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Uma entrevista com Nicolás Goldbart sobre "Fase 7"
Eu estava trabalhando num outro filme,
que era um projeto muito maior,
e estava me exigindo muito trabalho.
Tínhamos conseguido um pouco de dinheiro para fazê-lo,
mas não avançava e o filme já estava parado há...
Estava parado fazia bastante tempo,
e a pessoa que investiu o dinheiro começou...
a nos perguntar o que íamos fazer.
Assim, nós o convencemos a fazer um outro filme,
mas ainda não sabíamos o quê!
Nesse momento, me vi forçado a escrever um novo roteiro,
e era justamente quando teve aquela epidemia de Gripe A.
Estávamos em plena Gripe A em Buenos Aires...
e me parecia que o que estávamos passando com a gripe...
era ao mesmo tempo algo trágico,
porque havia gente ficando doente e morrendo,
e também cômico, absurdo,
pela falta de informações e por não saber bem o que acontecia,
gerou um pânico que talvez tenha sido pior e mais perigoso que a própria doença.
E então... me pareceu que ali havia uma boa ideia para um filme.
Pensei em coisas muito absurdas, com bastante humor ***,
e achei que tinha potencial.
Também me parecia ser um filme possível, então comecei a pensar...
naquela típica ideia para um filme de baixo orçamento:
dois personagens e uma locação.
Eu queria fazer uma coisa possível, rápida e prática.
Então, o filme nasceu com uma estrutura mais teatral.
Havia dois personagens num mesmo cenário...
e do lado de fora a epidemia se manifestava com pequenas coisas...
que entravam e saíam do quadro.
Mas depois de algum tempo essa ideia começou a crescer,
e o meu argumento começou a tomar uma forma maior.
Por isso, o filme ficou mais importante que na ideia inicial.
Nunca explicamos o que é o vírus, pode ser qualquer vírus,
e tudo que diz respeito ao vírus no filme é quase ignorado.
Sempre que há uma informação importante,
os personagens estão olhando para o outro lado.
Mas não importa, o que importa nesse caso...
são as pessoas, o que acontece com as pessoas.
O vírus mata, mas não tanto quanto as pessoas!
Não me interessava que o filme fosse uma história sobre a Gripe A.
É sobre uma situação-limite e como as pessoas reagem a ela.
Poderia ser qualquer coisa lá fora: uma invasão alienígena, zumbis,
a Terceira Guerra Mundial...
Usamos um vírus, mas podia ter sido outro tema.
Não, eu não vi. E não quis ver depois.
Depois que terminei as filmagens,
veio todo mundo me falar sobre "REC".
Eu não tinha visto porque...
Eu terminei o meu filme um pouco depois, mas não muito.
Quando começaram a falar em "REC", eu não tinha visto e não quis ver,
porque disseram que os filmes tinham muito em comum...
e preferi não vê-lo para não me contaminar.
Mas pelo que eu vi nos trailers e anúncios,
"REC" é mais sobre monstros, nesse caso zumbis.
E no meu não tem nada disso.
REFERÊNCIAS
"O Exército do Extermínio", Romero, Carpenter...
e o cinema americano dos anos 80.
Eu acho muito interessante como... Romero também é dos anos 70...
Mas é interessante como são diretores que usam o gênero como veículo...
- ...para contar outra coisa. - Crítica social.
Sim, tem um subtexto político.
Romero e Carpenter são dois diretores cujos filmes vejo...
e alguns mais, outros menos, mas sempre estou de acordo com o filme.
Gosto desses diretores por usarem o gênero como um veículo.
TRILHA SONORA
Durante a montagem, eu trabalhei usando músicas de referência...
de "Eles Vivem" e "Fuga de Nova York".
E depois, com o músico, nós tentamos chegar,
sem repetir e sem copiar, a uma música que fosse parecida,
que fosse original, mas que tivesse esse espírito.
Então, buscamos a mesma orquestração...
e essa coisa da repetição.
Eu queria claramente que a música do filme fosse "Carpenteriana",
não que fosse cópia de uma trilha sonora de Carpenter,
mas com a mesma pegada e a mesma sonoridade,
que me parece que funcionava bem com essa situação claustrofóbica.
Sim, dá para reconhecer. A música tem dois ou três...
desses clichês de Carpenter, que são muito característicos.
