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Muito obrigado, Fernando.
É um grande prazer estar aqui.
Tanto no Mackenzie quanto, é claro, em São Paulo.
Peço desculpas de antemão por falar em inglês,
mas acredito que o inglês da maior parte da plateia
é muito melhor do que o meu português.
Pois então, não posso dizer que conheço bem esta cidade
pois acabei de completar minhas primeiras 24 horas aqui
e ninguém pode conhecer uma cidade,
principalmente tão complexa quanto esta,
em um dia, uma semana, um mês,
muito menos em uma única visita.
Antes de deixar Nova York, recebi um telefonema
de um jornalista de São Paulo que queria me entrevistar.
Disse que estava preocupado que eu não achasse
esta uma grande cidade porque ela não era bonita o suficiente.
Respondi que eu achava que isso não importaria tanto quanto ele pensava,
pois, em uma grande cidade, a energia geralmente pode ser equivalente à beleza.
Agora que estou aqui, acho que há muita verdade nisso.
Não quer dizer que beleza não importa,
mas está longe de ser a única coisa que define uma cidade como grandiosa.
Há muita coisa em toda parte aqui
que, na verdade, é incrivelmente bonita.
Tive o privilégio de ver um pouco disso hoje
e, acho, verei um pouco mais amanhã.
Acho também que estou um tanto empolgado agora
porque ontem eu finalmente realizei...
o que quase chamo de um sonho de vida ao visitar Brasília
que, devo dizer, é um dos lugares mais notáveis do planeta.
Não é uma das melhores cidades.
De certa forma, é o contrário de São Paulo, pois é um lugar
em que falta aquela energia urbana que temos por aqui.
Mas Brasília é um local poderoso e assombroso mesmo assim.
Eu não conseguia parar de pensar
sobre por que algumas coisas funcionam nela e outras não.
Ela parece confirmar a visão de que os modernistas
eram muito bons em fazer objetos bonitos
e muito ruins em fazer cidades.
Principalmente porque eles tratavam as cidades
como se fossem coleções de objetos e nada mais do que isso.
Mas é especialmente interessante ver Brasília agora,
depois de 50 anos do que se pode chamar de crescimento natural
ao redor dos belos prédios de Niemeyer,
criando o semblante de um ambiente urbano mais denso,
apesar da ausência de qualquer provisão real
de planejamento urbano tradicional no projeto.
Coisas assim acontecem e, como Sigmund Freud
disse de forma memorável: “a realidade insiste em si mesma”.
E isto é tão verdadeiro no mundo exterior do ambiente urbano
quanto no mundo interior de nossas próprias psiques.
A conexão entre essas coisas que ocorrem naturalmente
e as coisas que planejamos
é uma das coisas que exploro no livro
A relevância da arquitetura.
Trata-se de um novo livro e estou excepcionalmente feliz
por ser agora publicado no Brasil
e cujo lançamento oficial se dá nesta noite.
Em parte porque o Brasil é um país
que parece ter tanta paixão pela arquitetura
quanto qualquer outro país que conheci,
na verdade, talvez mais do que eu tenho às vezes visto nos Estados Unidos.
Acho que ninguém precisa conhecer bem o Brasil
para perceber que, conforme o país alcança uma posição
cada vez mais proeminente no cenário mundial,
seu perfil arquitetônico só parece subir
e, por perfil arquitetônico, não quero dizer apenas os prédios
que se constroem aqui,
mas também o papel que a arquitetura exerce na cultura geral.
Isto não deveria ser uma surpresa,
pois a arquitetura, inevitavelmente, acompanha a prosperidade
e tem havido muita prosperidade a ser acompanhada no Brasil recente.
Mas há também forças mais profundas nisso tudo.
O Brasil, de forma única entre os países desenvolvidos,
assumiu um compromisso extraordinário com a arquitetura
ao conceber e construir Brasília.
Eu me lembro de ficar abismado quando criança
ao ver as fotos daquela nova cidade fascinante em construção
no meio do nada e ao pensar que, agora, no Brasil,
haveria um lugar que deveria ser muito futurista,
que acredita no futuro de uma forma que ultrapassava
tudo que eu já tinha conhecido.
Mesmo no começo dos anos 1950 ou 1960,
quando os Estados Unidos tinham muito mais confiança no futuro
do que parecem ter hoje.
Os Estados Unidos daquela época era um lugar sem nenhum interesse oficial
na arquitetura moderna.
Sim, aqueles arranha-céus de vidro modernos se tornavam mais comuns,
mas casas modernistas eram uma raridade,
bem menos comuns do que no Brasil.
E a ideia de que o governo poderia comissionar obras de arquitetura moderna
para serem símbolos de todo o país
e receber todas as operações do governo era algo impensável.
Ainda é impensável nos Estados Unidos,
onde a crença de que prédios públicos do governo
devem ser prédios que representem a arquitetura histórica tradicional
parece ter se enraizado ainda mais nos últimos anos.
É claro que o modernismo
como visto em Brasília e em tantos outros lugares,
é agora um estilo histórico.
Eu já mencionei suas profundas deficiências em termos de urbanismo,
deficiências que estão sendo parcialmente corrigidas,
não por planejamento, mas pelo fato do crescimento orgânico natural.
Mas o fato de Brasília ser deficiente
e, ao mesmo tempo, 50 anos depois,
algo como um artefato histórico,
não diminui de forma alguma a ousadia que representa
e o incrível grau de fé que o Brasil colocou na noção
de que a arquitetura pode exercer um papel vital
para que a nação alcance um senso de identidade.
E essa nova arquitetura faria com que toda uma nação
e toda uma cultura se sentissem novas, renovadas e criativas.
Eu admiro isto profundamente
e, apesar de minhas sérias reservas a Brasília como obra de urbanismo,
isso não diminui de forma alguma
minha admiração por ela como afirmação da crença nacional
no potencial da arquitetura.
Nos Estados Unidos ainda estamos muito atrás do Brasil nesse aspecto.
