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Elaboração de Missões (Parte 2)
Na semana passada falamos sobre as missões poderem servir para
estimular a curiosidade e a exploração, em vez de mandar o jogador para uma "esteira" de MMOs.
Hoje vamos mais fundo e falar sobre como se põe o jogador a pensar sobre todos os aspetos do jogo,
em vez de o ver como uma sequência de combates sem fim.
Primeiro, deixem-me falar sobre uma missão no The Secret World.
Peço desculpa se algumas pessoas ficarem aborrecidas, como
vamos estragar uma das missões do jogo, mas acho que é útil para demonstrar
o quão abrangente pode ser a forma de pensar o MMO através dos sistemas de missões.
A missão começa numa igreja. Um padre diz-vos que existe um
segredo antigo escondido na cidade, e que há um caminho secreto que vos guiará.
E dá-vos algumas pistas acerca de siglas dos Illuminati.
Depois direciona-vos para as tampas de esgoto lá fora;
e inscrita em todas as tampas da cidade está a pirâmide dos Illuminati.
Se seguirem para onde elas apontam, através da direção do olho, encontram a próxima peça do puzzle.
Este primeiro momento já tem muitas das marcas de elaboração, com qualidade, de missões.
porque não só leva o jogador a prestar mais atenção ao mundo, e a querer saber do que lá se passa,
mas também lhe fornece um momento de espanto: algo que tinha sido tido como garantido -
como estas texturas das tampas de esgoto por onde passaram centenas de vezes -
passa a ter outro significado e a fazer parte da história do mundo.
O mundo não é só um papel que cobre o avanço de nível; é um local mágico e com vida.
É uma sensação fantástica para se ter num jogo.
Bem, depois de seguirem esse caminho chegam a uma placa onde se lê:
"No trono do poder, o navegador imortalizado ilumina o caminho para o pastor adormecido.
Em memória de Frans Hals, que desapareceu na luz. 1580 - 1666".
Ora aqui está um puzzle.
Primeiro o jogador tem de perceber que o "trono do poder" diz respeito à câmara municipal.
Isto leva-o a começar a ver o mapa e a pensar nos pontos do mundo como "locais",
em vez de serem só referências de onde aparecem monstros e missões.
De seguida tem de se encontrar o quadro do navegador nessa câmara municipal.
Recorrendo à aprendizagem tangencial, Franz Hals (a pessoa citada na placa)
foi um famoso pintor Holandês. Se o jogador se lembra de pesquisar sobre ele,
isso pode ajudá-lo a perceber que está à procura de um quadro.
Infelizmente, o quadro que está no jogo por acaso não é dele, mas pronto.
Quando encontram o quadro, em baixo lê-se:
"O Tempo é da competência dos Reis e dos Deuses.
As mãos do tempo apontam para verdades escritas por reis nas palavras de Deus.
O caminho abre-se para os esclarecidos."
E aqui é a loucura.
O jogador precisa de se aperceber que as "mãos do tempo"
são os ponteiros do relógio da câmara, que aponta para as 10:10…tudo bem.
Mas depois disso, eles têm de perceber que "as verdades escritas por reis nas palavras de Deus"
significa que é preciso ir à Bíblia e abri-la em Reis 10:10, onde se lê:
"E ela deu ao rei cento e vinte libras de ouro e grande quantidade de especiarias e pedras preciosas.
Nunca mais foram trazidas tantas especiarias quanto as que a rainha de Sabá deu ao rei Salomão."
O que vos diz o código do cofre onde querem entrar: 120.
E embora a dificuldade nesta última parte aumente bem mais do que deveria
(e, verdade seja dita, a dificuldade entre os passos nas missões deste jogo flutuam imenso),
podem ver como os designers conseguiram que o jogador acreditasse
neste mundo estranho e misticamente paranóico, no final de contas.
Deixaram que a realidade do jogo se misturasse com a realidade do mundo do jogador
e fizeram com que cada textura, cada elemento do ambiente se revestisse de significado.
E fizeram tudo isto apresentando uma série de desafios
que se encontram fora do âmbito do combate ou da travessia.
Sim, o jogador tinha que lutar e correr pela cidade durante esta missão,
mas esta não se resumia a "Mata x nº de inimigos" ou "Vai até ao sítio Y".
Inclusivamente, é possível completar a missão sem lutar se o jogar for hábil o suficiente.
E este tipo de desafio alternativo não é mais custoso para o criador.
Quer dizer, aquelas tampas de esgoto precisam de texturas seja como for,
portanto fazer com que estas se incluam no design, surpreendente, não é mais custoso,
requer é que se antecipem algumas coisas.
As missões podem ser ou chatas e rotineiras, ou um ponto de entrada para o mundo -
fazer com que seja este último implica uma certa mudança na forma de pensar a elaboração.
E, realmente, The Secret World vai ainda mais longe, certificando-se que todos os elementos do jogo são utilizados.
Há alturas em que é preciso utilizar ações para rezar ou aplaudir
no sítio certo e à hora certa para completar uma missão.
