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COM A COLABORAÇÃO DE INÚMEROS OUTROS APRESENTAM
''BERLIN ALEXANDERPLATZ''
BASEADO NO ROMANCE DE ALFRED DÖBLIN
FILME EM 13 PARTES E UM EPÍLOGO...
DE RAINER WERNER FASSBINDER
É verdade, Franz. Não agüento mais a Trude.
Não agüento mais.
Entende?
Ela me dá nojo.
Ela simplesmente me dá nojo.
Quando ela mastiga...
eu ouço como que explosões. Ou quando ela engole...
ou quando ela olha para mim...
eu poderia...
sei lá, torcer-lhe o pescoço.
Estou tão cheio dela, que preciso me livrar dela.
Eu preciso.
E tem que ser hoje.
Hoje.
Então você já tem outra, não?
Sim.
Sim.
Tenho outra.
Ela se chama Nelly. Trabalha no mercado.
Que mulher!
Você nem imagina.
Ela é como...
Como...
Eu entendi, Reinhold.
Entendi direitinho.
Mas não vou mandar Cilly embora.
Ela já se acostumou lá em casa. É uma boa mulher.
E você, Reinhold, ouça bem o que vou lhe dizer.
Você tem que se controlar.
Você não pode continuar assim.
Um momento, Franz. Espere.
Eu não lhe entendo.
Não entendi o que você disse.
É por causa da gola? A gola de pele?
Quando Trude for lá...
ela vai lhe levar...
um relógio.
Um relógio de bolso de prata.
Ou talvez um gorro de pele.
Bem que está precisando.
Não, Reinhold, nada feito.
Esse absurdo tem que acabar.
Eu mesmo comprarei essas coisas, se precisar.
Estive pensando, Reinhold. Pensei muito bem.
Refleti profundamente, entre ontem e hoje.
Cheguei à conclusão que o melhor é ficar com a Trude...
até que as vigas entortem.
Você tem que se acostumar. Você vai conseguir.
Pessoas são pessoas. Até uma mulher.
Senão, pegue logo uma puta de 3 marcos.
Ela ficará contente se puder dar o fora.
Mas iludir uma mulher com amor e sentimento...
e logo depois mandá-la passear, uma depois da outra?
Essa não, Reinhold.
O que tem agora?
Está tudo bem, Franz.
Se não pode tirar a Trude de minhas mãos...
tudo bem.
Eu me virava sem você.
Está melhor agora, querido?
Não é da sua conta.
Eu gostaria muito que você estivesse bem.
Eu te amo tanto.
Não!
O que foi, Franz?
Não está se sentindo bem?
Não é nada, Cilly.
Não é nada.
Foi só um sonho.
Você está molhado de suor.
É mesmo?
Com o que sonhou?
Primeiro, eu era um cavalo.
Um cavalo bem comum.
Desses que transportam verduras para o mercado.
Mas eu não quero ser um cavalo.
Não quero trotar à noite no frio.
Prefiro ficar no estábulo, onde está quente.
De repente, percebo...
que minhas patas estão congeladas.
E eu prefiro morrer...
já que não posso ficar no estábulo onde é quente...
e porque minhas patas estão congeladas.
E quando decido morrer, morro de fato.
E quando estou morto...
não fui embora assim, simplesmente.
Sou um pássaro cantando numa árvore.
Então vejo...
uma cobra...
subindo pela árvore na minha direção.
Então, quero sair voando, pois penso: ''Você é um pássaro, pode voar''.
Mas eu não consigo. Sou um pássaro...
mas não consigo voar, não consigo nem me mexer.
PARTE 6: O AMOR TEM SEU PREÇO
A cobra chega cada vez mais perto...
e mais perto.
E eu quero...
Quero fugir.
Quero fugir, mas estou cada vez com mais medo.
E a cobra vem na minha direção.
E então ela chega e me pica.
Depois de ter me picado...
não sou mais um pássaro.
Agora sou eu mesmo.
E a cobra é Reinhold.
Mas eu já fui picado.
E sei...
que tenho que morrer.
Sinto muito, Cilly. Foi um sonho bobo demais...
para acordá-la.
Não foi um sonho bobo.
Não foi bobo de jeito nenhum.
Posso entender que tenha ficado com medo.
