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De vez em quando, surge uma ideia que muda tudo.
Que revoluciona o modo de ver e entender o mundo ao nosso redor.
Creio que uma ideia desse tipo
surgiu no mundo medieval islâmico.
A ideia de que tudo,
das estrelas do céu ao funcionamento do nosso corpo,
não é arbitrário ou caprichoso,
mas sujeito a certas regras sistemáticas.
E mais, que podemos descobrir quais são essas regras
e então, aperfeiçoar e testar nossas teorias
por meio de observação e experiências.
Em outros termos,
a ideia que hoje chamamos método científico.
MUSKETEERS Albattroz Capejuna Kakko
A CIÊNCIA E O ISLÃ
O IMPÉRIO DA RAZÃO
Para mim, a história do renascimento científico
ocorrido no mundo medieval islâmico é pessoal.
Esta é a casa do meu primo Samir na capital iraniana, Teerã.
Não vejo alguns dos meus parentes paternos há mais de 30 anos.
Esta é minha não tão alta, mas bela tia, Anis.
A família Al-Khalili é originalmente
da cidade iraquiana de Najaf, ao sul de Bagdá.
Cresci no Iraque.
Mas quando Saddam Hussein chegou ao poder, a família dividiu-se.
Muitos dos Al-Khalilis fugiram para o Irã.
Como minha mãe é inglesa, fui para Grã-Bretanha com meus pais.
Lá, insisti na minha paixão pela ciência
e hoje sou professor de Física na Universidade de Surrey.
Mas descobri que meu trabalho científico
e a minha herança árabe-islâmica estão interligados.
Na minha viagem pelo Oriente Médio,
descobri que um impressionante avanço no conhecimento científico
ocorreu aqui, há mil anos,
sob o poderoso e próspero Império Islâmico.
Culturas ricas, poderosas, bem-sucedidas
produzirão enormes avanços
no conhecimento e na técnica,
e é isso que encontramos no Islã, em Bagdá,
sob a égide de uma série de regimes islâmicos
bem-sucedidos, poderosos, ricos e autoconfiantes.
Há mais de mil anos,
o Império Islâmico era o maior do mundo.
Ele governava cerca de 60 milhões de pessoas,
mais de 30% da população mundial.
Achei um fragmento arqueológico desse passado glorioso
no subúrbio de Teerã, perto da casa do meu primo.
Esses muros antigos
escondidos atrás de uma rua na periferia ao sul de Teerã
são, literalmente, tudo que resta da antiga cidade de Ray.
A cidade que o grande geógrafo persa Al-Muqaddasi
descreveu como uma das glórias do Islã.
Claro, Ray era apenas uma de várias cidades
que prosperaram sob o domínio islâmico.
Partindo de Bagdá, sua capital,
o império espalhou-se por milhares de quilômetros,
do norte da África à Ásia Central.
Cidades como Al-Askar, Basra, Merv, Gurganj, Bukhara,
eram poderosas e prósperas.
Eram ricas em comércio, e com cultura intensa.
Todas tinham suas próprias bibliotecas e academias.
Eram as potências da nova ciência.
Era uma Era de Ouro.
Imaginem essa extensão de terra.
Maior que qualquer império conhecido pela civilização humana.
Dentro desse espaço, dá para inserir o Império Romano
que irá preencher cerca de um terço ou metade dele.
Lembranças desse grande Império Islâmico
estão por toda parte do mundo árabe atual.
Esta partida de futebol na capital síria, Damasco,
está sendo jogada no Estádio Abássida.
É o nome da família que comandou o Império Islâmico
de 750 a 1258 d.C.
Os abássidas vieram após a dinastia Umayyad
e criaram uma civilização avançada.
Esse grande território permitiu-lhes aumentar as receitas tributárias
para financiar a pesquisa por conhecimento e cultura
que ficou conhecida como Movimento de Tradução.
Mandaram estudiosos por todo mundo conhecido
para reunir grandes livros e traduzi-los para o árabe.
É um legado ainda vivo na mente da maioria dos árabes modernos.
Estavam interessados em cultura e conhecimento,
sobretudo astronomia.
Traduziram vários livros gregos
e eram interessados em todas as ciências.
Como medicina e engenharia.
Para os líderes medievais islâmicos,
o conhecimento científico era crucial
para administrar com êxito um vasto império.
Tinham uma administração governamental grande e sofisticada,
e isso exigia conhecimento.
Se quiser ser um administrador e avaliar impostos,
precisa dominar a matemática.
E se quiser construir edifícios monumentais,
requer conhecimento de arquitetura e habilidades matemáticas
para construir belos edifícios com segurança.
A medicina para manter a elite feliz e saudável.
Essas foram as primeiras áreas de conhecimento
a serem traduzidas de outras línguas para o árabe.
O legado do império medieval islâmico
está espalhado por uma vasta região.
Há obras-primas arquitetônicas,
como a mesquita Umayyad em Damasco,
a mesquita Jame em Isfahan
e a universidade e mesquita Al-Azha no Cairo.
E há muitas ruínas que ainda indicam as glórias do passado.
Como estas, os restos de um palácio do século VIII no deserto sírio.
E estas, um imenso palácio muçulmano chamado Madinat Al-Zahra,
sendo escavado atualmente no sul da Espanha.
Estas são as impressionantes ruínas de Madinat Al-Zahra,
a fantástica cidade palácio
erguida nos arredores de Córdoba no século IX
por Abd al-Rahman III,
que foi o maior de todos os califas andaluzes.
