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Olá. O meu nome é Ann Druyan.
Quando Carl Sagan, Steven Soter e eu
escrevemos a série de TV Cosmos no fim dos anos 70,
muitas coisas eram diferentes.
Nessa altura, os EUA e a União Soviética
mantinham o planeta inteiro numa perpétua crise de reféns,
a chamada Guerra Fria.
A riqueza e o génio cientifico da nossa civilização
estavam sendo desperdiçados na corrida sem freio ao armamento.
Foi empregada mais de metade da comunidade cientifica mundial,
e o mundo foi infestado com 50.000 armas nucleares.
Muitas coisas se passaram desde então.
A Guerra Fria pertence à História,
e a Ciência avançou a grandes passos.
Completámos o reconhecimento do Sistema Solar com naves espaciais,
a cartografia preliminar do Universo visível que nos rodeia,
e traçámos o Universo interior : o Genoma Humano.
Quando a primeira emissão de Cosmos foi lançada, não havia World Wide Web,
era um mundo diferente.
Que tributo a Carl Sagan,
um cientista tão atacado por ter a audácia de especular
que mesmo após 20 dos anos mais ricos em acontecimentos na história da Ciência,
Cosmos requer poucas revisões e é verdadeiramente rico em profecias.
Cosmos é ao mesmo tempo a história do empreendimento cientifico
e a tentativa de transmitir o alto valor espiritual
da sua revelação central :
a nossa união com o Universo.
Agora por favor desfrutem de Cosmos, a soberba saga de como
através da pesquisa de 40.000 gerações de antepassados nossos,
chegámos a descobrir as nossas coordenadas
no Espaço e no Tempo.
E como, através do fantástico e poderoso método da Ciência,
fomos capazes de reconstruir o avanço da evolução cósmica,
e de definir a nossa parte na sua grande história.
As Costas do Oceano Cósmico
O Cosmos é tudo o que existe,
existiu ou existirá.
A contemplação do Cosmos emociona-nos.
Provoca-nos um arrepio, embarga-nos a voz,
uma sensação suave, como uma recordação distante
de cair de uma grande altura.
Sabemos que nos estamos a aproximar do maior de todos os mistérios.
O tamanho e a idade do Cosmos
ultrapassam a comum compreensão humana.
Perdida algures entre imensidão e eternidade,
fica a nossa minúscula casa planetária, a Terra.
Pela primeira vez temos o poder de decidir
o nosso destino e o do nosso planeta.
Esta é uma época de grande perigo.
E, todavia, a nossa espécie é jovem, curiosa, corajosa
e mostra-se prometedora.
Nos últimos milénios fizemos
as mais surpreendentes e inesperadas descobertas
sobre o Cosmos e o lugar que nele ocupamos.
Acredito que o nosso futuro depende fortemente
da forma como viermos a conhecer este Cosmos
em que flutuamos como um grão de pó
no céu matinal.
Estamos prestes a iniciar uma viagem através do Cosmos.
Encontraremos galáxias, sóis e planetas,
vida e consciência,
nascendo, evoluindo e morrendo.
Mundos de gelo e estrelas de diamantes.
Átomos tão maciços como sóis,
e universos mais pequenos que um átomo.
Mas é também a história do nosso próprio planeta
e das plantas e animais que o partilham connosco.
E é uma história sobre nós.
De como chegámos à actual compreensão do Cosmos,
de como o Cosmos formou a nossa evolução e a nossa cultura,
e o que o nosso destino poderá ser.
Desejamos encontrar a verdade, não importando onde ela leve.
Mas para encontrar a verdade precisamos de imaginação e cepticismo.
Não teremos medo de especular,
mas teremos cuidado em distinguir especulação de factos.
O Cosmos está cheio, para além das medidas, de elegantes verdades,
de inter relações esquisitas,
da temível máquina da Natureza.
A superfície da Terra é a costa do Oceano Cósmico.
Dela retirámos quase tudo o que sabemos.
Recentemente, entrámos na água um pouco mais,
o suficiente para molhar os dedos, e a água parece convidativa.
Uma parte do nosso ser sabe que é esta a nossa origem.
Estamos desejosos de regressar.
E podemos fazê-lo.
Porque o Cosmos está também dentro de nós. Somos feitos de matéria estelar.
Somos uma maneira para o Cosmos se conhecer a si mesmo.
A viagem para cada um de nós começa aqui.
Vamos explorar o Cosmos numa nave imaginária,
liberta dos limites normais de velocidade e tamanho,
guiada pela música das harmonias cósmicas,
que nos pode levar a qualquer parte no espaço e no tempo.
Perfeita como um floco de neve,
orgânica como uma semente de dente-de-leão,
irá levar-nos
a mundos de sonhos e a mundos de factos.
Venham comigo.
