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Porque é que para os protestantes
um ser humano nunca vai ser santo?
Bom, trata-se de duas visões de ser humano completamente diferentes, ou seja, duas antropologias:
antropologia católica e antropologia protestante. Nós, para esclarecer melhor
qual é a grande diferença, poderíamos apresentar aqui
dois autores que viveram na mesma época, santa Teresa d'Ávila e o próprio
Martinho Lutero, os dois viveram no século XVI. Santa Teresa d'Ávila, no seu livro "castelo interior", ela apresenta uma
comparação, dizendo que no
coração do ser humano, ou seja, no centro da alma, na sétima morada,
encontra-se ali a Santíssima Trindade
e, de alguma forma,
o pecado
é um véu que encobre essa realidade,
que encobre a verdade ontológica da grandeza
da alma humana.
Já Lutero, tem uma visão
que é o extremo oposto.
Se nós formos ler o seu comentário
à carta de são Paulo aos gálatas,
iremos ver que Lutero diz que
o ser humano é pecador, ou seja, na realidade
a natureza humana, por causa da queda do pecado original, tornou-se corrupta,
e comentando
o capítulo terceiro, versículo 6 de gálatas, ele diz: "a fé,
ela é considerada
por Deus como se fosse justiça", ou seja,
a fé encobre
a miséria humana, ela é o véu
que faz com que o homem possa se apresentar diante de Deus como justo. Veja, são
duas realidades bem opostas. Numa,
nós temos ser o humano bom, precioso,
e o véu do pecado encobre a grandeza.
Noutra, nós temos ser humano pecador e o véu da fé
encobre o pecado,
fazendo com que ele pareça justo. Vamos aprofundar um pouco o que cada um dos dois autores
nos apresenta. Bom, em primeiro lugar nós temos que considerar que isto que santa Teresa d'Ávila está dizendo, não somente é algo que está enraizado na tradição católica, mas é algo que ela descobriu também
na sua própria experiência de fé,
ou seja, santa Teresa aqui está com 60 anos de idade, ela escreve o "castelo
interior" como sendo a obra-mestra, digamos assim, da
sua produção literária, ela é realmente
aqui um esforço de apresentar toda reflexão madura do seu caminho
de santa e de mística.
Santa Teresa descobriu que no fundo da alma humana
habita a Santíssima Trindade, por isso logo no primeiro capítulo das suas
moradas, ou seja, do seu castelo interior, ela quer apresentar
para as monjas carmelitas e para todos nós, a grande verdade, a verdade que a alma humana é uma jóia preciosa,
é uma jóia preciosa
por duas razões: primeiro porque
fomos feitos à imagem e semelhança de Deus, mas não somente por isso, mas também porque, ela diz isso comentando um trecho de provérbios, capítulo 8, versículo 31,
"Deus encontra na alma do justo
o jardim das delícias",
ou seja, Deus gosta de habitar na alma
do justo,
Deus gosta de habitar em nosso coração e por isso a Santíssima
Ttrindade está
no nosso coração. Quando nós pecamos, na realidade, nós estamos alheios a nós mesmos,
é por isso que,
para santa Teresa d'Ávila,
existe uma diferença muito grande entre o ser e o estar. O homem é
esta jóia preciosa, acontece que com o pecado ele está onde ele não é,
ele está alienado, ele está fora de si,
ou seja, está fora do castelo.
Para santa Teresa, na metáfora, a comparação que ela faz,
a alma humana é o castelo.
Se você está no pecado, você está fora do castelo, ou seja,
você está longe de você, você está alheio a você mesmo, você está no fosso
do castelo, fora das muralhas, onde nesse fosso você é entregue aos répteis e animais peçonhentos, asquerosos que
nós levam à morte.
Para entrarmos no castelo, precisamos da oração, ou seja, se você quer saber quem você realmente é,
você precisa rezar,
entrar neste contato
amoroso com Deus e é a vida da oração e do amor com Deus que vai
fazer com que você passe de morada em morada até chegar ao centro
do castelo, a sétima morada,
onde Deus habita. Uma filósofa que depois tornou-se carmelita, Edith Stein,
depois foi canonizada como santa Teresa Benedita da Cruz, ela ao
ler essa realidade de santa Teresa se perguntou: "mas será possível que nós
filósofos, que investigamos alma humana, os psicólogos que conhecem a alma humana, será possível que nós
não conhecemos verdadeiramente a alma humana? Porque, pelo que santa Teresa diz
se você não tiver a oração, você não entra no castelo".
Isso quer dizer que, de alguma forma,
se você não tem uma relação de amor com Deus, você jamais entrará dentro de
você mesmo,
e Edith Stein,
maravilhada, chega à conclusão,
santa Teresa tem razão.
Ou seja, é verdade,
nós só entraremos em nós mesmos
se nós entrarmos numa relação de amor com Deus.
Isso quer dizer o seguinte,
os psicólogos,
como Freud,
ao mergulharem na alma humana
e descobrirem
todo tipo de perversão ***, de tendência pecaminosa, na verdade, eles mergulharam pouco,
eles ficaram ainda na periferia do castelo,
ficaram ainda na casca, não encontraram verdadeiramente o castelo,
ficaram no fosso.
Por isso, a psicologia do profundo, ou seja,
a psicanálise, na verdade é uma psicologia muito rasa, muito superficial. Somente numa relação de amor com Deus é que eu consigo entrar no castelo. É por isso que Lutero
chegou à conclusão
de que o ser humano é tão ruim,
porque, como Freud
e outros pensadores, Lutero, ao mergulhar dentro de si, mergulhou pouco.
Se Lutero fosse verdadeiramente um místico, se ele fosse
verdadeiramente uma pessoa que tivesse entrado em contato com a profundeza da sua alma, ele teria compreendido o Sol
que irradia dentro dele. E assim que nós só podemos dizer que a visão luterana
de homem, a antropologia luterana, é uma antropologia que carece exatamente dessa abordagem,
abordagem da relação amorosa com Deus.
Ou seja, somente os grandes místicos é que conhecem verdadeiramente quem nós somos. Lutero
permaneceu, fora do castelo, permaneceu enxergando aquilo que ele achava que era a profundeza do seu coração de pecador, e é por isso que ele diz que
o homem é "simul justus et peccator",
o homem é ao mesmo tempo justo e pecador. Por quê? Porque, ele olha pra dentro de si e vê as tendências,
a concupiscência, as paixões, mas
na realidade
ele precisava ter entrado mais fundo. Essa concupiscência que Lutero achou dentro dele,
ele achou que era a total perversão
da natureza humana. Santa Teresa d'Ávila não está de acordo, para ela, as paixões, sim, são algo que nós encontramos dentro da alma,
mas só nas primeiras moradas, são pequenos animais, ela usa a palavra
"sevandijas", são pequenos animais que nos mordem e
impedem que a gente enxergue
a beleza do castelo. Lutero, mordido
pelas paixões, pelas "sevandijas",
não conseguiu enxergar a beleza, o cristal, o diamante,
a jóia preciosa, esta pérola do oriente
que é alma humana.
Se ele tivesse,
então,
se voltado para o centro do castelo, se ele tivesse aceitado fazer essa
grande
jornada, esta viagem
para as profundezas
de nossa alma, ele teria encontrado ali a Trindade que brilha e teria encontrado o projeto de santidade ao qual todos somos chamados.
Por isso, a grande verdade do ser humano
é a nossa santidade e se nós não somos santos
é porque precisamos voltar a nós mesmos, precisamos entrar no castelo.