Mesmo quando temos um projeto modernista brilhante,
como o grande Memorial aos Veteranos do Vietnã de Maya Lin, em Washington,
travamos brigas horríveis antes de ele ser construído.
E eu me lembro do quão enfaticamente muitas pessoas insistiam
que aquilo seria muito abstrato para servir como um símbolo significativo.
É claro que, nesse caso, o oposto virou verdade,
pois ele se tornou um símbolo brilhante e poderoso
e seu sucesso depois de um quarto de século
silenciou a maioria dos duvidosos.
Embora para a maioria das pessoas nos Estados Unidos
a ideia de que algo moderno poderia simbolizar seu país
só tenha sido concebida pela primeira vez
há apenas 10 anos, no 11 de setembro,
quando as torres gêmeas do World Trade Center
se tornaram nossos primeiros arranha-céus-símbolo
e, assim, símbolos inadvertidos do que a nação poderia representar.
É irônico que, nos Estados Unidos,
nosso símbolo modernista mais potente
tenha passado a ser não um dos nossos melhores prédios,
mais um dos menos distintos,
o World Trade Center.
De qualquer modo,
vamos prosseguir para o livro cuja publicação
é marcada por este evento
e dizer algumas palavras de forma mais ampla sobre ele,
A relevância da arquitetura.
Sou especialmente grato... à BEI
e à sua equipe notável,
coordenada por Marisa Moreira Salles,
por fazerem este livro de forma tão bonita e elegante
e por serem tão fiéis à intenção original,
que foi uma tentativa de descobrir o que permeia uma vida passada
pensando e escrevendo sobre arquitetura,
numa tentativa de colocar em palavras todas as ideias
que tive como certas por boa parte da minha vida.
Sinto certa necessidade de explicar este livro,
talvez porque ele não seja um livro que se encaixe em uma categoria normal
de livros de arquitetura.
Definitivamente, não é um livro de história.
Há muitos livros de história da arquitetura por aí
e acho que não precisamos de mais um.
Não é um livro chique de mesa de centro,
com fotos coloridas brilhantes.
Então, embora possa não ser ornamentado ou caro o suficiente
para estar na sua mesa de centro,
espero que, diferente de muitos livros de arquitetura,
este aqui seja lido de verdade.
Para continuar com o que A relevância da arquitetura não é,
ele também não é um guia de estilos arquitetônicos.
Já existem muitos desses também.
E alguns deles são muito bons.
Mas, na mesma linha, também não é um dicionário de arquitetura.
Na minha opinião, se quer saber o que é a arquitetura georgiana,
ou clássica, ou espanhola,
ou o que é uma pilastra ou um frontão,
você pode sempre consultar esses termos.
Eu mesmo não me lembro sempre da diferença
entre uma arquitrave e um entablamento
e admito isto na privacidade desta sala.
É pra isso que servem esses outros livros.
Este livro serve para as coisas que você não pode consultar.
Os sentimentos, as emoções, as conexões pessoais
que sentimos em relação à arquitetura e a maneira como ela nos afeta.
Vocês já podem ter ouvido a famosa frase de Winston Churchill
sobre como “criamos nossas construções,
e depois são elas que nos criam”.
Eu acho que este livro é uma tentativa, no fundo,
de explicar essa frase de Churchill
e descobrir como e por que isso ocorre.
Como construímos nossos prédios e como eles, por sua vez, nos constroem.
O que faz algo nos afetar de uma forma
e outra coisa nos afetar de outra forma.
Por que você pode gostar mais do Edifício Copan do Niemeyer
do que do Edifício Banespa, digamos.
Por que algumas coisas sobre sua escola da infância
estão gravadas com mais firmeza na sua consciência
do que algumas coisas do escritório em que você, adulto, trabalha hoje.
E como os prédios nem sempre são da forma como nos lembramos.
Como eles, como nós, mudam com o tempo.
E, finalmente, como os prédios trabalham juntos
para criar um senso maior de espaço.
Devo ressaltar aqui que a maioria dos exemplos do livro são americanos.
A intenção dos exemplos é levantar questões
que podem se aplicar a outros lugares e a outras culturas.
Na verdade, nem tudo é americano.
Um dos primeiros prédios discutidos em detalhe
é o Museu Sir John Soane.
Aquele museu relativamente pequeno, pouco conhecido
e extraordinário em Londres,
feito por um dos maiores e mais criativos arquitetos clássicos da história.
Não há nada específico sobre a arquitetura do Brasil neste livro,
mas as ideias básicas, espero eu, podem ser aplicadas aqui e em qualquer lugar.
De qualquer forma, o livro começa com a afirmação
de que eu sei que a arquitetura significa muito para mim,
mas que não tenho a intenção de dizer que ela pode salvar o mundo.
A boa arquitetura não é pão na mesa
e nem justiça no tribunal.
Ela afeta a qualidade de vida, sim,
e às vezes com uma força impressionante, mas não cura os doentes,
não ensina os ignorantes e nem sustenta a vida por si só.
Na melhor hipótese, ela pode ajudar a curar e a ensinar
ao criar um ambiente confortável e estimulante
para que essas coisas aconteçam e sejam mais eficientes.
Esta é uma das formas pela qual a arquitetura,
embora não possa sustentar a vida,
pode dar significado a uma vida já sustentada.
Então, quando falamos da relevância da arquitetura,
é importante entender que o motivo de ela ser relevante,
além da óbvia função de abrigo,
é o mesmo motivo pelo qual qualquer tipo de arte é relevante.
Porque torna a vida melhor.
Agora, muitas das coisas arquitetônicas que mais amamos
e com as quais mais nos importamos não são obras de arte de forma alguma.
A arquitetura vernacular, a arquitetura comum e inconsciente de si mesma
na paisagem cotidiana
nos dá um bom exemplo.
É difícil não gostar das casas brancas com telhas no Mediterrâneo,
das casas das vilas em encostas italianas,
dos prédios comerciais de tijolos nas ruas principais
das cidades do centro-oeste americano.
Há alguma coisa na forma pela qual os humanos são projetados
que reage bem a algumas formas e não a outras.