Perante nós temos o Cosmos na maior escala que conhecemos.
Estamos longe das costas da Terra,
na extensão não traçada do oceano cósmico.
Espalhados como espuma do mar nas ondas do espaço.
estão inúmeros filamentos de luz.
Alguns deles contêm centenas
de biliões de sóis.
Estas são as galáxias,
vogando eternamente na imensa noite cósmica.
Na nossa nave imaginária,
encontramo-nos a metade do caminho para a costa do universo conhecido.
Desta vez, a primeira das nossas viagens cósmicas,
começámos a explorar o Universo revelado pela ciência.
O nosso trajecto poderia eventualmente levar-nos a um longínquo e exótico mundo.
Mas nas profundezas do espaço, não poderíamos detectar sequer
o grupo de galáxias onde está incluída a nossa Via Láctea
e ainda menos o Sol ou a Terra.
Estamos no reino das galáxias
a 8 biliões de anos-luz de casa.
Onde quer que viajemos, os padrões da natureza são os mesmos,
como nesta forma de galáxia espiral.
As mesmas leis da fisíca aplicam-se por toda a parte
de uma ponta à outra do Cosmos.
Mas nós apenas agora começámos a compreender essas leis.
O universo é rico em mistérios.
Perto do centro dum grupo de galáxias
por vezes há uma galáxia elíptica {y:i}velhaca
feita de um bilião de sóis
que devora as suas vizinhas.
Talvez este ciclone de estrelas
seja o que os astrónomos na Terra chamam um Quasar.
As nossas habituais medidas de distância falham-nos
aqui no reino das galáxias.
Precisamos de uma unidade bastante maior : o ano-luz.
Ele mede a distância que a luz percorre durante um ano,
cerca de 10 biliões de quilómetros.
Com ele não se mede o tempo mas distâncias, distâncias enormes.
No grupo de Hércules
as galáxias individuais estão separadas por cerca de 300.000 anos-luz.
Assim a luz leva cerca de 300.000 anos
para ir de uma galáxia até outra.
Como as estrelas, planetas e pessoas,
as galáxias nascem, vivem e morrem.
Todas elas podem passar por uma adolescência tumultuosa.
Durante os seus primeiros 100 milhões de anos, os seus núcleos podem explodir.
Vistos em ondas rádio, grandes jactos de energia
derramando-se e repercutindo-se através do Cosmos.
Mundos perto do núcleo ou ao longo dos jactos serão incinerados.
Pergunto-me quantos planetas e quantas civilizações
poderiam ser destruídas.
No grupo de Pegasus, há uma galáxia Anelar,
o naufrágio deixado pela colisão de 2 galáxias.
Um salpico no lago cósmico.
Galáxias individuais podem explodir e colidir,
e as suas estrelas constituintes também podem explodir igualmente.
Nesta explosão de uma supernova,
uma única estrela brilha mais que o resto da galáxia.
Aproximamo-nos do que os astrónomos da Terra gostam de chamar
o Grupo Local.
Com 3 milhões de anos-luz de largura, é composto por cerca de 20 galáxias.
É uma cadeia de ilhas dispersa e um pouco típica
no imenso oceano cósmico.
Estamos agora apenas a 2 milhões de anos-luz de casa.
Nos mapas do espaço, esta galáxia é chamada a M31,
a grande galáxia de Andrómeda.
É uma grande tempestade de estrelas, gás e poeira.
À medida que passamos sobre ela
vemos uma das suas pequenas galáxias satélites.
Grupos de galáxias
e estrelas de galáxias individuais,
estão mantidas todas juntas pela gravidade.
À volta da M31,
estão centenas de grupos de estrelas globulares.
Estamos a aproximarmo-nos de um deles.
Cada grupo orbita o centro maciço da galáxia.
Alguns contêm mais de um milhão de estrelas separadas.
Cada grupo globular é como um enxame de abelhas,
ligado pela gravidade,
cada abelha um sol.
De Pégaso a nossa viagem leva-nos
a 200 milhões de anos-luz do Grupo Local
dominado por duas grandes galáxias espirais.
Para lá da M31 há outra galáxia muito semelhante
cujos braços em espiral rodam lentamente
cada 250 milhões de anos.
É a nossa Via Láctea,
vista do exterior.
Esta é a galáxia-casa da espécie humana.
No obscuro braço em espiral da Carina-Cisne
nós humanos, desenvolvemos uma consciência,
e uma certa medida de compreensão.
Concentrados no seu brilhante núcleo,
e derramados ao longo dos seus braços espirais,
estão 400 biliões de sóis.
A luz leva 100.000 anos-luz para chegar
de um extremo da galáxia até ao outro.
Dentro desta galáxia estão estrelas e mundos
e talvez, uma enorme diversidade de coisas vivas
seres inteligentes, e distantes civilizações do espaço.