À época da destruição dela,
Córdoba era a maior e mais importante cidade da Europa,
adversária de Bagdá, no leste,
como centro para o conhecimento e ciência islâmicos.
Conforme viajava, entendia como a ciência,
sobretudo o registro numérico e de medição,
foi crucial para lidar com os desafios de gerir um vasto império.
Este é o poderoso Rio Nilo
que corta a capital egípcia, Cairo.
Desde a antiguidade, suas cheias imprevisíveis
determinam o destino do povo egípcio,
proporcionando anos de escassez ou fartura.
No século VIII, Cairo fazia parte do Império Islâmico,
e os novos governantes deram o primeiro passo
para entender este poderoso rio de forma científica.
Construíram um dispositivo para medi-lo.
É uma estrutura incrível!
O Dr. Nader El-Bizri, do Instituto de Estudos Islâmicos,
está me mostrando o nilômetro.
Basicamente é uma imensa colunata
construída numa câmara ligada por túneis ao rio.
Conforme a água subia ou descia,
sua altura era medida pela coluna central.
A colunata central é, em última análise,
um instrumento de medição. É muito preciso.
Tem quase 2,5cm entre uma marcação e outra.
Provavelmente, precisavam saber as variações sazonais na altura.
E manter algum tipo de registro,
a fim de que pudessem comparar com certos anos,
ano com alto nível de cheia
contra outro em que ocorreu seca.
Assim, poderiam tomar algumas precauções.
Os dados coletados no nilômetro tinham uso prático.
Criar um registro objetivo do comportamento do rio
permitiu aos governantes da época
calcular quanto imposto cobrar dos agricultores do Egito.
Mas seja qual for a sua utilização, o que adoro no nilômetro
é como ele mostra que, para entender o mundo,
temos que criar dispositivos para mensurá-lo.
Se pensarmos bem,
não era óbvio que a medição
podia explicar o mundo ao nosso redor.
O mundo parecia, como expressou um filósofo ocidental,
uma profusão de confusão ensurdecedora,
e a ideia que nós, como grupo,
tínhamos instrumentos confiáveis,
com integridade suficiente
e abordagem intelectual,
que podiam explicar os fenômenos básicos
que vemos ao nosso redor, era surpreendente.
E um governante islâmico
fez da medição uma obsessão pessoal,
dando-lhe uma dimensão e ambição sem precedentes.
Chamava-se Al-Ma'mun,
que se tornou califa ou governante do Império Islâmico em 813 d.C.
Al-Ma'mun vivia numa cultura sem retrato.
Tudo que temos são impressões posteriores de como ele seria.
Al-Ma'mun financiou uma série de pesquisas científicas,
mas um projeto em especial era o seu predileto.
Considerando que ele governava um território tão vasto,
não é de surpreender que tenha sido...
a cartografia.
Na segunda década do século IX d.C.,
Al-Ma'mun encomendou um novo mapa mundial,
e seus cientistas fizeram um trabalho impressionante.
Foi uma grande melhoria em relação aos mapas precedentes.
Vemos aqui que eles conheciam o Mediterrâneo,
sua forma e como ele se liga com o Mar ***,
o Oriente Médio, inclusive toda a Ásia, até a China e o ***ão.
Conheciam o oceano Índico e a costa leste da África.
Tudo muito impressionante para o mundo conhecido à época.
Claro, o que Al-Ma'mun finalmente queria saber
era o quanto da Terra ele realmente possuía.
E isso suscitou a questão, qual é o tamanho da Terra?
É um sinal de ambição surpreendente
que grupos de estudiosos e artesãos em conjunto
podem, por assim dizer, capturar o mundo.
De onde vêm essa ambição e confiança?
Parte disso vem da fé religiosa.
Pois o mundo foi feito
por alguém parecido conosco,
porém mais inteligente.
Se fôssemos espertos o suficiente, como achávamos que éramos,
poderíamos explicar um pouco do que ele fez.
E isso está muito claro como motivação
em boa parte das ciências islâmica e cristã.
E, mais especificamente,
a prática do Islamismo exigia que seus seguidores
tivessem uma clara ideia do tamanho e forma do mundo.
Isto é informação crucial para um muçulmano,
pois, onde quer que esteja no mundo,
precisa saber a direção de Meca para sua oração.
Isso é conhecido como Al-Qibla.
Em um território tão grande,
descobrir a direção de Meca não é um problema trivial.
Esse problema foi maravilhosamente ilustrado
quando uma mesquita foi construída recentemente em Washington.
Alguns fiéis ficaram confusos,
pois a direção que lhes foi dita para encarar ao rezar
era ligeiramente ao norte e não a sudeste, como esperavam.
Afinal, Meca fica a sudeste de Washington
e, num mapa plano, ela parecia ficar nessa direção.
Mas numa esfera curva,
a menor distância entre dois pontos quaisquer
segue o chamado grande círculo.
Por exemplo,
este grande círculo entre Washington e Meca
é bem diferente daquilo que poderíamos esperar,
assim a direção de Meca a partir de Washington
aponta ligeiramente para nordeste ao invés de sudeste.
Claro que isto é complicado,
mas o ponto chave para os estudiosos islâmicos
era que saber a direção para Meca
exigia conhecimento acerca da inclinação das curvaturas da Terra,
e isso implicava saber o seu tamanho.
