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Meu nome é Sidnei Pereira.
Eu sou bibliotecário,
formado pela Universidade Estadual de Londrina.
Quando eu me formei,
eu fui para o Mato Grosso,
montei treze bibliotecas púbicas,
duas universitárias e uma biblioteca escolar.
E resolvi voltar para casa.
Lá eu trabalhava muito
e eu vi que é desnecessário trabalhar tanto.
Eu não quero ficar tão rico assim.
Não há necessidade.
E eu queria voltar para casa mesmo,
pensei nos meus pais e voltei.
E, quando eu cheguei em casa,
que é nessa cidadezinha que fica encrustada
na Serra da Mantiqueira,
São Francisco Xavier, onde eu nasci,
um dia eu estava em casa
e algumas crianças bateram na porta da minha casa,
querendo livros para fazer pesquisa de escola.
Eu falei: "Não, não tenho, né".
Mas fui atrás da biblioteca do distrito
e ela estava atrás das grades,
[pois] a tinham depositado
numa antiga cadeia pública.
E as crianças queriam ter acesso a esse acervo
e não conseguiam.
A prefeitura mandava a criança ir à escola;
a escola mandava a criança ir à prefeitura.
E ficavam fazendo esse pingue-pongue com as crianças,
e fizeram comigo.
E eu queria só analisar o acervo,
ver o estado [do acervo].
Porque, poxa, uma cela de prisão
não tem ventilação, [tem] umidade,
não tem janelas, nada.
E eu falei, avisei à prefeitura:
"Olha, vocês vão perder esse acervo".
Aí eu queria entrar na cela,
e não podia ter acesso.
Um dia, eu saí tão indignado, que eu falei:
"Quer saber de uma coisa?
Eu vou montar uma biblioteca pública
a que o povo possa ter acesso".
E fiz um projeto, enviei para a prefeitura,
e, lá na prefeitura, acompanhei o projeto,
e caiu nas mãos da pessoa responsável
pelas bibliotecas públicas de São José,
tanto a municipal, quanto as dos bairros.
E, falando com a bibliotecária responsável,
ela falou: "Olha, o seu projeto está aqui comigo,
mas eu não tenho o que fazer.
Eu não tenho pessoas para fazer,
não tenho condições".
O meu queixo caiu na hora, sério.
Uma pessoa que trabalha numa prefeitura,
que é rica, --
São José dos Campos é uma cidade rica --
não poder montar uma biblioteca num bairro?
Eu fiquei indignado.
Voltei para casa
e, conversando com meu pai, ele falou:
"Não seja por isso, meu filho.
Use a nossa garagem".
Pensei comigo: "Mas como?
O papai me colocou em cheque".
Eu não tinha dinheiro para montar uma...
Como eu ia montar uma biblioteca?
Eu falei: "Quer saber de uma coisa?
Eu vou aceitar a proposta".
Desde que meus pais se mudassem da casa.
Quando eu falei isso para ele,
ele falou: "Ah, meu filho, não dá".
Eu falei: "Ah, tudo bem. Então, eu vou embora".
Aí, ele: "Não, não". Quinze dias depois,
ele estava alugando uma casa
e deixando a casa para eu montar a biblioteca.
Aí, eu comecei a montar a biblioteca
na garagem da nossa casa.
Quando eu fiz o projeto para a prefeitura,
eu fiz um abaixo-assinado,
com mais de 1.200 assinaturas, no distrito.
Eu levantei a bandeira da necessidade
de uma biblioteca pública no distrito.
E as crianças encontravam comigo:
"Tio, e a biblioteca?"
E eu: "Ah, vai vir. Vai vir", e tal...
Mas querendo a resposta da prefeitura, esperando.
Aí, várias pessoas, quando eu fiz o abaixo-assinado,
diziam: "Olha, eu tenho livros para te doar".
E deixavam um cartão. Várias pessoas.
E como lá é uma cidade turística,
então, eu tinha contato com muitas pessoas.
E, pensando nisso,
eu comecei a entrar em contato com essas pessoas
e a pedir esses livros,
e comecei a montar a biblioteca.
