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Eu vim aqui contar a minha história para vocês.
História que tem 44 anos.
Uma das primeiras coisas que aprendi
quando criança com meu avô que não conheci,
mas veio pela tradição dos meus pais,
foi que dinheiro, esterco e conhecimento
no monte, acumulado, é danoso. Mata.
Então, a gente precisa distribuir e circular isto,
para que a gente cresça como gente e como humanidade.
Bom, esta prática, a gente tem que colocá-la no nosso dia a dia,
tanto na nossa família, independentemente de como essa família é formada,
quanto nas nossas relações e mundialmente.
E, fazendo assim, a gente consegue interpenetrar
as nossas ideias e conseguir atingir mais gente.
Eu tinha 17 anos, quando um dia eu cheguei em um córrego
e esse córrego não estava mais lá.
Da noite para o dia, tinha rompido...
Era 20 de março de 1969.
Tinha-se rompido uma barragem de rejeito de mineração.
E, para vocês entenderem o que é
um rompimento de uma barragem de mineração,
imaginem uma *** de bolo que a gente derrama fora da forma.
Só que a diferença é que, em vez de ser farinha, leite, ovos, fermento,
é um rejeito sedimentado muito abrasivo,
pesado, denso,
que corta como uma faca e que tampa tudo.
Sumiu completamente esse córrego.
Minha lembrança toda daquele paraíso
estava debaixo de pelo menos 18 metros de assoreamento.
Então, nascentes, samambaias, peixes, lontras,
toda aquela relação.
Cheguei lá e não vi nem água.
Entrei, primeiro, em estado de pânico, de choque, fiquei imobilizado.
Fiquei vários dias sem entender direito essa história.
Foi quando comecei a pensar: "Tenho que tirar isso de alguma maneira".
Pensei naquela história de pá, carrinho de mão, enxada,
e fui lá para o córrego e fui tirando.
Quatro horas depois, exausto, morto,
não tinha feito nenhuma diferença na história.
Esses conceitos, essa dificuldade de mexer...
Ninguém tinha interesse em retirar aquele assoreamento.
Ninguém tinha. Por quê?
Primeiro, afetava localmente.
Eu fui atrás da Copasa, que na época era Demae,
que rompeu uma adutora.
Nós, em Macacos, tivemos cinco rompimentos de barragem.
Todo mundo lembra do de 2001, mas, anteriormente,
nós tivemos, no mesmo córrego do de 2001, três rompimentos.
O Córrego Alegria, que é esse córrego, foi o primeiro, de 1969,
e depois tivemos um outro córrego
lá próximo de Macacos, chamado Grota Fria.
E em todos esses rompimentos existia uma coisa muito danosa,
que era o assoreamento.
E o assoreamento faz três coisas:
primeiro, ele afasta a possibilidade de o peixe estar ali, de criar.
Segundo, ele também tem um outro problema.
Ele impede que a água se renove, circule.
No mexer, ela produz oxigênio e essas coisas todas.
E nós estamos no aqui no Quadrilátero Ferrífero.
Nova Lima é uma ponta.
Nessa situação, ela vive uma situação dupla.
A primeira coisa é que ela é produtora de minério.
Mas o mesmo minério que é uma riqueza para nós,
também é uma caixa d'água, enorme.
Então, Nova Lima hoje é responsável
por 43%... por 50% da água de Belo Horizonte.
43% em Bela Fama e 7% de Fechos e Mutuca.
Nós estamos grudados em Fechos, microbacia do Córrego Alegria.
E então... este problema...
A gente buscando uma solução e procurando junto com ONG's
e junto com o governo, e junto com as minerações e tudo,
descobrimos, primeiro,
que cada um tinha uma posição,
mas ninguém queria discutir essa história.
Segundo, nós estávamos no início de um movimento ambientalista
e esse movimento ambientalista
tinha uma característica que era a seguinte:
nós éramos protagonistas, mas também nos sentíamos
como se fôssemos inimigos uns dos outros.
Cada um tinha o seu grupo. Cada um fazia um embate:
quem era mais inteligente, quem provava melhor e tudo mais.
Aí, disso eu tirei uma lição.