E essa arquitetura vernacular testada pelo tempo
reflete não apenas as condições climáticas e culturais de suas regiões,
mas também essas formas inerentemente atraentes.
Mas, sozinhas, por mais maravilhosas que sejam, não são o suficiente.
A boa arquitetura é algo além disso.
Algo que nos leva além do vernáculo.
Dizer o que torna uma obra de arte bem sucedida
não é mais fácil do que dizer o que faz um bom quadro ou boa música.
Mesmo assim, de tempos em tempos, a inovação aparece de forma tão poderosa
que abre seu caminho e nos faz ver o mundo de forma diferente.
Essas mudanças podem ser pequenas.
A noção de que a arte, mesmo a boa arte, cria epifanias
é mais uma coisa de bibliografias pretensiosas do que da vida real.
Rara é a vida
que é transformada pela exposição a uma única obra de arte.
Mas a arte de fato nos modifica pela empolgação,
choque e um senso maior de possibilidade.
E uma vez que sentimos essas coisas, não somos mais os mesmos.
Louis Kahn, o grande arquiteto americano depois de Frank Lloyd Wright,
costumava falar da grande arte não como suprimento de uma necessidade.
Necessidade, disse ele, é somente um punhado de bananas.
Mas, sim, da “satisfação de um desejo”.
Desejo, e não necessidade,
é o que leva à grande arte, disse Kahn.
Mas quando o feito artístico é grande o suficiente,
ele se torna uma nova necessidade.
O mundo não “precisava” da Quinta Sinfonia de Beethoven, disse Kahn,
até que ele a compusesse.
Depois disso, ninguém que a tivesse ouvido podia conceber a vida sem ela.
Começamos a precisar de Beethoven não por causa de uma necessidade inata
dos seres humanos, mas porque o desejo dele,
expresso em sua arte, levou a isso.
Assim como ocorreu com a Quinta sinfonia, o mundo não foi mais o mesmo
depois do Davi de Michelangelo, ou de Hamlet,
ou de Le Demoiselle d’Avignon de Picasso.
E o mesmo pode ser dito das pirâmides, do Parthenon,
do Panteão, da Catedral de Chartres, da Universidade de Virgínia de Jefferson,
do Unity Temple de Frank Lloyd Wright, da Villa Savoye de Le Corbusier,
do Edifício Seagram de Mies Van der Rohe, do Salk Institute de Kahn,
e de centenas de outros prédios
que expandiram nosso senso de possibilidade humana.
E, talvez, possamos até mesmo colocar os melhores prédios de Niemeyer
em Brasília nesta lista.
Expandir o senso de possibilidade humana é uma noção adorável,
mas, como definição de boa arquitetura,
é algo bastante vago e insatisfatório.
Não somente porque há formas perturbadoras, bem como estimulantes,
pelas quais a possibilidade humana pode ser expressada.
Pode-se dizer que os novos dispositivos com os quais os terroristas
atacam as civilizações também são formas de se expandir a possibilidade humana,
apesar de serem formas grotescas e horríveis.
Mas, mesmo se tomarmos somente esta conotação positiva,
esta frase sugere um tipo de missão bem intencionada new age
na qual a arte fornece o banho quente,
cheio de elevação intelectual e espiritual.
É importante lembrar que a arte,
de todos os tipos, não só a arquitetura,
existe para desafiar, não para agradar.
Ela geralmente expande a possibilidade humana de formas difíceis de entender,
perturbadoras e até mesmo chocantes de se vivenciar.
A arte, em seu aspecto mais importante,
não é meramente uma questão de olhar coisas belas.
Ela pode ser difícil e perturbadora.
Ela nos força a ver as coisas de um jeito diferente,
em parte quebrando o molde do que havia antes.
O novo é muitas vezes difícil de aceitar, pode parecer feio ou grosseiro.
Só raramente é percebido como belo.
“Não considero a arte um consolo. Considero-a criação.
Considero-a um espaço energético que gera espaço energético”,
escreveu Jeanette Winterson, que em outro contexto observou
que “a pessoa mais conservadora e menos interessada
provavelmente lhe dirá que gosta do pintor Constable.
Mas será que nosso assertivo amigo teria gostado de Constable em 1824,
quando ele foi exibido no Salão Francês e provocou um motim?
Para o olhar médio de hoje, Constable é um pintor de belas paisagens,
não o revolucionário que aplicava cor viva em cima de cor viva
sem rebaixá-las por meio do chiaroscuro.
Tivemos 150 anos para nos acostumar com o homem
que voltou as costas para a pintura de ateliê,
levou seu cavalete para o ar livre e pintou ao enlevo da luz.
É fácil copiar Constable.
Não era fácil ser Constable”.
Nem era fácil ser Joyce, Stravinski ou Juan Gris,
ou Le Corbusier, ou Mies van der Rohe, ou Louis Kahn, ou Robert Venturi,
ou Frank Gehry, ou Rem Koolhaas, ou Zaha Hadid.
Em todos os casos, esses artistas quebraram as convenções
e mudaram nossa noção do que a cultura é capaz de produzir.
Suas inovações, a maioria, pelo menos, agora nos agradam
e até nos emocionam, mas quase todos gozaram de pouca popularidade no início
e foram vastamente incompreendidos.
Mesmo quando é arte,
a arquitetura não escapa de sua obrigação de ser prática,
e suas falhas não deveriam ser postas de lado.
Pelo menos não inteiramente.
As considerações práticas não deveriam desempenhar
papel dominante nos julgamentos.
É mesquinho reclamar que as casas de Frank Lloyd Wright têm goteiras,
que as de Le Corbusier se desgastam com o tempo,
ou que as de Frank Gehry são difíceis de construir.
Tudo isso pode ser mais ou menos verdade,
mas e daí?
O teto com goteiras não é problema nosso, ou meu.
Nem o fato de que nós poderíamos não gostar de viver
em uma construção assim.
