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»NEIL SMITH: O que me lembro daqueles dias é a forma literal que
a discussão assumiu.
E o meu sentido de falar aqui com os alunos
é que, enquanto há ainda um núcleo que estás a tentar retirar deste livro,
a forma como tu
estás a ensinar tem realmente evoluído
e mudado na sua própria forma.
E, num certo sentido, é muito mais alargado, não é à volta de uma pequena mesa de seminário
onde tens o teu grupo de leitura, é um grupo muito mais amplo. Tens certamente um monte de vários
académicos, estudantes, faculdades, activistas, e muitos outros que estão envolvidos.
Mas ao mesmo tempo, sinto que a tua forma de abordar o
livro modificou-se também de algum modo. Assim sendo, questiono-me se queres tentar e
mudar um pouco. »DAVID HARVEY: Uma das coisas boas de ter feito isto durante todo este tempo,
e que quando pensas sobre isso,
ensinar o mesmo livro ao longo de quase quarenta anos parece ser uma coisa incrivelmente aborrecida.
E muitas pessoas, se ensinassem o mesmo curso durante quarenta anos,
podiam ficar loucas
de só fazerem isso. Mas
de cada vez que o faço eu encontro um novo ângulo.
E o novo ângulo é, por vezes, algo que não tinha visto no texto e que agora
chama-me a atenção como sendo algo muito importante.
E a outra coisa que acontece é que as circunstâncias mudam,
os interesses das pessoas mudam,
o contexto intelectual que leva até ao
Capital modifica-se, por isso,
na verdade, pegar neste texto e
confrontá-lo com
a mudança das circunstâncias geográficas e históricas é, de facto, ….em si mesmo,
um exercício muito interessante. Eu fico sempre muito entusiasmado com isso.
Mas a outra coisa que acontece é que
há muitas coisas que eu vejo agora neste livro que não via antes - em parte
porque eu li-o com tantas pessoas diferentes, que viam de ângulos diferentes,
que começo a ver pelo ângulo deles, e então vejo coisas que não tinha visto antes.
Mas também porque penso que os meus próprios interesses intelectuais cresceram e mudaram
e, por conseguinte,
num certo sentido eu
vou mudando a forma como penso sobre O Capital e ensino O Capital, dependendo muito
do tipo de circunstâncias do momento em que escrevo.
Estou curioso em saber quantos de vocês,
realmente, leram estes dois capítulos?
Uhau. Quantos não o fizeram?
Não repitam.
Um das coisas que sugeri na última aula foi,
é uma boa ideia quando olham para
uma secção em particular, voltar
atrás para ver qual é a ideia principal, porque desta forma vocês podem traçar o vosso modo
de perceber o que se passa.
E na última vez nós lidamos com
a primeira secção
do Capítulo 1,
e eu sugeri que podiam decompor isto num tipo muito simples
de estrutura
que tem o seguinte aspecto.
Marx começa com a mercadoria
como sendo a base
para a sua investigação do modo de produção capitalista,
e imediatamente sugere que
tem um duplo carácter: tem um valor de uso
e tem um valor de troca.
O mistério sobre o valor de troca era que a tremenda heterogeneidade que existia
nos valores de uso torna-se, de algum modo,
compatível, comensurável.
E, por conseguinte,
Marx argumenta que deve haver algo existente por detrás
do valor de troca que explica esta comensurabilidade.
E o que está por detrás é a noção de valor.
E ele define-a como sendo
tempo de trabalho socialmente necessário.
Para ser socialmente necessário
o trabalho despendido em algo tem de ter valor de uso para alguém.
Por isso Marx reconecta
o valor de uso e então vocês começam a ver o valor
a aparecer conjuntamente com o valor de uso e o valor de troca no conceito de tempo de trabalho socialmente necessário.
Agora, se perguntarem a vocês próprios qual é a estrutura das
próximas duas secções,
elas são mais ou menos assim:
Ele concentra-se no
tempo de trabalho.
Ele já
distinguiu entre
a imensa variedade de tempo de trabalho que podia ser gasto
e algo ao qual chama trabalho abstracto.
Assim aqui ele pega num conceito que foi apenas simplesmente
referido na primeira secção
e separa-o dizendo, bem, o tempo de trabalho socialmente necessário
tem dois aspectos:
trabalho concreto
e trabalho abstracto,
e fala sobre a diferença entre os dois.
Mas no fim há apenas um processo de trabalho, não é como se um processo de trabalho fizesse o concreto
e outro o abstracto.
Não, há apenas um processo de trabalho e tem o seu carácter duplo.
É ao mesmo tempo concreto e abstracto.
A questão é como descobrem
qual é o valor abstracto que está na mercadoria que vocês produziram?
E a resposta a isto só pode ser descoberta no momento em que
o trabalho abstracto e concreto se juntam no momento da troca.
Portanto, vamos agora olhar para a troca e para o modo pelo o qual a troca origina a forma
de expressar o valor,
representar o valor, porque sabemos que o valor é uma relação social,
por conseguinte é imaterial.
Assim, o que nos obtemos na troca, o que emerge da troca, é
uma dualidade, uma vez mais.
Formas relativas e equivalentes de valor.
E estas formas relativas e equivalentes de valor eventualmente fundem-se no fim desta
longa, e na minha opinião um pouco inchada, terceira secção,
na ideia que que há
uma forma na qual o valor ganha expressão.
E ganha expressão
na forma de mercadoria-dinheiro.
Se vocês querem levar isto ainda mais longe, até à próxima secção, a mercadoria-dinheiro esconde algo,
esconde as relações sociais.
Assim a próxima secção é sobre
a forma pela qual
existem relações sociais entre as coisas, e as relações
materiais entre as pessoas.
Assim, vocês podem ver um certo tipo de padrão
aqui a emergir na natureza do argumento.
Há um desdobramento aqui a acontecer.
Há uma expansão do argumento.
E, na realidade, se olharem para a estrutura lógica
do argumento no Capital, verão uma continua expansão deste tipo.
Agora, a forma clássica de pensamento da lógica hegeliana é, claro,
tese-antítese-síntese.
Mas estes não são pontos sintéticos.
São pontos que internalizam uma tensão,
uma contradição
que precisa de ser
mais tarde expandida e analisada.
Nesta secção, na primeira secção,
temos o argumento de que existe uma distinção entre trabalho abstracto e concreto, mas agora
nós expandimo-la.
E no fim disto temos uma compreensão do modo como
os processos de troca produzem uma representação de valor
na mercadoria-dinheiro,
na forma de dinheiro,
o equivalente universal, como ele mesmo diz.
Portanto, vocês vêem como este processo
de representação se desdobra no Capital.
Mas, claro, a cada momento disto
ele faz muitas outras observações.
Isto, se quiserem, é uma espécie de
esqueleto da estrutura do argumento. Mas à medida que ele constrói o argumento
ele constrói argumentos extra.
E à medida que estes elementos extra são construídos,
então o que vemos é uma expansão
gradual, não só em termos deste tipo de forma linear, mas também
que se expande. Vai desde
uma concepção muito limitada de mercadoria até uma concepção cada vez mais abrangente
à medida que ele se move através destes diferentes elementos.
Assim, vamos ver isto muito concretamente
na secção dois.
Ele começa na página 132
onde faz a afirmação muito modesta de que "Essa natureza dupla da mercadoria
foi criticamente demonstrada pela primeira vez por mim.
Como esse é o ponto crucial em torno do qual gira a compreensão da Economia Política, ele deve ser examinado mais de perto."
Esta é uma forma educada de dizer:
até esta altura a economia política nunca fez esta distinção,
eles fizeram uma economia política que está toda errada,
e eu vou fazê-la correctamente porque esta distinção é fundamental.
Portanto, a primeira olha para o trabalho concreto
e ao mesmo tempo que está a olhar para a heterogeneidade de valores de uso,
ele está a olhar para a imensa heterogeneidade
dos processos de trabalho concretos,
produzindo diferentes itens - camisas e sapatos e maças e pêras
e tudo o resto,
diferentes competências envolvidas,
diferentes técnicas envolvidas, diferentes matérias-primas envolvidas,
e, por conseguinte, o processo de trabalho é, em si mesmo, heterogéneo.
Não quer isto dizer que estão a produzir produtos heterogéneos,
vocês estão igualmente a testemunhar a heterogeneidade dos processos de trabalho,
fiação e tecelagem,
produção de sapatos e panificação, e tudo o resto, pedem diferentes competências que
a heterogeneidade disto é simplesmente impressionante.
Portanto, ele aborda esta heterogeneidade.
Contudo, no processo
ele faz um movimento para expandir o argumento.
E este movimento é, penso eu, de importância singular
e isso ocorre no final da página 133,
bem, na metade de baixo, ele diz:
"O trabalho, por isso, como criador de valores de uso, como de trabalho útil,
é uma condição de existência do homem
independente de todas as formas de sociedade."
Normalmente, vocês não encontram
o Marx a dizer isto no Capital, porque ele está apenas interessado em perceber
como funcionam as coisas no capitalismo. Mas aqui ele está a dizer
que os valores de uso têm de ser produzidos, independentemente da sociedade em questão.
Diz ele: "é eterna necessidade natural
de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana"
O que estamos aqui a fazer
neste momento, é a introduzir
toda a ideia da relação metabólica com a natureza
como sendo algo que tem de ser integrado no argumento,
integrado na análise.
Ele não dá grande relevância a isto no Capital, mas
o objectivo ao fazer aqui esta declaração é dizer:
não existe forma de poder examinar
todo este processo sem olhar para esta
relação metabólica com a natureza.
E ele prossegue, explicando um pouco, "os corpos das mercadorias,
são combinações de dois elementos: matéria fornecida pela natureza
e trabalho.
Subtraindo-se a soma total de todos os trabalhos úteis contidos
no casaco, linho etc., resta sempre um substrato material
que existe sem acção adicional do homem, fornecido pela natureza.
Ao produzir, o homem só pode proceder,
como a própria natureza."
Isto é, têm de proceder de acordo com as leis da natureza.
"apenas mudando as formas das matérias. Mais ainda.
Mesmo neste trabalho de modificação ele é constantemente amparado por forças naturais.