Foi em Berlim, em abril. A primavera já se insinuava.
Um estudante russo, Alex Fränkel, matou a esposa a tiros...
a artesã Vera Kaminskaja de 22 anos, em sua pensão.
A jovem preceptora, Tatiana Sanftleben, da mesma idade...
que planejara matar-se com eles...
ficou com medo no último instante e fugiu...
enquanto sua amiga jazia no chão.
Ela encontrou uma patrulha de polícia...
e contou-lhes toda a história dos últimos meses...
e os levou ao local onde Vera e Alex estavam mortos.
A polícia criminal foi chamada...
e enviou guardas à cena do crime.
Alex e Vera queriam se casar...
mas a situação financeira não permitia sua união.
Então, como vão os negócios?
Já não acontece muita coisa no mundo?
Não posso me queixar. Podia ser pior.
Tenho o suficiente para viver. De que mais se precisa?
-Não quero luxo. -É mesmo.
Você não é um homem de luxos. Mas, por outro lado...
até que é bom podermos nos dar a certos luxos...
e ter a certeza que teremos o que comer em 1O dias, ou 3 semanas.
Depende. Depende de como se vê...
e do quanto você precisa vender de si mesmo...
por essa sua segurança.
Bruno, venha aqui. Você também, Theo.
Vamos falar sobre a coisa com calma.
Incrível como os meninos obedecem.
-Ele os tem na mão mesmo. -Eles vivem às custas dele.
-O Pums precisa de mais gente. -O que vou fazer com frutas?
Não são só frutas.
Ele é um espertalhão, esse Pums!
Bem esperto mesmo.
No fundo, eles são só empregados dele.
Dependem dele como de um chefe.
-Maxe, traga-nos dois duplos. -É pra já.
Sabe, Meck...
vou lhe dizer o que eu acho.
As pessoas...
são muito estranhas.
Só percebeu isso agora?
Não, não é desse jeito.
Estou falando de uma coisa bem específica.
Se quer dizer algo específico, então desembuche.
A questão é que...
-Aqui está. -Obrigado.
Saúde.
A questão é...
Trata-se de Reinhold.
Prometi ficar com suas mulheres porque ele se cansa delas.
Isso mesmo!
Já fiquei com duas.
Primeiro com Fränze. Depois com Cilly.
Mas na terceira vez, eu disse: ''Não, Reinhold.
Cilly está bem lá em casa. Essa, eu não mando embora''.
Agora ele está preso a essa Trude.
Vocês fizeram mesmo um acordo?
Sim, como eu disse.
É a coisa mais louca que já ouvi.
Ele tem que aprender a ficar com alguém...
mesmo que às vezes seja aborrecido.
Entende? Acho que ele é meio doente.
Mas como ele é meu amigo e gosto dele...
pensei que tinha que ajudar.
-Saúde, Meck. -Saúde.
Há uma canção de roda Por nossa mesa
Há uma canção de roda Por nossa mesa
3 vezes 3 são 9
Bebemos como porcos
3 vezes 3 mais 1 são 10
Vamos tomar mais uma
2, 3, 4, 7
Às 8 horas, 23 minutos E 1 7 segundos
Outra pessoa entra no bar
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7
minha mãe cozinha nabos no céu Quem será?
Dizem que é o rei da Inglaterra
Não, não é o rei da Inglaterra
Quando ele vai À abertura do Parlamento
Um símbolo do sentido de Independência da nação inglesa
Não, não é ele. Quem é, então?
Ele chega arrastando os pés, meias caídas. Reinhold.
Sente-se lá no fundo.
Leve uma cerveja para Trude, e um café para mim.
Pois não.
Olá, Reinhold.
Chegou bastante atrasado.
-Lamento, chefe. -Tudo bem.
É difícil não explodir numa gargalhada e morrer de rir.
Não é para rir, Meck. Não é engraçado.
É o meu objeto pedagógico.
Ele é meu aluno. Estou segurando as rédeas.
Chicletes Wrigley.
Bom para os dentes, para o hálito, para a digestão.
Sente-se, Reinhold.
Como vão as coisas em casa? Tudo bem?
Bom, está vendo que Trude ainda está aí.
A gente se acostuma.
Está vendo, Meck? Estamos pondo ordem no mundo.
