvão com as próprias mãos.
Orwell, que amava o campo com paixão quase selvagem e nada sentimental,
dirigiu-se agora até este submundo, a escura sombra nos pulmões da Bretanha.
Quando seu editor lhe pediu que escrevesse um livro sobre a vida no norte industrial,
Orwell aproveitou a oportunidade e foi para Wigan Pier.
Encontrou uma cidade em ruinas pela depressão
envolta numa sujeira com tudo danificado.
Impressões digitais negras no pão que seu caseiro cortava,
camadas e camadas de fuligem nas minas.
E se ficar parado em Wigan era um inferno e trabalhando era um purgatório.
Tínha-se de levantar às 3:45 da manhã,
rastejar meio nu por túneis altos e baixos, às vezes por quilômetros;
segundo Orwell, como ir da Ponte de Londres a Oxford Circus.
Quando não estava nas minas, Orwell estava aqui na Biblioteca Pública.
Aqui está seu nome no livro de visitas: E. A. Blair, Warrington Lane 72, Wigan.
Estava pesquisando sobre a batalha dos mineiros para alcançar sucesso.
Salários, rendas e preços.
"O caminho a Wigan Pier", foi criticado pelos conservadores como pelos outros.
Os conservadores, naturalmente, pensavam que era uma bazófia bolchevique,
mas os intelectuais socialistas o atacaram por ser muito pessimista e desanimador,
exibindo uma imagem da classe trabalhadora maltrapilha pela pobreza
em vez de indestrutíveis herois proletarianos.
Nada disto evitou que "O Caminho para Wigan Pier"
Fosse um êxito em vendagem.
Por quê? Orwell descartou escrever o típico ensaio tendo uma posição política.
Em vez disso, escreveu uma verdadeira obra literaria.
Quando alguém lhe segue por um interior das minas, sufocado pela fuligem
ou a gélida umidade das casas dos trabalhadores,
sabe que está em companhia de Dickens da Depressão,
alguém que pode fazer-nos ouvir, ver e sentir
a realidade física de um mundo árduo em tempos difíceis.
Na verdade, ninguém quer ver, mas não pode se distanciar.
Uma noite, em Barnsley, Orwell foi ouvir como Oswald Mosley
louvava a Itália fascista e a Alemanha de Hitler.
Para seu espanto, o público de trabalhadores, que tinha começado a vaiar,
acabaram aplaudindo.
A luta estava chegando e tanto ao Primeiro - Ministro Tory, Stanley Baldwin,
como a seu chanceler Neville Chamberlain faltou coragem para participar dela.
Qual foi sua mensagem?
Não perturbem nossa paz, ou então, levem seus assuntos a outro lugar
e deixe-nos arrumar nosso jardim.
Este é o Home Service BBC. Olá a todos, crianças.
Essa é uma das vozes mais familiares...
Sua visão da Bretanha era a de um pequeno mundo em si mesmo.
A Europa estava ali cheia de descontentes
fazendo coisas horríveis mutuamente.
Sem dúvida tudo muito lamentável, porém assunto seu não nosso.
Mas o mundo estava ficando muito feio.
O Fascismo se espalhava pela Europa.
Uma enorme nuvem paira sobre o país dos jardins. Era hora de escolher.
Orwell fez sua escolha. Em dezembro de 1936, partiu para a Espanha.
Excentricamente equipado com longo cachecol de lã e máscara de esqui adaptada,
o inglês desengonçado, cabelos lisos, começou a treinar recrutas anti-fascismo.
Afinal, sua formação na policia birmânica ia servir-lhe de alguma coisa.
Mas, depois de quatro meses no front, Orwell, alvo fácil, com quase dois metros,
recebeu uma bala na nuca.
Embora sobrevivesse fisicamente seu idealismo não.
Viu, em primeira mão, como seus camaradas foram brutalmente esmagados,
mas não só por Franco, mas também pelos comunistas.
O calvário da Espanha ensinou-o a odiar o comunismo, em especial a versão Stalin.