Assim, Al-Ma'mun designou seus melhores cientistas para medi-la.
Prazer em conhecê-lo.
Para entender como fizeram isso,
vim me encontrar com o professor Sami Chaloubi,
da Universidade de Alepo da Síria,
que é especialista em ciência islâmica antiga.
O professor Chaloubi começou me explicando a técnica de medição,
que os cientistas de Al-Ma'mun usaram
e que tinham herdado dos gregos.
Agora estamos falando sobre
a antiga técnica de Eratóstenes de medir a circunferência.
Ela foi repetida pelos astrônomos abássidas.
Medir a distância entre dois pontos
e depois olhar o ângulo de inclinação do sol.
No Egito, em Assuã, no sul,
eles consideravam o sol como estando na vertical.
Perto da linha do Equador.
Eles calculavam o quão distante da vertical estava o sol
se eles medissem a partir do norte do Egito,
em Alexandria, que fica na costa do Mediterrâneo.
Os astrônomos de Al-Ma'mun
repetiram as experiências gregas na Síria e Iraque,
medindo o ângulo do sol no céu ao meio-dia em um local conhecido.
Depois, andavam para o norte, até um segundo local,
medindo cuidadosamente a distância percorrida.
No segundo local,
mediam mais uma vez o ângulo do sol ao meio-dia.
Esse ângulo deveria ser ligeiramente menor que o primeiro.
Como esses números, os astrônomos de Al-Ma'mun
foram capazes de estimar a circunferência da Terra.
Chegaram ao valor de 38.616 km,
a menos de 4% do valor correto.
Nada mal, vocês devem pensar.
Mas esse método era falho e, portanto, não confiável.
Seu grande problema era que medir a distância
entre dois locais era incrivelmente difícil.
Só podia ser feito pelo duvidoso método de contar passos
enquanto atravessava o deserto escaldante.
Um método mais confiável e sofisticado
para estimar o tamanho da Terra era necessário,
e ele surgiu dois séculos após a morte de Al-Ma'mun.
Foi possível graças a um salto da imaginação
e o fato de que, em 900 d.C.,
boa parte do conhecimento matemático mundial
tinha sido traduzido para o árabe,
assim os estudiosos podiam examinar e melhorá-lo.
Dessa obsessão pelo aprendizado acadêmico
surgiu um verdadeiro visionário matemático,
Abu Rayhan Muhammad Ibn Ahmad Al-Biruni.
E como todos os estudiosos da época,
Al-Biruni era obcecado pela ciência e pela matemática
dos gregos, babilônios e indianos antigos.
E devido ao êxito do Movimento de Tradução,
ele tinha sobre sua escrivaninha
a grande obra sobre geometria de Euclides,
o "Almagesto" de Ptolomeu, o texto indiano do Sindhind
e a famosa obra de álgebra de Al-Khwarizmi.
O professor Chaloubi trouxe o livro
no qual Al-Biruni descreve como combinou álgebra e geometria
com algumas medidas muito simples e práticas
para resolver o problema épico de como calcular o tamanho da Terra.
- O texto de Biruni. - Este é o...
"O Cânon Masoodi".
O Cânon de Biruni, ao qual eu vinha tentando ter acesso,
onde ele descreve essa fantástica experiência.
- Você achou a página. - Achei.
Ao ler a descrição de Al-Biruni de como estimar o tamanho do mundo,
quis testá-lo eu mesmo.
Primeiro, ele teve que achar uma montanha bem alta
do topo da qual ele pudesse ver um horizonte plano,
neste caso, o mar.
O que adoro nesta história é que,
com algumas medidas simples ao redor deste pico de montanha,
podemos calcular o tamanho do mundo inteiro.
O primeiro passo de Al-Biruni foi calcular a altura da montanha.
Ele fez isso indo a dois pontos ao nível do mar,
separados por uma distância conhecida,
depois mediu os ângulos desses dois pontos ao topo da montanha.
Para medir o ângulo ao topo da montanha,
Biruni usou um aparelho como este, chamado astrolábio.
Basicamente é um transferidor gigante.
Ele tem os ângulos em graus marcados ao redor da borda
e um ponteiro para ajudá-lo a determinar a sua linha de visão.
Se tentarmos determinar o ângulo ao topo,
ele tinha de ficar suspenso.
E então... Se suspendê-lo...
Quero esclarecer, se ainda não perceberam,
que Al-Biruni fez as medições com maior precisão do que eu.
Ele as fez repetidamente para obter resultados confiáveis.
Certo. Deve ser isso.
São 24,5 graus.
Agora que determinamos um ângulo,
temos ir até o nosso segundo ponto na praia.
A distância do primeiro ao segundo ponto
deve ser medida com precisão. Neste caso, 100 metros.
Os dois pontos devem estar em linha reta com a montanha.
Medi o segundo ângulo com cerca de 26,5 graus.
Agora tenho informação suficiente para calcular a altura da montanha.
Usando trigonometria e álgebra,
Al-Biruni usou uma fórmula que relaciona a altura da montanha
ao que é conhecido como tangentes dos ângulos que ele mediu.
Usando minhas medições,
obtenho para esta montanha o resultado de cerca de 530 metros.
Agora só preciso de mais uma medida para obter o tamanho da Terra,
e para conseguir isso, tenho que subir ao topo da montanha.
A seguir, Biruni mediu o ângulo de linha de visão ao horizonte
conforme ele se inclina rumo à horizontal.