Que venha quem diga o contrário.
Um pecador arrependido...
vale mais que 999 justos.
E você? Não é bom...
ter se livrado desses aborrecimentos com as mulheres?
Está querendo bancar o médico comigo?
E por que não?
Tenho experiência nesse assunto.
Sei como são as coisas.
Está querendo me transformar num casado aleijão?
Saúde. Um brinde ao casado aleijão!
3 vezes 3 são 9
Bebemos como porcos
Cante conosco, Reinhold.
Se você não começar, nunca chegará ao fim. Saúde.
Um momento.
O que será que estão fazendo?
Sabe por que eles cochicham o dia inteiro?
E então, Biberkopf?
Continua teimoso? É tudo muito simples.
Basta ficar com a carroça. Pums fornece a mercadoria.
-E os ganhos são excelentes. -Já lhe disse que não quero.
Pense bem.
Pense.
Sabe onde me encontrar. Venha, Meck.
-Até logo. -Até logo.
Também vou andando.
Preciso ir.
Até mais, rapazes.
Até mais.
O que acha, Reinhold?
O que você acha...
do negócio de Pums?
Bem...
também estou nisso.
Não sei.
Vou pensar.
Maldito é aquele, disse Jeremias...
que confia no outro, que faz da carne seu apoio...
cujo coração vive distante do Senhor.
Assemelha-se ao cardo de charneca e nem nota a chegada do bom tempo...
habitando o solo calcinado do deserto.
Bendito o homem que confia no Senhor e tem fé nele.
Assemelha-se à árvore, que estende as raízes para o arroio.
Sua folhagem continuará verdejante.
Não a inquieta seca.
Continua a produzir frutos.
Nada mais ardiloso e nocivo que o coração.
Quem pode saber?
Sabe, Franz...
você poderia pelo menos tirar as botas.
Não complique, Cilly.
Põe as botas, tire as botas. Põe as botas, tire as botas.
Não posso tirá-las todas as vezes.
Águas na floresta densa e escura.
Águas terrivelmente escuras.
Tão caladas.
Terrivelmente calmas.
Imóveis quando a tempestade irrompe na floresta.
Os pinheiros se curvam, teias de aranha são arrancadas.
Tudo se estilhaça. Estão lá embaixo.
Os galhos caem.
O vento arranha a floresta, mas não alcança vocês.
Não há mais dragões. A era dos mamutes já passou.
Não há mais nada que possa assustar.
O que houve agora?
Nada, Cilly.
DOMINGO, 8 DE ABRIL DE 1928
Hoje é feriado, Cilly?
Sim, é domingo.
Não, Cilly, é feriado?
Por que os sinos estão tocando assim?
Onde?
Agora.
Não ouvi nada.
Você ouviu alguma coisa?
Acabaram de soar.
Fizeram o maior barulho.
Deve ter sonhado.
Não, Cilly. Não sonhei com isso.
Não se sonha com uma coisa dessas.
Não com sinos tocando.
Eu ouvi.
Quem sabe aconteceu alguma coisa a alguém.
Não fale assim, Franz.
Você me dá medo.
Me dá medo de verdade.
Está bem, Cilly.
Vou sair, tomar um pouco de ar.
Quero saber o que aconteceu.
Terríveis águas escuras, tão caladas.
Terrivelmente caladas.
Plantas apodrecem em vós.
Peixes e caracóis se movem. Nada mais.
Embora sejas apenas água...
és sinistra, água escura.
Águas terrivelmente tranqüilas.
Bruno?
Claro que é Bruno.
O que está acontecendo aqui?
Espere. Você vem junto para a delegacia.
Vá até a casa do Pums, faça-me esse favor.
Kölner Strasse, 17. Diga que não poderei ir hoje.
-Posso contar com você? -Claro.
Boa noite, Sr. Pums.
-Boa noite. -Sr. Biberkopf.
Que prazer. Entre.
Está tudo bem, Clara. Venha, entre.
Está surpreso com minha visita?
Como posso começar?
Estava andando pela Alex, e Landsbergerstrasse...
quando vi uma confusão. Então fui ver o que era.
Então...
vi Bruno brigando com um baixinho.
A polícia chegou e o prendeu.
Ele pediu para eu lhe avisar que não virá hoje à noite.