O tanto de energia que a gente gastou, de dinheiro, de advogado,
de todas essas coisas,
era para provar mais a posição de cada um.
Não era para achar a solução
e entender a ideia.
E isso, então... Junto com mais pequisa e tudo mais,
a gente chegou à conclusão de que tínhamos que fazer
algum produto daquele assoreamento;
transformar aquele problema, aquele patinho feio,
toda aquela história que todo mundo falava:
"Nossa, que horrível, que paisagem lunar!"
"Que história, não quero isso aqui"
em uma solução, em um produto.
E aí, então, – olha ele de novo aqui –
a gente criou, primeiramente, um piso.
Não esse exatamente, mas primeiro um piso.
Fizemos amostras. Tinha uma questão do preconceito da engenharia.
Esse preconceito era um "pré-conceito".
Não era um preconceito.
Esse conceito era por causa do seguinte:
Ao minério de ferro, se você misturar cimento,
você pode literalmente o oxidar
e ele pode se esboroar ou se desagregar com o tempo.
Mas, lá dentro, em Nova Lima, lá na nossa região,
a gente usava em pequenas coisinhas.
"Ah, vai fazer um cimentadinho aqui."
"Ah, vai fazer uma história aqui."
A gente conseguia, com isso,
ter uma prova viva daquilo.
Com mais experiências, e tudo mais, eu falei assim:
"É possível!"
Conversei com a MBR, na época,
tiramos umas amostras do Córrego Alegria,
levamos para o laboratório,
analisamos física e quimicamente.
Analisamos a formação dos grãos,
as espessuras e tudo mais.
E descobriu-se que se poderia fazer um concreto dela,
um artefato de concreto.
A partir disso, patenteei a ideia do processo
e fui levando isso como uma peregrinação para todos os lugares.
Para todos os lugares eu ía com isso debaixo do braço.
Chegavam a me chamar não de PaviEco, mas de FlaviEco. (Risos)
E também fui participando de ONGs.
Criamos juntos a AMA MACACOS, a Apa Sul.
Participei pela ANDA, do conselho do Codema de BH,
de vários conselhos, de várias histórias,
e de olho no foco do Córrego da Alegria.
Era uma cruzada, digo assim, pessoal.
Com isso, a gente começa a descobrir... por isso que eu falei do bioma...
a gente começa a descobrir que esse problema não era só meu.
Era um problema geral,
um problema de bacias que estavam sendo assoreadas por rejeitos de mineração.
E como rejeito é produto,
então, nós, literalmente, precisamos tornar sustentável essa operação.
Daí, para industrializar, foi um longo caminho.
E, nesse longo caminho, a gente teve dificuldade de equipamento,
tivemos que provar a qualidade, fizemos ruas...
Já tem rua com mais de 7 anos, perfeita,
com resistência superior ao concreto tradicional.
Fizemos obras para a MBR, para a Vale,
industriais, dentro da Vale mesmo,
usando um rejeito moderno,
porque o nosso, do Córrego da Alegria, é um presente de Deus para nós,
porque tem toda a resistência e as diversas granometrias,
e o outro era muito fino.
E, hoje, nós estamos em uma segunda fase.
Essa fase nossa é de começar a blindar esses materiais,
e esse produto já é isso,
com outros resíduos.
E dentro disso, nós queremos transformar tudo.
Transformar o lixo, que é uma palavra complicada para nós todos --
eu não aceito lixo, a palavra lixo --
como os novos insumos que nos precisamos.
Então, além do nosso projeto lá do Córrego da Alegria,
que está muito adiantado, que já tem lugar de educação ambiental,
que já tem um horto.
Estamos fazendo um horto e outras coisas,
que é um piloto de revitalização e desassoreamento do Córrego Alegria.
Nós também estamos lançando, lá em Nova Lima,
começando com várias instituições, um Ecopartécnico:
um parque tecnológico de rejeitos e resíduos.
Esse parque vai nos dar a condição
de, pesquisando, criar todos os novos insumos para a cadeia da construção civil.
Nosso objetivo é que, o que é rejeito...
Barragem de rejeito, gente...