Orwell queria uma revolução social britânica de fabricação própria
e estava cansado de ouvir as pessoas desculparem Stalin,
todos esses comissários de bar dispostos a perdoar o que fez,
somente porque não era Hitler,
Portanto, decidiu escrever a história real da revolução bolchevique.
E decidiu revisar profundamente essa velha forma literária: a fábula de animais.
Em minha volta da Espanha, pensava em desmascarar o mito soviético
numa história que quase todos pudessem compreender.
No entanto, os detalhes concretos da história não me ocorreram por um tempo,
até que vi um garoto conduzindo enorme cavalo por um caminho estreito,
chicoteando-o cada vez que tentavao virar.
Ocorreu-me que, se os animais tivessem consciência de sua força,
não teriam nenhum poder sobre eles.
(MÚSICA AMEAÇANTE)
"Rebelião no Campo" levaria ainda seis anos para escrever,
Mas Orwell estava começando a reinventar a arte da literatura política.
Embora atendesse às suas cabras e galinhas em sua fria casa de Hertfordshire,
lutando contra os sinais precoces da tuberculose, começou a purificar a língua
do pomposo discurso de esquerda oficial
e do nauseabundo sentimentalismo da direita romântica.
Enquanto Orwell dava forma à sua mini-fazenda,
Churchill espiava inquieto os terrenos de sua ruinosamente cara mansão de Kent,
meditando igualmente como Orwell sobre a feiura da ditadura.
Seu próprio partido considerava Churchill como uma velha glória do passado,
dedicado a causas perdidas como manter a Índia longe das mãos dos índios.
Por isso, em vez da política, Churchill voltou a escrever.
E, enquanto escrevia - milhares de páginas sobre seu antepassado, Duque de Marlborough,
outros milhares mais sobre "A História dos Povos da Lingua Inglesa"
acompanhado das gerações desaparecidas que enfrentaram invasões antes -
as conviccções de Churchill sobre o que tinha de ser feito, se reforçaram.
Primeiro, inglesinhos, presos em seu mundo de sonhos de cavalos e caça,
teriam de perceber que, queira ou não, a Bretanha compartilharia o destino da Europa.
(VOZ DE CHURCHILL) Alguns dizem,
"ignoremos a Europa Continental, deixemo-los com seu ódio e armas
"que se cozam no próprio guisado, que livrem seus próprios combates."
Havia muito o que dizer em favor deste plano
se houvesse maneira de soltar as ilhas Britânicas de suas fundações rochosas
e rebocá-las 8.000 km através do Oceano Atlântico.
E não conheço nenhuma maneira como isto poderia ser feito.
Churchill guardava seu maior desdém aos pacificadores,
homens como Neville Chamberlain, que acreditava que Hitler e os nazistas
eram homens razoáveis com reinvindicações razoáveis
sobre o modo em que a Alemanha tinha sido tratada após a última guerra,
e que não iriam mais além das demandas razoáveis.
Os pacificadores, pensava Churchill, eram homens que imaginavam
que se podia satisfazer um lobo faminto dando-lhe uma ou duas ovelhas,
na esperança de que o lobo, por sua vez, ficasse satisfeito.
Em 1938, Hitler, que já havia anexado à Áustria,
ameaçava com a guerra se não lhe dessem um pedaço da Checoslováquia.
Neville Chamberlain, o novo Primeiro-Ministro, correu a Munique para dar-se em bandeja.
Tenho outra conversa com o Chanceler alemão, Herr Hitler,
e aqui está o papel que leva seu nome junto com o meu.
(VÍTORES)
Para Churchill, isto não foi apenas um ato de covardia,
mas uma mancha profunda na história, a mais vergonhosa demonstração
da teoria de Hitler quanto à falta de firmeza, por definição, das democracias.
(CHURCHILL) Tudo está terminado.
Silenciosa, angustiada, abandonada,
A Checoslováquia desaparece na escuridão.
