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Tradutor: Isabel Villan Revisor: Nadja Nathan
Comecei
escrevendo e pesquisando
como um treinando em cirurgia,
como alguém que estava muito distante
de tornar-se um perito em qualquer coisa.
Então, a pergunta natural que você faz nesse ponto
é: como me torno bom no que estou tentando fazer?
E isso transformou-se na questão:
como nós todos nos tornamos bons
no que tentamos fazer?
Já é bastante difícil aprender a adquirir habilidades,
tentar aprender todo o material que você tem que absorver
para qualquer tarefa que você assuma.
Eu tinha que pensar não só em como costurar e como cortar
mas também como escolher a pessoa certa
para vir a uma sala de operações.
Então, no meio de tudo isso
chegou esse novo contexto
de pensar sobre o que significava ser bom.
Nos últimos anos
percebemos que estávamos na mais profunda crise
da existência da medicina,
devido a algo sobre o que você normalmente não pensa
quando você é um médico
preocupado em fazer o bem para as pessoas,
que é o custo
do tratamento de saúde.
Não há um país no mundo
que não esteja perguntando agora
se podemos custear o que médicos fazem.
A luta política que desenvolvemos
tornou-se aquela sobre
se o governo é o problema
ou se as companhias de seguro são o problema.
E a resposta é sim e não;
é mais profundo que tudo isso.
A causa de nossos problemas
é, na verdade, a complexidade que a ciência nos deu.
E para entender isso,
voltarei algumas gerações.
Quero levá-los de volta
a uma época em que Lewis Thomas escrevia em seu livro,
"The Youngest Science" (A Ciência mais Jovem).
Lewis Thomas era um médico escritor,
um dos meus escritores favoritos.
E ele escreveu esse livro para explicar,
entre outras coisas,
o que era ser um médico residente
no Boston City Hospital,
no ano pré-penicilina
de 1937.
Era um tempo em que a medicina era barata
e muito ineficaz.
Se você estivesse em um hospital, ele disse,
iria sentir-se bem
apenas porque ele oferecia
algum calor, alguma comida, abrigo,
e talvez a atenção cuidadosa
de uma enfermeira.
Doutores e medicina
não faziam nenhuma diferença.
Isso não parecia impedir que os médicos
fossem freneticamente ocupados no cotidiano,
como ele explicou
O que estavam tentando fazer
era descobrir se você tinha um dos diagnósticos
para o qual eles poderiam fazer algo.
E havia alguns.
Você poderia ter uma pneumonia lobar, por exemplo,
e eles poderiam dar-lhe um soro imunizante,
uma injeção de anticorpos rábicos
para a bactéria estreptococo,
se o residente a classificasse corretamente.
Se você tivesse uma síndrome de falha cardíaca,
eles poderiam retirar-lhe meio litro de sangue,
abrindo uma veia do braço,
dar-lhe um preparado indigesto de folhas de digitális
e colocá-lo em uma tenda de oxigênio.
Se você tivesse os primeiros sinais de paralisia
e fosse muito bom em fazer perguntas pessoais,
você poderia descobrir
que essa paralisia era da sífilis,
e nesse caso poderia receitar uma boa concocção
de mercúrio e arsênico --
desde que não exagerasse na dose e os matasse.
Além desse tipo de coisas,
um médico não tinha muito que fazer.
Isso foi quando a estrutura central da medicina
foi criada --
o que significava ser bom naquilo que se fazia
e como queríamos que a medicina fosse.
Era uma época
em que o que era conhecido você podia saber,
podia manter isso na memória, e podia fazer tudo.
Se você tivesse um receituário,
se tivesse uma enfermeira,
se tivesse um hospital,
isso lhe daria um local para convalescer,
talvez algumas ferramentas básicas,
e você realmente podia fazer tudo.
Você tratava a fratura, você retirava o sangue,
você centrifugava o sangue,
examinava-o ao microscópio,
você fazia as placas de cultura, você injetava o soro imunizante.
Era uma vida de artífice.
Como resultado, a construímos
em torno de uma cultura e um conjunto de valores
que determinavam que ser bom
era ser ousado,
era ser corajoso,
era ser independente e auto-suficiente.