Portanto, o trabalho não é a única fonte dos valores de uso que produz, da riqueza material.
Como diz William Petty, o trabalho é o pai da riqueza material
e a terra é a mãe."
Esta metáfora do género é muito comum a partir
do século XVII, e Marx limita-se a repetir
algo que existia desde o Iluminismo.
Mas, reparem neste aspecto:
a riqueza material não é a mesma coisa que valor.
Riqueza material
irá ser a quantidade total de valores de uso disponíveis para vocês.
O valor destes valores de uso
pode variar de muitas maneiras.
Vocês podem ter imenso valor de uso
mas muito pouco valor porque contém pouco trabalho,
ou vocês podem ter
muito pouco valor de uso e muito trabalho, por isso a relação entre riqueza
e valor não é de todo de um para um.
Portanto, a concepção de riqueza de Marx
é sobre o conjunto material
dos valores de uso que estão disponíveis para nós.
Então ele prossegue fazendo alguns comentários.
O trabalho heterogéneo contém um certo enigma.
Diferentes competências, diferentes capacidades de produtividade
de diferentes trabalhadores,
e nós temos de olhar para isto, que é o que ele faz nas próximas duas páginas.
E diz ele, no sentido de realmente avançar na sua análise,
que o que ele tem de fazer é criar um simples valor padrão.
E este padrão será chamado, tal como ele diz na página 135,
"trabalho médio simples".
Portanto, trabalho médio simples,
não é constante, acrescentando: "Embora (…) mude seu carácter
em diferentes países ou épocas culturais,
ele é porém dado numa sociedade particular."
Este é um movimento que Marx irá fazer frequentemente.
Para fins de análise, irei assumir que é dado, mesmo sabendo que varia
por todo o lado.
Mas para fins de análise assumirei que existe algo
chamado trabalho médio simples,
e é sobre isso que trata a abstracção do valor.
Além disso, o que eu faço é pegar na questão das competências
e do trabalho complexo, e simplesmente dizer:
"Trabalho mais complexo vale apenas como trabalho simples potenciado ou, antes, multiplicado,
de maneira que um pequeno quantum de trabalho complexo é igual a um grande quantum
de trabalho simples."
Então acrescenta: "Que essa redução ocorre constantemente, mostra-o a experiência."
Ele não nos diz qual a experiência que nos mostra isto.
Na realidade, este é um argumento problemático que costuma ser tratado pelo título
"o problema da redução da competência a trabalho simples" em imensas teorizações marxianas.
E isto coloca certas dificuldades na forma como algumas pessoas têm usado
a teoria de valor de Marx. Eu quero assinalar
o facto de esta passagem esconde
algo que é um pouco problemático
e que têm sido matéria de alguma controvérsia
no campo dos Estudos Marxianos.
O que vou fazer, portanto, é
colocar a questão
que temos, penso eu, de pôr aqui. Qual é a experiência que
mostra que esta redução
está a ser feita?, e como é feita essa redução?
E encontraremos alguns exemplos que nos permitirão perceber
onde assenta o argumento.
Assim, no final deste parágrafo ele diz: "Para efeitos de simplificação valerá a seguir
cada espécie de força de trabalho, directamente, como força de trabalho simples,
com o que apenas se poupa
o esforço de redução."
Tal como indiquei, esta é
uma estratégia que Marx por vezes usa. Ele depara-se com uma complicação,
diz: OK, eu reconheço a complicação, eu vou simplificá-la,
e para fins da argumentação prosseguirei
como se este dado de trabalho simples fosse adequado
para o meu argumento.
Na página 136-137
ele começa a falar mais sobre as
qualidades do trabalho abstracto.
Ele muda do exame do concreto,
tanto na relação com a natureza como no problema das competências,
e passa a olhar mais concretamente
se posso pôr desta forma, para o lado abstracto do seu argumento.
E, claro, no lado abstracto lidaremos com as relações quantitativas.
E ele tem de dizer algumas coisas sobre a duração temporal do trabalho,
sobre como a duração do trabalho temporal funciona.
A a primeira coisa que nota, no cimo da página 137
é que, final da página 136, "(…)à crescente *** de riqueza material
pode corresponder um decréscimo simultâneo da grandeza de valor."
O valor está dependente da produtividade humana.
Pessoas altamente produtivas podem produzir uma grande quantidade de riqueza material
muito depressa.
E podem trabalhar menos horas, portanto, na realidade a quantidade de
valor que eles produzem pode ser muito baixa mas a quantidade de riqueza material que geram pode
ser enorme.
Por isso, mais uma vez, ele vai enfatizar a distinção entre riqueza material
e valor.
E prossegue mostrando que enquanto que as mudanças na produtividade
afectam a riqueza material, elas não têm de ter necessariamente qualquer efeito
na criação de valor.
Veremos situações onde é este o caso, mas,
ainda assim, a alteração na produtividade
não está directamente relacionada com transformações em valor.
Isto leva-nos até, parte de baixo da página 137, à definição:
"Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força de trabalho do homem no sentido fisiológico,
e nessa qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera o valor
da mercadoria.
Todo o trabalho é, por outro lado, dispêndio de força de trabalho do homem
sob forma especificamente adequada a um fim,
e nessa qualidade de trabalho concreto útil produz valores de uso."
Isto apenas quer dizer que, se são precisas muitas horas de
trabalho simples para produzir um casaco,
e vocês produzem dez casacos,
a quantidade de valor é dez.
Se produzem quinze casacos é quinze.
»ESTUDANTE: Mas o valor do casaco continua a ser o mesmo. »HARVEY: O valor do casaco continua a ser o mesmo.
Ele então prossegue, falando sobre o que acontece quando o valor do casaco desce
que é a razão pela qual a mudança da produtividade vem a seguir.
Secção três: A forma de valor
ou o valor de troca.
Mais uma vez, o que vemos é
um argumento a abrir que
especifica a natureza do problema.
E ele começa com esta discussão sobre a objectividade das mercadorias
e o facto de que, apesar de terem qualidades objectivas,
ainda assim, ele diz mais ou menos por volta da página 138,
"Em directa oposição à palpável
e rude objectividade dos corpos das mercadorias,
não se encerra nenhum átomo de matéria natural
na objectividade de seu valor."
Então ele continua, dizendo: "(…) Recordemo-nos, entretanto, que as mercadorias apenas possuem objectividade de valor
na medida em que elas sejam expressões
da mesma unidade social de trabalho humano,
pois sua objectividade de valor é puramente social"
E a partir daqui segue-se, diz ele,
"então, é evidente que ela pode aparecer apenas numa relação social de mercadoria para mercadoria."
Agora, isto é um pouco estranho,
no sentido de que Marx está a dizer
que o valor da mercadoria é imaterial.
Nem um átomo de matéria entra no valor da mercadoria.
O conceito base de Marx - valor
é imaterial,
mas objectivo.
Isto não encaixa muito bem com a imagem de Marx, certo?, com alguém que é visto como
uma espécie de materialista rude, para quem tudo tem de ser material, e se não for material
não é nada.
Aqui está o seu conceito fundamental de valor
que é imaterial mas objectivo.
E é imaterial porque é uma relação social.
Conseguem ver relações sociais?
Possuem bocados, ou átomos ou moléculas de relações sociais?
Vocês não podem identificá-las desta forma,
ainda assim sabemos que as relações sociais são objectivas.
Existe uma relação social entre vocês e eu
e vocês podem olhar para o que se passa nesta sala e dizer: OK, há uma relação social
entre o professor e aluno.
E vocês podem falar sobre isto e isto tem consequências nas vossas notas e
e todo esse tipo de coisas, mas
vocês não podem, na verdade, medir isto em termos de átomos e movimento, e não podem encontrar moléculas
flutuando no ar, percebem,
do meu cérebro para o vosso cérebro ou seja lá para onde for, percebem.
Não é assim que funciona.
É imaterial mas objectivo.
Portanto Marx está a dizer. o valor é imaterial e objectivo, assim mesmo, é uma relação social que se torna
objectivada numa mercadoria.
E o processo de objectivação,
claro, é também a objectivação de um processo
numa coisa
porque o processo é tempo de trabalho socialmente necessário.
Portanto o processo está objectivado numa coisa.
A forma como é objectivado numa coisa
é um assunto de considerável interesse.
E além disso: de que modo a mercadoria expressa
esta relação de valor objectivamente, como uma coisa?
E a resposta de Marx a isso é:
vocês não podem pegar numa mercadoria,
esta mesa,
e dissecá-la para obter a composição química ou outra coisa qualquer, vocês não podem pegar nesta mesa
e descobrir qual é o valor que está dentro da mesa.
Vocês só podem descobrir qual é o valor da mesa quando a colocaram em relação de troca com
mais qualquer coisa.
Mais tarde, ele usa a noção de gravidade
como um exemplo semelhante.
É muito difícil, impossível de facto, pegar numa pedra
e dissecá-la para descobrir a gravidade que está dentro.
Vocês só podem descobrir a gravidade quando relacionarem a pedra com outra pedra,
é apenas uma relação entre corpos.
Portanto, é imaterial mas objectiva.
Portanto, este é um conceito fundamental de Marx e é muito importante que vocês
o reconheçam desde o início.
Por isso quando alguém aparecer e disser: bem Marx é apenas um desses aborrecidos materialistas que
não tem qualquer… bem, como assim?
O seu conceito de base é imaterial mas objectivo
e é disso que trata.
E a imaterialidade é, claro,
tempo de trabalho socialmente necessário.
Mas para saber qual é o tempo de trabalho socialmente necessário é preciso ter
a forma de aparência.
Assim, na página 139, uma vez mais ele faz uma modesta afirmação:
"Aqui cabe, no entanto, realizar o que não foi jamais tentado pela economia burguesa,
isto é, comprovar a génese dessa forma dinheiro, ou seja, acompanhar o desenvolvimento
da expressão do valor contida na relação de valor das mercadorias
de sua forma mais simples e sem brilho
até a ofuscante forma dinheiro.
Com isso desaparece o enigma do dinheiro."
O que se segue, penso eu,
é uma muita aborrecida exegese do modo como isto funciona.