Acabamos de presenciar um momento crucial de nossa história,
no qual todo o equilibrio da Europa foi alterado,
em que as terríveis palavras, agora pronunciadas
contra as democracias ocidentais,
"pesaram na balança."
Quando, apesar das promessas de Munique,
Hitler ocupou Praga,
Chamberlain percebeu que o haviam tomado pelos cabelos e com ele o país.
Em 1º de setembro de 1939, Hitler invadiu a Polônia.
A Grã-Bretanha e a França enviaram um ultimato à Alemanha.
(CHAMBERLAIN) Esta manhã, O Embaixador britânico em Berlim
entregou uma nota final ao Governo alemão,
afirmando que, a menos que tivessemos notícias antes das 11,
que estivessem dispostos a retirar imediatamente suas tropas da Polônia,
nossos países estariam em guerra.
Devo informar-lhes que não temos recebido tais garantias,
e, conseqüentemente, este país está em guerra com a Alemanha.
A voz aflita de Neville Chamberlain
anunciou a guerra como se lamentasse a morte de uma tia solteira.
A evacuação de crianças começou.
Nada disso significava que Chamberlain fora por ceder às rédeas de Churchill.
Ainda que todas as obscuras profecias pareciam tornar-se realidade,
a grande maioria de seu partido ainda desconfiava de Churchill.
Mas a mudança na opinião pública era tão grande,
que parecia prudente inclui-lo no governo.
Ao declarar a guerra, foi nomeado novamente Primeiro Lord do Almirantado.
Mas como numa reposição de Gallipoli, sua primeira campanha acabou em desastre,
quando sua tentativa de reduzir à Alemanha fornecimentos de ferro através da Noruega,
foi um terrível fracasso.
Mas de algum modo Churchill se livrou da culpa pelo fiasco da Noruega.
Seja qual fora o problema, sua energia e resolução pareciam
que ao menos ele fazia o que podia.
Ao lado de Neville Chamberlain, abatido, e presidindo um governo de velhotes,
Churchill, ainda que era também um velhote,
parecia um vulcão em erupção gerando uma torrente de planos e estratégias.
Entretanto, a confiança em Chamberlain, estava em mínimos históricos,
e em 10 de maio de 1940 foi forçado a demitir-se.
As semanas que se seguiram foram as mais importantes na longa história da Bretanha.
Havia duas questões essenciais em jogo:
Quem sucederia Chamberlain como Primeiro-Ministro,
e como se ocuparia com a máquina de guerra nazista?
Não só a sobrevivência de nossa independência nacional,
mas da democracia ocidental, dependiam da resposta.
Duas classes de homens, duas classes de Inglaterra,
estavam na corrida para liderar o país.
O homem que todo mundo esperava fosse o sucessor, Lord Halifax,
forte, frio, razoável e um bom tipo.
E do outro lado estava Winston, que não era nada disso.
Mas na melhor decisão de sua vida, Halifax recusou o trabalho.
Basicamente sabia que não poderia ser um lider de guerra.
Winston já havia visto a cara da batalha, Halifax apenas caças às raposas.
Na sexta-feira, 10 de maio, Churchill foi ao palácio
e emergiu como Primeiro-Ministro.
No mesmo dia chegaram notícias de que a Bélgica e a Holanda haviam sido invadidas.
Então, obviamente, todos sabemos que o "momento" estava esperando-o.
Mas ninguém sabia disso, então, não nos cruéis dias de maio de 1940,
quando a Bretanha esteve mais perto do que nunca em sua história, a ser esmagada.
Bélgica e Holanda haviam caído, e a França logo seguiria o mesmo caminho.
250.000 soldados britânicos foram capturados no norte da França
com pouca esperança de serem salvos.
Nem os Estados Unidos nem a União Soviética iam sair em nosso resgate
e quase ninguém que realmente importasse
acreditava que poderia sair deste pesadelo militar sozinho.
Afrontando a catástrofe, Churchill foi à Câmara dos Comuns
e fez um breve discurso, impactante pela sua clareza, e desafiante em seu otimismo.