-É isso. -Que estranho.
Eu estava justamente pensando em você, Biberkopf.
Que estranho.
Sim, estranho mesmo.
Então, Bruno não vem hoje.
Nesse caso...
-assuma o lugar dele. -E o que farei?
Primeiro, sente-se.
É bem simples.
Agora são quase 6hOO. Às 9hOO buscamos a mercadoria.
Hoje é domingo e você não tem nada mesmo para fazer.
As despesas são por minha conta.
Depois eu lhe dou, digamos...
5 marcos por hora.
-5 marcos? -Sim, 5 marcos.
Mais as despesas. Então, 5,5O.
Não seja por isso.
Aceita um café ou talvez um licor?
Não, obrigado.
O problema é que, na verdade, tenho que ir para casa.
Tenho uma noiva, a Cilly.
Não posso deixá-la esperando o domingo inteiro.
Não, Biberkopf. Não posso deixá-lo sair agora.
Depois não dá certo e eu fico na mão.
Não! Não por causa de uma mulher.
Não vamos arruinar tudo.
-Ela não vai embora. -Eu sei.
Isso é verdade. Eu posso confiar nela.
É por isso que não posso fazer isso com ela.
Ela vai ficar sem me ver e sem saber...
onde foi que eu me meti.
Sim, Biberkopf. Tudo isso se arranja.
Esta é a minha mulher.
E este é o Sr. Biberkopf...
que hoje vem conosco.
-Não esqueça seus comprimidos. -Não vou esquecer.
''Crianças são proibidas de se casar na índia''.
''Um cemitério para gado premiado''.
''Bruno Walter rege o último concerto desta temporada.
Domingo, 15 de abril, na Ópera Municipal.
No programa, a Sinfonia em Mi bemol de Mozart.
A arrecadação é destinada...
ao monumento a Gustav Mahler de Viena''.
''Motorista de caminhão...
32 anos, carteira categorias 2A, 3B...
procura emprego em firmas particulares ou caminhões''.
Olá, Reinhold.
Franz.
Isso faz com que já me sinta em casa.
É ótimo que você também esteja aqui.
Seja o que Deus quiser!
Pronto.
Então, você vem junto?
Foi o que eu acabei de dizer.
Certo.
Até que enfim tomou uma decisão.
É aqui.
-Jogue o charuto fora. -Por quê?
Porque eu disse. Entendeu?
O que quer aqui, Biberkopf? Seu lugar não é aqui...
é lá embaixo, tomando conta. Vá.
Não vim buscar uma coisa aqui?
Bobagem. Vá para baixo.
-Ninguém disse nada? -Não, ninguém.
Mesmo assim, desça e tome conta.
O que é isso aqui?
Onde estamos?
Roubo...
e assassinato.
Eles roubam, eles arrombam.
Tenho que ir embora.
Tomar um trem, uma montanha-russa.
Fugir daqui. Pela água, até Alexanderplatz.
Tenho que fugir.
Vão atrás daquele idiota.
Por que está fugindo?
Ninguém, lhe disse nada?
Bem...
agora não importa.
-Venha comigo. -Não precisa me puxar.
Mais rápido.
Pronto. Fique aqui e tome conta.
-Quem dá as ordens? -Não fale tanto.
Não tem nada na cabeça?
Não faça onda. Fique aqui.
Qualquer coisa, você assobia.
-Mas Reinhold... -Cale a boca.
Então é isso.
Agora eu estou aqui.
Eles me embrulharam.
Me embrulharam direitinho.
E aquele cachorro me bateu. Aquele Reinhold.
Sim, ele me bateu.
E eles continuam roubando.
O que será que estão roubando?
Meu Deus, mas que idiota eu fui!
E eu pensava que lidavam com frutas!
Na realidade, são arrombadores.
Meu Deus, estou montando guarda.
Você ouviu, Franz? Você está de guarda.
Depois de trancafiados, os presos vão para a cama.
No verão, ficam acordados até o anoitecer.
Existe uma quadrilha e Pums é o chefe.
Klöckner, Humboldt, Deutz, Mercedes...
eles me atraíram até aqui.
Venha, Franz! Estamos prontos.
Está tudo bem.
O quê?
-Você também está nisso, Meck? -Claro, Franz.
Você não sabia?