Vamos tentar reproduzir isso,
se puder erguê-lo para que fique suspenso...
...e se eu localizar o horizonte...
Pronto.
..cerca de meio grau,
valor aproximado ao de Biruni.
Agora vem a parte engenhosa.
Biruni tinha quatro medidas.
3 ângulos e uma distância.
Ele usou 2 ângulos e a distância para calcular a altura da montanha.
Al-Biruni tinha agora tudo o que precisava.
Basicamente, Al-Biruni imaginou um imenso triângulo retângulo,
que tinha como seus 3 lados
o topo da montanha, o horizonte e o centro da Terra.
A trigonometria dizia-lhe que o ângulo que ele mediu
e a altura da montanha estão relacionados ao raio da Terra,
e a álgebra permitia a ele calculá-lo.
Com esta fórmula,
Biruni foi capaz de chegar a um valor para a circunferência da Terra
menos de 320 km do valor exato que conhecemos hoje,
cerca de 40.225 km.
Precisão inferior a 1%.
Um feito notável para alguém de mil anos atrás.
Para mim, a experiência de Biruni é um exemplo pioneiro dramático
de um cientista usando raciocínio matemático
para ampliar o alcance da humanidade.
Ele sustentou a ideia de que regras geométricas abstratas
que regem formas idealizadas como círculos e triângulos perfeitos
podem nos ajudar a compreender o mundo real.
Einstein usou exatamente a mesma abordagem,
certo que com matemática bem mais avançada,
quando desenvolveu sua Teoria Geral da Relatividade
quase mil anos após Biruni.
Mas tanto Einstein como Biruni
estavam unidos por uma única ideia comum.
Com a matemática, a humanidade pode compreender o universo.
Nesta história do nascimento do método científico,
a habilidade dos estudiosos islâmicos
em dominar a matemática sofisticada
é o primeiro ingrediente crucial.
O segundo ingrediente é o uso da experiência na ciência.
Sem a experiência, a teoria permanece inexpressiva e estéril.
É a experiência que permite que a teoria
seja concretizada no mundo real.
Ela lhe dá sentido físico.
Enquanto a matemática sofisticada
veio da obsessão do império pelo aprendizado mundial
através do Movimento de Tradução,
a experiência prática veio das necessidades diárias
de uma civilização poderosa e em expansão.
O comércio era a força motriz
da expansão do império medieval islâmico.
Ele cresceu a partir de 700 d.C.,
criando uma demanda enorme por metalúrgicos,
sopradores de vidro,
azulejistas, artesãos de todos os tipos.
Quando isso se chocou com a tradição acadêmica,
representada pelo Movimento de Tradução,
teve grandes consequências para a ciência.
As ciências dependem totalmente,
a astronomia é um ótimo exemplo, a química outro,
das intensas relações entre as tradições artesanais
de fabricação de instrumentos,
do trabalho com metal e fogo,
com remédios, drogas, plantas,
e o conhecimento acadêmico,
literatura altamente sofisticada e análise matemática.
E o mundo islâmico foi o local ideal.
Por volta de 800 d.C.,
as grandes cidades do Império Islâmico
dominavam o comércio mundial.
Para os seus mercados vinham sedas,
especiarias, remédios, frutas, perfumes e ouro
de locais tão distantes como Índia e China, no leste,
e a Espanha, no oeste.
Havia tudo que pudesse ser comercializado.
Uma relíquia maravilhosa dessa explosão do comércio medieval
são os grandes caravançarás,
como este na capital síria, Damasco.
Este enorme edifício abobadado foi criado como local de descanso
para os comerciantes e seus animais que visitavam a cidade.
No térreo havia espaços amplos para animais e mercadorias
e, acima, havia quartos para os ricos comerciantes
refrescarem-se antes de outro dia de negociação.
Um dos viajantes do século X fala das
"riquezas e belezas dos bazares",
de que a renda das províncias e localidades
era entre 700 e 800 milhões de dinares.
Mercados como este na capital egípcia, Cairo,
ainda capturam a intensidade do comércio medieval.
E ainda sobreviver no mundo moderno da internet e do celular
é um fantástico exemplo de como comerciantes há mil anos,
comunicavam-se num vasto império.
Este é um pombo-correio. A base dele é aqui, assim,
aonde quer que o levemos no Egito, ele retornaria para este homem.
Há uma história famosa de que um rico mercador do Cairo
chamado Al-Nawr, queria cultivar cerejeiras.
Ele enviou uma mensagem por pombo-correio
para Damasco, solicitando sementes.
O contato mandou de volta 500 pássaros,
cada um carregando um pequeno saco com sementes.
Todo o processo levou apenas 3 dias.
Uma espécie de Sedex medieval.
Em 700 d.C., o Império Islâmico
dava os primeiros passos rumo à produção em ***.
E nesse mundo onde o conhecimento de materiais, metais
e como eles funcionavam tornava-se cada vez mais importante,
uma prática prosperou.
Uma prática que estava indissoluvelmente ligada à magia,
especificamente o sonho de transformar metais básicos em ouro.
A prática misteriosa da alquimia.
A antiga arte da alquimia era um sistema místico de crença
baseado em encantos, símbolos e magia.
Mas creio que foi preciso os estudiosos islâmicos
para transformar essa pseudo religião em algo mais científico.
Química.
Cada vez mais, o conhecimento dos alquimistas
descobria mais aplicações práticas.