Direi a esta Câmara o mesmo que disse aos membros do Governo,
Não tenho nada a oferecer a não ser sangue, trabalho, suor e lágrimas.
Temos ante nós um calvário dos mais dolorosos.
Temos ante nós muitos, muitos e longos meses de luta e sofrimento.
Perguntam-me qual é a nossa política.
Digo-lhes que é batalhar pelo mar, terra e ar com todo o nosso poder,
com toda a força que Deus nos poderá dar.
Batalhar contra uma monstruosa tirania
nunca superada no obscuro e lamentável catálogo de crimes humanos.
Essa é a nossa política.
Perguntam-me qual é a nossa meta.
Posso responder com uma palavra: vitória.
Vitória a qualquer custo.
Vitoria apesar de todo o terror.
Vitoria, por muito longo e duro que seja o caminho.
Já que sem vitória não há sobrevivência.
Gostaríamos de pensar nisto como num momento de transformação.
A entrada do grande príncipe, vestindo sua enferrujada armadura, unindo-se a um país inseguro.
Mas a verdade era muito diferente.
Os militares assumiam que Churchill em breve teria de comer suas palavras.
Os funcionários, que sempre odiaram sua grandiloquência,
viravam os olhos uns aos outros na mais teatral performance.
E os políticos, homens como Halifax,
acreditavam que Churchill teria de mudar palavras sentimentais pela dura realidade.
Era a hora, pensava Halifax, de fazer um pacto com a Alemanha.
Mas Churchill não quiz saber disso.
Nas últimas duas semanas de maio em que não se deixou ser visto em público,
livrou a campanha mais desesperada e importante de toda sua vida
para evitar que a Bretanha se ajoelhasse ante Hitler.
A batalha pela Bretanha começou então, não nos céus contra a Luftwaffe,
mas às portas fechadas da Sala do Gabinete de Guerra.
O combate não livrou Halifax e Churchill,
dois homens com ideias muito diferentes de como salvar o país.
Em suas memórias, escreveu Halifax,
que foi dando um passeio em sua idílica fazenda em Yorkshire
quando finalmente compreendeu o verdadeiro horror de uma invasão alemã.
O simples pensamento, disse, de uma bota militar abrindo caminho nesta paisagem,
este real fragmento da Inglaterra imortal, era um insulto e uma indignidade.
Churchill estava de acordo.
Mas Churchill não lutava pelo Vale de York
nem por um sonho irreal da Inglaterra rural.
Lutou pela Grã-Bretanha entendida como uma só peça geográfica,
pelo que ele acreditava que ser britânico,
e esse significado era uma ideia,
a preciosa ideia de que havíamos de dar ao mundo liberdade e governo de lei.
Sem ela, suportar uma existência com a permissão do Führer,
tudo o que teríamos seria uma zombaria de Bretanha e indigna do seu nome,
nem de nossa longa história.
Muito melhor morrer lutando do que viver com a vergonha de ser um estado escravo.
Quando Churchill disse tudo isto no Gabinete em 28 de maio,
não foi recebido com educadas anuências mas com murros sobre a mesa.
Não ia ser um "Vichy" britânico,
e nesse momento, ele sabia que o povo britânico o apoiava.
Em suas memórias, Churchill nunca assumiu realmente
àcerca do desastre em que este episódio estava,
contudo, foi sua recusa em aceitar a conquista da Europa pelos nazistas
o que marcou a diferença entre a rendição e a sobrevivência.
Todas as qualidades que o faziam geralmente tão insuportável -
sua teimosia, seu baixo ponto de ebulição, sua fé romântica na história britânica -
eram agora, nos obscuros dias de maio, exatamente o que o país precisava.
Nos dias que se seguiram, Churchill pensou que, contra todas as previsões,
250.000 soldados britânicos tinham sido evacuados de Dunquerque
em mil pequenos barcos,
o núcleo do exército que retornaria quase exatamente quatro anos depois.