Eu vou dirigindo o outro carro. Vamos.
Meu Deus, Reinhold.
Não pensei que você fosse tão forte.
Doeu bastante...
quando você bateu no meu braço.
Cale a boca, homem.
Cale a boca.
Fique quieto agora.
Se vier alguém, faça um sinal.
Ouviu? Se vier alguém...
Vamos segui-los.
-Por quê, querida? -Quero ver se é mais rápido.
Não precisa pedir duas vezes.
Eles estão nos seguindo.
Vamos, homem, mais depressa. Estão se aproximando.
Por que está rindo, cretino?
Ficou louco?
Por que não posso rir?
Não é da sua conta se eu rio ou não.
Certo. Não é da minha conta se você ri...
seu punguista bobalhão?
Para mim você não passa de um traidor.
Um traidor, só para você saber.
Não, Reinhold! Pode acreditar numa coisa.
Eu jamais delataria você. Delatá-lo? Nunca.
Águas da floresta escura tão caladas.
Terrivelmente caladas.
Imóveis diante da tempestade, e os pinheiros se curvam.
Tudo se estilhaça.
A tormenta não alcança vocês.
Maldito o homem, disse Jeremias, que confia no outro!
Assemelha-se ao cardo da charneca...
habitando o solo calcinado do deserto.
Nada é mais ardiloso e nocivo que o coração.
Quem pode saber?
O AMOR TEM SEU PREÇO
Cilly procurou por ele a tarde inteira.
Franz não voltou para casa.
Tenho que mijar.
Franz morreu.
O que disse?
Que o Franz morreu.
Foi um acidente.
Meu Deus. Franz morreu?
Sim, você ouviu bem. Ele está morto, entendeu? Morto.
-Olá, Meck. -Ele está morto.
Soube algo do meu Franz?
Ele não voltou para casa.
Fiquei esperando, ele me deixou sentada lá.
Você é amigo dele. Tem que saber onde ele está.
Ele está morto.
Sabe, suas piadas são tão ruins...
que dá até para rir delas.
Não é piada, Cilly. Franz está morto. Foi um acidente.
Morto?
Repita isso.
Seu porco! Repita isso, seu porco imundo!
Diga mais uma vez que o meu Franz está morto.
-Vamos, diga! -Cilly, Franz está morto.
Morto?
Não faça isso de novo, Cilly.
Não tolerarei isso de novo.
-Entendeu? -Desculpe. Me desculpe, Meck.
Perdi o controle.
Não pude me segurar.
Está bem, Cilly.
Onde está o Reinhold?
Reinhold? Como assim?
Como assim? Como assim? Reinhold é amigo dele.
Ele disse sempre que era seu amigo.
-Ele está no banheiro. -No banheiro?
Reinhold, você ficou sabendo?
Franz está morto.
Ele sofreu um acidente, você soube?
Este é o banheiro dos homens...
Cilly.
Entendeu?
O banheiro dos homens.
Diga alguma coisa, Reinhold. Por favor.
Qualquer coisa.
Você poderia dizer alguma coisa.
O que você quer ouvir?
Bem...
se quer mesmo saber...
é verdade. Ele está morto.
O Franz.
Foi um acidente.
Ele caiu na frente de um carro.
Reinhold...
você não gosta mais de mim?
Nem um pouco?
Claro.
Cilly.
Claro.
Já faz...
bastante tempo.
Está morto?
Não sei.
Há sangue.
Acho que devemos chamar a polícia.
Por que a polícia?
Ninguém pode nos ver aqui. Ninguém nos viu.
E a culpa é dele.
Foi ele que caiu do carro.
Nós não tivemos culpa.
Não podemos deixá-lo aqui. Ele pode morrer.
Como eu disse, a culpa foi dele.
Ele que caiu. Não tivemos culpa.
Meu Deus, Marianne, e se ele morrer...
sendo que nós podíamos ter ajudado?
Você conseguiria esquecer?
Eu jamais esqueceria.
E o que acha que vai acontecer se chamarmos a polícia?
O que você acha? Imagine a confusão.
Tem razão, Marianne.
É desagradável, mas você mesma disse que foi ele que caiu do carro.
Não tivemos chance alguma.
Temos que chamar a polícia.
Ele está tentando dizer alguma coisa.