Por exemplo, quando durante a última década do século VII,
o governante do Império Islâmico, Abd al-Malik,
tomou a ousada decisão de criar uma moeda comum
para todos os seus domínios, ele recorreu aos alquimistas.
A proporção de ouro com outras ligas metálicas
que tem de pôr no dinar para torná-lo utilizável,
do contrário o ouro puro ficará muito mole e não poderá usá-lo,
teve a proporção determinada, acredite ou não,
nesse período, pelos alquimistas.
Eram os alquimistas que sabiam como combinar metais
e a como obter a proporção
de ouro com prata, de ouro com bronze e etc.
Procurei provas tangíveis
da habilidade dos alquimistas medievais islâmicos
no antigo mercado da capital síria, Damasco.
Este é um dinar islâmico.
A data é de 128 anos após a Hégira.
Da metade do século VIII?
Em torno da década de 740.
Esta moeda de 1.300 anos,
feita de uma liga de diferentes metais,
não é apenas durável.
É também maleável o suficiente
para ser inscrita com a intricada escrita árabe.
"Não há deus além de Alá" e depois...
A cunhagem de moedas é um dos muitos exemplos
de como as necessidades práticas de uma economia crescente
começaram a transformar a prática mágica da alquimia
na química moderna.
O surpreendente acerca da química no mundo medieval islâmico
é a enorme quantidade de manuscritos que tratam da matéria.
Há literalmente milhares que sobreviveram,
lidando com matérias tão variadas como metalurgia,
fabricação do vidro, produção de azulejos,
tingimento, perfumaria e armamento.
Há até uma descrição de como destilar álcool.
Toda essa atividade indica uma economia movimentada,
com consumidores, soldados, engenheiros, arquitetos
todos exigindo inovação e nova tecnologia.
Um grande exemplo da química aplicada no mundo medieval islâmico
era a fabricação do sabão.
Este material, sabão em barra, com o qual podemos nos lavar,
era praticamente desconhecido no norte da Europa até o século XIII,
quando começou a ser importado
da Espanha islâmica e do norte da África.
Nessa época, a fabricação de sabão no mundo islâmico
tornou-se praticamente industrializada.
A cidade de Fez ostentava cerca de 27 fabricantes de sabão,
e cidades como Nablus, Damasco e Alepo
ficaram conhecidas mundialmente pela qualidade de seu sabão.
Um documento do século XII
tem a primeira descrição detalhada do mundo de como fabricar sabão.
Ele cita um ingrediente essencial,
uma substância que se tornou crucial para a química moderna.
Um álcali.
As substâncias alcalinas são cruciais para a fabricação do sabão.
Mas o interessante é que o nosso termo "álcali"
deriva do árabe "al-qali", que significa "cinzas".
Isso porque, à época, os álcalis eram fabricados a partir de cinzas
de raízes de certas plantas como a salsola soda.
O novo entendimento dos químicos islâmicos
acerca dos álcalis e outras substâncias químicas
desenvolveu também outro setor.
A fabricação do vidro.
Os químicos islâmicos descobriram que podiam mudar a cor do vidro
usando produtos recém-descobertos como os sais de manganês.
E construíram fornos industriais, alguns com vários andares de altura,
para fabricar vidro em grandes quantidades.
O legado de suas habilidades ainda pode ser visto em belos vitrais.
Químicos islâmicos também criaram
muitas outras cores, pigmentos e tinturas
usando novos álcalis e metais como chumbo e estanho.
Isso ajudou arquitetos a decorar mesquitas,
como esta na cidade iraniana de Isfahan,
numa variedade gloriosa de cores e desenhos.
A química também foi impulsionada pelo crescente mercado de perfumes.
No principal mercado de Damasco,
comerciantes seguem a fabricar seu perfume favorito como há mil anos.
Basicamente é composto por uma base de álcool e, em seguida,
acrescenta-lhe os óleos de plantas que quiser.
Jasmim, água-de-rosa e hortelã.
Mas hoje, eles usam...
Muito bom.
Acho que comprarei um pouco desse.
Os perfumistas obrigaram os químicos
a criar técnicas cada vez mais engenhosas
para extrair aromas sutis e frágeis de flores e plantas.
Eles responderam refinando e estabelecendo uma técnica
que qualquer químico reconheceria instantaneamente hoje.
A destilação.
Muitas técnicas surgiram com os estudiosos islâmicos, ou até antes.
O Dr. Andrea Sella, químico da University College London,
mostra como a destilação era usada.
As destilações eram feitas em aparelhos como este.
Isto chama-se retorta. Não a usamos mais,
mas "retorta" vem do termo "curvar",
ou seja, um balão que foi curvado, e isso é crucial.
A forma implica que o gás produzido no balão
é forçado a condensar no gargalo,
é o principal meio de extrair aromas de flores e plantas.
A ideia é aquecer esta extremidade e coletar na outra.
Devemos dar uma olhada e ver se conseguimos fazer
uma destilação rápida com pétalas de rosa.
Primeiro, precisamos pôr um pouco de água.
A água e o vapor irão controlar a temperatura.
Não queremos que isto aqueça demais.
O truque neste tipo de destilação
é usar o calor para liberar as moléculas dos aromas,
mas ao mesmo tempo certificando-se
que essas delicadas substâncias
não sejam destruídas durante o processo.
Usamos o vapor para controlar a temperatura,
e ele transportará os aromas.