A extraordinária Villa Savoye, que Le Corbusier completou em 1929
em Poissy, um subúrbio de Paris,
foi motivo de um debate iracundo entre o arquiteto e Madame Savoye,
que achava a casa “inabitável”,
embora tivesse morado nela por mais de uma década.
Seu desconforto é compreensível,
como o é a ira contra Mies van der Rohe por parte de Edith Farnsworth,
que, como os Savoye,
teve o azar de ter de conviver com uma obra de arte o tempo todo.
Uma tarefa quase impossível.
O restante de nós se dá ao luxo de só olhar para essas casas quando quer.
Algumas pessoas, é claro,
são capazes de vê-las apenas de maneira prática.
Quando a Casa de Vidro de Philip Johnson, terminada em 1949,
uma mulher pretensiosa que visitava essa obra, então escandalosa,
de arquitetura moderna, virou-se para o dono e disse:
“Muito bonita, mas eu não seria capaz de morar aqui”.
“Eu não a convidei, minha senhora”, respondeu Phillip Johnson.
Exatamente.
E, se tivermos a sorte de poder apreciar o edifício x ou o edifício y
apenas como uma experiência estética,
a despeito de sua utilidade, tanto melhor.
Sim, o teto tinha goteiras na Villa Savoye,
mas não pingava em vocês nem em mim.
As paredes de vidro da casa de Farnsworth e a ausência de persianas
faziam com que fosse realmente muito difícil morar lá durante o verão,
mas nem vocês nem eu estávamos tentando dormir lá.
Não precisamos pensar nessas casas em termos de conforto.
Somos livres para pensar no desafio e na beleza,
tratando as casas como obras de gênio,
muitas vezes incompatíveis com as exigências da vida cotidiana.
No entanto, é impossível negar o conceito de desafio
tão intimamente ligado à vivência artística se apresenta como um dilema,
no que tange à arquitetura,
porque esta se sente pouco à vontade,
e é até mesmo incompatível com ele.
Se a boa arte existe para desafiar em vez de agradar, como eu disse,
então que dizer da obrigação da arquitetura de prover abrigo e conforto?
Ao contrário da arte e da literatura,
a arquitetura precisa nos proteger dos elementos.
Ela precisa, de certo modo, nos mimar, pois sua tarefa é nos proteger.
Não podemos conviver com a arquitetura como desafio permanente,
do mesmo modo que não podemos ler Joyce como literatura escapista,
nem tratar John Cage como se fosse música ambiente.
A arte exige atenção, e a imposição da presença da arquitetura em nossas vidas
torna impossível a atenção constante.
Isso é, aliás, verdadeiro com relação a qualquer arquitetura,
desde prédios construídos apenas para dar conforto
até aqueles projetados principalmente como um desafio.
A arquitetura cotidiana nós dá certa licença para ignorá-la,
para pensar nela como uma espécie de zumbido de fundo, é claro.
Mal vemos a maior parte da arquitetura à nossa volta.
A familiaridade muitas vezes gera não o desprezo,
mas sim a complacência.
Os Savoye e Edith Farnsworth teriam aceitado alegremente a complacência,
desconfio.
Não é de espantar que não tenham ficado contentes, pois é difícil
viver dentro de uma obra de arte durante todos os dias da vida.
Os donos de casas de Frank Lloyd Wright
falam que sentem sua presença o tempo todo,
e não em termos espirituais ou fantasmagóricos.
Querem dizer que cada aspecto de suas casas
é tão poderosamente modelado pela estética de Wright
que sentem que ele está dirigindo suas sensações
e seus movimentos cotidianos.
A arquitetura projetada para ser uma presença constante na nossa vida
também pode elevar demasiadamente nossas expectativas.
Mesmo se não cria a ansiedade sofrida pelos Savoye ou por Edith Farnsworth,
ainda assim parece sacudir diante de nossos olhos
uma espécie de mundo ideal, uma perfeição estética
que se poderia facilmente adotar como um bálsamo para diversas agruras,
e uma promessa de perfeição em outros aspectos da vida.
Não é, evidentemente, isso.
A arquitetura perfeita não torna nossa vida perfeita.
“A arquitetura mais nobre pode às vezes fazer menos por nós
do que uma sesta ou uma aspirina”,
escreveu o filósofo Alain de Botton em seu livro A arquitetura da felicidade.
“Mesmo se pudéssemos passar o resto de nossas vidas na Villa Rotonda
ou na Casa de Vidro, ainda assim ficaríamos muitas vezes de mau humor.”
Eu adoro essa observação, pois ela nos lembra
de que nem a melhor arquitetura pode consertar tudo.
Como eu disse há alguns minutos, estou muito mais interessado
nos sentimentos que um prédio evoca em nós ao olharmos para ele,
andarmos por ele ou convivermos com ele por um tempo
do que no ponto em que o prédio se encaixa na história
e na teoria da arquitetura.
É por isso que o livro A relevância da arquitetura
não está organizado cronologicamente e nem em termos de estilos de arquitetura
ou tipos de prédios, mas em termos das formas
nas quais a arquitetura nos afeta ou de como pensamos sobre ela.
Os títulos dos capítulos deixam isso claro:
“Significado, cultura e símbolo” é o primeiro.
Este capítulo trata de toda a ideia da arquitetura como um tipo de linguagem,
uma linguagem que nos foi dada em grande parte pela tradição clássica.
O maior presente que o período antigo deu à arquitetura ocidental
foi a criação de uma linguagem que é tão familiar à maioria de nós
que mal pensamos nela.
Como a linguagem que usamos em conversas cotidianas.
O classicismo é realmente a linguagem básica da arquitetura ocidental.
Ele nunca nos deixou de verdade.
Muitas vezes no passado, digamos, no século XVIII em Londres, por exemplo,
quando o classicismo evoluiu para o que chamamos de arquitetura georgiana,
ele foi a linguagem dos elementos arquitetônicos
com os quais era possível construir prédios comuns e obras-primas.
Se fosse um arquiteto, entenderia aquela linguagem muito bem
e poderia empregá-la.
Se fosse um leigo culto, poderia entender
e apreciar seus detalhes e sutilezas.