E nós podemos simplesmente passar por cima da linha geral de argumentação para
realmente olharmos para alguns aspectos muito importantes, outra vez,
aspectos que parecem laterais como a relação com a natureza, que aparecem agora integrados
no próprio argumento.
O argumento é o seguinte:
Eu tenho uma mercadoria,
eu não sei qual é o seu valor abstracto.
Eu estou desesperado para saber e ter uma medida do valor abstracto
na minha mercadoria.
Vocês têm uma mercadoria.
Assim, eu digo: muito bem,
eu vou medir o valor,
o valor abstracto da minha mercadoria em termos da vossa mercadoria. Vocês têm a forma equivalente,
eu tenho a forma relativa.
Se estivéssemos numa situação de troca
vocês teriam a forma relativa, em relação à minha equivalente.
Existem tantas formas equivalentes como existem de mercadorias, bem como
tantas formas relativas.
Portanto, este é a versão simples
o que acaba por dizer:
eu só descubro
o que vale esta mesa quando é trocada por qualquer coisa mais,
e, por conseguinte, é o vosso trabalho interno que será a medida
do trabalho abstracto na minha.
Então ele expande e diz: Bem, o que acontece quando, por exemplo,
eu tenho uns sapatos e vocês não querem sapatos, mas por outro lado
eu quero uma camisa que vocês têm. Então eu troco os meus sapatos pela vossa camisa, e vocês pegam nos sapatos
que tinham trocado e trocam-nos, por outras palavras, podem imaginar
algo que vai e vai e vai… deste modo,
ou também podiam imaginar alguém sentado ali com
latas de atum, e eram os únicos com latas de atum.
E toda a gente quer trocar pelas latas de atum, então, de repente, as latas de atum transforma-se em algo
muito significativo e por conseguinte
múltiplas mercadorias são trocadas pela mesma coisa.
Assim Marx vai através destas várias
formas disto
e no fim começamos a ver a cristalização
da ideia de que existe uma mercadoria
ou pacote particular de mercadorias que começam, realmente,
a ser um substituto
para o equivalente.
E fora disto vemos cristalizar o equivalente universal.
Uma mercadoria torna-se
o equivalente central para todas as trocas,
e a essa mercadoria
chamamos mercadoria-dinheiro e a mais óbvia
a olhar seria o ouro.
Portanto, a mercadoria cristaliza.
Há uma série de pontos que têm de ser feitos sobre isto e Marx fará
este ponto várias vezes.
Para que isto aconteça,
a troca tem de torna-se generalizada,
tem de tornar-se, como ele lhe chama, um 'acto social normal'.
Não pode ser apenas uma troca ocasional,
tem de ser generalizada e tem de ser sistemática.
Se não for generalizada ou sistemática, então
é pouco provável que
o ouro emirja com equivalente universal.
Mas o que nós podemos ver ele aqui a fazer
é muito diferente do argumento
da economia política clássica. Ele está a dizer que a forma dinheiro
emerge da relação de troca.
Não é sobreposto a partir de fora.
Não passa por alguém ter tido uma boa ideia e dizer: oh, vamos ter dinheiro.
Não é nada assim,
não, emerge, na perspectiva de Marx, a partir
de actos simples de troca que gradualmente expandem-se
até ao ponto de se tornaram generalizados
para toda a sociedade.
Agora, há aqui uma questão interessante:
Isto é uma argumento histórico ou um argumento lógico?
Na realidade, iremos ver que várias vezes isto aparece no Capital, e é algo
sobre qual devem pensar.
No século XIX havia por vezes uma tendência para interpretar Marx como alguém que fazia argumentos históricos,
bem como argumentos lógicos.
Eu penso que a maior parte das pessoas que estão familiarizadas com
trabalhos de arqueologia e antropologia e história, e quejando, diria agora
que não podem tratar isto com um argumento histórico.
Existem demasiados
sistemas simbólicos tipo moeda, flutuando em torno, de vários tipos, histórica e arqueologicamente,
e de tudo o resto,
na ausência de tipos claros de relações de troca deste tipo.
Assim, é provavelmente melhor não tratar isto como um argumento histórico.
Mas o que isto faz, e eu penso
que este é o modo de olhar para isto:
na realidade isto constrói um argumento lógico
sobre as relações entre a forma dinheiro e a troca de mercadorias
e o que diria historicamente seria:
que, embora possa ter havido todo o tipo de diferentes
sistemas, que vocês poderiam chamar de sistemas monetários,
a flutuar em torno de trocas de
búzios ou histórias ou seja o que for,
embora possam ter existido todo esse tipos de sistemas
flutuando, à medida em que
a troca de mercadorias capitalista tornou-se generalizada, disciplinou todas essas formas
nesta relação singular entre
a forma dinheiro
e a forma mercadoria.
Portanto, neste sentido vocês poderiam dizer algo do tipo: a lógica do capitalismo
e o sistema capitalista, diria que,
à medida que as trocas proliferaram e tornaram-se num acto social normal,
o que isto significa é que
o dinheiro e as mercadorias irão evoluir para este tipo de relação,
independentemente de qual tenha sido
a base original da forma monetária.
Mas então existem alguns aspectos muito específicos sobre este argumento.
E eu quero chamar a atenção para
pedaços ocasionais de linguagem que me parecem que são significativos.
Na página 142, por exemplo,
a meio da página,
ele está a falar do trabalho humano em geral, porém ele prossegue dizendo: "(…)Não basta, porém,
expressar o carácter específico do trabalho em que consiste o valor do linho.
A força de trabalho do homem em estado líquido(…)"
Agora, eu irei frequentemente
chamar a vossa atenção para a forma como Marx se concentra na fluidez das coisas.
"(…)força de trabalho do homem em estado líquido, ou trabalho humano cria valor, porém não é valor.
Ele torna-se valor em estado cristalizado, em forma concreta", através da objectificação.
Portanto, uma vez mais existe esta relação processo-coisa.
É como estivesse sempre à espreita
e vocês encontrarão sempre passagens onde Marx
irá reiterar isso.
Mas então há algo estranho sobre
a forma como estas
formas de valor relativo e equivalente funcionam em conjunto.
E ele identifica três peculiaridades: a primeira é identificada na página 148:
"A primeira peculiaridade que
chama a atenção quando se observa a forma equivalente é esta:
o valor de uso torna-se forma de manifestação de seu contrário, do valor."
Esta relação está implicada no início deste argumento.
É o valor de uso que vocês têm que é o equivalente do
meu relativo.
E é este valor de uso, não a generalidade é apenas este valor de uso,
e nós nunca podemos escapar a esta
contradição.
Que um específico valor de uso,
que no final será o ouro,
se torne a forma de aparência do seu oposto, valor.
O resultado disto, na página 149
é que ele começa a falar sobre o modo no qual
- e é aqui que vocês começam a ter o precursor do argumento do fetichismo -,
diz ele: "Expressando a forma relativa de valor de uma mercadoria, exemplo do linho, sua qualidade de ter valor
como algo inteiramente distinto de seu corpo e suas propriedades
por exemplo, como algo igual a um casaco,
essa expressão mesma indica
que nela se oculta uma relação social."
Na secção do fetichismo iremos
lidar imenso com a forma como as coisas ficam escondidas.
Mas aqui está a dizer algo do tipo:
que continua escondida nesta relação lógica que está a ser construída
entre as mercadorias
e as suas expressões monetárias, e então ele vai um pouco mais longe, mais abaixo no parágrafo,
dizendo: "Daí o enigmático da forma equivalente,
que de início fere o olhar burguês rústico de economista político,
tão logo esta se apresenta a ele, já pronta, sob a forma dinheiro."
Então ele prossegue, numa espécie
de crítica aos economistas políticos clássicos pelos seus falhanços.
Assim, diz ele no cimo da página 150:
"O corpo da mercadoria que serve de equivalente figura sempre como corporificação
do trabalho humano abstrato e é sempre o produto de determinado trabalho concreto, útil."
Trabalho concreto específico é o que faz o ouro.
Mas o ouro é suposto ser uma expressão
de trabalho humano abstracto.
Segundo peculiaridade no fundo da página:
"É portanto uma segunda peculiaridade da forma equivalente
que trabalho concreto
se converta na forma de manifestação de seu contrário, trabalho humano abstrato."
Terceira peculiaridade,
cimo da página 151: ́"(…) portanto, uma terceira peculiaridade
da forma equivalente que trabalho privado se converta na forma de seu contrário,
trabalho em forma directamente social."
Vocês podem ver toda uma série de contradições a emergir daqui.
A expressão de valor é uma mercadoria em particular,
um particular valor de uso produzido debaixo de condições
particulares concretas de trabalho, a qual é,
em princípio, apropriada por um qualquer indivíduo,
e,
ao mesmo tempo, é suposto ser um expressão geral
de todo um mundo de produção da mercadoria.
Tensão. Só para vos dar um exemplo: vocês não têm de pensar
na apropriação privada.
Se o ouro é a mercadoria-dinheiro, se o ouro é a primeira
mercadoria, que é o centro de tudo isto,
então quem são os produtores do ouro?
Houve um momento muito interessante no final dos anos 60
quando os dois maiores produtores de ouro do mercado mundial eram
a União Soviética e a África do Sul.
O capitalismo não estava propriamente feliz.
Ou seja,
a União Soviética e a África do Sul podiam realmente perturbar todo o sistema de abastecimento do ouro
inundando o mercado ou fazendo outra coisa qualquer.
Por isso, num certo sentido,
uma das razões, uma das muitas razões, na verdade, para nós termos ido para
uma base monetária
'des-metálica', não metálica a partir da década de 70, tem a ver com o facto
de que os poderes que estão em Washington e Londres e Tokyo e noutros lados., decidiram que,
ei, nós não podemos manter o ouro como base ou, noutros termos, porque não podiam eles manter o ouro por base?
Nós não podemos manter o ouro por base porque causa
da responsabilidade política que lhe é inerente. Portanto, estas contradições de que ele está aqui a falar
são passíveis de entrar em erupção,
de maneiras muito específicas,
quem controla o abastecimento de dinheiro, que controla os seus valores de uso, quais são
as condições do trabalho?