Dá para ver o líquido surgindo, condensando no tubo longo
já há líquido atravessando...
...e deve estar carregando com ele parte do aroma da água-de-rosa.
Dá para sentir o cheiro.
Esta gravura mostra uma destilaria de perfume do século XIV.
Os perfumes do Oriente Médio
eram vendidos em lugares tão distantes como a Índia e a China.
Os químicos islâmicos também tiveram papel fundamental
em uma outra indústria mais terrível.
A bélica.
Registros históricos durante as Cruzadas falam em tom terrível
de como os muçulmanos atacavam os cristãos
com projéteis incendiários e granadas,
incutindo medo nos corações dos defensores.
Muitos usavam uma substância conhecida como fogo grego.
Os químicos islâmicos melhoraram o fogo grego
usando e refinando um recurso natural.
O petróleo.
Desenvolveram a ideia da destilação do petróleo, ou nafta,
para criar um óleo mais leve e inflamável
que misturavam com outras substâncias voláteis
para queimá-las com violência,
e o resultado era assustador.
Todos estes textos medievais islâmicos de química
têm em comum sua grande atenção aos detalhes,
claramente baseada em experimentação cuidadosa.
A ideia de um laboratório,
onde processos químicos e industriais fossem testados,
consolidou-se nessa época.
A engenhosidade
dos químicos medievais islâmicos é impressionante.
Mas eu queria saber algo mais profundo.
Qual a contribuição deles para nossa compreensão moderna
dos princípios por trás da química?
Esta é a peça basilar da química moderna.
A tabela periódica.
Ela lista todos os elementos conhecidos.
Sua ideia central
é agrupar substâncias com propriedades similares.
Na extrema direita, por exemplo, estão os gases inertes.
Na extrema esquerda, os metais voláteis.
A tabela periódica é o triunfo da classificação,
dando aos cientistas um meio de organizar
seu conhecimento do mundo material.
A classificação é uma forma de pensar com clareza.
O que precisamos quando temos ideias de como o mundo funciona
é de um esquema para categorizá-lo,
e isso nos ajuda a entender,
a explicar o que há ao nosso redor.
Tentamos classificar o mundo material desde os tempos antigos.
Por exemplo, os gregos achavam que havia apenas 4 elementos materiais,
ar, terra, fogo e água.
Mas essa ideia era filosófica e tinha pouco valor prático.
E foi isso que os químicos medievais islâmicos mudaram.
Eles usaram observações experimentais
para classificar o material do qual o mundo é feito.
À frente disto estava um médico e químico medieval islâmico
chamado Ibn Zakariya Al-Razi,
que nasceu aqui na cidade de Ray,
nos arredores da capital iraniana Teerã, em 865 d.C.
A classificação de Al-Razi era bem diferente da grega.
Por exemplo, ele defendia que os minerais,
materiais grosseiros extraídos do solo,
deviam ser classificados em 6 grupos,
dependendo de suas propriedades químicas observadas,
o mesmo princípio norteador por trás da tabela periódica moderna.
Trouxe materiais do sistema de classificação dele.
Temos aqui o que ele chamava de "espíritos",
temos os corpos metálicos, as pedras,
depois os vitríolos, os sais e os bóraces.
Cada um dos grupos de Al-Razi
tinha um comportamento experimental diferente.
Por exemplo, os espíritos eram inflamáveis.
Os metais eram brilhantes e maleáveis.
Os sais dissolviam-se na água.
Claro, essa classificação não é como fazemos hoje,
mas a questão é que, pela primeira vez,
Al-Razi agrupava substâncias à base de observações experimentais,
não de reflexões filosóficas.
Passaram-se mil anos desde o trabalho de Al-Razi.
Que dívida a química moderna
tem para com a classificação dele?
Creio que, com Razi, começamos a ver a primeira classificação
que levou a outros experimentos,
o primeiro sistema que permitiu iniciar o trabalho racional.
Ele está no princípio da química quase formal,
que acabou por levar à nossa tabela periódica.
Creio que o que vemos no trabalho dos químicos e alquimistas islâmicos
é a tentativa dos primeiros passos rumo a uma nova ciência.
Claro, para nossos padrões, ela continha muita magia e charlatanice,
mas dar ênfase à experimentação foi realmente revolucionário.
Mas o melhor estava por vir,
pois os matemáticos islâmicos
e as técnicas experimentais de Jabir Ibn Hayyan e Al-Razi
estavam prestes a ser unir de uma forma inovadora
que iria revolucionar seu trabalho
e criar a era científica moderna.
Até os séculos IX e X,
as ideias sobre ciência e como a natureza funcionava
eram dominadas pelo filósofo grego Aristóteles,
e eram bem diferentes das nossas atuais.
Ele acreditava que a matemática
estava preocupada apenas com o mundo abstrato das formas perfeitas,
de formas idealizadas como círculos, quadrados e triângulos.
Ela não tinha o poder de explicar o que observamos ao nosso redor,
um mundo caracterizado
por formas irregulares e oscilantes, e mudança constante.
"Física" é palavra grega que significa
"a ciência da mudança",
e para a tradição clássica grega,
havia uma noção forte na qual a ciência da mudança
estava em contradição com a matemática.
A matemática trata do conhecimento perfeito,
do mundo imutável das formas matemáticas.
E parecia, em tese, pouco provável
que processos como nascer e morrer,
de crescimento e decadência,
de mudança qualitativa,
pudessem ser capturados
com as belezas da geometria e matemática.