Mas se lhe faltasse todo o conhecimento, você ainda poderia aproveitar a clareza
e o ritmo dos prédios erguidos naquela linguagem
e ver que ela criava uma cidade com uma beleza viva.
Este foi seu grande presente, pois todos podem, de algum jeito,
ler essa linguagem arquitetônica, mesmo quando não são cultos o suficiente
para escrever nela por si mesmos.
Isso ocorre também com muito da linguagem arquitetônica moderna
de São Paulo, onde, como eu disse antes, me surpreendo
com a quantidade de prédios modernos, mas também com a qualidade geral deles.
Embora haja poucos grandes prédios
e um número significativo de prédios realmente terríveis,
há também muitos prédios bons que se reúnem com mais sucesso
do que na maioria das cidades norte-americanas,
criando uma linguagem arquitetônica moderna comum.
Uma linguagem que emerge da crença de que cada prédio,
não importa o quão privado ele é, demonstra uma presença pública,
possui uma obrigação com a rua e com todos que passam por ela,
mesmo que as pessoas não tenham nenhum motivo para entrar pela porta.
Dessa linguagem comum surge a noção de que prédios criam um tecido urbano
e, daí, o início do ambiente civilizado.
Continuando, há um capítulo chamado “Desafio e conforto”,
que trata do que falei há alguns minutos
sobre a tensão constante na arquitetura entre nos desafiar,
assim como a arte deve fazer, e cuidar de nós,
exercendo certo papel protetor que a arte não precisa ter.
Depois, o capítulo “Arquitetura como objeto”,
que começa com a premissa de que temos que admitir
que, o que quer que um prédio seja, ele ainda é só uma coisa,
uma coisa física no mundo físico e material
e, por isso, sua aparência ainda significa muito.
Depois, temos “Arquitetura como espaço”,
pois é na elaboração do espaço interior, do formato dos ambientes,
que residem as maiores conquistas de muitos arquitetos.
Nesse capítulo falo bastante sobre prédios religiosos,
pois vale notar que os prédios religiosos parecem se encaixar mais naturalmente
em uma discussão de espaço do que qualquer outra coisa.
Afinal...
falamos muito sobre o espaço sagrado,
mas nunca sobre fachadas sagradas ou estruturas sagradas.
“Arquitetura e memória”, outro capítulo
e um dos meus favoritos no livro, em parte porque é o mais pessoal,
trata de como cada um de nós possui suas próprias memórias
formadoras de arquitetura, sejam elas da infância,
da adolescência ou da juventude,
e de como temos uma memória cultural compartilhada da arquitetura
estabelecida por meio de filmes, literatura e arte,
e de como as memórias pessoais e compartilhadas interagem continuamente.
Depois disso, temos o capítulo chamado “As construções e o tempo”,
que não é o mesmo que “Arquitetura e memória”
Ele trata de como os próprios prédios mudam com o tempo,
assim como nossa postura em relação a eles.
Nesse capítulo falo bastante sobre a preservação histórica
e sobre como muitos prédios não são entendidos em suas próprias épocas,
e menos ainda nos períodos imediatamente posteriores.
Geralmente, é preciso uma geração ou mais
para que um prédio encontre seu lugar e, mesmo assim,
as gerações futuras verão as coisas de um modo diferente.
Um dos melhores exemplos, e que está incluído no livro,
é o campus da Universidade de Yale, em New Haven, Connecticut,
o Art and Architecture Building de Paul Rudolph,
que, quando foi concluído em 1963,
foi o máximo nos Estados Unidos por um breve período,
um tipo de Bilbao da época, pode-se dizer,
e depois caiu em desgraça, sendo rejeitado
como muito duro, pesado, intolerante.
Recebeu tão pouco respeito que foi sucateado repetidamente,
modificado das piores formas e foi até vítima de um incêndio,
já há mais de quarenta anos.
Em todo caso, ele começou a parecer cada vez menos
com o que o arquiteto pretendia.
E então, mais recentemente, ele foi visto pelas lentes mais tolerantes
e gentis da história e restaurado de forma belíssima,
e até mesmo renomeado em homenagem ao arquiteto.
Portanto, os prédios mudam fisicamente,
assim como muda nossa postura em relação a eles.
O livro termina com um capítulo chamado “Os prédios e a construção do lugar”,
talvez o mais importante de todos,
pois trata dos prédios de primeiro plano e dos prédios de fundo
e sobre como não é possível ver um prédio fora de seu contexto,
de como o contexto, às vezes, define a arquitetura.
Mas, obviamente, a arquitetura também cria contexto.
Isto é um conceito difícil de entender para alguns,
especialmente, talvez, em uma cidade como São Paulo,
que parece bastante aleatória de muitas formas,
e na qual poucos prédios são projetados claramente com a ideia
de que sejam parte do contexto mais amplo.
Não digo isso para pregar o planejamento de tudo,
como se tentou em Brasília, pois eu também acredito profundamente
que as cidades precisam de certo grau de acasos, acidentes felizes.
E planejar demais pode ser tão ruim quanto planejar pouco.
O laissez faire não gera uma cidade habitável ou atraente,
mas o planejamento até o último metro quadrado
pode gerar um lugar opressivo demais, por sua vez.
A cidade ideal está em algum ponto entre a monotonia da organização excessiva
e o caos da indiferença.
Planejar e permitir acidentes felizes ao mesmo tempo
é o que precisamos.
Precisamos ter uma visão e, ao mesmo tempo,
reconhecer que, citando Freud mais uma vez,
aquele famoso ‘urbanista’: “a realidade insiste em si mesma”.
Bem, como estamos falando de cidades, da ideia de cidade,
devo também dizer que, se aprendi algo nesses anos observando prédios,
é que, numa cidade grande ou pequena, mesmo numa vila,
as ruas importam mais do que os prédios.
Pode parecer...
uma declaração herética vinda de um crítico de arquitetura,
dizer...
que as ruas geralmente importam mais do que os prédios individuais.