Então ele está vivo!
Polícia, não! Por favor, não!
Levem-me para Berlim.
A polícia, não! Não chamem a polícia.
Levem-me para Berlim, Elsässerstrasse, 26, por favor.
Entendeu?
Elsässerstrasse, 26.
Por favor.
Ele não quer a polícia.
Quer ir para a Elsässerstrasse, 26.
Devemos levá-lo para lá? O que você acha?
Você é quem decide, Oskar. Você é o homem.
Você é quem decide.
Bom, o melhor mesmo.
É melhor fazermos isso.
Venha. Ajude-me.
O INFERNO E SEUS FILHOS
Cale a boca. Eu já sei disso.
Reinhold!
Quem é essa pessoa?
Pode me dizer quem é essa pessoa?
Não.
Cilly, o que está fazendo aqui?
Esta...
é minha namorada Cilly.
E quem é a senhora?
Perguntei quem era a senhora e o que quer...
na minha casa!
-O que procura aqui? -Eu te amo.
Mas isso é o fim.
Como alguém ousa dizer essas palavras?
Sabe o que posso lhe dizer, minha senhora?
A senhora é uma porca.
Por que fez isso?
O que foi que eu fiz?
Volto para o meu apartamento...
e encontro uma estranha.
E ela ainda me diz que me ama.
Passei três dias preocupada com você.
Ninguém precisa se preocupar comigo.
Ninguém precisa se preocupar comigo.
Entendeu?
Fui claro?
Não me machuque, Reinhold.
Por favor, não me machuque.
Sem machucar.
Por favor, sem machucar.
Estou farto de você.
Eu tenho nojo de você.
Você me entendeu bem? Eu tenho nojo de você.
Você é nojenta.
Você me dá náuseas.
Não quero vê-la nunca mais.
Suma daqui!
Ouviu bem? Suma daqui!
Não consigo entender, Reinhold. O que está acontecendo?
Você ouviu?
Ela não entendeu o que está acontecendo.
Ela não entendeu, a vagabunda.
Preciso ir ao banheiro.
Eu já lhe disse...
que você me enoja.
Você é repugnante.
Se você não sair daqui...
imediatamente...
eu te mato.
Você entendeu?
Não me machuque, Reinhold.
Agora saia daqui. Eu te arrebento. Eu te arrebento!
Eu te arrebento!
Não! Não!
Consegui...
botá-la para fora!
Eu a botei para fora daqui.
Cilly!
Consegui botar uma para fora.
Consegui botar uma para fora.
Quem imaginaria!
Nem mesmo Franz...
teria imaginado...
que eu conseguiria.
E é importante...
nos alegrarmos quando o sol nascer...
e quando surge a luz bonita.
Os lampiões têm que se apagar...
as lâmpadas elétricas têm que se apagar.
Mas o homem se levanta quando o despertador toca...
porque um novo dia começou.
O mundo continua a girar.
O sol surgiu.
Não se sabe ao certo...
como é esse sol.
Há muitas pessoas que se ocupam do sol.
Dizem que é corpo central do nosso sistema planetário.
Pois nossa Terra...
é apenas um pequeno planeta.
Mas o que somos então?
Quando o sol nasce e nos alegramos...
na verdade, deveríamos ficar tristes...
porque, no fundo, o que somos?
O sol é 3OO mil vezes maior que a Terra.
E há tantos e infinitos números e zeros...
que apenas servem...
para demonstrar que somos um grande nada.
É simplesmente ridículo...
que fiquemos contentes.
Saímos à rua...
e nos sentimos fortes.
As cores despertam...
os rostos despertam...
e as formas estão ali, quase ao alcance da mão.
É uma felicidade que possamos ver.
Que possamos ver essas cores, esses contornos.
As pessoas ficam contentes...
quando podem mostrar o que são...
que estão fazendo algo...
vivenciando algo.
Também ficamos contentes...
com um pouco de calor.
Ficamos contentes com as flores, que possam crescer.
Mas o resto...
deve ser um engano.
Deve haver algum erro...
nesses terríveis números...
com todos esses zeros.
Não há motivo para desespero.
Enquanto conto essa história...
até seu amargo fim, continuarei repetindo...
''não há motivo para desespero''.
FIM DA SEXTA PARTE