Seu discurso, retransmitido ao país poucos dias depois, em junho de 1940,
que, segundo um parlamentar, "Valeu mais do que mil fuzis
"e que os discursos de mil anos."
(CHURCHILL) Iremos até o fim.
Lutaremos na França, nos mares e nos oceanos,
e lutaremos com crescente confiança e crescente resistência no ar.
Defenderemos nossa ilha a qualquer custo.
Lutaremos nas praias, lutaremos nas pistas de aterrissagem,
lutaremos nos campos e nas ruas.
Lutaremos nas montanhas.
Nunca nos renderemos.
Este tipo de resistência infatigável foi pelo que George Orwell,
apesar de toda sua desconfiança do conservadorismo de Churchill,
se sentiu tão aliviado de que finalmente a Bretanha tinha um líder
que, como ele escreveu, "As guerras são ganhas em combate."
Embora o socialista e o antigo aristocrata fossem totalmente diferentes,
ainda que alguém amasse o império e outro detestasse,
ambos entenderam que essas diferenças não significavam nada
comparado com o que os separavam a ambos do nazismo e dos derrotistas.
A tuberculose de Orwell não estava ainda diagnosticada nesse momento,
mas seus ataques de tosse foram suficientes para que seu recrutamento fosse rejeitado.
Em vez disso, irradiava propaganda para a BBC
e servia como sargento da Guarda Local.
Durante a Blitz, ali estavam ambos,
no meio da ação, atraídos como crianças pequenas pelo perigo.
Alguém disse que Orwell se sentia em casa entre as bombas, a coragem e o perigo.
Churchill supunha que se devia dormir num local seguro, como o Gabinete de Guerra,
mas para o horror de seu intimo, dormia em Downing Street.
Às vezes, subia ao telhado para ver os "fogos artificiais".
Churchill e Orwell teriam em mente uma visão da história britânica pelo que lutavam,
mas eram visões muito diferentes.
A de Churchill era mais como uma obra histórica de Shakespeare,
com seu lider de guerra divagando à noite pelo acampamento,
embriagando-se do afeto do cidadão comum.
George Orwell olhava em volta os milhões de heróis comuns,
vigilantes aos ataques aéreos, o Serviço de Mulheres Voluntárias,
e via os verdadeiros herdeiros de Cromwell, os niveladores e os Cartistas.
Os trabalhadores da Bretanha não estavam enfrentando a Luftwaffe
para fazer uma nação livre a pessoas como Halifax e demais proprietários,
mas para criar uma nação que finalmente ajudaria os mineiros de Wigan
e a milhões como eles a ter uma vida decente.
O problema era como poder vencer essa guerra,
não pelo exército popular da velha Inglaterra,
mas pelo exército popular dos Estados Unidos e da União Soviética.
No fundo de suas entranhas,
Churchill não se alegrava mais que Orwell,
mas se ser sócio menor da América era o preço para a vitória, que assim seja.
Em qualquer caso, Churchill era menos anti-americano que Orwell.
Gostava da atitude franca da América tanto quanto Orwell desgostava.
Para Churchill, a democracia era algo expansivo e transatlântico.
Para Orwell, a democracia ao estilo americano era só uma forma de capitalismo carnívoro.
Para a Bretanha, quando a guerra terminou, uma coisa ficou clara,
se a guerra significasse morrer juntos, a paz significaria viver juntos,
não na periferia, mas num país onde todos teriam uma oportunidade.
Os jornais levam a assombrosa notícia a um público atordoado.
Sejamos claros, quem imaginaria semelhante desfecho?
Os trabalhadores varrem as eleições.
Nas eleições gerais, Churchill recebeu o agradecimento da nação
em forma de tremenda derrota.
Os trabalhadores chegaram ao poder com a obrigação imperativa de fazer reformas.
A imprensa socialista saudou o triunfo como a chegada de uma Nova Jerusalém.
Mas, em vez de unir-se aos coros de Aleluia, Orwell, como Churchill, estava muito preocupado
por uma nova ordem mundial em que seriamos escravos de outra maneira.