Autonomia era nosso valor mais alto.
Vá algumas gerações adiante
até onde estamos, entretanto,
e parece um mundo completamente diferente.
Agora descobrimos tratamentos
para quase todas as dezenas de milhares de condições
que um ser humano pode ter.
Não podemos curar todas.
Não podemos garantir que todos terão uma vida longa e saudável.
Mas podemos tornar isso possível
para a maioria.
Mas, isso leva a quê?
Bem, agora descobrimos
4.000 procedimentos médicos e cirúrgicos.
Descobrimos 6.000 drogas
que tenho licença para prescrever.
E estamos tentando implantar essa capacidade,
cidade por cidade,
para cada pessoa viva --
em nosso próprio país,
sem falar do mundo todo.
E atingimos o ponto em que percebemos,
como médicos,
que não sabemos tudo isso.
Não podemos fazer tudo isso
sozinhos.
Houve um estudo em que observaram
quantos clínicos eram necessários para cuidar de você
se você fosse hospitalizado,
e como isso mudou com o tempo.
No ano de 1970,
era necessário o equivalente à jornada integral de dois clínicos.
Isso quer dizer,
basicamente era necessário o tempo de enfermaria
e apenas um pouquinho do tempo de um médico
que mais ou menos examinava você
uma vez por dia.
No final do século XX,
isso tinha se tornado mais de 15 clínicos
para o mesmo paciente comum hospitalizado --
especialistas, fisioterapeutas,
os enfermeiros.
Somos todos especialistas agora,
mesmo os clínicos gerais.
Cada um tem apenas
uma parte do tratamento.
Assim, sustentar aquela estrutura que construímos
sobre ousadia, independência,
auto-suficiência
de cada uma daquelas pessoas
tornou-se um desastre.
Treinamos, contratamos e recompensamos pessoas
para serem caubóis.
Mas precisamos de equipes treinadas,
equipes treinadas para pacientes.
Há evidências por todo lado:
40 por cento de nossos pacientes com doenças nas coronárias,
em nossas comunidades,
recebem tratamento incompleto ou inadequado.
60 por cento
de nossos pacientes com asma, com AVC
recebem tratamento incompleto ou inadequado.
Dois milhões de pessoas são hospitalizadas
e adquirem uma infecção
que não tinham,
porque alguém não seguiu
as regras básicas de higiene.
Nossa experiência
com pessoas que adoecem e
precisam da ajuda de outras pessoas
é que temos clínicos espetaculares
aos quais podemos recorrer --
dedicados, incrivelmente bem treinados e muito espertos --
que temos acesso a tecnologias incríveis
que nos dão esperança,
mas pouca percepção
de que isso tudo venha até você reunido consistentemente
do começo ao fim
com sucesso.
Há um outro sinal
de que precisamos de equipes treinadas,
e isso é o custo inadministrável
de nosso tratamento.
Bem, penso que nós da medicina
ficamos perplexos com essa questão de custo.
Queremos dizer: "É assim que é.
Isto é exatamente o que a medicina requer."
Quando você vai de um mundo
no qual você tratava artrite com aspirina,
que na maior parte das vezes não resolvia,
para um no qual, se necessário,
podemos fazer uma reconstrução do quadril, uma reconstrução do joelho
que lhe dá anos, talvez décadas,
sem incapacidade,
uma mudança radical,
bem, é surpresa
se aquela reconstrução de quadril de 40.000 dólares
em substituição à aspirina de 10 centavos
é mais cara?
É assim que é.
Mas, penso que estamos ignorando certos fatos
que nos dizem algo sobre o que podemos fazer.
Ao observarmos os dados
sobre os resultados surgidos
à medida que a complexidade aumentou,
descobrimos
que o tratamento mais caro
não é necessariamente o melhor tratamento.
E vice versa,
o melhor tratamento
muitas vezes se revela o menos caro --
tem menos complicações,
as pessoas se tornam mais eficientes no que fazem.
E isso significa que
há esperança.