Dispersos entre as estrelas da Via Láctea,
estão os vestígios de uma supernova
cada um os restos de uma colossal explosão estelar.
Estes filamentos de gás ardente
são as camadas externas de uma estrela recentemente destruída.
O gás separa-se
devolvendo a matéria estelar de volta ao espaço.
E no seu coração estão os restos da estrela original
um denso e compacto fragmento estelar chamado Pulsar.
Um farol natural piscando e sibilando.
Um sol que {y:i}gira duas vezes cada segundo.
Os Pulsares mantêm uma cadência tão exacta que quando o primeiro foi descoberto,
pensou-se que fosse um sinal de vida extra-terrestre.
Talvez uma baliza navegável
para grandes naves que viagem através dos anos-luz,
e entre as estrelas.
Pode haver essas inteligências e tais naves estelares
mas os Pulsares não são a sua assinatura.
Em vez disso, são os tristes resíduos,
de que nada dura para sempre,
e que mesmo as estrelas também morrem.
Continuamos a sondar, caindo milhares de anos-luz,
em direcção ao plano da galáxia.
Esta é a Via Láctea,
a nossa galáxia vista de ângulo.
Biliões de fornos nucleares,
transformando matéria em luz estelar.
Algumas estrelas são frágeis como bolhas de sabão.
Outras são 100 biliões de vezes mais densas que o chumbo.
As estrelas mais quentes estão destinadas a morrer jovens.
Mas as gigantes vermelhas são principalmente idosas.
É improvável que tais estrelas tenham planetas habitados.
Mas as Anãs amarelas como o Sol,
são de meia-idade e são mais comuns.
Estas estrelas podem ter sistemas planetários.
E em tais planetas, pela primeira vez na nossa viagem cósmica,
vamos encontrar formas raras de matéria.
Gelo e rocha, ar e água liquida.
Perto desta estrela amarela,
está um pequeno, quente e nublado mundo,
com continentes e oceanos.
Estas condições permitem a uma ainda mais preciosa forma de matéria de surgir :
a vida.
Mas isto não é a Terra.
Seres inteligentes desenvolveram-se e adaptaram esta superfície planetária,
num sólido empreendimento de engenharia.
Na galáxia Via Láctea, pode haver muitos mundos,
onde a matéria desenvolveu uma consciência.
Pergunto-me são eles muito diferentes de nós ?
A que se parecem ?
Qual é a politica, tecnologia, música, religião ?
Ou têm eles padrões de cultura que nem podemos imaginar ?
Serão eles também um perigo para eles próprios ?
Entre as muitas nuvens incandescentes de gás interestelar,
há uma chamada Nebulosa de Órion,
apenas a 1.500 anos-luz da Terra.
Estas três estrelas brilhantes são vistas pelos terráqueos,
como o Cinto do Caçador na familiar constelação de Órion.
A Nebulosa é vista da Terra como um remendo de luz,
a estrela central na Espada de Órion.
Mas não é uma estrela.
É inteiramente outra coisa.
Uma nuvem que disfarça um lugar secreto da Natureza.
Isto é um viveiro estelar, um lugar onde as estrelas nascem.
Condensam-se pela gravidade, a partir de gás e poeira,
até que a sua temperatura se torne tão alta que comecem a brilhar.
Essas nuvens marcam o nascer das estrelas,
assim como outras portam o testemunho das suas mortes.
Depois de as estrelas se condensarem no interior oculto das nuvens interestelares,
que lhes acontece ?
As Plêiades são um grupo livre de jovens estrelas,
apenas com 50 milhões de anos.
Estas estrelas noviças estão-se escapando para a galáxia.
Ainda rodeadas por porções da nebulosidade
de gás e poeira das quais foram formadas.
Há nuvens que aderem como manchas de tinta,
entre as estrelas.
São feitas de fina poeira de rocha,
matéria orgânica e gelo.
Lá dentro, umas poucas estrelas começam a rodar.
Mundos vizinhos de gelo evaporado,
que formam longas caudas de cometas,
levados de novo pelos ventos estelares.
Nuvens negras, através anos-luz à deriva,
por entre as estrelas.
Estão cheias de moléculas orgânicas.
Os blocos estruturais da vida estão em todo o lado.
Eles são facilmente construídos.
Quantos mundos terão tais moléculas complexas unindo-se a elas mesmas
e formando modelos a que podíamos chamar {y:i}' vivos ' ?
A maioria das estrelas, pertence a sistemas de 2, 3 ou muitos sóis,
todos juntos ligados pela gravidade.
Cada sistema está isolado dos seus vizinhos,
pelos anos-luz.
Aproximamo-nos de uma estrela Anã-Amarela, isolada e comum,
rodeada por um sistema de nove planetas,
dúzias de Luas, milhares de asteróides e biliões de cometas.