Existem ainda algumas missões furtivas, que - embora desajeitadas do ponto de vista do design -
envolvem simplesmente colocar inimigos imensamente difíceis que matarão o jogador
se ele for contra eles, e deixando-os de forma a que o jogador possa passar por eles sem ter de os enfrentar,
se estudarem a situação.
Não implica a elaboração de mais recursos nem a implementação de novos sistemas,
e, mesmo assim, apresenta uma nova experiência ao afastar a mentalidade da elaboração
de ver as de missões como um método para guiar o jogador pelos combates e aumento de nível. 74 00:04:25,30 1 --> 00:04:27,050 E isso leva-nos a outros pontos.
Primeiro, se querem que as missões sejam mais "orgânicas",
elas não podem ser apenas uma das 20 coisas que o jogador acumula quando passam por uma cidade.
Bombardeando o jogador com missões, não só o deixam assoberbado de texto
como criam uma situação na qual ele não consegue querer saber das missões individualmente.
Basicamente vai pensar "pronto, qual destas está mais próxima no mapa."
The Secret World limita-vos a 1 missão principal da história, 1 missão maior e 3 mais pequenas,
para que no máximo só possam ter 5 de uma vez.
Este é um número que facilmente se gere, deixando o jogador pensar mais sobre cada uma
e investir mais um pouco em cada uma.
Também vos permite eliminar a palermice da "Cidade-centro" que muitos jogadores de MMO bem conhecem:
a parte segura da zona que os jogadores correm
em busca dos 12 sujeitos com pontos de exclamação na cabeça.
Limitando o jogador a um número mais baixo de missões ativas dá espaço a missões "do ambiente".
Encontraram um carro virado? Está aí uma missão. Uma nota no chão? Mais uma.
Um cadáver na floresta? Aí está outra.
Missões do ambiente tornam o mundo mais holístico e vivo,
ao ter as missões ligadas a pequenos acontecimentos dentro do mundo.
E dão-lhe mais fluidez; sempre que acabam uma missão, há outras interessantes a fazer.
E se já não houver mesmo mais missões? Continuem a explorar o mundo
e certamente encontrarão uma que vos leve a explorar ainda mais.
É bem melhor do que o retorno à cidade para deixar missões e buscar umas novas, que só quebra o ritmo.
Por fim, a maioria das "missões" modernas deveriam ser reduzidas áquilo que chamo de "tarefas".
O sistema de "tarefas" é bastante utilizado no Lord of the Rings Online.
Nesse jogo, praticamente tudo tem uma tarefa associada que funciona tipo um "achievement".
Matas 20 ratos, tarefa cumprida. Encontras todas os pontos de referência, tarefa cumprida.
Matas 20 habitantes corruptos, tarefa cumprida.
Mas o que tornava estas tarefas interessantes era que todas elas, no sentido mais lato,
conferia um pequeno bónus permanente à personagem.
Não o suficiente para vos fazer sentir que tinham de fazer todas elas,
mas o suficiente para sentirem que vale a pensa fazer aquelas que vos apetece fazer.
E este é o ponto-chave: criaram tarefas para tudo!
Mas mesmo, havia uma tarefa associada a praticamente todos os monstros do jogo.
E isto é fulcral porque, para que servem estas tarefas?
Para encorajar o jogador a jogar como ele quiser.
Talvez hoje me apeteça desfazer Neekerbreekers, e amanhã explorar Weathertop.
E no dia seguinte talvez queira ver quantos Barrow Wights consigo vencer
porque são mesmo díficeis de combater no nível em que estou.
Bem, no Lord of the Rings Online podem fazer tudo isto e o jogo encoraja-vos.
Permite-vos verificar o vosso progresso e recompensa-vos por jogarem como quiserem.
Isto é mesmo poderoso. Podem aumentar o sistema de missões colocando este tipo de tarefas
e deixando o jogador escolher por ele próprio quando quer mudar o género, basicamente.
Ah, e neste jogo eles puseram uma tarefa mesmo manipulativa que eu adorei.
Tudo o que dava ao jogador era uma designação, mas que mudava tudo.
Digamos que se o James chega ao nível 5 sem nunca morrer, recebe o título de "James o Cauteloso".
Se chegar ao nível 10 sem morrer já é "James o Imbatível", e por aí fora.
Não estou a dizer que este é um bom caminho a seguir, mas faz-nos sentir que
a vida da nossa personagem tem um sentido, o que ajuda a viver aquele mundo.
Há muito mais acerca da elaboração de missões que poderíamos falar, e que vamos, eventualmente.
Mas uma última coisa: o World of Warcraft evoluiu imenso ao longo dos anos
e a Blizzard tem tentado claramente expandir para além das missões de matança e de entrega
com que o WoW foi lançado, mas muitos dos seus clones e outros jogos grátis parecem não ter aprendido a lição.
O que é trágico porque, especialmente numa altura de jogos grátis, só porque um jogo é um MMO
não tem que ser só sobre evoluir de nível. Até para a semana!
Tradução/Legendagem: José Fernandes (jsfernandes720@gmail.com)