(CHURCHILL) Desde Szczecin no Báltico a Trieste, no Adriático,
uma Cortina de Ferro desceu em toda a largura do continente.
Atrás dessa linha estão todas as capitais...
(RADIO) ...Feroé, Fair Isle, Bailey, Hébridas, Cromarty,
Fortier, Forth, Tyne, Dogger.
Ventos moderados, variáveis, principalmente do oeste, rolando gradualmente...
Para despejar sua cabeça no murmúrio de Londres do pós-guerra,
Orwell foi o mais longe que pôde sem deixar a Bretanha,
à beira do reino, na ilha Hébrida de Jura.
Sem eletricidade, sem telefone, correio duas vezes por semana... talvez.
E foi aqui, na mais remota cabana que pode encontrar,
escrevendo na cama com a máquina sobre os joelhos,
sabendo que não iria viver muito,
que Orwell se concentrou sobre o que mais importava a ele e à Bretanha:
o futuro da liberdade na era das superpotências.
Enquanto Churchill proferia suas sombrias advertências,
Orwell criava um Winston ordinário: Winston Smith.
Era o ano de 1948.
...O único amor é pelo Grande Irmão.
A única risada é apenas pelo triunfo sobre um inimigo derrotado.
Nada de arte, nem ciência, nem literatura, nem diversão.
Mas apenas e sempre, Winston, existirá a excitação pelo poder.
Para ter uma visão do futuro,
imagine uma bota pisoteando um rosto humano... para sempre.
Quando pensamos em "1984", a maioria pensamos na tirania da monotonia
e na obediência em *** governada por um Grande Irmão,
um mundo de cabeça para baixo onde guerra é paz e as mentiras, verdades.
Mas a última obra de Orwell atingiu maior poder e lirismo
quando descreveu a resistência de Winston à ditadura,
uma guerra de guerrilhas travada não com armas e barricadas,
mas tomando as liberdades literalmente, reclamando prazeres humanos ordinários:
um passeio pelo campo, um ato de amor ou o som de uma velha canção infantil.
Winston Smith fazia todas estas coisas proibidas,
impulsionado por tênue recordação de um tempo em que tudo isto era normal.
O último refúgio da liberdade contra o Grande Irmão é a memória.
O maior horror de "1984" é a tentativa do ditador de apagar a história.
Churchill e Orwell partilhavam esta devoção romântica pelo passado,
e do convencimento de que era o protetor da liberdade
em uma era ditada por burocratas e comitês.
Isto era o que convertia o aristocrata e o socialista,
se pensarmos bem, um parceiro impossível nos mais improváveis aliados.
George Orwell morreu em 1950. Tinha 46 anos.
A última coisa que publicou foi sobre Winston Churchill,
uma crítica a suas memórias, "Seu Melhor Momento".
Embora seria de esperar que repeliria os contos heróicos de guerra de Churchill,
outorga ao livro o mais completo em que se possa pensar,
que se lia como a obra de um ser humano, não uma figura pública.
E foi o veredicto compartilhado pela multidão nas ruas de Londres
quando, finalmente, Churchill morreu em 1965.
Quando importou, nem Churchill nem Orwell seguiram as instruções do partido.
O mais importante era a crença compartilhada
de que se a Bretanha ia ter um futuro diferenciado na era dos super-estados,
devia manter a fé nas melhores tradições de sua longa história,
a história que unia a justiça social com a liberdade a qualquer custo.
Mas a história nunca deveria ser confundida com a nostalgia.
Escreve-se, não para reverenciar aos mortos, mas para inspirar a vida.
E a cultura que flui em nossas veias, o segredo de quem somos,
e nos diz que deixemos o passado enquanto o honramos,
lamentando o que se deva lamentar, celebrando o que deva ser celebrado.
E finalmente essa história acaba emergindo como uma patriota,
não creio que Churchill e Orwell tivessem se importado demasiadamente,
e para ser sincero, tampouco me importo...
Tradução: caconti