Minha mãe deixou alguns móveis,
algumas coisas, e eu fui montando,
da minha forma, sem recursos,
mas, aos poucos, as pessoas iam sabendo,
iam me ajudando.
Enfim, comecei a montar a biblioteca pública em 2002;
o acervo, a organizar o acervo.
A partir de 2004,
eu montei...
eu inaugurei a biblioteca pública,
porque aquela porta de garagem
eu troquei por uma janela de vidro.
Quando as pessoas viram que tinha livros lá dentro,
elas começaram a bater, querendo já usar o acervo.
Aí, em fevereiro de 2004,
eu inaugurei a biblioteca pública,
e, junto com a biblioteca,
eu montei uma associação, Amigos da Biblioteca,
para eu poder ter respaldo jurídico,
porque o projeto biblioteca é um projeto.
Ele não tem CNPJ.
Mas a associação Amigos da Biblioteca,
que é uma ONG que eu montei,
passou a ter o CNPJ
e toda a documentação necessária,
e, a partir daí, eu comecei o meu trabalho.
Então, a Associação Amigos da Biblioteca
é uma organização não governamental,
sem fins lucrativos,
nem vínculos políticos ou religiosos,
fundada em 08 de junho de 2004,
com a missão de estimular o conhecimento
e promover ações voltadas para o desenvolvimento humano.
Em 2005,
nós recebemos um prêmio.
Entre os dez melhores projetos sociais no Estado de São Paulo,
nós ficamos com a terceira colocação.
Projetos sociais em biblioteca, pessoal,
pelo Conselho Regional de Biblioteconomia.
São objetivos da associação:
contribuir para o aprimoramento cultural
e educacional dos cidadãos onde atua;
apoiar atividades culturais, informacionais e educacionais,
promovendo eventos, cursos e palestras;
promover atividades relacionadas à cultura,
artes, pesquisas científicas e ambientais;
incentivar e estimular o acesso à cultura,
e informação junto à comunidade.
Pessoal, isso é o nosso estatuto, tá?
Isso eu fiz em 2004,
e eu queria chegar aí, tá?
E, aos poucos, fomos trabalhando.
A Biblioteca Solidária é mantida pela associação.
Atende, atualmente, em torno de 6.000 pessoas,
numa cidade que tem 3.500 habitantes, pessoal,
de diferentes faixas etárias,
comunidade local e turistas que frequentam São Francisco.
A instituição atua em parceira
com as instituições federal, estadual e municipal
de cultura e educação,
empresas públicas e privadas,
tendo como linhas de atuação os seguintes programas...
Lembra daquela época
em que eu ficava pensado e eu não tinha dinheiro?
Gente, dinheiro não é tudo.
Eu não tinha dinheiro, mas eu tinha o conhecimento.
E, a partir do momento em que você arregaça as mangas,
com o seu conhecimento, começa a trabalhar,
sem se preocupar se você vai ter isso ou vai ter aquilo...
Não. Eu fiz o projeto
e lá eu listei tudo de que eu precisava
para ter numa biblioteca,
como eu queria a biblioteca que eu estava criando.
E, a partir daí, eu comecei a trabalhar,
trabalhar com os livros que chegavam.
Então, como eu trabalhei oito anos
na Cassiano Ricardo, aqui de São José,
eu sabia os livros de que as pessoas gostavam.
Então, eu mentalizava os livros que eu queria ter na biblioteca,
que eram muito procurados, livros clássicos,
que eu queria ter.
E a minha surpresa é que,
em cada caixa de doação que eu abria,
o livro estava ali.
E eu me emocionava com isso.
Era uma emoção a cada...
Cada coisa que eu pensava lá atrás,
de repente, vinha nas minhas mãos,
de uma forma, assim, milagrosa.
Então, eu achava isso muito importante.
Eu sempre pedi a Deus: "Deus, me ajuda.
Eu não tenho nada,
mas eu posso fazer para essa comunidade".
E assim eu comecei.