A história de como a humanidade alterou essa ideia
e começou a ver que a matemática é um meio incrivelmente poderoso
de descrever o mundo ao nosso redor é longa e complicada.
Mas, para mim, os cientistas islâmicos tiveram papel crucial,
e creio que um homem liderou este movimento
de transformar a matemática de uma linguagem de pensamento abstrato
em uma ciência verdadeiramente prática.
Como eu, ele era do Iraque.
Ele se chamava Ibn Al-Haytham.
Al-Haytham e seus contemporâneos defendiam
a possibilidade de uma forma única de ciência,
que fosse matemática e filosófica,
que unisse a física, a ciência da mudança,
à matemática, a ciência da quantidade.
E isso me parece ser radical e crucial
para a construção de novas formas de conhecimento confiável.
Ibn Al-Haytham nasceu em 965 d.C.
na cidade iraquiana de Basra,
e outros estudiosos o consideravam um prodígio.
Ele ganhou fama científica logo após a virada do 1º milênio
e foi um estudioso incrivelmente inovador e brilhante.
Sua fama como inteligente espalhou-se por todo o império.
Mas foi essa fama que quase o levou a perder tudo
quando ele assumiu a inglória tarefa
de tentar domar um dos maiores rios do mundo.
Há uma história maravilhosa, que se suspeita apócrifa,
sobre como a carreira de Ibn Al-Haytham
como cientista foi transformada.
Ela trata do Nilo e como, logo após a virada do milênio,
Ibn Al-Haytham foi convidado pelo governante do Egito
a achar um meio de controlá-lo.
Poderia ele impedir suas cheias e secas
imprevisíveis e potencialmente devastadoras?
Mas Ibn Al-Haytham não demorou a entender
que o Nilo era grande demais para controlar.
Ao saber disso, o califa teve um ataque de fúria
e ordenou a execução de Ibn Al-Haytham.
Ibn Al-Haytham fingiu estar louco.
A execução foi cancelada e ele foi posto em prisão domiciliar.
Ali, com tempo disponível para contemplar, diz a história,
Ibn Al-Haytham ponderou sobre
questões profundas e fundamentais da física,
e ele começou por um problema enigmático e universal.
Ele questionou se a natureza
maravilhosa e misteriosa da luz e da visão
podia ser explicada pela matemática e geometria.
Sob prisão domiciliar, ou talvez aqui
nas salas da Universidade Al-Azhar no Cairo,
Ibn Al-Haytham conduziu uma série de experiências
que criaram a moderna ciência da óptica.
Estou com o Dr. El-Bizri,
que estudou cuidadosamente a obra de Ibn Al-Haytham.
Ele explicou que Ibn Al-Haytham considerou primeiramente
a explicação aristotélica para como vemos,
explicação totalmente não matemática.
Aristóteles defendia que quando vemos uma árvore,
sua essência ou forma emana dela
e, em seguida, misteriosamente flui para os nossos olhos.
Por exemplo,
se eu olho para edifícios e árvores às margens do Nilo,
estou recebendo as formas desses edifícios e árvores
no olho abstraídas de sua matéria.
Segundo o Dr. El-Bizri,
Ibn Al-Haytham achava essa ideia insatisfatória.
Ele queria uma explicação matemática.
E analisando escritos gregos existentes,
ele descobriu uma, embora fosse obscura e bizarra.
Essa ideia alegava que vemos porque raios de luz saiam do olho.
Ela diz que a visão ocorre
por meio da emissão de luz vinda do olho
que é moldada na forma de uma pirâmide ou cone.
Esse raio coniforme ilumina o que estamos olhando
e é definido por linhas geométricas retas.
Pareceu que Ibn Al-Haytham gostou dessa abordagem matemática,
mas logo viu suas falhas.
Se nós vemos, questionou ele, porque a luz sai do olho,
por que incomoda quando olhamos um objeto brilhante como o sol
mas não quando olhamos algo opaco?
Ou à noite, pode a luz dos nossos olhos
iluminar objetos distantes no céu?
Num ato inspirado,
Ibn Al-Haytham combinou as duas ideias gregas
e definiu a nossa compreensão moderna da luz e da visão.
A luz, disse ele, viaja em linhas retas
que obedecem a leis geométricas.
Mas ao invés de saírem do olho,
esses raios rumam a ele.
É o desenvolvimento de uma nova teoria,
e também metodologicamente,
é o começo da matematização da física.
Ibn Al-Haytham pegou os princípios da geometria,
com suas leis governando linhas retas,
e aplicou ao mundo real.
Ele criou experiências para testar
se o mundo real adequava-se à sua matemática.
Em torno de 1020, Ibn Al-Haytham publicou
sua inovadora explicação geométrica da luz
no seu "Kitab al-Manazir", ou Livro da Óptica.
E o que destaca esse livro como ciência
é que Ibn Al-Haytham justifica suas teorias
com experiências detalhadas que outros podiam repetir e checar.
Ele começa a partir dos primeiros princípios
para descobrir como a luz viaja.
Para sua primeira experiência, Ibn Al-Haytham
queria testar a ideia que a luz viaja em linhas retas.
Para fazer isso, ele pegou um cano reto
sobre o qual desenhou uma linha reta descendo pela lateral
e uma régua com uma linha reta ao longo do seu comprimento.
E combinando ambos,
ele se convenceu que o cano era reto.
