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Muito obrigada.
Acho que vou primeiro porque vai por ordem de tamanho.
Bom, a minha história é uma história simples.
Não fiz grandes coisas, porque nem sou muito grande.
Mas, como diz Roberto Benigni no começo de
A Vida é Bela:
A minha história é uma história simples,
entretanto, não é fácil de contar.
Como toda história, tem dor,
mas, como em toda história, também há maravilha
e felicidade.
É a história das pessoas com quem trabalhei e
estive lá, de meus encontros com eles,
e é o que venho compartilhar hoje com vocês.
Terminei a minha residência em pediatria, e
comecei a trabalhar com Médicos sem Fronteiras.
É uma organização médica-humanitária
que dá assistência a populações em situação precária,
a vítimas de conflitos armados ou de catástrofes naturais,
sem fazer discriminação por raça, por religião
ou por ideologia política.
Esta imagem é a primeira foto
que um ser humano tirou da Terra,
e representa um pouco essa experiência que eu tive
de começar a sair do meu mundo para começar a olhar
o nosso mundo
e mudar o ponto de vista,
a perspectiva, e começar a ter uma visão mais ampla
e começar a abrir um pouco mais os olhos.
Minhas duas missões foram na África,
a primeira foi em Chad
e a segunda em Níger.
E assim aterrizei a
42 graus de calor,
a outra cultura, a outros idiomas,
a pessoas nômades
à falta de água, de
estradas, de... de tudo. E,
no começo foi duro,
foi um choque e
sempre que me pediam: "Como é a África? Como é?...
Conta pra gente a tua experiência",
me saía a frase:"Não, você não pode imaginar,
você não pode imaginar, é... outro mundo".
Mas, se há algo que não é, é outro mundo,
porque como eu lhes dizia, justamente, é este mundo.
Minha segunda missão foi em Níger,
Níger tem todos os números
para ganhar o primeiro lugar como
país mais pobre do mundo.
A expectativa de vida lá é de
44 anos, ou seja, que um Argentino
pode viver quase duas vidas em Níger.
Tem a taxa de natalidade mais alta do mundo,
e, a média de filhos por mulher é de quase 8.
4% da superfície de Níger
é cultivável, porque o resto,
três quartos, é o Deserto do Sahara.
Assim que, não nos surpreende que Níger tenha
uma crise alimentícia crônica,
que tem picos de exacerbação
que são conhecidos como o período de fome.
Esse é o momento em que
a comida da última colheita acaba,
até que venha a próxima.
E, nesse momento, a desnutrição faz estragos
na população,
e afeta especialmente aos mais vulneráveis,
que são as crianças, os menores de 5 anos.
E, bom, a gente sabe que são mais ou menos
5 milhões as crianças que morrem a cada ano nesse mundo
por causas relacionadas com a desnutrição,
que, contudo,
é uma causa que se pode tratar e prevenir.
São 55 milhões de crianças, quase uma
Argentina e meia, que sofre com a desnutrição
Para mim,
todos esses deixaram de ser números
e começaram a ter uma cara,
uns olhos, um olhar,
um nome, como Alio,
um sobrenome, Lacuba Usuf,
esse me custava muito, mas...
uma mamãe, um papai.
um irmãozinho, uma avó,
e até uma bisavó
porque quando eu tirei essa foto
e lhe pedi se podia tirar uma foto
a essa senhora, me surpreendi ao ver alguém com tanta idade
lá, que não é tão comum,
me esclarece: "Sim, mas olha que eu sou bisavó, não uma avó".
Assim que tudo isso.
tudo o que eu tinha lido nos livros de medicina:
a diarréia mata, e a pneumonia
é a principal causa de morte em menores de 5 anos...
tudo isso começou a se converter
na minha realidade de todos os dias.
Vi a cara da malaria,
a conheci bem de perto,
e, enquanto vivia essa realidade,
e isso se convertia em algo do dia a dia,
palpável,
isso deixou de ser um número,
e, me... me tocou.
Chegou um momento em que
a gente perde um pouco as forças e
senti que tudo o que fazia não tinha muito sentido.
Eu sentia que tratávamos a um, um , um,
mas que fora, milhões...
Nesse momento, me lembrei de uma história,
que conta que havia um senhor
que depois de uma tempestade sai a caminhar pela praia.
E econtra muitíssimas...
milhares e milhares de estrelas do mar,
que depois da tempestade tinham ficado em cima da areia.
E, lá longe vê a outro que ia jogando-as de volta ao mar.
Então se aproxima, um pouco irônico
e com um pouco de pena do pobre cara, e lhe diz:
"Por quê você se dá ao trabalho?"
"Em quatro horas, estarão todas mortas."
E o senhor agarra uma e lhe diz:
"Essa não."
"Essa não".
"Essa não."
E voltei a começar e dizer:
"Essa criancinha, não."
"Essa criancinha, não."
Como lidamos então com o tema da desnutrição?
O que fazíamos diante disso?
Basicamente, tínhamos um programa ambulatório
e outro para internar as crianças.