O que acontece
como aconteceu em 1848 quando de repente o ouro era
descoberto na California,
e existe uma inundação de ouro no mercado mundial? O que acontece quando
os Espanhóis entram na
América do Sul e roubam todo o ouro dos Incas e dos outros povos
e inundam a Europa com ouro
nos séculos XVI/XVII, criando uma grande inflação? Por outras palavras,
o facto de uma mercadoria específica
ter esta capacidade de ser o equivalente universal,
com todas estas particularidades acerca disto,
cria um problema.
É como se houvesse uma relação simples entre uma particularidade e um universal,
e a particularidade
fosse colocada como a medida do universal.
Tensão, contradições,
contradições monetárias a flutuar por todo o lado mais à frente na análise.
Mas o que ele está a fazer aqui é a criar
um pouco a base para isso.
Igualmente na página 151
ele chama a atenção para algo mais que é muito importante na troca.
Ele gosta muito de citar Aristóteles.
E ele nota que Aristóteles diz:
bem, se as coisas se trocam
deve haver algo equivalente
na troca.
Portanto, o que Aristóteles começa a expor é que a noção de troca implica equivalência.
Mas Aristóteles não podia ter uma teoria do valor de trabalho.
Porquê? Por causa da escravatura,
Não havia um mercado livre de trabalho, esse tipo de coisas.
Por isso Aristóteles viu algo muito significativo acerca da natureza da troca
e acerca da natureza das economias,
que é o princípio da equivalência.
Isto não significa necessariamente que há equivalência entre pessoas mas sim que há uma equivalência qualquer no sistema
que diz que isto é equivalente àquilo.
E esse princípio da equivalência
é algo que irá ser muito significativo na forma como os mercados funcionam.
Por isso, Aristóteles,
na página 151, diz: "“A troca”, (…), “não pode existir sem a igualdade, nem a igualdade
sem a comensurabilidade”.
Isto é algo
que é muito importante para a forma como os mercados funcionam.
Agora, o que acontece,
à medida que o equivalente universal começa a tornar-se
cada vez mais presente no argumento é isto:
e ele volta a assinalar isto na no fim da página 153,
diz ele: "A antítese interna entre valor de uso e valor, oculta na mercadoria,
́é, portanto, representada por meio de uma antítese externa, isto é, por meio da relação
de duas mercadorias, na qual uma delas,
cujo valor deve ser expresso, funciona directamente apenas como valor de uso;
a outra, ao contrário,
na qual o valor é expresso vale directamente apenas como valor de troca."
Isto é: o que começamos a ver é
o princípio da emergência de algo que irá ser
crucial para o argumento.
Uma oposição interna
dentro da mercadoria entre
o valor de uso e o valor
que irá ser, eventualmente, expressa como uma oposição externa entre o mundo
das mercadorias
e o mundo do dinheiro.
Estes dois mundos
de repente separam-se um do outro.
E ao ficaram separados um do outro podem ser antagonistas um do outro.
Por outras palavras, vocês vão de uma oposição interna para uma
oposição externa,
com a potencialidade para o antagonismo.
Portanto, o fim da história é sobre
o modo como a forma expandida do valor
se transforma num equivalente universal.
E por conseguinte, o que isto significa é que o dinheiro torna-se
a expressão,
a mercadoria-dinheiro torna-se a expressão de valor.
Ele diz na página 160, ele diz isto, no meio da página:
"Por fim,
uma espécie particular de mercadoria recebe a forma geral de equivalente
porque todas as outras mercadorias fazem dela o material da sua forma-valor
geral, unitária."
Então reparem na próxima frase: "No mesmo grau, porém,
em que se desenvolve a forma valor em geral, desenvolve-se também a antítese entre ambos os pólos,
a forma valor relativa e a forma equivalente."
E isto leva-nos até à secção final precisamente sobre
a forma dinheiro.
O que fizemos aqui
foi olhar para a forma na qual
o concreto e o abstracto aparecem juntos numa troca,
como as formas relativa e equivalente do valor
se constroem de certos modos,
gerando esta mercadoria-dinheiro.
Então isto leva-nos até ao fetichismo, mas
vamos ver que questões vocês têm sobre esta secção e a anterior.
»ESTUDANTE: O que é interessante, você perguntou se Marx estava a tentar,
ou se nós víamos isto como um argumento lógico ou histórico, o que é
interessante é que as pessoas aplicam esta aproximação a análises históricas
e elas têm este conceito de contingência e de codificação, por isso este capitalismo desenvolve-se
como uma série de acidentes (»DAVID HARVEY: sim), que tornam-se codificados, e então temos também a questão da consciência
E então também vem-nos à cabeça, penso eu, esta noção de verdade na forma de verdade e como,
o que podemos dizer sobre as relações sociais na sociedade capitalista quando… no capitalismo tem-se
expressões incorporada em coisas que estão em contradição com algo mais,
como, por…, a expressão de valor está numa forma contraditória com o valor de uso particular
de algo, e esta ideia que a verdade ocorre quando a representação e algo coincidem.
e são estas a únicas formas de ter coisas absurdas na sociedade?
»DAVID HARVEY: Bem, não são tão absurdas, eu penso que Marx está o tempo todo a falar
sobre a internalização de contradições.
E estas internalizações de contradições torna-se também geradoras.
E são as tensões…
E aqui teremos uma tipo de
argumento complicado, o qual
eu não quero aprofundar muito, mas temos um argumento complicado que diz:
estamos a falar sobre o modo aqui…
do modo de representação do Marx?
E está a falar de contradições? Ou estamos a falar de contradições reais que existem?
Pronto, eu já indiquei,
o que eu acho fascinante em Marx é que ele cria,
assim neste capítulo, a noção de contradição no interior da forma dinheiro.
e então quando eu olho para isto digo: Bem, porque vão eles para o padrão-ouro
no final dos anos sessenta, e então eu penso para mim próprio:
Bem, na verdade isto ajuda-me a perceber algo sobre este assunto.
E eu penso que isto foi muito real, e se vocês consultarem a literatura descobrem: de facto, foi real.
Havia este nervosismo sobre os ganhos de poder da
União Soviética e da África do Sul.
Por isso, como sabem,
a relação entre o argumento de Marx e as realidades que estão à nossa volta, e as tensões
que nós sentimos na nossa vida diária, são sempre complicadas, e vocês têm de
ser vocês próprios a trabalhar isto,
e fazer com que funcione para vocês próprios. Mas o que vocês vêem a fazer é isto: ele está a fazer
um argumento lógico aqui, no qual ele está
a falar sobre o modo como estas contradições ficam internalizadas.
Em algo tipo dinheiro, certo, o que é dinheiro?
É um tipo muito interessante de questão, isto é, quantos de vocês já pensaram sobre
o que é o dinheiro?, de onde vem?
E se vocês forem à obra do Dickens "Dombey and Son", existe um Mr. Dombey e
e o pequeno filho Paul que está a morrer e que diz:
Papá, o que é dinheiro?
E o Sr. Dombey, o grande empresário, não lhe consegue dar uma resposta.
E a mãe do pequeno Paul morre e ele diz: Bem, pode o dinheiro trazê-la de volta?
E o Sr. Dombey não sabe o que dizer.
O que é o dinheiro? O que é isto?
E nós com ele a toda a hora, usamo-lo o tempo todo, mas é profundamente contraditório.
Também em termos do nosso relacionamento com ele, em termos de feitiço.
Isto é, até eu acordar e ir verificar o que está à acontecer às minhas
acções da minha pensão de fundos,…
Portanto, temos um feitiço acerca disto, bem, o que é isto? Oh, subiu dois pontos
percentuais, yeah!, vocês sabem.
Ou, desceu dez pontos e vocês dizem: oh meu deus, portanto, eu tenho uma relação contraditória
em relação aos colapsos da bolsa de valores. Por um lado agrada-me politicamente,
por outro lado, odeio-a pessoalmente,
porque lá se vão os meus fundos de pensão.
Portanto, este tipo de contradições e tensões existem a toda a hora nas nossas vidas diárias.
E por isso eu penso que precisamos de pensar sobre elas.
Um das coisas interessantes desta secção é que está escrita num estilo
completamente diferente.
Ou seja, a última secção é feita por um Marx com o seu chapéu de contabilista, percebem,
isto é igual a isto e aquilo é igual àquilo.
isto é um tipo de Marx
a resvalar para
mistérios e..
lobisomens e tudo o resto.
É um tipo muito diferente de escrita.
E uma coisa que acontece como resultado disto é que…
e que muita gente na verdade olha para isto como um de pedaço estranho do argumento
no Capital, uma espécie
de coisa que fica ao lado.
E por conseguinte não levam muito a sério
quando estão a falar sobre a teoria geral
que Marx expõe no Capital.
Por outro lado, há quem não ligue muito à teoria geral do Capital e trate a secção sobre
o fetichismo como sendo a parte principal,
a pepita de ouro em Marx,
e expandem-na em grandes
teorias sociais literárias e de todo o género.
Eu penso que é muito importante reconhecer que
Marx importou isto dum apêndice na segunda edição, e fez disto a terceira secção.
Ele reescreveu e trouxe-a para a segunda edição, e por conseguinte isto foi uma acção
consciente, nesta parte,
de fazer isto. Mas isto também diz algo sobre a técnica de Marx, que
ele se sente perfeitamente à vontade em usar estilos diferentes
à medida que avança de um tópico para outro.
E ele adopta o seu estilo de escrita em função daquilo que está a tentar transmitir.
Assim, eu penso que uma das questões que temos
de fazer é: qual é a
relevância disto
na linha geral do argumento de Marx? E eu penso que a relevância
é já parcialmente revelada com
a sua ideia sobre a forma como a coisas ficam escondidas,
como as coisas se tornam misteriosas,
como as coisas ficam enterradas,
como temos dificuldade em ver o que está acontecer,
como existe uma complicação nesta contradição entre
a forma dinheiro com as suas particularidades e o seu equivalente universal, que é
suposto funcionar como…
Portanto, este tipo de relações
foram já criadas de tal forma que começam a tornar-se o foco, como acontece
com todas as outras peças do argumento. Tornam-se o foco.
Ideias que estavam latentes de repente tornam-se o foco de
uma espécie de argumento geral.
E no que ele está interessado aqui é, de facto,
em dois conjuntos de coisas.