A família do Sol.
Apenas a 4 horas-luz da Terra está o planeta Neptuno,
e o seu satélite gigante Triton.
Ainda que nos limites do nosso próprio sistema solar,
nós humanos, temos pobremente começado as nossas explorações.
Ainda à um século atrás,
ignorávamos mesmo a existência do planeta Plutão.
A sua Lua, Caronte permaneceu por descobrir até 1978.
Os anéis de Úrano foram detectados pela primeira vez em 1977.
Há novos mundos para descobrir ainda que seja aqui perto de casa.
Saturno é um mundo de gás gigante.
Se tiver uma superfície sólida
deve estar situada longe, por baixo das nuvens que vemos.
Os anéis majestosos de Saturno
são feitos de biliões de bolas de neve em órbita.
Estamos agora apenas a 80 minutos-luz de casa.
Uns meros 1.500 milhões de quilómetros.
O maior planeta do nosso sistema solar é Júpiter.
No seu lado ***, grandes relâmpagos de luz, iluminam as nuvens,
como mostrado a primeira vez pela nave espacial Voyager, em 1979.
Dentro da órbita de Júpiter,
há inumeráveis pequenos mundos destroçados :
os Asteróides.
Estes recifes e montes,
marcam a fronteira do reino dos planetas gigantes.
Entramos agora nos baixos do sistema solar.
Aqui há mundos com atmosferas finas e superfícies sólidas.
Planetas como a Terra,
com paisagens gritantes para uma cuidadosa exploração.
Este mundo é Marte.
Em 1976, após uma viagem de um ano,
dois robots exploradores da Terra,
desembarcaram nesta costa extra terrestre.
Em Marte há um vulcão tão vasto como o Arizona
e com quase 3 vezes a altura do Everest.
Chamámos-lhe o Monte Olimpo.
Este é um mundo maravilhoso.
Marte é um planeta com antigos vales de rios,
e violentas tempestades de areia trazidas por ventos que sopram a 140 m por segundo.
Há uma fenda gigante na superfície de 5.000 km de longo.
É chamada o Vale de Marinaris.
O vale da nave espacial Marine,
vinda de um mundo vizinho explorar Marte.
Nesta nossa primeira viagem cósmica,
apenas começámos o reconhecimento de Marte,
e todos esses outros planetas, estrelas e galáxias.
Nas próximas viagens iremos explorá-los mais inteiramente.
Mas agora vamos percorrer os poucos minutos-luz que faltam,
para um azul e nublado mundo, o terceiro a partir do Sol.
O fim da nossa longa viagem,
o mundo de onde partimos.
As nossas viagens permitem-nos
de ver a Terra com outros olhos,
como se viéssemos de outra parte.
Há cerca de 100 mil milhões de galáxias,
e cerca de mil milhões de biliões de estrelas.
Porque é que este modesto planeta seria o único habitado ?
A mim parece-me mais provável que o Cosmos esteja transbordante
de vida e inteligência.
Mas até aqui, cada ser vivo,
cada ser consciente,
cada civilização de que sabemos algo,
viveu aqui, na Terra.
Debaixo destas nuvens,
o drama da espécie humana, foi revelado.
Por fim chegámos a casa.
Bem-vindos ao planeta Terra.
Um lugar de céus azuis de nitrogénio,
oceanos de água líquida,
florestas calmas,
e prados agradáveis.
Um mundo verdadeiramente fervilhante de vida.
Na perspectiva cósmica é, pelo momento, único.
O único mundo no qual nós sabemos de certeza,
que a matéria do Cosmos adquiriu vida e consciência.
Devem existir muitos mundos semelhantes, disseminados pelo espaço,
mas a nossa busca deles inicia-se aqui,
com a sabedoria acumulada dos homens e mulheres da nossa espécie,
adquirida com grande esforço,
ao longo de mais de um milhão de anos.
Houve uma época em que o nosso planeta parecia imenso.
Quando era o único mundo que podíamos explorar.
O seu tamanho real foi calculado a 1ª vez duma maneira simples e engenhosa,
por um homem que vivia aqui no Egipto no século III a.C.
Esta torre pode ter servido para comunicações.
Parte da rede que percorria a costa do Norte de África,
pelos sinais de fumo que eram usados para comunicar mensagens de Estado.
Também pode ter sido usada como farol,
uma baliza navegável para barcos à vela,
navegando no Mediterrâneo.
Está a cerca de 50 km a Oeste,
da que foi em tempos uma das maiores cidades do mundo, Alexandria.
Em Alexandria, nessa altura,
viveu um homem chamado Eratóstenes.
Um contemporâneo, levado pela inveja, chamou-lhe{y:i} Beta, 2ª letra do alfabeto grego,
porque, dizia ele, no mundo, Eratóstenes era segundo em tudo.