Se ele o usava para ver um objeto, neste caso, uma vela,
ele via a vela através do cano,
que é uma boa prova de que a luz viaja em linha reta.
Mas para ter certeza, ele vedou a extremidade do cano.
E então, ao olhar de novo para a vela, ele não a via,
pois isto confirma que a luz não viajava ao olho por outra rota
em um caminho curvo por fora do cano.
Prova que a luz só viaja em linha reta.
Isto pode parecer trivial e óbvio para nós,
mas Ibn Al-Haytham começava dos primeiros princípios.
Então, através da experimentação,
ele estende sua ideia de que "a luz viaja em linha reta"
a outros fenômenos.
Ele explica como funcionam os espelhos,
argumentando que o ângulo de incidência
é o mesmo do ângulo de reflexão.
Ele explica o que hoje chamamos refração,
por que objetos parecem distorcidos num copo d'água,
afirmando que os raios de luz desviam
quando se movem de um meio para outro.
E, em seguida, ele aborda a natureza da visão.
Ibn Al-Haytham queria compreender
como um objeto produz uma imagem na retina do olho.
Ele construiu o que acreditava ser uma versão alternativa do olho,
basicamente uma caixa negra com um minúsculo orifício.
Isto é o que chamamos hoje câmera escura.
A seguir, ele pegou uma pessoa,
neste caso Anna, que está bem iluminada,
e agora vamos entrar na caixa para ver com que se parece a imagem.
Agora que estou dentro da câmera escura
e deixei meus olhos habituarem-se ao escuro,
podemos abrir o orifício.
E ali vemos a imagem de Anna acenando na tela.
Mas a imagem está invertida,
pois a luz viaja em linha reta,
a luz da cabeça tem de mover-se diagonalmente para baixo
para atingir a base da tela
e a luz dos pés viaja diagonalmente para cima
para atingir o topo.
Mas, o mais importante,
isso provou a Ibn Al-Haytham
que há uma correspondência de um para um
entre cada ponto sobre o objeto, sobre Anna,
e cada ponto em sua imagem sobre a tela.
Assim como um trabalho científico moderno,
a atenção aos detalhes no Kitab al-Manazir é incrível.
Seu livro não é apenas um tratado científico seco.
É um manual para as futuras gerações.
Em sua obra, ele constantemente justifica
suas teorias sobre a luz com observação experimental
e descreve em detalhes suas experiências,
para que outros possam repeti-las e confirmar suas ideias.
Sua mensagem é:
"Não creia em minha palavra. Veja por si mesmo."
Creio que Ibn Al-Haytham foi um dos primeiros a trabalhar assim.
Este, para mim, é o momento em que a ciência passa a existir
e torna-se uma disciplina autônoma.
Creio que o impressionante sobre Ibn Al-Haytham
seja como, após chegar às suas teorias matemáticas,
ele as usou para ampliar nosso conhecimento do mundo real.
Por exemplo, ele usou suas ideias sobre a luz
para deduzir que a atmosfera da Terra tem espessura finita,
e até estimou essa espessura.
Ele fez isso através da medição da duração do crepúsculo.
Ele presumiu acertadamente que a razão de continuar a haver luz
após o sol desaparecer no horizonte
deve ser porque seus raios se curvam
à medida que entram na atmosfera da Terra.
A duração do crepúsculo
e um palpite para o que hoje chamamos índice de refração do ar,
deram a Ibn Al-Haytham um meio de estimar
a espessura da atmosfera da Terra.
Ele surgiu com um valor de cerca de 40 km,
cerca de metade do valor atual. Impressionante.
Isso mostra como a matemática
amplia o poder de explicação da ciência.
Até agora em minhas viagens, fiquei impressionado com
a grande ambição intelectual dos cientistas medievais islâmicos.
Quando seus líderes lhes pediram para descobrir o tamanho do mundo,
estudiosos como Al-Biruni usaram a matemática de formas surpreendentes
para alcançar e descrever o universo.
E conforme os negócios e o comércio cresciam,
cientistas como Al-Razi
responderam criando um novo tipo de ciência experimental.
A química.
Mas se há um cientista islâmico
que devemos nos lembrar acima dos demais,
na minha opinião, é Ibn Al-Haytham,
por ter feito tanto para criar o que hoje chamamos método científico.
O método científico é, creio eu,
a ideia mais importante que a raça humana criou.
Não há outra estratégia que nos diga como descobrir
como o universo funciona e qual o nosso lugar nele.
Ele também fomentou tecnologias que transformaram nossas vidas.
Na próxima vez que viajar de avião em férias, usar celular
ou for vacinado contra uma doença mortal,
lembre-se de Ibn Al-Haytham, Ibn Sina, Al-Biruni
e inúmeros outros estudiosos islâmicos que há mil anos
lutaram para explicar o universo
usando espelhos imperfeitos e astrolábios.
Eles não acertaram todas as respostas,
mas nos ensinaram a fazer as perguntas certas.
No próximo episódio, viajo à Síria e ao norte do Irã
para descobrir acerca dos grandes cientistas islâmicos
que revolucionaram a astronomia,
transformando-a numa ciência moderna.
E também descobrirei como o homem que muitos consideram
o pai da renascença científica europeia, Copérnico,
utilizou-se de teorias astronômicas islâmicas.
E revelarei o mistério
de como a Era de Ouro da ciência islâmica chegou ao fim.
MUSKETEERS Legendas Para a Vida Toda!