Mas você pode ter um espaço maravilhoso,
empolgante, e até um tanto civilizado
com muitos prédios decentes, se não grandiosos, trabalhando juntos.
Por outro lado, como Brasília nos mostra,
não podemos ter uma grande cidade se não houver ruas,
independentemente do quão grandiosos
os prédios possam ser individualmente.
Prédios em uma pequena cidade ou em uma vila
são uma metáfora maravilhosa para o significado de comunidade,
pois todos eles dependem uns dos outros,
pois nenhum deles pode realmente alcançar seu potencial pleno sozinho
e, juntos, podem criar um todo
que nenhum deles poderia alcançar por conta própria.
Assim, em resumo,
é por isso que a arquitetura é relevante.
A arquitetura trata de construir um lugar e construir a memória.
A arquitetura nos dá grande prazer se tivermos sorte,
nos dá satisfação e conforto,
mas também nos conecta aos nossos vizinhos,
pois a arquitetura de uma cidade é a expressão física
da ideia de território comum.
É o que compartilhamos,
pois a arquitetura de uma comunidade é uma das poucas formas de vivência
em que todos participam: o compartilhamento do espaço.
E a arquitetura é também uma expressão do tempo
em uma era em que somos muitas vezes extirpados da noção de tempo,
pois o tempo passa tão rápido que nos rouba a sensação
de que algumas coisas ao nosso redor já estavam lá há muito tempo
e estarão lá por muito tempo ainda.
E, talvez, mais importante de tudo,
em uma época em que tantos de nossos contatos são virtuais,
quando vivemos tanto em um mundo virtual de computadores,
a arquitetura é um lembrete constante da urgência,
do significado e do valor do real.
Prédios, sejam eles as formas esculpidas de Brasília
ou as estruturas comerciais de São Paulo,
não são apenas objetos inanimados.
São ocasiões de contato humano,
são os formadores do contato humano,
o que os torna uma parte viva do nosso mundo.
Muito obrigado.
Paul,
hoje de manhã eu perguntei a você sobre Brasília
e você disse que não gostou
porque não gosta do tipo de cidade
em que não se pode andar.
Eu tenho a mesma opinião,
mas, às vezes, alguns amigos que moram lá
têm uma opinião diferente,
pois vivem em blocos residenciais
em que podem andar.
Você pode, sim, andar um pouco dentro das superquadras,
não muito, mas dá para andar um pouco. É verdade.
É possível que uma cidade
possa ser boa para se viver
mas não para se visitar, como Brasília?
Esta é uma pergunta muito justa,
se é possível termos uma cidade
melhor para se viver do que para se visitar.
Mas eu não acho que é bom morar em nenhuma cidade
na qual você precise estar em um carro para fazer qualquer coisa
ou quase tudo, onde você precisa estar no seu carro para fazer as coisas.
Talvez seja preconceito meu, por eu gostar muito de Nova York
e de cidades europeias, onde se pode andar muito.
Não é que eu não goste de carros. Adoro carros.
Se eu pudesse pagar, teria uns 10 carros.
Mas também gosto do fato de que, em Nova York,
meu carro mora na garagem a maior parte do tempo,
pois eu posso sair pela porta e andar para quase qualquer lugar.
Eu gosto disso.
Não se trata da ideia de andar
como parte da sua rotina diária,
mas da possibilidade de que isso possa ser
uma coisa boa e agradável de se fazer.
Em Londres ou Paris,
a menos que haja uma chuva pesada ou algo assim,
é muito natural ouvir algo como “ah, vamos caminhar um pouco”.
Eu não acho que ninguém em Brasília
diz “ah, vamos caminhar um pouco, é gostoso”.
Para mim, é como...
Eu não sou um grande tradicionalista em muitas áreas,
mas eu realmente sinto que o urbanismo tradicional,
ao contrário da arquitetura tradicional,
continua a ter significado e utilidade e que não o ultrapassamos ainda.
Dito isto, outra coisa de que trato no livro
e que não mencionei hoje
é o fato de que as pessoas conseguem se adaptar a qualquer coisa
e fazê-la funcionar.
E conforme o tempo passou, as pessoas fizeram Brasília funcionar bem.
E funciona. Funciona bem de várias formas, sem dúvida,
e se torna melhor com o tempo,
mas ainda sinto
que a ideia fundamental do plano-piloto
como modelo de urbanismo não está certa.
Você visitou os blocos residenciais de lá?
Tem alguma opinião diferente do que viu nos livros?
As superquadras?
Bem, achei as superquadras mais atraentes do que esperava,
sim, verdade.
São interessantes.
Em parte, acho, porque elas têm prédios de seis andares.
É uma escala muito agradável.
-É uma escala tradicional. --Como?
Escala tradicional.
Sim, é uma escala muito tradicional, exatamente,
e há muito paisagismo e outras coisas.
Então, há muitas coisas que valem a pena nas superquadras
e as fazem funcionar bem.
Mas, no geral, não é um bom modelo.
E, claro, a ideia toda era a de que seria o melhor modelo universal
que poderia ser usado em qualquer lugar, e acho que não é verdade.
E sobre os prédios do Niemeyer?
Há algum de que você gosta mais do que os outros?
Algum favorito?
Eu adorei o Itamaraty, o Ministério das Relações Exteriores,
que achei absolutamente fantástico.
Parte disso são os jardins de Burle Marx
e como eles se integram bem com a arquitetura.
Mas eu gostei de muitas coisas naquele prédio.
Adoro também...
a qualidade poderosa
e icônica de muitos daqueles prédios, na verdade.
Bem, acredito que fazer uma cidade
é muito mais, como eu disse,
do que fazer formas
e posicioná-las como esculturas.
No entanto, mesmo assim,
há algo realmente maravilhoso sobre uma forma maravilhosa
e esses prédios têm algo de sexy e atraente.
Sempre estamos decepcionados com nós mesmos.
Eu sempre achei que não fazia o suficiente, apesar de ter trabalhado muito,
pois dá vontade de escrever sobre absolutamente tudo
e passamos a sentir isso como uma obrigação.