Primeiro, é desvendar a
noção de fetichismo da mercadoria,
na qual
uma coisa simples sensível
transforma-se em algo, que ele diz no fim da página 163,
que "transcende o sensível".
Algo que,
na página 165, diz ele: "coisas sensíveis, que são simultaneamente metafísicas e sociais".
Pronto, o carácter enigmático da mercadoria,
tal como ele coloca,
emerge do seu carácter social.
Ele diz no final da página 164: "O misterioso da forma mercadoria consiste, portanto,
simplesmente no facto
de que ela reflecte aos homens as características sociais do seu próprio trabalho
como características objetivas dos próprios produtos de trabalho,
como propriedades naturais sociais dessas coisas"
E um pouco mais abaixo:
"O que descobrimos", diz ele
"Não é mais nada que determinada relação social entre os próprios homens
que para eles aqui assume a forma fantasmagórica.
de uma relação entre coisas."
E então ele faz um breve comentário colateral sobre a religião,
prosseguindo dizendo: "Eu chamo a isso o fetichismo
que adere aos produtos de trabalho,
tão logo são produzidos como mercadorias,
e que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias."
Esta inseparabilidade da produção das mercadorias é extremamente importante.
Diz que o fetichismo não é algo que
possa ser classificado como qualquer coisa que se possa remover.
Não é uma questão de consciência,
é uma questão de
algo que está profundamente incorporado na forma como
as mercadorias são produzidas e trocadas.
E ele prossegue dizendo,
mesmo no fim, que é,
página 165, que é, de facto uma passagem-chave:
"Em outras palavras, os trabalhos privados só actuam,
de facto, como membros do trabalho social total
por meio das relações que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e,
por meio dos mesmos, entre os produtores.
Por isso, aos últimos
aparecem as relações sociais entre seus trabalhos privados,
aparecem como o que são" reparem nisto, aparecem como o que são,
"isto é, não como relações directamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos,
senão como relações reificadas entre as pessoas
e relações sociais entre as coisas".
Agora o argumento é, de certa forma, muito simples.
As pessoas no capitalismo não se relacionam umas com as outras
directamente como seres humanos.
Elas relacionam-se umas com as outras através da miriade de produtos
que elas encontram no mercado.
Mas quando vamos ao mercado e colocamos a questão: porque motivo isto custa o dobro disto?
O que nós encontramos é uma expressão de uma relação social
que tem algo a ver, na perspectiva de Marx,
com valor, tempo de trabalho socialmente necessário.
Agora, quais são as ramificações disto?
Existem várias ramificações.
Primeiro,
não podemos saber
sobre as condições de trabalho
de todas as pessoas que trabalharam para pôr o pequeno-almoço na nossa mesa.
Não podemos saber isso.
É tão intricado, é tão improvável, tão distante.
E quando vocês pegam nos produtos, que estão nos produtos, que estão nos produtos,
o carvão, que faz com que o aço, que vai para o tractor, que vai para …
Milhões e milhões e milhões de pessoas estão envolvidas no pequeno-almoço que está na nossa mesa.
E então surge a grande questão: Bem,
de onde vem o nosso pequeno-almoço?
Eu gosto de começar a minha
aula introdutória de geografia com esta questão: de onde vem o vosso pequeno-almoço?
Pronto,
vão e pensem sobre isto.
E a primeira resposta era: Bem, vem do supermercado. Bem, não, por favor, tentem ir um pouco mais além.
E o que é que sabem sobre as pessoas que o produziram? E por volta da terceira semana
as pessoas dirão algo do tipo: Eu não tomei pequeno-almoço esta manhã.
Eu penso que foi uma espécie de sentimento de culpa que estava fervilhar, e a resposta típica
é algo deste género.
Portanto, o ponto aqui é que
as relações sociais
entre coisas
medeiam entre nós e tudo o resto que existe.
Bem, Marx não teve esta discussão, mas,
eu tive esta discussão, por exemplo, com
pessoas religiosas que insistem nos bons comportamentos morais e outras coisas deste género,
e é sempre sobre relações cara-a-cara, Eu sou bom com o meu vizinho e bom com a pessoa
que vive ao meu lado,
eu ajudo as pessoas na rua, OK, este tipo de coisas.
E vocês dizem: bem, o que é que você faz com todas essas pessoas que colocam o pequeno-almoço na sua mesa?
Qual é a vossa responsabilidade com todas essas pessoas? E a resposta é: "Bem, eu não estou
interessado nisso." Bem, isto é onde a nossa verdadeira
conexão social com o mundo do trabalho reside.
E torna-se muito complicado descobrir, só ocasionalmente descobrimos que,
como sabem, este
produto foi produzido debaixo de condições deploráveis de trabalho algures, por isso devemos boicotar este
produto ou boicotar aquele produto.
Mas vocês podem ver o quão
incrivelmente complicado é este mundo.
E como o sistema de mercado, e em particular a mercadoria-dinheiro, esconde-nos
tanto do que se passa no mundo à nossa volta.
E por isso Marx começa por dizer algo do tipo: nós temos de
nos confrontar com o modo como funciona o mundo
e reconhecer que isto nos é escondido
em virtude da forma como é o mercado.
E ao fazê-lo,
ele volta à…
regressa à ideia de que
as mercadorias são objectivas,
elas existem,
vocês não podem ir a um supermercado
e olhar para uma alface e descobrir se foi produzida em
condições de trabalho de exploração ou algo do género, não podem fazer isto.
Portanto, vocês não têm meios de saber e se fizerem um boicote à uvas
deste lugar
vocês encontram as uvas como se tivessem sido
produzidas noutro lugar.
Mas ele avança um pouco mais
e diz isto:
Nós temos de perceber, ele diz isto no final da página 165, que " Portanto, os homens relacionam
entre si seus produtos de trabalho como valores
não porque consideram essas coisas meros envoltórios materiais de trabalho humano
da mesma espécie.
Ao contrário.
Ao equiparar seus produtos de diferentes espécies
na troca, como valores,
equiparam seus diferentes trabalhos como trabalho humano.
Não o sabem, mas o fazem. Por isso, o valor não traz escrito
na testa o que ele é.
O valor transforma muito mais cada produto de trabalho
num hieróglifo social."
Mais tarde, diz ele, os homens tentaram
decifrar o que era este hieróglifo.
Mas: "A tardia descoberta científica de que os produtos de trabalho, enquanto valores
são apenas expressões materiais do trabalho humano despendido em sua produção,
faz época na história do desenvolvimento da humanidade,
mas não dissipa, de modo algum, a aparência objectiva das características sociais
do trabalho."
Uma vez mais ele está a falar aqui sobre a generalização do processo de troca,
… o global…,
o mundo das mercadorias, a estrutura global.
E uma vez mais ele volta à ideia de que o valor não anda por aí
a dizer o que é.
O valor nasce, a noção de valor nasce de todos estes processos.
Não lhes precede, nasce deles.
E a relação de valor é algo que é produzido
especificamente na sociedade capitalista.
E foi a sociedade capitalista que, de facto,
desvendou a teoria do valor-trabalho.
Na verdade, um dos primeiros
a aparecer com uma versão da teoria do valor-trabalho foi Hobbes.
E a partir daí temos todo um conjunto de versões, do Locke, Hume, e de muitas outras pessoas, a falar disso
e eventualmente
quando chegam a Adam Smith, passam a ter um teoria do valor-trabalho em Adam Smith e
e uma teoria do valor-trabalho em Ricardo.
Portanto, a teoria do valor-trabalho não é algo que andasse por ai desde sempre, é algo que
surge essencialmente
com o crescimento do capitalismo. Mas, como vimos, a teoria do valor-trabalho,
tal como a economia política clássica a viu, era
tempo de trabalho,
não tempo de trabalho socialmente necessário, não havia distinção entre trabalho concreto e abstracto,
todas essas coisas de que Marx tem vindo a falar.
Portanto, a teoria do valor-trabalho então, ou o surgimento da teoria do valor-trabalho, foi concomitante
com o crescimento da época burguesa.
E decorre disto,
e a destruição da economia burguesa,
a destruição do capitalismo,
obrigará
a construção de uma estrutura de valor alternativa,
um sistema de valor alternativo.
Ou, inversamente, se não gostam do sistema de valor do capitalismo e querem algo mais
então é melhor tornarem-se rapidamente revolucionários
porque este é a forma dominante de valor que
opera na nossa sociedade.
E opera, tal como ele diz, nas nossas costas.
Nós não o vemos, nós não compreendemos as suas consequências.
Acabamos com uma forma de valor esquizofrénica,
tipo boas relações no cara-a-cara, mas estamo-nos nas tintas para o que se passa
no mercado.
Este tipo de divisões.
E então temos a introdução de algo
que irá tornar-se
muito significativo
no próximo capítulo.
No final da página 167
ele fala sobre a forma como
proporções de produtos são trocadas.
E claramente, estas relações de troca variam muito.
"Estas grandezas", diz ele, "variam sempre, independentemente da vontade, da previsão e
e da acção dos que trocam.
Seu próprio movimento social possui para eles a forma de um movimento de coisas,
sob cujo controle se encontram, em vez de controlá-las."
Isto é: os produtores.
Quem controla este sistema?
Os produtores?
Ou o sistema controla-os?
Claro, o argumento de que o sistema os controla
não é exclusivo de Marx.
A pessoa que o defendeu mais
foi Adam Smith
em termos de "a mão invisível do mercado".
É esta mão invisível do mercado que guia as coisas.
Os indivíduos, num sistema a funcionar perfeitamente,
um sistema de mercado a funcionar na perfeição, não teriam qualquer tipo de controlo sobre o sistema.
O mercado seria o mecanismo de controle.
E seria a mão invisível do mercado que nos guiaria
em direcção à grande utopia capitalista.
Mas, diz Marx,
dentro do sistema de mercado,
um pouco mais a baixo na página 168,
é que,
"…são o tempo todo reduzidos
(…) nas relações casuais e sempre oscilantes de troca dos seus produtos,"
podem considerar isto como
flutuações da oferta e da procura,
"tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção se impõe com violência como lei natural reguladora,
do mesmo modo que a lei da gravidade, quando a alguém a casa cai sobre a cabeça.