E em alguns momentos lembra também Morricone, uma coisa meio épica,
uns acordes mais "Morriconescos".
Então sim, tem essa referência à música de "Eles Vivem" e "Fuga de Nova York",
e também de "Assalto à 13 DP", um dos meus filmes preferidos.
Acho que "Fase 7" tem essa situação de cerco,
então de certo modo tem algo também de "Assalto à 13ª DP".
PROBLEMAS DE FILMAGEM
A filmagem foi um inferno, porque a locação...
A maior parte do filme acontece nas escadas, não nos apartamentos,
e havia muito pouco espaço. Então...
toda a equipe de filmagem estava posicionada de maneira vertical...
nas escadas. Tipo, no terceiro piso ficava o cara do som,
no quarto piso estava meu assistente, sempre para cima e para baixo...
num espaço muito pequeno.
E era muito calor, por causa do espaço e de tanta gente,
fazia muito calor lá dentro, e os atores vestidos com os trajes.
Eram muito quentes, asfixiantes, sufocantes,
e as máscaras ficavam embaçadas a todo momento.
Entre um plano e outro eles precisavam tirar e vestir de novo os trajes.
E isso não era algo simples, exigia todo um processo.
Inclusive toda vez que (Daniel) Hendler tirava a máscara,
o seu bigode falso se soltava e era preciso colar de volta.
Era complicado, pois foram semanas com gente trancada num mesmo lugar.
Acho que a filmagem renderia um filme por si só. Foi muito cansativa.
E eu pensei que seria fácil.
Na primeira semana foi tudo muito fácil.
Porque na primeira semana filmei as cenas do casal no apartamento,
e foi mais agradável, só com dois atores,
próximo daquela minha ideia inicial de só ter dois atores no apartamento.
Mas quando tivemos que sair e usar os trajes, no primeiro dia com os trajes,
eu percebi que seria muito complicado, e ainda tínhamos quatro semanas daquilo!
Logo, as perspectivas eram dramáticas.
E o ator Yayo (Guridi), no primeiro dia que vestiu o traje,
já disse que não conseguiria trabalhar com aquilo.
Então tínhamos que trabalhar dependendo do seu humor, do seu estado de ânimo.
- E ele aparece quase todo tempo com o traje!
Era muito tempo vestindo o traje, e ele odiava, ficava nervoso.
Por isso, em alguns momentos sou eu dentro do traje,
para aliviá-lo da tortura de ficar lá dentro.
E a verdade é que esses trajes eram... inumanos.
Muita gente me pergunta sobre uma continuação,
e comecei a pensar em como seria.
Eu até já tenho algumas ideias, mas não sei se vale a pena.
Muita gente me pediu, não sei se a sério.
Porque o filme tem um final aberto que deixa espaço para uma continuação.
Não sei se faz falta uma conclusão.
Mas se um dia eu resolver continuar, será um filme estilo "Mad Max".
- Apocalíptica? - Sim, mas seria o contrário.
Seria um filme em espaços abertos, e não tão claustrofóbico.
- Com mais grana. - Sim, com mais dinheiro...
porque filmar ao ar livre exigiria um maior orçamento.
Não sei... Não que eu não consiga,
eu até pensei nisso, mas não sei se é uma boa,
se faz sentido, digamos.
ATORES
Daniel é meu amigo. Ele queria fazer um filme comigo,
leu o roteiro, gostou e aceitou.
Ele já estava no projeto anterior,
e quando eu disse "Faremos esse e não esse outro",
ele aceitou no mesmo momento, leu o roteiro e gostou.
O que acontece é que os atores não têm muitas oportunidades de fazer esse tipo de produção.
Eles gostam e admiram isso.
E a maioria achou interessante porque iriam trabalhar uns com os outros.
Frederico queria trabalhar com Daniel,
Yayo queria trabalhar com Daniel e Frederico.
Então, foi muito fácil convencê-los a participar do filme.
Nesse sentido me surpreendi, inclusive por ter Frederico no filme.
Foi uma surpresa para mim, porque lhe mandei o roteiro sem esperança.
Daniel me colocou em contato e fui muito hesitante falar com ele.
Levei o roteiro na mão e a pior possibilidade seria ouvir um não e ele disse sim.
Então, na verdade, não foi difícil.