Porque, se para ter os melhores resultados,
você realmente precisasse do tratamento mais caro
do país, ou do mundo,
bem, na verdade, estaríamos falando sobre racionamento,
quem iríamos cortar da Medicare.
Essa seria, de fato, nossa única escolha.
Mas, quando observamos os desvios positivos --
aqueles que estão obtendo os melhores resultados
com os menores custos --
descobrimos que aqueles que mais se parecem com sistemas
são os que mais têm sucesso.
Isso quer dizer que encontraram maneiras
de colocar juntas todas as peças diferentes,
todos os diferentes componentes,
reunidos num todo.
Ter ótimos componentes não é o bastante,
e, mesmo assim, somos obcecados com componentes na medicina.
Queremos as melhores drogas, as melhores tecnologias,
os melhores especialistas,
mas não pensamos muito
em como tudo isso se combina.
É um design estratégico horrível, na verdade.
Há um famoso experimento hipotético,
que aborda exatamente isso,
e diz: e se você construísse um carro
com as melhores peças?
Bem, isso o levaria a usar freios Porsche,
um motor Ferrari,
a carenagem Volvo, o chassi BMW.
E você instala tudo isso junto e obtém o quê?
Uma pilha muito cara de coisas sem utilidade que não vai a lugar nenhum.
E é assim que a medicina se sente às vezes.
Ela não é um sistema.
Um sistema, no entanto,
quando as coisas começam a se interligar,
você percebe que ele tem certas propriedades
para agir e compor-se dessa forma.
A propriedade número um
é a capacidade de reconhecer sucesso
e a capacidade de reconhecer fracasso.
Quando você é um especialista,
você não consegue ver o resultado final muito bem.
Você tem que se tornar realmente interessado em dados,
por mais desestimulante que isso seja.
Um de meus colegas é cirurgião em Cedar Rapids, Iowa,
e se interessou pela questão:
bem, quantas tomografias eles faziam
para a comunidade em Cedar Rapids?
Ele se interessou por isso
porque havia relatórios do governo,
reportagens em jornais, artigos em revistas médicas
dizendo que eram feitas tomografias demais.
Ele não percebia isso em seus próprios pacientes.
Então fez a pergunta: "Quantas fizemos?"
e queria obter os dados.
Ele levou três meses.
Ninguém tinha feito essa pergunta antes na comunidade.
E o que ele descobriu foi que,
para as 300.000 pessoas na comunidade,
no ano anterior,
tinham feito 52.000 tomografias.
Encontraram um problema.
O que nos leva para a propriedade número dois de um sistema.
Propriedade um, encontre onde estão suas falhas.
A propriedade dois é desenvolver soluções.
Eu me interessei por isto
quando a Organização Mundial de Saúde perguntou à minha equipe
se poderíamos ajudar com um projeto
para reduzir a mortalidade em cirurgias.
O volume de cirurgias se difundiu
pelo mundo todo,
mas a segurança da cirurgia
não.
Bem, nossas táticas usuais para atacar problemas como estes
são fazer mais treinamento,
dar às pessoas mais especialização
ou introduzir mais tecnologia.
Bem, em cirurgia, você não poderia ter pessoas mais especializadas
e você não poderia ter pessoas mais treinadas.
E ainda assim vemos níveis inadmissíveis
de mortalidade ou invalidez
que poderiam ser evitados.
Assim, observamos o que outras indústrias de alto risco fazem.
Observamos a construção de edifícios,
observamos o mundo da aviação,
e descobrimos
que eles têm tecnologia, eles têm treinamento,
e têm uma outra coisa:
eles têm listas de verificação.
Eu não esperava
passar uma parte significativa
de meu tempo como um cirurgião de Harvard
me preocupando com listas de verificação.
Entretanto, o que descobrimos
foi que elas eram ferramentas
para ajudar a tornar os peritos melhores.
Conseguimos que o engenheiro-chefe de segurança da Boeing nos ajudasse.
Poderíamos elaborar uma lista de verificação para cirurgia?
Não para as pessoas da hierarquia mais baixa, na base,
mas para o pessoal
que estava presente em toda a cadeia,
o time todo, incluindo os cirurgiões.