A determinação da grandeza de valor pelo tempo de trabalho é, por isso,
um segredo oculto sob os movimentos manifestos dos valores relativos das mercadorias."
Através das subidas e descidas do mercado
"Sua descoberta supera a aparência da determinação meramente casual
das grandezas de valor
dos produtos de trabalho, mas de nenhum modo sua forma material."
Portanto, dentro desta flutuações do mercado e da mão invisível do mercado, há um
princípio regulador que emerge,
e o princípio regulador
irá ser o tempo de trabalho socialmente necessário
incorporado nas mercadorias,
que estabelece
a relação média de troca com outras mercadorias.
E isto irá ser o princípio regulador.
Portanto, isto é, se quiserem, a primeira parte
do argumento do fetichismo.
A segunda parte começa imediatamente a seguir,
quando Marx o leva para o campo do pensamento.
Como pensamos sobre o mundo,
quando os indicadores físicos
dizem: isto parece-se com isto,
quando nós percebemos que isto é como aquilo.
A noção de fetichismo
sugere que existe
uma forma profunda de olhar para algo,
que é outra do que aquilo que aparece na superficie.
E Marx faz um comentário mais ou menos deste tipo:
se tudo fosse como parece ser à superfície então não haveria necessidade da ciência.
E ele está a tentar construir a ciência da economia política.
Ele é muito sério em relação a esta ciência.
Portanto, ele está a tentar construir um quadro conceptual
que vá para além
do fetichismo, que vá para além da aparência da superfície. Como fazem isto?
E como é que as outras pessoas abordaram esta questão?
O que ele descobre, claro, é que muita gente não abordou esta questão, elas foram
iludidas pelas aparências da superfície.
Mas, voltando a este aspecto crucial: elas parecem como realmente são,
as aparências da superfície não são meras ilusões.
De facto, nós vamos ao mercado/supermercado, de facto, nós compramos, nós usamos dinheiro,
de facto, nós fazemos todas essas coisas.
Isso é o que fazemos.
E vemo-nos a fazer isso, são acções, isto é real.
E temos de levar em consideração esta realidade. Por outras palavras:
temos de lidar com a realidade ao mesmo tempo que lidamos com a estrutura subjacente.
Ou seja, esta é uma forma
familiar de proceder em imensos empreendimentos científicos.
O que faz a psicanálise não é senão dizer: Bem, reparem,
a superfície aparente do comportamento esconde algo mais.
Então um psicanalista não diria:
Bem, esta pessoa que é agressiva e segura uma faca assim, só está a sentir-se insegura,
por isso, não se preocupem com o facto de estar a empunhar uma faca.
Vocês saem do caminho.
Vocês não dizem que é uma ilusão,
não, é real.
Mas vocês sabem que algo mais por detrás que é diferente do que
aparenta ser à superfície. Donde, Marx está a usar o mesmo tipo de argumento,
na realidade, ele é pioneiro
deste tipo de argumentação em ciências sociais.
E muitas pessoas, digo eu, aprenderam
esta competência com ele.
Mas então ele está interessado em perceber
como foram interpretadas estas aparências da superfície
na economia política clássica.
E, tal como ele diz,
na pagína 168: "A reflexão sobre as formas de vida humana,
e, portanto, também sua análise científica, segue sobretudo um caminho oposto
ao desenvolvimento real.
Começa 'post festum' e, por isso, com os resultados definitivos do processo de desenvolvimento."
Isto é:
nós temos de compreender o mundo em que estamos agora e temos de andar para trás
até ao ponto de partida.
"Assim,", diz ele, "somente a análise dos preços das mercadorias
levou à determinação da grandeza do valor,…"
Começamos no supermercado,
diz, bem, o que um valor comum?
"É exactamente essa forma acabada — a forma dinheiro — do mundo das mercadorias que objectivamente vela,
em vez de revelar,
o carácter social dos trabalhos privados
e, portanto, as relações sociais
entre os produtores privados."
Então ele prossegue, falando sobre as categorias da economia burguesa.
Diz ele: "… constituem pois as categorias da economia burguesa. São formas de pensamento
socialmente válidas, e, portanto, objectivas para as condições de produção desse modo social de produção,
historicamente determinado, a produção de mercadorias.
Todo o misticismo do mundo das mercadorias, toda a magia e a fantasmagoria que enevoam
os produtos de trabalho na base da produção de mercadorias
desaparecem, por isso, imediatamente,
tão logo nos refugiemos noutras formas de produção."
E então ele diverte-se imenso com o mito do Robinson Crusoe.
O mito do Robinson Crusoe era usado
pelos economistas políticos daquele tempo para fantasiar sobre o modo como alguém
que estivesse no estado de natureza
decidiria como organizar as suas vidas, como regularia as suas relações com a natureza,
o que faria, como o faria, esse tipo de coisas.
E Defoe tinha produzido esse tipo de mito,
e, na realidade, a economia do Crusoe tem sido um aspecto muito importante de toda
a teorização da economia política.
Mas o que Marx faz é divertir-se com isto, notando que
"O nosso amigo Robinson Crusoe aprende (…) pela experiência,
e tendo salvo do naufrágio o relógio, o livro razão, tinta e caneta, começa, como bom inglês,
logo a escriturar a si mesmo."
Por outras palavras, a fantasia era baseada na vida política económica inglesa,
e então o que os economista faziam era fantasiar dizendo que era isso
o que um ser racional faria para regular as suas vidas se estivesse no estado natural.
Portanto, Marx diverte-se com isso.
E ele diz, bem, afastemo-nos da ilha de Robinson.
A propósito, eu penso que os economistas escolheram mal a história de Defoe,
eles deveriam ter escolhido Moll Flanders,
é muito melhor, isto é, Moll é um tipo clássico de personagem mercantil.
Ela anda por todo o lado e especula sobre as paixões de toda a gente,
e todas as outras pessoas a especular sobre as suas paixões.
E existe um momento maravilhoso em Moll Flanders onde
ela gasta todo o dinheiro que lhe restava e aluga uma espécie de carruagem e veste-se
muito elegantemente para ir ao baile, e vai ao baile e conhece um indivíduo,
e dançam juntos e decidem fugir e casar-se, e fogem e casam-se,
e quando acordam no dia seguinte na pousada ele diz:
Eu espero que tenhas algum dinheiro porque eu estou falido.
E ela diz: eu também estou falida, e ambos se riem, e é uma espécie de …
é uma espécie maravilhosa de, espécie de
momento em que ocorrem as colisões de mercadorias. E ela vai para as colónias,
vai para Virginia, vai para uma prisão de caloteiros…
Esta seria uma metáfora muito melhor
para exprimir o capitalismo, bem melhor do que esta do Robinson Crusoe.
Mas, em todo o caso, deixemos a Ilha do Robinson
e olhemos para uma situação
que é pré-capitalista.
O mundo da dependência pessoal da Europa medieval.
Ele fala sobre a corvéia,
na qual "…as relações sociais", diz ele, "entre as pessoas em seus trabalhos
aparecem em qualquer caso como suas próprias relações pessoais,
e não são disfarçadas em relações sociais das coisas,
dos produtos de trabalho."
Se vocês estiverem a trabalhar para o senhor, vocês trabalham tantas horas para o senhor
na propriedade.
Isto é, há uma relação pessoal de dependência.
Donde, não há
nada de obscuro nisto, nada de opaco, e ele diz a mesma coisa sobre
uma indústria rural patriarcal duma família camponesa.
E ele continua ainda,
no fim da página 171, a falar sobre isto:
"Imaginemos, finalmente,
para variar, uma associação de homens livres, que trabalham com meios de produção comunais,
e despendem suas numerosas forças de trabalho individuais conscientemente
como uma única força social de trabalho."
Esta é uma das raras passagens onde Marx fala sobre um certo tipo de fantasia
socialista e sobre o que seria o socialismo E, uma vez mais, diz ele,
"Repetem-se aqui todas as determinações do trabalho de Robinson,
só que de modo social em vez de individual."
E prossegue, continuando a falar sobre
a forma como seriam as relações sociais numa sociedade deste tipo,
na página 172, "…transparentemente simples tanto na produção quanto na distribuição."
Portanto, ele está a falar sobre a qualidade muito específica
a qualidade opaca das relações sociais
que emergem no capitalismo, e contrasta-as com modos alternativos
de produção, para destacar a especificidade
do mundo em que estamos inseridos.
E prossegue
fazendo alguns comentário que
são de certo modo interessantes e controversos:
"Para uma sociedade de produtores de mercadorias, cuja relação social geral de produção consiste
relacionar-se com seus produtos como mercadorias, portanto como valores,
e nessa forma reificada relacionar mutuamente seus trabalhos privados
como trabalho humano igual,
o cristianismo, com seu culto do homem abstrato
é a forma de religião mais adequada, notadamente em seu desenvolvimento burguês,
o protestantismo, o deísmo etc."
Como vocês sabem, Max Weber inverteu esta tese
mais tarde, dizendo que o capitalismo era a expressão da crença religiosa,
enquanto que o Marx está a dizer algo do tipo:
que a transformação religiosa era
uma refracção, um reflexo, se quiserem,
destas relações das mercadorias, e do surgimento da teoria do valor
e o valor do
trabalho humano em abstracto, e de todo esse tipo de coisas.
E que a forma específica das crenças religiosas
de algum modo, move-se em paralelo
com as transformações da estrutura económica e política.
E ele continua fazendo uma espécie de comentário: "Nos modos de produção da velha Ásia e da Antiguidade etc.,
a transformação do produto em mercadoria, e, portanto, a existência dos homens
como produtores de mercadorias, desempenha papel subordinado…"
E ele fala do impacto
do mercado das trocas nos padrões das crenças.
E estes padrões da crença, claro, também
afectam, aquilo que ele chama na página 173 "do cordão umbilical da ligação natural
aos outros do mesmo género ou em relações directas de domínio e servidão.
Eles são condicionados por um baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas do trabalho
e relações correspondentemente
limitadas dos homens dentro do processo material
da produção de sua vida,
portanto, entre si e com a natureza.