No programa ambulatório,
as mães trazem suas crianças,
às vezes caminham 15 ou 20 quilômetros
de baixo de pleno sol, - e, em Níger
posso garantir que 45 graus
é a temperatura média -
para trazer os seus filhos à consulta.
Aí nós os registramos,
os medimos, os pesamos,
e também medimos a circunferência do braço,
tomamos todas as medidas,
também brincamos - com os que não se assustam
brincamos com eles.
Eu era de outro planeta para eles,
porque, ao ter a pele branca,
ser baixinha e ruiva,
vinha de Marte, mais ou menos.
Muitos se aproximavam e faziam assim,
para ver se por baixo estava o preto -
era a primeira vez que viam alguém... -
assim que, bom, estávamos com eles,
se fazia a consulta médica também,
e uma vez que tínhamos feito todos os tratamentos,
entregávamos a eles esses alimentos terapêuticos de uso rápido,
que revolucionaram o tratamento da desnutrição.
Esses alimentos - parece uma bobeira, mas
não precisam de refrigeração nem água para a sua preparação.
E isso, em países como os da África, por exemplo,
onde não há geladeira e não há água potável,
permitiu chegar a milhões de crianças,
para tratar a desnutrição de forma ambulatória
que antes era muito difícil.
Porque senão era necessária a internação
e as mães não podiam deixar sós seus outros filhos
para trazer um ou dois deles ao hospital.
Assim que isso foi uma maravilha,
e é uma maravilha hoje em dia.
As crianças que, por seu estado tão avançado
não podiam, não tinham forças para comer,
ou, as criaças com alguma patologia médica associada,
então, para eles tínhamos um centro de recuperação
nutricional intensivo,
que é um hospital para crianças desnutridas em estado agudo severo,
onde chegamos a ter em época de maior atividade -
em período de fome -
até quase 400 pacientes internados.
O trabalho era pssível graças ao trabalho em equipe,
e essa é uma das experiências mais ricas que temos lá,
em minha opinião,
que é trabalhar ombro a ombro,
com pessoas de lá e com pessoas
de outras partes do mundo
por um objetivo em comum.
Lá não há fronteiras,
não importa de onde você vem,
o que pensa, que religião tem,
qual a cor da tua pele,
estamos todos para a mesma coisa.
Atendíamos a quase 400 crianças
por dia, era a média de internação.
E, esse é, por exemplo, um caso:
Senagu tinha vindo com uma desnutrição severa
e uma pneumonia.
Fizemos o tratamento, e essa é Senagu antes de voltar para casa
para continuar com o tratamento ambulatorio
Às vezes tínhamos sucesso, às vezes, fracassos.
Tínhamos que continuar.
Mas eram, sobre tudo as mães e suas crianças
as que lutavam até o final.
Isso me ensinaram Furera e sua mãe.
Furera chegou ao programa, também,
como qualquer das outras crianças.
Começamos o tratamento nutricional e médico...
e começou a melhorar o peso
até que o peso começou a se estancar
e percebemos que Furera tinha
uma tuberculose avançada.
E, apesar de havermos instaurado o tratamento,
Furera começou a piorar, a piorar
e eram muitas as vezes que eu saía do hospital
e não sabia se no dia seguinte
encontraria de novo com a Furera.
Contudo, ela tem uma coragem
e uma luta impressionante,
e vi a Furera respirar, e lutar por sua vida até o final.
Me comoveu e comovia a muitos,
fizemos tudo o que estava ao nosso alcance.
Essa é a última foto que tenho da Furera porque
terminou minha missão e voltei para a Argentina.
Mas foram as mães e seus filhos,
os que me ensinaram que vale à pena lutar,
lutar até o final.
Que cada estrela do mar que volta ao mar, vale à pena.
Creio que nós não temos
a solução para os problemas do mundo
nas nossas mãos,
mas diante dos problemas do mundo, temos as nossas mãos.
Temos que deixar de falar, de repente,
de um primeiro mundo, um terceiro mundo,
porque nessa linha podemos falar de um quarto, um quinto, um sexto,
e é somente um mundo.
Esse mundo no que todos nós vivemos.
E creio que, se cada um põe o seu grãozinho de areia,
podemos fazer alguma coisa ao respeito.
cada um pode fazer,
desde o que cada um é, tem e pode.
Mas acredito que esse grãozinho de areia,
pode fazer com que, entre todos, façamos um mundo melhor,
e mais amável para todos.
No que eu os contei, não há super heróis.
Eu, quando voltei, não tive coragem
de me comunicar com as pessoas de lá
para saber como estava a Furera, como tinha continuado.
Não tinha a coragem de saber se
outro mais havia escapado de nossas mãos.
Dois meses depois de ter chegado,
entrou em contato comigo a minha amiga Michelle,
que era outra pediatra que estava trabalhando comigo,
e me manda um mail, para me mandar essa foto,
que é a foto da Furera antes de ser dada de alta.
Assim que a Furera foi a minha estrela do mar.
Obrigada. [Aplausos]