Na New Yorker é diferente, é uma revista, é mais seletiva,
escolhemos alguns temas sobre os quais escrever
e fazemos isso sem nos preocupar com os outros.
E escolhemos coisas que têm implicações mais amplas, por exemplo.
Há alguns anos escrevi sobre o novo aeroporto de Pequim, de Norman Foster,
como uma oportunidade de escrever
sobre a ideia da arquitetura de aeroportos,
daquele tipo de prédio
e do quanto os arquitetos poderiam ou não mudá-los e melhorá-los,
falando também sobre outros aeroportos em seus contextos.
Fazemos esse tipo de coisa com mais frequência na revista.
Não fazemos isso no jornal.
Uma pergunta do plateia.
Qual seria o meio termo entre o laissez faire
e o planejamento em uma megacidade como São Paulo?
Qual é o meio termo entre o laissez faire e o planejamento?
A pergunta é de Phillip Young.
Não sei o nome da instituição.
-A pergunta é dele. -Certo.
Esta é uma pergunta boa de se fazer.
Na verdade, eu não sei qual é a resposta,
qual seria o meio termo exato.
É muito difícil dizer exatamente
e, além disso, não sei o suficiente
sobre quais controles existem em São Paulo,
o que é permitido, o que não é.
Estou falando aqui como se fosse um especialista,
mas não sou, na verdade.
Conheço muito pouco.
Isto torna mais difícil dar uma resposta adequada à pergunta.
Acho que, de certa forma,
temos Brasília e São Paulo
como dois extremos, talvez.
Um lugar com planejamento demais
e outro lugar sem planejamento suficiente.
Mas um tecido, estrutura, ou modelo urbano existente
é uma coisa muito forte e boa.
Acho que Nova York teve muita sorte,
não porque sempre tomamos as decisões certas lá,
mas porque a estrutura da cidade é tão poderosa, é uma âncora.
É uma estrutura dos séculos XVIII e XIX,
não é uma estrutura do século XX.
Mas construímos uma cidade do século XX sobre uma estrutura do século XIX
e acho que isso é melhor
do que construir uma cidade do século XX sobre uma estrutura do século XX.
Por isso tivemos sorte,
já que havia um tipo inerente de controle na coisa existente.
Não demolimos grandes partes da cidade para começar tudo de novo.
Mas isso também vale para São Paulo,
onde a cidade existente é sempre o ponto de partida.
Não estou dando uma resposta muito satisfatória
porque é uma pergunta muito difícil de responder
no abstrato e, além disso,
é difícil responder sem saber
mais sobre as condições políticas de São Paulo,
bem como sobre as condições estéticas.
Pois é uma questão tão política quanto estética, eu acho.
Temos outra pergunta, de Silvio Maciel, acredito.
Há alguma solução ideal
para se transformar o centro de uma cidade
como São Paulo ou Rio de Janeiro?
Uma solução ideal?
Não acredito que jamais exista uma solução ideal.
Não? Por quê?
Eu acho que...
Brasília nos ensinou a duvidar da utopia, eu acho.
Não tenho um temperamento utópico.
Mas há coisas que podem melhorar a situação?
Ah, com certeza, muitas, sem dúvida alguma.
Eu acho...
Prédios melhores, mais atenção à rua,
certo grau de controle de projetos, sobre o que eu geralmente sou cético,
mas acho que poderia ter sido
uma forma de se reduzir
algumas das piores coisas aqui em São Paulo.
Acho que, dentre outras coisas que são muito chatas,
mas têm um grande impacto na arquitetura,
estão as leis de zoneamento.
O tamanho de um terreno e o que se pode ou não construir numa propriedade.
Quer dizer, permitir que se construa algo muito alto
em um terreno pequeno raramente gera um prédio bom.
Alguns dos prédios que vi hoje
eram prédios de apartamento ridiculamente estreitos,
com telhados amansardados e detalhes neoclássicos falsos por toda a parte,
muito pequenos e magros, mais ridículos ainda.
Então, certo grau de compatibilidade de materiais
e outras coisas assim.
Sou cético quanto ao controle exagerado de projetos,
pois geralmente essas coisas
podem ser interpretadas
como para evitar a criatividade
e, quando os burocratas administram os controles de projeto,
temos uma situação na qual, talvez,
possamos evitar os maiores estragos,
mas perdemos também as coisas mais novas e criativas.
Portanto, eu hesito ao endossar algo assim,
pois há um risco muito grande de perda.
Mas...
se há uma situação relativamente livre
e aberta em São Paulo
em termos de projeto e não há controle de projetos,
isto também não trouxe coisas muito boas,
como a arquitetura comercial de larga escala.
A maior parte da boa arquitetura que vi aqui
é residencial ou institucional,
não comercial.
Portanto, a falta de ambição
no universo arquitetônico comercial de larga escala é algo triste, eu acho.
Outra pergunta.
Acho que é de Roberto Gentileza,
da Faculdade de Economia da USP.
São Paulo não é uma cidade amigável para pedestres.
Como podemos mudar isso?
Bem, é uma cidade mais amigável para o pedestre do que Brasília.
É uma pergunta interessante, como corrigir isso.
Não é tão amigável quanto poderia,
concordo com isso.
E... Acho que se corrige isso, em parte,
ao ter mais incentivos para que as pessoas sejam pedestres, em primeiro lugar,
e, então, outras coisas se seguem.
Talvez, também, prédios comerciais mais atraentes nas ruas.
Eu não vi muitas calçadas largas com cafés.
Você as vê em algumas partes da cidade, mas não tanto quanto poderia.
E coisas assim podem tornar o lugar mais amigável aos pedestres.
Novamente, essas coisas podem ser ajudadas,
de certa forma, pela regulamentação, mas não podem ser completamente impostas.
Isabela, do Mackenzie, pergunta:
O que faz uma cidade ter uma boa energia?
Outras cidades?
O que faz uma cidade ter boa energia?
Acho que a quantidade de pessoas é uma grande parte disso,
mas, também, ter muita criatividade é grande parte.