Essa restrição real se reflecte idealmente nos cultos da Natureza …"
E então ele continua a falar, um pouco mais abaixo "A figura do processo social da vida
(…) apenas se desprenderá do seu místico véu nebuloso
quando, como produto de homens livremente socializados,
ela ficar sob seu controle consciente e planeado.
Para tanto, porém, se requer uma base material da sociedade
ou uma série de condições materiais de existência,
que, por sua vez, são o produto natural de uma evolução histórica longa e penosa."
Isto é Marx no seu modo especulativo,
falando sobre o modo como ideias e crenças
não são imunes,
e isto, claro, é algo que continua nas duas ou três páginas seguintes.
E, claro, existe imensa discussão sobre
até que grau podemos
dar credibilidade a isto.
Mas isto é muito claro,
tal como ele diz no final da página 175
em que reitera
um argumento reducionista, de facto,
quando diz, na nota de rodapé:
"(…) minha opinião, que determinado sistema de produção,
e as relações de produção a ele correspondentes, de cada vez, em suma,
'a estrutura económica da sociedade'
seria a base real sobre a qual levanta-se uma superestrutura jurídica e política
e à qual corresponderiam determinadas formas sociais de consciência”,
e que "o modo de produção da vida material condicionaria o processo da vida social, política
e intelectual em geral”
Este é o argumento que ele expôs
na introdução da
Crítica à Economia Política,
que ele corta e cola no Capital.
É um argumento reducionista
que diz que,
começando com a compreensão do processo de trabalho
e a natureza do processo de trabalho, e sobre o que é o processo de trabalho,
o modo como os seres humanos organizam a sua produção,
na sua base,
pode-se dizer muita coisa sobre
a política, sobre as estruturas legais,
padrões de crenças e quejando.
Vocês podem não gostar
do argumento reducionsta, e podem não concordar com ele, mas eu penso que devem ter bem claro que
Marx está a dizer isto,
que é nisto que ele acredita, e que é o que ele
pensa que é significativo.
A minha perspectiva sobre isto é a de que
é uma ideia inspirada,
mas, tal como a maior parte dos argumentos reducionistas, em última análise, falha.
Mas ao tomar esta posição reducionista vocês começam a ver toda uma série de coisas
que de outro modo não veriam.
E sem este impulso reducionsita, Marx nunca teria compreendido
toda uma série de coisas.
Vocês encontrarão tipos análogos de reducionismo, a propósito, nas ciências biológicas,
onde a evolução fica reduzida, como sabem,
à micro-física e tudo o resto.
E, uma vez mais,
vocês podem argumentar que esta tentativa, em última análise, falha, mas o facto é que a evolução
e as histórias genéticas, etc., estão agora de algum modo entrelaçadas uma na outra, e
a própria busca do reducionismo, de facto, tem produzido revelações incrivelmente importantes
no campo da biologia, exactamente da mesma forma, o que me leva a arguir
que Marx ao adoptar aqui
princípios reducionistas,
joga um papel muito importante no seu
método de investigação e no seu impulso para investigar,
e uma das coisas que me aborrece, devo dizer, é quando as pessoas dizem algo do tipo: oh, isto é reducionista,
logo, não acredito.
Se as pessoas não estivessem preparadas para serem reducionistas sobre coisas que não conheciam,
dificilmente conseguiríamos saber alguma coisa sobre o que quer que fosse.
E, de facto, na maior parte do tempo estamos constantemente a tentar reduzir as complexidades
a simplicidades.
E isto tem sido uma boa parte do que são as construções da compreensão e conhecimento.
E, OK, nós reconhecemos que o mundo é um local muito complicado, mas por outro lado,
uma vez que temos algumas das simplicidades,
então pode-se compreender as complexidades de um outro modo, e é isso que Marx,
penso eu, faz para nós. Mas ele
está aqui muito à frente, isto é o que ele está a fazer, e nestas passagens
ele está a ser muito explícito
sobre o modo como estes padrões de crença não podem ser isolados
da natureza dos processos de economia política
aos quais estão ligados.
Mas, uma vez mais, eu quero enfatizar
a nota de rodapé na página 174,
no final, nota de rodapé 34,
é uma nota de rodapé muito importante porque ele passa em revista aquilo que chama
as principais falhas da economia política clássica.
E, o que ele salienta aqui
é que nós não devemos cometer o mesmo erro de tratar
a teoria do valor, a teoria do valor-trabalho
como a forma natural eterna da produção social.
É uma construção histórica,
e, assim sendo, pode ser historicamente desconstruída.
Mas os economistas políticos clássicos trataram
a teoria do valor-trabalho como natural.
Como algo que era natural, e é por isso que ele regressa a uma espécie de Robinson Crusoe.
O que faria uma pessoa em estado natural num ambiente natural? Bem, faria o que Robinson Crusoe fez.
O que seria o que o pensamento burguês.
teria feito, no século XVII.
E ele diz na página 174:
A economia política burguesa, diz ele, "…nunca chegou a perguntar
por que esse conteúdo assume aquela forma, por quê, portanto, o trabalho se representa
pelo valor
e a medida do trabalho, por meio de sua duração,
pela grandeza do valor do produto de trabalho.
Fórmulas que não deixam lugar a dúvidas
de que pertencem a uma formação social
em que o processo de produção domina os homens, e ainda não o homem o processo de produção,
são consideradas por sua consciência burguesa uma necessidade natural
tão evidente quanto o próprio trabalho produtivo."
Isto é uma crítica devastadora à economia política clássica.
E num certo sentido isto foi tão devastador que,
com toda a discussão que ocorreu depois de Marx,
os economistas tiveram de descobrir…,
tiveram de abandonar a teoria do valor-trabalho.
Então o que os economistas marginalistas fizeram, em meados do século XIX foi, em face deste
tipo de crítica, disseram algo do género: a única maneira de lidar com isto é mandar para
o caixote do lixo toda a teoria do valor-trabalho.
E então apareceram com a teoria marginalista do valor, a qual é, como sabem, uma estrutura de valor
totalmente diferente.
E a economia é reconstruída como uma economia neoclássica,
em vez da economia política clássica.
Mas com este tipo de coisas a acontecer, é muito difícil manter uma teoria de valor-trabalho.
E tinha de ser mandada para o lixo, caso contrário acabariam marxistas,
e ninguém quer ser isso, logo, os economistas políticos clássicos foram
como que atirados, foram postos de lado, em grande parte por causa de Marx
ter produzido este tipo de crítica que tornou impossível manter esta postura,
sem realmente reconhecer o poder do que Marx está dizendo.
E ele prossegue na página 176, dizendo isto: "Até que ponto uma parte dos economistas
é enganada pelo fetichismo aderido ao mundo das mercadorias
ou pela aparência objectiva das determinações sociais do trabalho demonstra, entre outras coisas,
disputa aborrecida e insípida sobre o papel da Natureza na formação do valor de troca."
Isto ainda continua, claro.
"Como o valor de troca é uma maneira social específica de expressar o trabalho empregado numa coisa,
não pode conter mais matéria natural do que, por exemplo,
cotação de câmbio."
E ele prossegue, falando sobre
a ilusão fisiocrática de que a renda da terra se desenvolve a partir do solo, e não da sociedade.
E depois alguns apontamentos divertidos
nos quais ele fala sobre
o que diriam as mercadorias se pudessem falar. De facto,
esta linguagem das mercadorias tem sido
usada aqui e eu não fiz comentários sobre isto, mas é algo que é um pouco intrigante.
Ok, isto é o fetichismo das mercadorias, alguém tem algum tipo de observação a fazer?
Isto é, eu não pretendo debater demasiado as teses maiores de Marx, isso podemos fazê-lo
noutra altura. Eu quero passar para o capítulo dois,
assim, vejamos rapidamente o capítulo dois.
O capítulo 2 não é, espero eu, muito difícil.
O que Marx está aqui a fazer é simplesmente estabelecer
as condições de troca.
E ele começa
por mostrar que, bem, claro
as mercadorias não vão por si próprias para o mercado, têm guardiões.
Portanto, temos de dizer algo, não sobre as mercadorias, mas sim sobre a relação entre as mercadorias e os seus guardiões.
E o que ele faz é imaginar
uma sociedade na qual.
na primeira página deste capítulo, 178, ele diz: "Os guardiões devem, portanto, reconhecer-se
reciprocamente como proprietários privados.
Essa relação jurídica,
cuja forma é o contrato,
desenvolvida legalmente ou não, é uma relação de vontade,
em que se reflecte a relação económica.
O conteúdo dessa relação jurídica (…) é dado por meio da relação económica mesma.
As pessoas aqui só existem, reciprocamente, como representantes de mercadorias"
e, tal como ele diz, nós vamos agora olhar para "(…)os personagens económicos encarnados pelas pessoas,(…)
como "personificações das relações económicas".
Peguemos primeiro nesta última parte.
Ele vai olhar ao longo do Capital em termos de personificações
de relações sociais.
Ele não vai falar sobre indivíduos.
Ele vai falar sobre compradores e vendedores,
capitalistas e trabalhadores.
Ele irá falar sobre pessoas
em papéis.
Portanto, a análise será
sobre o que as pessoas fazem nesses papéis.
Indivíduos podem adoptar papéis diferentes,
mas é um tropo muito familiar
dizer, na verdade, bem, nós vamos olhar
para papéis em vez de pessoas.
E vocês não argumentariam
que a discussão da relação entre
condutores e peões
nas ruas de Manhattan
é ilegítima porque
as pessoas são tanto condutores como peões.
Não vamos falar sobre indivíduos.
Vocês dizem, bem, ainda vale a pena falar sobre relações entre
peões e condutores
porque há algo de importante nisso, e o que vocês descobrem é que, claro,
num determinado dia, quando são o condutor, vocês dizem mal dos peões e quando são
peões, dizem mal dos condutores, portanto, é uma espécie de…
por isso Marx vai falar de papéis ele irá falar sobre isso
o tempo todo.
E ele não irá falar muito sobre indivíduos, isto é,
ocasionalmente irá, mas, em geral, ele irá falar sobre papéis.
E os papéis são, neste caso estritamente definidos.
Que ele reconhece indivíduos
que detêm propriedade privada sobre
a mercadoria que comandam,
e eles trocam-na em condições não coercivas.
