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Mundo Médio -- a faixa de tamanhos e velocidades
na qual evoluímos e nos sentimos confortáveis --
é um pouco como a estreita faixa do espectro eletromagnético
que enxergamos como luz de várias cores.
Somos cegos a todas as frequências além dessas,
salvo se tivermos a ajuda de instrumentos.
O Mundo Médio é a estreita faixa da realidade
que julgamos ser normal, em contraste com a estranheza
do muito pequeno, muito grande e muito rápido.
Poderíamos criar uma escala similar de improbabilidades:
nada é totalmente impossível.
Milagres são apenas eventos extremamente improváveis.
Uma estátua de mármore poderia acenar para nós. Os átomos que compõe
sua estrutura cristalina já estão vibrando mesmo.
Por eles serem tantos,
e porque não há concordância
na direção preferida de movimento, o mármore,
como o vemos no Mundo Médio, permanece imóvel.
Mas poderia acontecer dos átomos da mão se moverem
na mesma direção ao mesmo tempo, repetidamente.
Nesse caso, a mão se moveria e veríamos um aceno
aqui no Mundo Médio. A improbabilidade, claro, é tão grande
que se você tivesse começado a escrever "zeros"
na origem do universo, não teria até hoje
escrito "zeros" o suficiente.
A evolução no Mundo Médio não nos preparou para lidar
com eventos muito improváveis. Não vivemos tempo o bastante.
Na vastidão do espaço sideral e do tempo geológico,
o que parece impossível no Mundo Médio,
acaba sendo inevitável.
Um jeito de pensar sobre isso é contando planetas.
Não sabemos quantos planetas existem no universo,
mas uma boa estimativa é que são 100 bilhões de bilhões.
Por aí conseguimos expressar nossa estimativa
sobre a improbabilidade da vida.
Pode ser feita uma espécie de marcação
ao longo do espectro de improbabilidades, semelhante
ao espectro eletromagnético que vimos há pouco.
Se a vida surgiu só uma vez...
Se a vida pudesse surgir uma vez por planeta
seria muito comum, mas poderia surgir uma vez por estrela,
ou uma vez por galáxia ou talvez uma vez no universo inteiro,
e nesse caso seria aqui. Em algum lugar lá em cima
existe a chance de um sapo se transformar num príncipe
e outras mágicas acontecerem.
Se a vida surgiu somente em um planeta em todo universo,
esse planeta tem que ser o nosso, porque estamos aqui comentando o assunto.
Se quisermos nos valer dessa situação,
nos é permitido postular eventos químicos na origem da vida
com probabilidades tão baixas como 1 em 100 bilhões de bilhões.
Não acho que devemos nos valer dessa situação,
porque eu desconfio que a vida seja bastante comum no universo.
E quando eu digo comum, ainda assim seria tão rara
a ponto de uma ilha de vida jamais encontrar outra.
Uma tristeza.
Como vamos interpretar "mais estranho do que podemos imaginar?"
Mais estranho do que, em princípio, pode-se imaginar
ou só mais estranho do que podemos imaginar, dadas as limitações
do aprendizado do nosso cérebro no Mundo Médio?
Poderíamos nós, treinando e praticando, nos emanciparmos
do Mundo Médio e alcançarmos um tipo de entendimento,
intuitivo e matemático, do muito pequeno
e do muito grande? Eu sinceramente não sei.
Eu imagino se poderíamos nos ajudar a entender a
teoria quântica se colocássemos crianças para jogar no computador,
desde cedo na infância, jogos de um
mundo de faz-de-conta onde bolas passam por fendas numa tela,
um mundo em que os caminhos estranhos da mecânica quântica
fossem ampliados pelo mundo do computador,
tornando-os conhecidos na escala do Mundo Médio.
Similarmente, um jogo relativista no qual
objetos na tela manifestam a contração de Lorentz,
para tentar nos incentivar a pensar --
incentivar as crianças a pensarem no assunto.
Quero finalizar aplicando a idéia de Mundo Médio
às nossas percepções uns dos outros.
A maioria dos cientistas aceitam uma visão mecanicista da mente:
somos do jeito que somos porque o cérebro é do jeito que é;
os hormônios são do jeito que são.
Seríamos diferentes, nosso caráter seria diferente,
se nossa neuroanatomia e química psicológica fosse diferente.
Mas nós cientistas somos inconsistentes. Se fôssemos consistentes,
nossa resposta à uma pessoa mal-comportada, como um infanticida,
seria algo como: "essa unidade tem um componente defeituoso;
precisa de conserto." Não é o que fazemos.
O que dizemos -- incluindo o mais rígido mecanicista entre nós,
provavelmente eu --
o que dizemos é: "Monstro malvado. Vá para prisão."
Ou pior, buscamos vingança, desencadeando
uma nova fase no círculo-vicioso da vingança,
hoje em dia visto no mundo todo.
Resumindo, quando pensamos como acadêmicos,
vemos as pessoas como máquinas complexas,
como computadores ou carros, mas quando voltamos a sermos humanos
nós agimos mais como Basil Fawlty,
que destruiu seu carro para lhe ensinar uma lição quando este
não pegava. (Risos)
Personificamos coisas como carros e computadores
porque assim como macacos vivem nas árvores,
toupeiras vivem no subterrâneo
e insetos d'água vivem na Planolândia,
nós vivemos num mundo social. Nadamos num mar de pessoas --
uma versão social do Mundo Médio.
Evoluímos para questionar o comportamento dos outros
ao nos tornarmos brilhantes psicólogos.
Tratar pessoas como máquinas
pode ser cientifica e filosoficamente correto,
mas é uma grande perda de tempo
se quisermos entender o ser humano.
O jeito economicamente viável de modelar uma pessoa
é tratá-la como um agente com objetivos e aspirações,
prazeres e dores, desejos e intenções,
culpa, responsabilidades.
Personificar e atribuir propósito
é um jeito tão brilhante de modelar pessoas,
que não é surpreendente que o mesmo software
frequentemente toma o controle quando tentamos pensar sobre coisas
que não se aplicam ao modelo, como Basil Fawlty com seu carro
ou os milhões de pessoas iludidas com o universo como um todo. (Risos)
Se o universo é mais estranho do que podemos imaginar,
é apenas porque somos naturalmente selecionados a imaginar
somente o que precisamos para sobreviver
no Pleistoceno africano?
Ou nosso cérebro é tão versátil e expansível que podemos
nos treinar para sair das amarras da evolução?
Ou, finalmente, existem coisas no universo tão estranhas
que nenhuma filosofia, mesmo avançadíssima, poderia sonhar?
Muito obrigado.