A biblioteca atua com os seguintes programas:
programa de cursos e oficinas,
que visa a oferecer oportunidades de capacitação
geração de renda e informações
para os diversos segmentos da comunidade;
cursos de educação ambiental,
ação que visa a contribuir para as oito metas do milênio --
meta 7: garantir a sustentabilidade ambiental;
oficina de papel reciclado,
destinada a jovens e adultos do distrito,
com o objetivo de oferecer atividades
que possam gerar renda à comunidade,
reutilizando papéis que seriam descartados pela biblioteca.
Então, pessoal, eu percebia que, no meio das doações,
vinham muitos livros que não são mais utilizados,
livros escolares e coisas que, normalmente, iriam para o lixo.
Mas era um problema.
É um problema, para o bibliotecário, colocar um livro no lixo.
Então, quando ia para o lixo,
eu tinha que ensacar tudo, para as pessoas não falarem:
"Olha, o Sidnei está jogando livros fora!
Não vamos mais doar livros para ele!"
Porque eles não vão entender que aqueles livros lá,
não há como usar.
Então, eu queria reutilizar,
e criei essa oficina de papel reciclado.
Oficinas de conscientização sobre DSTs
e gravidez na adolescência,
tendo como foco jovens e adolescentes
do distrito de São Francisco Xavier e região,
incluindo a distribuição de camisinhas na bilbioteca.
Por quê? As pessoas têm vergonha
de ir no posto de saúde e de se cadastrar
para pegar o preservativo,
e, com isso, acabam não se prevenindo.
Então, é de uma forma bem simples.
A gente nem vê.
A pessoa pode pegar e ir embora.
Ninguém precisa dar satisfação.
Enfim, é um programa que até hoje tem,
só que é no Carnaval e no dia mundial da Aids
que nós colocamos na frente da biblioteca.
Durante o ano, fica dentro da biblioteca, na parede.
As pessoas usam muito esse programa.
(Risadas)
Oficina sobre prevenção...
E constantemente.
O engraçado é que você nem vê as camisinhas sumirem de lá.
Quando você vê: "Nossa, já acabou!"
(Risadas)
E nós colocamos florzinhas nos preservativos
para não ficar tão agressivo para as crianças.
Então, temos a oficina de prevenção de uso de drogas,
curso de capacitação em turismo,
curso de responsabilidade social,
curso de orquídeas, artesanato com fibras vegetais,
administração de pequenas propriedades rurais.
Programa de incentivo à leitura:
esse trabalho visa a apresentar ao público
a Biblioteca Solidária, o mundo do livro e da leitura.
Esse programa visa a contribuir com a meta 2,
das oito metas do milênio.
Então, uma instituição pública como a biblioteca
tem que estar antenada com o que está acontecendo no mundo,
e começar a trabalhar ações voltadas para a comunidade,
e não ficar só presa no livro e na leitura.
A biblioteca pública é um espaço aberto a todos
e ela tem que trazer todas as informações para a comunidade.
Cursos de criação literária para professores,
oficina de criação literária,
contação de histórias para crianças,
isso tudo dentro desse programa.
Lançamento de livros e conversa com escritores também.
Programa de inclusão digital:
esse programa visa a dispoibilizar equipamentos
para as pessoas poderem usar,
e, também, cursos, na biblioteca,
para incluir as pessoas no mundo digital.
Essa lupa eletrônica foi dada por um empresário
que tem uma empresa que desenvolve produtos especiais
para portadores de necessidades especiais.
É uma empresa daqui de São José mesmo,
Terra Eletrônica. Muito legal.
Ele viu uma matéria nossa no Caderno Dois,
se interessou, foi lá conhecer,
e, desde a época, ele é nosso parceiro.
Isso aqui é em defesa dos animais,
parceira com o Instituto Nina Rosa.
Contos e Assombros, porque nós temos
contação de histórias na biblioteca.
Esse Contos foi muito interessante,
porque foi para resgatar aqueles contos antigos,
em relação à "loira do banheiro",
"corpo seco", sabe.
E foi feito à noite,
para os alunos do ensino médio.