Mas parece evidente que Eratóstenes era{y:i} Alfa em quase tudo.
Ele era astrónomo, historiador, geógrafo,
filósofo, poeta, crítico teatral e matemático.
Era também o director da grande Biblioteca de Alexandria.
Um dia lendo um livro de papiro na Biblioteca,
deparou com um curioso registo.
Ele leu que, longe para o Sul,
no posto fronteiriço de Siena,
algo de notável podia ser visto no dia mais longo do ano.
No 21 de Junho,
as sombras das colunas do templo ou de varas verticais,
ficavam mais pequenas à medida que se aproximava o meio-dia.
E que ao mesmo tempo,
os raios de Sol deslizavam ao longo das paredes de um poço,
o que nos outros dias permanecia na sombra.
E que então, precisamente ao meio-dia,
as colunas e varas não faziam sombra.
E podia ver-se o reflexo do Sol directamente na água no fundo do poço.
Nesse momento,
o Sol estava então a pino.
Era o tipo de observação que qualquer outra pessoa ignoraria.
Varas, sombras, reflexos em poços,
a posição do Sol,
simples assuntos do quotidiano.
Que importância poderiam ter ?
Mas Eratóstenes era um cientista,
e as suas reflexões sobre estes lugares-comuns mudaram o mundo,
de certa forma, fizeram o mundo.
Eratóstenes teve a presença de espírito para fazer uma experiência,
observar se aqui perto de Alexandria,
ao meio-dia de 21 de Junho, varas verticais davam sombra.
E descobriu que sim.
Uma pessoa demasiado céptica podia ter posto em dúvida,
que os registos de Siena estavam errados.
Mas era absolutamente uma observação séria.
Porque é que alguém mentiria num assunto tão trivial ?
Eratóstenes perguntou a si próprio como era possível,
que no mesmo momento,
em Siena uma vara não desse sombra,
e que uma vara em Alexandria, 800 km mais para Norte,
desse uma sombra bem visível ?
Aqui está um mapa do Egipto antigo.
Inseri aqui duas varas, ou obeliscos.
Uma aqui em cima, em Alexandria, e uma aqui em baixo em Siena.
Agora, se a um certo momento cada vara,
não dá sombra, sombra nenhuma,
é fácil de compreender que isso prova que a Terra é plana.
Se a sombra em Siena tiver uma certa medida
e a sombra em Alexandria tiver medida igual,
isso também faria sentido numa Terra plana.
Mas como podia ser, perguntava Eratóstenes,
que no mesmo instante não houvesse sombra em Siena,
e em Alexandria houvesse uma considerável ?
A única resposta possível era a superfície da Terra ser curva.
E não só :
quanto maior fosse a curvatura, maior seria a diferença
de comprimentos das sombras. O Sol está tão longe,
que os seus raios são paralelos ao atingir a Terra.
Varas com diferentes ângulos em relação ao Sol, dão sombras de diferentes tamanhos.
Pela diferença observada no comprimento das sombras,
a distância entre Alexandria e Siena,
teria de ser cerca de 7° ao longo da superfície da Terra.
Ou seja, se imaginarmos as varas a estenderem-se,
até ao centro da Terra,
elas interceptar-se-iam num ângulo de 7°.
7° são cerca de um quinquagésimo,
de 360°, a circunferência total da Terra.
Eratóstenes conhecia a distância entre Alexandria e Siena.
Ele sabia que era cerca de 800 km,
porque contratou um homem para a percorrer a pé.
e assim pode executar todos estes cálculos.
800 km vezes 50 são 40.000 km.
Essa devia ser a circunferência da Terra.
A distância a percorrer para rodear a Terra.
Era a resposta exacta.
Os únicos instrumentos de Eratóstenes foram,
varas, olhos, pés e inteligência,
além do gosto pela experiência.
Com esses instrumentos deduziu correctamente a circunferência da Terra,
com precisão e uma pequeníssima percentagem de erro.
Um cálculo notável para 2.200 anos atrás.
Então, como agora, o Mediterrâneo estava repleto de barcos.
Barcos mercadores, de pescadores, frotas navais.
Mas aí também houve viagens corajosas para o desconhecido.
400 anos antes de Eratóstenes, a África foi circum-navegada,
por uma frota Fenícia ao serviço,
do faraó egípcio Necho.
Fizeram-se ao mar provavelmente,
em barcos frágeis e abertos como estes,
partiram do Mar Vermelho, seguiram a costa leste de África,
até ao Atlântico e regressaram pelo Mediterrâneo.
Esta viagem épica demorou três anos,
quase tanto tempo como leva à Voyager
a viajar da Terra a Saturno.
Após a descoberta de Eratóstenes, houve quem
tentou circum-navegar a Terra.