Isto é, existe uma reciprocidade
de respeito por direitos jurídicos dos indivíduos.
E isto é, na verdade, uma descrição de uma espécie de quadro
legal e político para o bom funcionamento dos mercados.
E neste contexto ele destaca:
As mercadorias nasceram, tal como diz na página 179,
"…igualitária(s) e cínica(s),
a mercadoria está sempre disposta a trocar não só a alma, como também o corpo, com qualquer outra mercadoria…"
O proprietário está disposto a aliená-la,
o comprador está disposto a adquirí-la.
"Todas" tal como ele diz, "Todas as mercadorias são não-valores de uso para seus possuidores e valores de uso para seus não-possuidores.
Elas precisam, portanto, universalmente mudar de mãos."
Uma vez mais aqui o seu argumento é especificamente histórico.
Por isso ele critica Proudhon na nota de rodapé,
bem como a sua perspectiva anarquista,
porque, basicamente, o que Proudhon fez foi pegar
na noção de justiça, na noção burguesa de justiça,
e na noção burguesa de trabalho,
e contribuição do trabalho, como base
de construção de uma sociedade alternativa, o que era, do ponto de vista de Marx, ridículo,
porque tudo o que se fazia era pegar
na forma pura da consciência burguesa e
dizer, isto é a forma de escapar da
sociedade burguesa, e Marx diz: isso não faz sentido.
Portanto, o que iremos fazer aqui, de certo modo,
é recapitular a forma de como se cristaliza em dinheiro.
Tal como ele diz na página 181:"O cristal monetário é um produto necessário do processo de troca,(…)"
e "A ampliação e o aprofundamento históricos da troca desenvolvem a antítese
entre valor de uso e valor latente na natureza da mercadoria." Já vimos
esta ideia, esta oposição, antes.
Ele regressa a ela e expande-a um pouco.
"A necessidade de dar a essa antítese representação externa para a circulação
leva a uma forma independente
do valor da mercadoria e não se detém nem descansa
até tê-la alcançado definitivamente por meio da duplicação da mercadoria
em mercadoria e em dinheiro."
Por outras palavras,
isto é outra vez sobre o processo da proliferação
das trocas, criação, fazendo esta separação.
Esta separação, contudo, presume,
diz ele no topo da página 182, que estamos a lidar com indivíduos e
proprietários privados,
e que "As coisas são, em si e para si, externas ao homem e, portanto, alienáveis."
Alienável, neste caso significa:
elas não fazem parte do meu ser, eu tenho a liberdade de dispor delas.
E vocês podem livremente disporem daquilo que têm. Se tiverem uma profunda
ligação a algo, não serão capazes de disporem dela, mas, a hipótese é de que
todas as mercadorias são alienáveis desta forma.
E ele diz no meio desta página: nos vamos falar aqui sobre "a constante repetição da troca
transforma-a em um processo social regular."
E este equivalente universal e social
começa a funcionar desta forma em diferentes ordens sociais.
E na página 183 ele fala sobre a forma como
"Na mesma medida em que a troca de mercadorias rompe seus laços apenas locais
e, com isso, o valor das mercadorias se desenvolve para vir a ser materialização do trabalho
humano em geral,
a forma dinheiro transpõe-se a mercadorias
que por natureza são adequadas para a função social
de equivalente geral, os metais preciosos.
Ouro e prata."
Isto leva-o então, contudo, para uma importante reflexão na página 181,
183.
Perdão, fundo da página 184,
e 185:
"Viu-se que a forma dinheiro é apenas o reflexo aderente a uma única mercadoria
das relações de todas as outras mercadorias. Que o dinheiro seja mercadoria
é, portanto, apenas uma descoberta
para aquele que parte de sua
forma acabada para posteriormente analisá-la."
Isto então leva-o a falar um pouco sobre a forma pela qual o dinheiro assume formas simbólicas.
Mas então ele prossegue e diz:
num certo sentido, "… cada mercadoria é um símbolo.."
Um símbolo de quê? Bem, um símbolo de valor.
"… é apenas um invólucro reificado do trabalho humano nela despendido".
Frequentemente vocês encontram pessoas a falar sobre… o que fazemos a propósito dos
aspectos simbólicos das economias, como funcionam as economias simbólicas?
Mas o que Marx abre aqui é uma possibilidade de assimilar este tipo de análise,
implicaria alguns ajustamentos, mas vocês podem assimilar este tipo de questão nas suas análises,
porque ele está plenamente consciente
desde o princípio
de que todas as mercadorias são simbólicas,
simbólico de conteúdo de trabalho.
Por conseguinte, num certo sentido, nós estamos sempre a lidar com economias simbólicas.
A natureza dessas economias simbólicas, contudo,
podem ser transformadas e mudadas.
E nós poderíamos olhar para isso em termos da nossa sociedade contemporânea.
Mas o que temos de fazer,
porém, é ter o cuidado
de separar as qualidades simbólicas
do que está enraizado na teoria do valor.
E temos sempre de devolver estas qualidades simbólicas
a esse enraizamento. E tal como ele diz,
no final da página 186,
A dificuldade não reside em compreender que dinheiro é mercadoria,
porém como, por quê, por meio de que
mercadoria é dinheiro"
Este é o enigma sobre o qual ele tem vindo a falar
nestas últimas secções.
Portanto, isto leva-o a falar, página 187, sobre a magia do dinheiro,
próximo do final da página.
Assim aparece uma frase muito, muito importante:
"A conduta meramente atomística dos homens
em seu processo de produção social
e, portanto, a figura reificada de suas próprias condições de produção,
que é independente de seu controle e de sua acção consciente individual,
se manifestam inicialmente no facto de que seus produtos de trabalho
assumem em geral a forma mercadoria.
O enigma do fetiche do dinheiro é,
portanto, apenas o enigma
do fetiche da mercadoria,
tornado visível e ofuscante."
O que Marx está aqui a fazer
é aceitar a visão de Adam Smith
de uma economia de marcado a funcionar na perfeição,
na qual uma mão invisível guia as decisões.
Não existe ninguém no comando
ninguém pode comandar,
toda a gente tem de funcionar de acordo com,
aquilo que Marx mais tarde chamará, as leis coercivas de competição do mercado.
A tese de Adam Smith era
que as motivações individuais dos empresários e
dos indivíduos autónomos actuando no mercado
não interessavam, eles podiam ser gananciosos, eles podiam ser egoístas, eles podiam ser o que fossem.
Eles podiam ser bons, eles podiam ser horríveis,
mas no fim, argumentava Adam Smith,
os indivíduos autónomos, actuando livremente no mercado,
seguindo os seus próprios interesses, necessidades e desejos, naquilo que quisessem,
seriam levados a produzir um resultado social,
quando mediados pela mão invisível do mercado, que redundaria no benefício de todos.
Marx aceita esta visão.
E eu penso que é muito importante perceber porquê.
O Capital de Marx é uma crítica à economia política clássica.
A economia política clássica considerava
que se deixassem o mercado fazer o seu trabalho,
tudo seria perfeito.
Se o Estado fosse posto de lado, se fosse erradicado o controlo de monopólio,
se fossem feitas todas essas coisas, teríamos no fim uma ordem social que seria
incrivelmente dinâmica e socialmente justa.
Que era o sonho utópico de Adam Smith.
Que era o sonho utópico do Ricardo.
Que era o sonho utópico da teoria liberal.
Continua a ser o sonho utópico da teoria neoliberal.
Deixem apenas o mercado fazer o seu trabalho e tudo ficará OK.
Marx, nesta altura, tem a possibilidade de escolher.
Ele poderia dizer que não funciona.
Todos sabemos que há monopólio, que há poder, e tudo o resto,
movimentando-se e destruindo tudo, por isso,
eu não vou sequer aceitar que este projecto utópico possa ser alguma vez possível
Ou pode, tal como fez aqui,
aceitar as condições deste sonho utópico,
e então colocar a questão:
Isto vai realmente beneficiar toda a gente?
E a grande tese que vai sair de O Capital é: Não!
Isto vai apenas beneficiar a burguesia.
Isto vai apenas beneficiar a alta burguesia,
e vai dar cabo dos trabalhadores,
da esquerda, da direita, do centro.
Quanto mais próximos chegarem
da implementação do projecto utópico da teoria liberal, da teoria neoliberal,
maiores serão os níveis da desigualdade social,
maiores serão os graus de injustiça na sociedade,
e maior será a destruição
tanto das qualidades ambientais como da qualidade do trabalho.
Por isso Marx aceita os termos do debate da economia política clássica
no sentido de mostrar que, nos seus próprios termos eles estão errados em relação ao que resultará.
E ele irá prová-lo, passo a passo.
Mas ao fazê-lo, ele vai limitar-se
ao argumento de que as condições clássicas
que são definidas pela mão invisível de Adam Smith,
estão de facto lá, e que foram realmente alcançadas.
Quando nós sabemos que elas não foram alcançadas e nunca serão alcançadas.
Mas nós já passamos por certos períodos históricos em que as pessoas tentaram alcançá-las,
tal como nos últimos trinta anos, por exemplo.
Portanto, o que Marx está a fazer
é tentar realmente desconstruir
a visão da economia política clássica da burguesia liberal
para mostrar que ela serve a si própria.
Mas, isto coloca-o num problema e coloca-nos num problema.
Quando estamos a ler a sua análise, temos de ter muito cuidado ao dizer: ele está a falar sobre
uma sociedade capitalista real, ou sobre a sociedade teórica
que Adam Smith sonhava,
e com a qual os economistas políticos sonhavam?
E por vezes estas duas coisas interferem uma na outra,
outras vezes misturam-se.
E temos de estar atentos a isto. Por vezes ele acaba dizendo que não são irrealistas
precisamente por causa desta presunção
De modo que é onde estamos.
Já ultrapassamos o tempo.
Para a próxima semana eu quero que leiam o capítulo sobre o dinheiro,
todo o capítulo sobre o dinheiro.
Pensem na estrutura.
É um capítulo muito difícil,
é o capítulo em que praticamente toda a gente desiste.
Se vocês o ultrapassarem,
ficarão…
ficarão bem.
Bem, nós iremos analisá-lo na próxima aula, obrigado.