Foi muito legal, porque foi incentivando os alunos
a contarem histórias também.
Aí, Ler é Uma Viagem,
Histórias Cantadas,
Festival da Mantiqueira.
O Festival da Mantiqueira,
a parte infantil do festival,
acontece na biblioteca.
Grupo de Mulheres.
Esse Grupo de Mulheres é um grupo que tem em São Francisco,
E elas se reúnem para fazer tricô,
fuxico, fofocar, comer, fazer bolinhos, enfim.
E eu convidei esse grupo para ir trabalhar na biblioteca
e resolveram fazer um livro bordado.
Bordaram poesias em panos de prato,
criaram coisas para poder vender no Festival da Mantiqueira.
Aqui, foi o lançamento do livro bordado
na própria biblioteca.
É um sucesso esse evento, gente.
Aí, todo ano, no festival...
Porque, assim, a biblioteca empresta o espaço
para o Estado.
Só que, antes de o Estado chegar, que é ao meio dia,
das 8 h às 10 h da manhã tem esse encontro,
e é uma festa.
Super-heróis na Biblioteca.
Biblioteca na Praça,
porque eu achei, numa época,
que a biblioteca precisava sair
de dentro da biblioteca
e ir para a comunidade.
Foi um sucesso esse evento.
As crianças piraram quando os super-heróis chegaram.
Foi uma delícia.
Piquenique dos alunos da biblioteca,
festa junina dos alunos da biblioteca,
reuniões na biblioteca.
Como a biblioteca é um espaço aberto a todos,
então, sempre as pessoas pedem o espaço emprestado
e, enfim, eu vou auxiliando no que posso
para que as pessoas possam realizar aquilo que querem.
Biblioteca em números:
acervo com aproximadamente 15 mil títulos --
tem muito mais, gente, tem muito mais;
empréstimos, 55.160 até agosto de 2012;
frequência, 47.950.
A biblioteca, gente, já é referência no Brasil
sobre leitura e livro.
Quem me falou isso foi o José Castilho,
porque ele compilou o livro
O Plano Nacional do Livro e da Leitura,
que é um programa do governo federal.
Ele ele foi lá na biblioteca me levar esse livro
e falou: "Sidnei, eu vim aqui conhecer o seu trabalho,
porque, em todo lugar que eu vou,
as pessoas perguntam do seu projeto.
É referência já, no Brasil.
Enfim, eu consegui chegar aonde eu queria,
mas ainda é pouco.
Ainda falta mais, eu quero mais, enfim.
Mas nós já estamos no caminho.
Patrocinadores:
colaboradores e associados --
as pessoas são associadas e pagam mensalmente,
são amigos da biblioteca;
a empresa BIDIM,
Petrobrás,
Infraero,
Goldfarb,
General Motors,
Terra Eletrônica.
Somos um ponto de leitura do governo federal,
ponto de cultura do governo federal e estadual.
E voluntários. Trabalhamos com muitos voluntários, gente.
Antes, eu corria atrás das pessoas para fazer alguma coisa.
Hoje, eu fico lá sentadinho
e são eles que vêm pedir
para fazer coisas comigo, entendeu?
Por quê? Porque a visibilidade da biblioteca
está muito grande.
Então, nós estamos, assim, inteiramente equipados, sabe.
Por quê, gente?
Projetos em andamento na biblioteca --
já falo já o porquê:
Ponto de Leitura, do MINC;
Ponto de Cultura;
Projeto Ouvir e Contar Histórias;
Saúde Física e Mental;
Juventude Sustentável;
Arte na Tenda;
convênios com a Fundação Cultura.
Pontos importantes para resultados positivos,
dentro de uma instituição não governamental
sem fins lucrativos:
documentação é super importante
para participar dos editais;
membros engajados;
redes de contatos;
envolvimento comunitário, porque nada existe
se a comunidade não estiver envolvida;
informações e pesquisa;
participação em editais;
convênios e parcerias;
e muito, muito trabalho, gente.
Eu peço desculpas.
Essa palestra é de, mais ou menos, uma hora e meia...
(Aplausos)