Mas até Fernão de Magalhães ninguém conseguiu.
Que histórias de aventura e coragem,
não terão sido contadas então,
quando marinheiros e navegadores, homens práticos do mundo,
arriscavam suas vidas por causa da matemática,
dum cientista da antiga Alexandria.
Hoje, Alexandria mostra poucos traços da sua antiga glória,
dos dias em que Eratóstenes percorria as suas largas avenidas.
Através dos séculos, vagas de conquistadores fizeram dos seus palácios e templos,
castelos e igrejas, minaretes e mesquitas.
A cidade foi escolhida por Alexandre o Grande, para ser a capital do seu império,
numa tarde de Inverno em 331 a.C.
Um século mais tarde, tinha-se tornado a maior cidade do mundo.
Cada civilização sucessiva deixou as suas marcas.
Mas que resta agora da maravilhosa cidade dos sonhos de Alexandre ?
Alexandria continua a ser um próspero mercado,
um cruzamento de rotas para os povos do próximo Oriente.
Mas antigamente, brilhava pela confiança,
segura do seu poder.
Pode recuperar-se uma época desaparecida,
a partir de algumas estátuas partidas e pedaços de antigos manuscritos ?
Em Alexandria, havia uma imensa biblioteca,
e um instituto de investigação associado.
E aí trabalharam as mais refinadas mentes do mundo antigo.
Dessa lendária biblioteca,
isto é tudo o que resta,
uma cave húmida e esquecida.
Está num anexo da biblioteca, o Serapeu,
um antigo templo,
posteriormente consagrado à sabedoria.
Umas poucas prateleiras bolorentas,
vindas talvez de uma cave de armazenagem,
são os seus únicos restos físicos.
Mas este lugar foi antes,
o cérebro e a glória,
da maior cidade do planeta Terra.
Se eu pudesse viajar para trás no tempo,
este é o lugar que visitaria.
A biblioteca de Alexandria no seu apogeu, há 2.000 anos atrás.
Aqui, num importante sentido,
começou a aventura intelectual que nos levou para o Espaço.
Todo o conhecimento do mundo antigo, estava aqui dentro destas paredes de mármore.
No grande salão, deve ter havido uma pintura mural de Alexandre,
com o ceptro e o toucado cerimonial,
dos faraós do antigo Egipto.
Esta biblioteca foi a cidadela do conhecimento humano,
um guia para as nossas viagens às estrelas.
Foi o primeiro e real instituto de investigação na história do mundo.
E que estudavam eles ?
Estudavam tudo. O Cosmos inteiro.
{y:i}' Cosmos ' é uma palavra grega para ordem universal.
Num certo sentido, o oposto de{y:i} ' Caos '.
Implica uma profunda inter-ligação a todas as coisas.
O modo intricado e subtil como tudo se encontra ligado no Universo.
O génio floresceu aqui.
Além de Eratóstenes, houve o astrónomo Hiparco,
que fez o mapa das constelações,
e determinou o brilho das estrelas.
E houve Euclides,
que brilhantemente sistematizou a geometria,
e disse ao seu Rei, o qual se debatia,
com um difícil problema matemático,
{y:i}' Não existe {y:i}qualquer caminho real para a geometria '
Houve Dionísio de Trácia, o homem que definiu,
as diferentes partes do discurso: nomes, verbos e por aí fora,
e que fez pelo estudo da linguagem, o que Euclides fez pela geometria.
Houve Herófilo, o fisiólogo que identificou,
com segurança o cérebro, em vez do coração, como base da inteligência.
Houve Arquimedes, o maior génio mecânico,
até à época de Leonardo da Vinci.
E houve o astrónomo Ptolomeu que compilou muito daquilo que hoje,
faz parte da pseudo ciência, a astrologia.
O seu universo centrado na Terra,
dominou durante 1.500 anos,
mostrando que a capacidade mental não é uma garantia,
contra erros graves.
E entre estes grandes homens houve também uma grande mulher,
O seu nome era Hipátia.
Era matemática e astrónoma
a última luz da biblioteca,
cujo martírio se relaciona com a destruição deste lugar,
sete séculos depois da sua fundação.
Olhem para este lugar.
Os reis gregos do Egipto que sucederam a Alexandre,
encaravam com seriedade a ciência, literatura e medicina,
como fazendo parte dos tesouros do império.
Durante séculos, apoiaram generosamente a investigação e o estudo.
Uma iluminação partilhada por poucas cabeças de estado, nessa altura ou agora.
Fora deste grande salão, havia dez grandes laboratórios de investigação.
Havia fontes e colunatas, jardins botânicos,
e até um jardim zoológico com animais vindos da Índia e do Sara africano.
Havia salas de dissecação e um observatório astronómico.