E o que nos ensinaram
foi que elaborar uma lista de verificação
para ajudar pessoas a lidar com complexidade,
de fato, envolve mais dificuldades do que eu tinha imaginado.
Você tem que pensar em coisas
como pontos de pausa.
Você precisa identificar os momentos, em um processo,
em que você pode realmente atacar o problema antes que se torne um perigo
e fazer algo sobre isso.
Você tem que identificar
que esta é uma lista de verificação antes da decolagem.
Depois você precisa focar os itens que matam.
Uma lista de verificação da aviação,
como esta para um monomotor,
não é uma receita para fazer o avião voar,
é um lembrete das coisas essenciais
que acabam esquecidas ou perdidas,
se não são conferidas.
Então fizemos isso.
Criamos uma lista de verificação de dois minutos com 19 itens
para equipes cirúrgicas.
Tínhamos os pontos de pausa
imediatamente antes que a anestesia fosse administrada,
imediatamente antes que o bisturi cortasse a pele,
imediatamente antes que o paciente saísse da sala.
E tínhamos ali uma mistura de coisas estúpidas --
ter certeza de que um antibiótico foi aplicado no tempo correto
porque isso corta a taxa de infecção pela metade --
e coisas interessantes,
porque você não pode fazer uma receita para algo tão complicado como cirurgia.
Em vez disso, você pode fazer uma receita
de como ter uma equipe preparada para o inesperado.
E temos itens como ter certeza de que todos na sala
apresentaram-se pelo nome no início do dia,
porque você tem meia dúzia de pessoas ou mais
que algumas vezes se reúnem como uma equipe
pela primeira vez naquele dia em que você está chegando.
Aplicamos esta lista de verificação
em oito hospitais em todo o mundo,
deliberadamente em locais desde a Tanzânia rural
à Universidade de Washington, em Seattle.
Descobrimos que depois que a adotaram,
as taxas de complicações caíram
35 por cento.
Caiu em todos os hospitais a que chegou.
As taxas de mortalidade caíram
47 por cento.
Isto era maior que uma droga.
(Aplausos)
E isso nos leva
à propriedade número três,
a capacidade de implementar isso,
conseguir que colegas ao longo de toda a cadeia
realmente façam essas coisas.
E a difusão tem sido lenta.
Isso não é ainda nossa regra em cirurgia --
para não falar em listas de verificação
para partos e outras áreas.
Há uma profunda resistência
porque usar essas ferramentas
nos força a confrontar
que não estamos em um sistema,
obriga-nos a proceder com um conjunto de valores diferente.
Usar uma lista de verificação
exige que você adote valores diferentes daqueles que você tinha,
como humildade,
disciplina,
trabalho em equipe.
Isto é o oposto daquilo com que fomos construídos:
independência, auto-suficiência,
autonomia.
A propósito, conheci um caubói verdadeiro.
Perguntei-lhe como era
realmente tocar mil cabeças de gado
por centenas de quilômetros?
Como faziam aquilo?
E ele disse: "Temos vaqueiros estacionados em locais distintos."
A comunicação eletrônica é constante,
e eles têm protocolos e listas de verificação
de como lidar com tudo --
(Risadas)
-- de tempo ruim
a emergências ou vacinação do gado.
Até mesmo os caubóis são equipes treinadas agora.
Parece que é tempo
de nos tornarmos assim.
Fazer sistemas funcionarem
é a grande tarefa de minha geração
de médicos e cientistas.
Mas, eu iria mais longe e diria
que fazer sistemas funcionarem,
seja em tratamentos de saúde, educação,
mudança climática,
liberação do estado de pobreza,
é a grande tarefa de nossa geração como um todo.
Em todos os campos, o conhecimento explodiu,
mas trouxe complexidade,
trouxe especialização.
E chegamos a um ponto em que não temos outra escolha
senão reconhecer,
por mais individualistas que que queiramos ser,
que a complexidade exige
o sucesso do grupo.
Todos nós precisamos ser equipes treinadas agora.
Obrigado.
(Aplausos)