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ENTREVISTA COM LUIS OSPlNA
''UM TIGRE DE PAPEL''
''Um Tigre de Papel'' foi escrito 60 anos depois...
do dia 9 de abril de 1948...
e 40 anos depois de maio de 1968.
Ou seja... São duas datas muito importantes.
A primeira data mudou um país, a Colômbia...
porque desde 1948 a Colômbia vive uma guerra civil.
E depois de maio de 1968...
o mundo também mudou.
Então, o filme abrange...
a geração que vivenciou essas duas datas...
ou seja, a juventude das décadas de 60 e 70.
De certa forma ''Um Tigre de Papel''...
é uma autobiografia de uma geração...
uma geração que achava que conseguiria mudar o mundo...
e da decepção que ela mesma vivenciou depois.
METODOLOGIA DE TRABALHO
Cada pessoa que aparece no filme...
é uma pessoa muito importante...
dentro da cultura e da arte colombianas.
Eu chamei essas pessoas para dar mais credibilidade ao filme...
à mentira toda que é o filme. Então, eu me reuni com eles...
e Ihes expliquei meu propósito.
Perguntei a eles se queriam ser meus cúmplices...
e ninguém se negou. Eles até entraram na brincadeira.
Então, uma das primeiras coisas que perguntei a eles...
foi se eles já tinham conhecido alguém parecido com Pedro Manrique Figueroa.
E quase todos tinham conhecido alguém muito parecido com ele, sim...
uma figura...
meio que o grande anti-herói do país...
que estava em todas e que militou em diferentes vertentes da esquerda.
Às vezes, eu pedia a eles que pensassem...
nessa pessoa que conheceram...
para assim conseguirem falar com mais veracidade do personagem.
Além disso, quando me reuni com eles pela primeira vez, sem a câmera...
eu tentei estipular em que momento de suas vidas...
eles podiam ter conhecido Pedro Manrique Figueroa...
encontrar uma conjuntura em que podiam tê-lo conhecido.
A MONTAGEM COMO ATO DE CRIAÇÃO
''Um Tigre de Papel'' é uma colagem cinematográfica...
na qual eu usei muitas técnicas.
Ele teve um processo muito longo de montagem.
Eu decidi usar duas narrações...
uma meio que paralela à outra. Além disso...
como é a biografia de um artista...
eu tentei imitar os livros de história quando falam sobre artistas:
dividir a vida dele em fases...
como a Fase Negra de Goya, ou a Fase Azul do Picasso.
Pedro Manrique Figueroa também passa...
por diferentes períodos.
E também tentei fazer como nos livros de história da arte:
em uma coluna está a biografiado artista...
e, na outra, os acontecimentos da época. Por quê?
O filme se passa nas décadas de 60 e 70...
época em que toda a juventude do mundo estava sintonizada...
mais ou menos nos mesmos ideais de liberdade...
de esquerda, utopias coletivas e ideais hippies.
O que estava acontecendo em Paris em 1968...
também estava acontecendo em Praga, em Berkeley...
e, de certa forma, em Bogotá.
Por isso é um filme que o público estrangeiro também entende.
Mesmo parecendo ser um filme sobre questões muito internas...
da história da Colômbia...
todas essas coisas também estavam acontecendo no resto do mundo.
De certa forma ''Um Tigre de Papel''...
foi criado a partir de outro filme meu anterior...
chamado ''Agarrando Pueblo'', ou ''Os Vampiros da Miséria''...
um curta-metragem que fiz em parceria com Carlos Mayolo...
em 1977 e que terminamos em 1978.
Talvez seja um dos primeiros falsos documentários do cinema latino.
PROVOCAÇÃO E ANARQUIA
Acho que o filme tem algumas características muito precoces...
do momento em que foi feito o filme.
Por um lado, é um dos primeiros falsos documentários latinos...
mas, por outro, é um filme que mistura...
ficcáo e documentário...
tema em voga no cinema moderno.
E também é um dos primeiros filmes com pessoas normais...
e improvisação no cinema colombiano.
Também é um filme muito agressivo, que faz muitas provocações...
feito com uma linguagem muito moderna...
para aquela época. Naquela época, o cinema latino-americano...
estava muito...
muito voltado a um cinema de propaganda política...
um cinema de mente muito fechada dogmático.
Havia várias teorias de ''cinema imperfeito'', de ''terceiro cinema''...
e, na verdade ''Agarrando Pueblo''...
ou ''Os Vampiros da Miséria'', como é conhecido fora da Colômbia...
é um filme anárquico.
Por isso eu o comparo um pouco...
com os filmes do Glauber Rocha...
pois é um filme com muitas provocações.
''PORNOMISÉRIA''
Quando Carlos Mayolo e eu fizemos ''Agarrando Pueblo''...
nós decidimos fazer um filme sobre a ética...
que deve haver quando se filma a miséria.
O cinema, graças à sua própria natureza...
tem a tendência de fazer...
do sujeito, do personagem, um objeto.
lsso acontece principalmente quando se filma a miséria.
Então, muitas vezes cineastas inescrupulosos...
filmam a miséria...
com seus próprios propósitos, sejam eles políticos...
persuasivos ou de propaganda.
Então, existe uma exploração do sujeito.
Nós decidimos fazer este filme...
como um ato de provocação que Ievasse as pessoas à reflexão...
e que, quando os cineastas o assistissem...
refletissem sobre o dilema ético que há...
quando filmamos alguém.
Um dos maiores gestos...
de generosidade do ser humano é se deixar filmar!
Então,se uma pessoa...
é tão generosa assim...
nós devemos ser consequentes para com ela...
e não trair sua confiança...
usando-a para outros objetivos...
que essa pessoa desconheça.
Então, o filme trata sobre essa questão.
''Agarrando Pueblo'' também é um filme...
que reflete sobre o próprio gênero documentário...
sobre como os mecanismos do documentário...
podem ser usados para fins mesquinhos.
''Agarrando Pueblo'' foi criado...
em uma época com uma enorme proliferação de filmes...
sobre miséria. Tanto na Colômbia como em todo o Terceiro Mundo.
E, principalmente, foram feitos muitos filmes...
nos quais a miséria foi explorada, como uma mercadoria.
Em muitos casos, graças a cineastas de esquerda...
por exemplo, que exploravam o tema ''miséria'',
a transformavam em mercadoria e exportavam os filmes...
para os canais de televisão e festivais de cinema europeus...
para ganhar prêmio e Iucrar com a miséria alheia.
Então...
Nós pertencíamos ao grupo de Cali...
um grupo formado pelo Cine Club de Cali e a revista ''Ojo al Cine''...
e nós achávamos que tínhamos que Ievar a crítica ao próprio cinema.
Então, fizemos ''Agarrando Pueblo''...
como uma espécie de antídoto contra o chamado cinema ''pornomiséria''.