Mas o tesouro da biblioteca,
consagrada ao deus Serapis,{y:i} ( Osíris )
construída na cidade de Alexandre,
era a sua colecção de livros.
Os seus organizadores vasculharam por livros,
em todas as culturas e línguas do mundo.
Enviaram agentes ao estrangeiro para comprar bibliotecas.
Os navios mercantes que atracavam no porto de Alexandria eram revistados pela polícia,
não para procurar contrabando, mas livros.
Os manuscritos eram pedidos emprestados, copiados e depois devolvidos aos seus donos.
Até serem estudados, estes manuscritos eram coligidos em grandes pilhas,
chamadas {y:i}' os livros dos barcos '
É difícil determinar um número exacto,
mas parece que a biblioteca continha,
cerca de um milhão de rolos manuscritos em papiro.
A cana de papiro cresce no Egipto.
Está na origem da nossa palavra para papel.
Cada um desses milhões de volumes que existiram nesta biblioteca,
foram escritos à mão em rolos de papiro manuscritos.
Que aconteceu a todos esses livros ?
A civilização clássica que os criou desintegrou-se.
A própria biblioteca foi destruída.
Apenas uma pequena fracção das suas obras sobreviveram.
E como para o resto, aqui ficamos apenas com patéticos,
e dispersos fragmentos.
Como são tantalizantes esses restos.
Sabemos por exemplo que existiu aqui
um livro do astrónomo Aristarco de Samos,
defensor de que a Terra era apenas um dos planetas,
que tal como os outros, girava em volta do Sol
e que as estrelas estavam a distâncias enormes
Tudo inteiramente correcto.
Mas tivemos que esperar cerca de 2.000 anos,
para que estes factos fossem descobertos de novo.
A secção de astronomia da biblioteca de Alexandria.
Hiparco.
Ptolomeu. Aqui estamos.
Aristarco.
É este o livro.
Como eu gostaria de poder ler este livro,
saber como Aristarco compreendeu isso.
Mas foi-se. Completamente e para sempre.
Se multiplicarmos o que representa a perda deste trabalho de Aristarco,
por 100.000,
começaremos a apreciar a grandiosidade,
da realização de uma civilização clássica,
e da tragédia que representou a sua destruição
Hoje ultrapassámos de longe a ciência do mundo antigo,
mas existem lacunas irreparáveis no nosso conhecimento histórico.
Imaginem que mistérios sobre o nosso passado se poderiam resolver,
com um cartão de leitor desta biblioteca.
Temos conhecimento por exemplo, duma história do mundo em três volumes,
hoje desaparecida, escrita por um sacerdote Caldeu chamado Berossus.
O Volume I tratava do intervalo de tempo desde a {y:i}Criação do Mundo,
até ao {y:i}Dilúvio.
Um período que ele calculava ser de {y:i}432.000 anos,
cerca de 100 vezes mais do que a cronologia do {y:i}Velho Testamento.
Que maravilhas estariam nos livros de Berossus
Mas porque é que eu os trouxe através de 2.000 anos,
até à biblioteca de Alexandria.
Porque isto foi onde e quando nós humanos,
pela 1ª vez reunimos séria e sistematicamente,
o conhecimento do mundo.
Esta é a Terra, que Erastótenes conheceu.
Um fino e esférico mundo, flutuando
na imensidão do Espaço e do Tempo.
Nós estamos por fim, a começar a encontrar,
a nossa verdadeira posição no Cosmos.
Os científicos antigos,
deram os primeiros e mais importantes passos nessa direcção,
antes da sua civilização se abater.
Mas depois da Idade Média, foi pela
descoberta dos trabalhos feitos aqui desses estudantes,
que se tornou possível o Renascimento,
e por esse poderoso meio, veio influenciar a nossa própria cultura.
Quando no século XV a Europa estava finalmente pronta,
para acordar do seu longo sono,
pegou em alguns dos instrumentos, livros e conceitos,
deixados por aqui há mais de um milhar de anos antes.
Por volta de 1600, as muito esquecidas ideias de Aristarco,
foram de novo descobertas.
Johannes Kepler construiu modelos elaborados,
para compreender o movimento e disposição dos planetas,
o maquinismo dos céus.
E à noite, sonhava em viajar à Lua.
Os seus principais instrumentos científicos eram,
as matemáticas da biblioteca de Alexandria,
e um inalterável respeito pelos factos,
por mais inquietantes que eles pudessem ser.
A sua história e a história dos cientistas que vieram após ele,
fazem parte também da nossa viagem.
70 anos atrás, o universo centrado no Sol,
de Aristarco e de Copérnico,
estava largamente aceite na Europa visionária
A ideia surgiu de que os planetas eram mundos,
governados pelas leis da Natureza,
e a especulação científica voltou-se para os movimentos das estrelas.