Acho que medimos as cidades
não apenas por quanta cultura
elas consomem, mas por quanta cultura elas criam.
E dá para sentir que aqui é um lugar que cria,
faz coisas novas constantemente
e enxerga o mundo de um jeito novo.
Lugares que são comercialmente prósperos
têm certa quantia de energia que vem disso também,
mas a parte mais importante é, de certa forma, a mais simples.
Que é: quanto mais as pessoas estiverem próximas,
quanto mais denso for o lugar, mais energia tende a existir.
Mas isto é um conjunto de fatores muito complexo,
alguns dos quais são físicos, outros são econômicos
e outros são culturais.
Todas essas coisas se juntam para criar a energia.
Mas parece acontecer aqui.
É fascinante,
pois não é algo que depende
especificamente da beleza física,
por mais que a beleza seja maravilhosa em uma cidade.
As cidades, aliás, também passam por períodos de alta e baixa.
Se você olhar para as cidades europeias, elas se encaixam bem nesse caso.
Houve um tempo em que Paris era o grande centro de energia da Europa,
mas depois deixou de ser.
Berlim tem tido muito mais energia recentemente do que antes.
E Londres tem visto um renascimento disso.
Parte disso é dinheiro, outra parte é a diversidade cultural
que, eu acho, exerce um grande papel na energia também.
Lugares homogêneos raramente têm muita energia,
mas lugares que têm um fluxo constante de tipos diferentes de pessoas
o tempo todo tendem a ter energia.
Não se trata só da quantidade de gente,
mas também da natureza do que está acontecendo ali.
Novamente, voltamos a esta questão.
O centro de Londres, por exemplo,
é um lugar bom para se viver ou visitar?
-Qual centro? -Em Londres.
Londres.
Acho que é uma ótima cidade para se viver e para visitar.
É fantástica para as duas coisas,
embora ninguém consiga mais viver lá por ser tão cara.
Quer dizer, as únicas pessoas que moram lá hoje
são do Oriente Médio ou da Rússia.
Mas ela saiu bastante do prumo
por causa do dinheiro.
Mesmo assim,
ela é uma cidade que tem muitas opções de lugares interessantes
e atraentes para se viver.
E é sempre muito interessante para morar ou visitar.
Acho que uma cidade pode ser as duas coisas,
acho que Nova York tem as duas qualidades,
na verdade, para se viver e para visitar.
Luiza Costa, da revista Bamboo,
pergunta: O Brasil é um país
com muitos problemas de infraestrutura.
Você poderia falar sobre a arquitetura do futuro em um país como este?
Se posso falar sobre a arquitetura do futuro em um país que tem problemas?
Bem, acho que devemos.
-Problemas básicos, -Bem...
como educação.
Uma das coisas que eu estava tentando dizer
era que a arquitetura não conserta tudo e não é um substituto para nada.
A arquitetura, em si, não é educação
e não é comida para pessoas pobres.
É uma coisa cruel dizer às pessoas que elas vão ficar com fome,
mas podem admirar um lindo prédio,
apesar de não terem comida.
Esta não é a questão,
mas a sociedade sempre toma decisões
sobre seu patrimônio comum
e sua cultura mais ampla em relação às outras coisas.
Essas decisões, às vezes, não são tomadas de forma correta,
mas sempre buscamos um equilíbrio.
Poderíamos argumentar em Nova York
que a coisa mais importante a se fazer é vender toda a coleção
de arte do MoMA,
pegar todo aquele dinheiro e comprar comida para pessoas pobres
ou construir habitações sociais.
Essa seria uma meta social adequada,
mas seria a coisa certa a se fazer para a sociedade
e para a cultura num sentido mais amplo? Não, eu acho que não seria.
Tomamos decisões ao equilibrar essas coisas
que compartilhamos e que, como eu disse,
dão significado a uma vida já sustentada.
Equilibrá-las em relação ao sustento da vida também.
Assim, a arquitetura é parte de um conjunto complexo de escolhas
e equilíbrios que a sociedade faz e deve fazer.
Por isso, o futuro da arquitetura em um país com grandes problemas
é lembrar que a arquitetura, em diferentes circunstâncias,
em épocas diferentes, pode fazer coisas diferentes.
Pode ser parte dessa cultura comum mais ampla que enriquece a todos
e pode também cumprir sua responsabilidade social.
Deveríamos estar fazendo mais habitação.
Deveríamos fazer isso nos Estados Unidos também.
Somos terríveis nisso agora.
É algo trágico, porque acho que os arquitetos de hoje
sabem mais sobre como construir boa habitação social
do que sabiam há 30 anos.
Mas não estamos fazendo isso porque não queremos gastar dinheiro.
Esta é toda uma questão diferente,
é algo em que acredito profundamente,
algo sobre o que conversamos, sobre o papel da arquitetura no futuro
em um país que tem outros problemas a enfrentar.
Isto é grande parte do problema.
A arquitetura só pode construir
o que a sociedade lhe diz para construir.
A arquitetura não faz da cultura
a prioridade da nação e a reflete.
Ela pode melhorá-la de alguma forma e inspirá-la, talvez,
a fazer a coisa de um jeito um pouco diferente,
mas não pode mudá-la completamente por si só.
Portanto, nós, como sociedade, devemos decidir dedicar mais recursos
para a construção de habitação social do que dedicamos agora, por exemplo
e então a arquitetura poderá responder com formas de se fazer isso.
Mas eu não uso isso como um argumento
para que os arquitetos fiquem sentados sem fazer nada.
Ainda é importante que eles apresentem ideias e estimulem o diálogo
de modo a ajudar a mudar as prioridades sociais.
Mas, sozinhos, eles não podem fazer acontecer, é isso que quero dizer.
Temos mais perguntas, mas acho que precisamos encerrar.
Foi um grande prazer conversar com você.
Muito obrigado, também.
Toda semana, quando recebo a New Yorker,
vou direto para a coluna do Paul Goldberger.
Fico feliz que você a receba. Muito obrigado, Fernando. �