A quantidade e volume de uma minioperação,
em 10 anos, são 220 milhões de metros cúbicos.
de rejeitos a serem produzidos.
Uma única mina.
E nós não temos onde colocar as barragens.
Assim como também não temos condição de varrer
o nosso lixo para debaixo do tapete
em aterros, essas coisas, tem que ser...
Tudo tem que virar matéria-prima.
Eu não tenho nenhum costume de falar em público.
Para mim é uma primeira experiência.
Estou muito satisfeito com isso, porque depois vou ter que falar mais.
Mas, tenho certeza de que o caminho é esse:
pegar toda a cadeia da construção civil,
porque o volume de dejetos é enorme;
e ,através de pesquisas, tecnologia, buscar uma solução.
Já temos um convênio com um estado da França,
que também tem essa tradição de mineração,
que é Nord-Pas-de-Calais,
que tem muita pesquisa em torno de sedimento, de rejeitos de ecoarquitetura.
E juntos com o CEFET, com a VALE,
com a prefeitura de Nova Lima
e outros órgãos pesquisadores e tudo,
nós vamos construir lá em cima um EcoParTec.
Mas continuo de volta com minha vontade de desassorear e revitalizar.
O meu sonho é esse: O Córrego Alegria.
Eu só queria mostrar para vocês, já que isso teve toda uma produção...
Me dá aquele outro peixinho ali.
A gente tem um projeto de gerenciar água de chuva...
através de um pavimento para água de chuva urbana.
Para duas coisas:
a primeira ...
Se eu molhar esse negócio aqui, vocês não me batam, não. (Risos)
Porque é o seguinte, o pavimento pode ser permeável.
(Barulho de Água)
Está vendo?
Nada vai para ele.
O *** desse pavimento deu 100%.
Deu 97,6% de permeabilidade.
E esse, que é uma composição, deu uma resistência normal.
Este aqui.
Aí, a gente evoluiu.
E fizemos este aqui.
Ele está dentro da norma.
É o primeiro de que a gente tem conhecimento no Brasil,
que está dentro da norma para resistência,
e com a mesma permeabilidade.
Então, a questão é pesquisa.
O agronegócio conseguiu, aqui no Brasil, dar todos esses avanços. Por quê?
Porque ele investiu em pesquisa.
E agora, a gente está conversando com os parceiros, conversando
com a mineração principalmente, que é a maior interessada,
que pode baixar custos e reduzir todo o dano que ela pode fazer,
e ainda ganhar dinheiro com um segundo produto,
que é fornecer matéria-prima para a construção civil.
E precisa de pesquisa.
Então, gente, é isso.
Eu só queria...
Não falei nada de bacia, era para falar de bacia,
mas a nossa proposta de ser Bacia Viva
é que é uma coisa de completo entendimento de todo mundo,
tanto geográfico quanto do pequenininho,
do pequeno corregozinho,
que eles chamam de mina d´água,
que a gente chama de nascente,
mas que Minas, como diz o poeta, são muitas.
Essa pequena também vai se repetindo
e vai criando a sub-bacia, a bacia e a superbacia.
Então, se a gente agir localmente, dentro da bacia,
e cada um tiver seu pedaço e seu papel,
esse pedaço, esse conceito nos traz localmente para entender isso.
Como ele falou:
sai do Rio Grande, volta para Uberaba,
volta para não sei quem, vai no ponto.
É igual o nosso corpo humano.
Ele também é formado de bacias, de vasos, de água.
Bom gente, é isso que eu...
Bom, já que tem uma tabela periódica,
para mim, lixo...
Vocês vão entender o que essa tabela periódica está fazendo aí.
Isto é um lixo organizado, que a gente pode usar.
Essa é a diferença!
Então, não tem nada. A gente perde bilhões de reais,
de dólares, do que for, todos os dias,
porque a gente não organiza a nossa história
e não pesquisa o que combina, o que agrega.,
o que deve ser guardado com mais carinho por ser danoso
quando está separado e mal guardado.
Então, é isso.
Acredito que nós temos um grande trabalho pela frente,
é uma ideia muito simples,
mas eu faço ela com muito amor e gosto muito do que eu faço.
Gente, obrigado!
(Aplausos)