O mecanismo nos céus era imitado,
pelos relojoeiros da Terra.
Cronómetros de precisão permitem grandes viagens a veleiros,
de exploração e descoberta,
o que delimita a Terra.
Esta foi uma época em que a investigação livre
foi avaliada uma vez mais.
250 anos mais tarde a Terra estava toda explorada.
Novos aventureiros olham agora para os planetas e as estrelas.
As galáxias foram reconhecidas como grandes agregados de estrelas,
universos insulares, milhares de anos-luz ao longe.
Por volta de 1920 os astrónomos começaram a medir,
a velocidade de galáxias distantes.
Que horas são ?
7h15
Luzes apagadas por favor.
Descobriram que as galáxias estavam a afastar-se umas das outras.
Para espanto de todos,
o Universo inteiro estava a expandir-se.
Nós começamos a sondar a real profundidade do tempo e do espaço.
O longo, colectivo empreendimento da ciência,
revelou um universo velho de 15 mil milhões de anos.
Desde o explosivo nascimento do cosmos,
o Big ***.
{y:i}O Universo - ou pelo menos a sua {y:i}encarnação mais recente - {y:i} tem entre 15 e 20 mil milhões de anos.
O calendário cósmico comprime a história local do universo,
dentro de um só ano.
Se o universo começou no 1° de Janeiro,
só por volta de Maio é que a Via Láctea foi formada.
Outros sistemas planetários podem ter aparecido,
em Junho, Julho e Agosto,
mas o nosso Sol e a Terra não até meio de Setembro.
A vida surgiu pouco depois.
Tudo o que os humanos podiam ter feito ocorreu neste ponto brilhante,
no canto inferior direito do calendário cósmico.
O Big *** está no canto superior esquerdo,
no primeiro segundo do 1° de Janeiro.
15 mil milhões de anos mais tarde, no nosso tempo presente,
o último segundo do 31 de Dezembro.
Cada mês tem 1.250 milhões de anos.
Cada dia representa 40 milhões de anos.
Cada segundo estende-se por 500 anos da nossa história.
O pestanejar de um olho no drama do tempo cósmico.
Nesta escala, o calendário cósmico é do tamanho de um terreno de futebol
mas toda a história humana irá ocupar uma área
do tamanho da minha mão.
Apenas começamos a traçar o longo e tortuoso caminho,
que começou com a primordial bola de fogo,
e levou à condensação da matéria :
gás, poeira, estrelas, galáxias e,
pelo menos no nosso pequeno canto do universo,
planetas, vida, inteligência e homens e mulheres curiosos.
Emergimos tão recentemente,
os eventos familiares da nossa história registada,
ocupam apenas os últimos segundos do último minuto do 31 de Dezembro.
Mas alguns dos eventos críticos para a espécie humana começaram bastante antes,
minutos antes.
Assim mudamos a nossa escala de meses para minutos.
Aqui embaixo, os primeiros humanos, fizeram a sua estreia,
cerca das 23h30 do 31 de Dezembro.
E com o passar de cada minuto cósmico,
cada minuto de 30.000 anos,
começamos a árdua jornada em direcção à compreensão,
de onde vivemos e de quem somos.
23h46
há só 14 minutos,
que os humanos domaram o fogo.
23h59:20, o anoitecer do último dia do ano cósmico,
a vigésima terceira hora, o quinquagésimo nono minuto, o vigésimo segundo,
a domesticação das plantas e dos animais começa.
Uma aplicação do talento humano,
para fabricar utensílios.
23h59:35, comunidades agrícolas determinadas,
desenvolvem-se dentro das primeiras cidades.
Nós humanos aparecemos no calendário cósmico tão recentemente,
que os registos da nossa história ocupam só,
os últimos poucos segundos do último minuto do 31 de Dezembro.
No vasto oceano do tempo que este calendário representa,
todas as nossa memórias estão confinadas,
neste pequeno quadrado.
Todas as pessoas que existiram, viveram em alguma parte aqui dentro.
Todos esses reis e batalhas, migrações e invenções, guerras e amores.
Tudo nos livros de história,
aconteceu aqui,
nos últimos 10 segundos do calendário cósmico.
Nós na Terra acabámos de despertar,
para os grandes oceanos do espaço e do tempo,
dos quais nós emergimos.
Nós somos o legado,
de 15 mil milhões de anos de evolução cósmica.
Nós temos uma escolha :
podemos enriquecer a vida e ir conhecer o universo que nos fez,
ou podemos desperdiçar os nossos 15 mil milhões de anos de herança.
numa auto-destruição sem sentido.
O que acontecerá no primeiro segundo do próximo ano cósmico,
depende do que vamos fazer, aqui e agora,
com a nossa inteligência,
e o nosso conhecimento do Cosmos.