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O grafismo urbano nas cidades da América Latina
é um dos eixos principais do meu trabalho Pop Latino .
A tipografia dos cartazes populares:
"Tudo por 2 pesos", "Tudo por 1 peso".
"Hambúrgueres por 1 peso"
"Troco dólares", "troco euros"
A tipografia popular me inspira muito.
Inclusive, na minha última exposição, chamei uns tipógrafos
que fazem cartazes em Lima para que fizessem o meu cartaz.
O nome Pop Latino ...
Eu já não sei se fui eu que inventei
ou se foram jornalistas e críticos de arte que escreveram
para definir um tipo de fotografia que comecei a fazer nos anos 90.
Quando me cansei da fotografia em preto e branco
e comecei a fazer fotos coloridas,
com cores vibrantes,
influência da publicidade,
como uma espécie de Warhol do subdesenvolvimento.
A garrafa de Inca Kola foi a minha primeira peça
característica do Pop Latino
Era o equivalente a uma sopa Campbell
subdesenvolvida.
Me interessavam as cores...
e o que se podia chamar a "textura do subdesenvolvimento",
"a toalha de plástico",
como nomeou o cineasta argentino Leonardo Favio,
quando você come nos restaurantes de beira de estrada
e os antebraços ficam colados na toalha de plástico.
Essa textura, essa cor, é uma poética
que eu gosto de aprofundar.
Que tudo está meio mal feito.
Para que vamos fazer direito, se não há mercado,
não há conservação,
e ninguém realmente se interessa?
Do Rio Bravo para baixo,
as pessoas fazem o que lhes dá na cabeça.
Já não há mais fronteiras.
Na Argentina, se pode encontrar a mesma identidade gráfica
que no mercado de Sonora, na cidade do México.
Nas discotecas da selva peruana, em Iquitos,
o atendente do bar veste a camiseta do Barcelona FC.
A verdadeira camiseta do Barcelona
é a camiseta falsa
que se usa na América Latina, no Irã, na Arábia Saudita.
Essa que custa 5 dólares.
E a tipografia do Barcelona
está nos bares de Constitución,
que é o bairro onde eu moro, em Buenos Aires,
no mercado do Paraguai,
no mercado Ver-o-peso, em Belém.
O plástico dos mercados na América Latina,
a cor dos plásticos nos mercados da América Latina,
é a textura...
estrutural da minha obra.
Quando vou a Paris, depois de 4 dias fico entediado.
E quero voltar.
Há pouco, eu dizia...
Não lembro se era pro Marcos López...
que, para mim, tirar fotos é praticamente como respirar.
Minhas fotos dos anos 80
eram basicamente em preto e branco,
a grande maioria.
Mas eu sempre fazia algo em cor para mim.
Eu tinha duas Nikons,
uma com filme preto e branco,
e uma com filme colorido, que usava menos.
Eu tirava fotos coloridas quando via algo de muito particular.
Eu gostava muito de cor.
Talvez porque eu preferisse preto e branco
e talvez porque cor era mais caro.
A série Siesta Argentina
surgiu como ideia, como tal,
como conceito, em 2002.
Quando... Sim, em 2002.
Acabávamos de passar pela crise terrível
de dezembro de 2001.
Na verdade, ainda estávamos na crise.
Estávamos todos muito desesperados.
Estávamos muito mal.
O meu antídoto pessoal foi sair para tirar fotos
daquilo que eu via todos os dias nos bairros:
lojas fechando suas portas.
Lojas pequenas, típicas de bairro,
com essas fachadas de 8,66 metros
que tinham, digamos, janela, porta, janela.
Todas iguaizinhas, todas simétricas e todas diferentes.
Todas com as persianas abaixadas.
As persianas que indicavam o fechamento.
O fechamento de uma padaria,
de uma loja de roupas,
de qualquer pequeno comércio.
Foi como o fechamento da classe média.
Era assim que eu fazia:
eu ia fotografando como eu podia
tentando encontrar esses lugares
e registrá-los.
Eu não tinha ideia aonde isto me levaria
mas eu trabalhava com muita obsessão.
Eu continuei até a metade de 2003.
Foi quando eu decidi apresentá-lo
numa galeria, e imprimir um livro.
A série foi pensada para um livro.
Eu gosto, particularmente, quando
a isto se agrega algum tipo de dinâmica
ou de geometria da imagem.
Quando você vê as fotos primeiro como forma
e depois como conteúdo.
A "Siesta" também me agoniava porque eu sabia que em algum momento iria acabar.
Nós iríamos sair da crise e tudo se acabaria.
É por isso que o título Siesta Argentina refere-se
a uma siesta, a um momento que vai passar.
Não é um sono eterno, não é a morte.
Eu achava que era uma crise enorme, mas que nós iríamos adiante.
Era uma metáfora sobre a crise.
E eu era delegado sindical em uma companhia telefônica.
Trabalhei muitos anos como técnico de telefonia.
Éramos um sindicato muito pequeno.
Nós mesmos fazíamos os cartazes.
Nós os desenhávamos e os colávamos.
Mas, mais importante do que fazer os cartazes,
foi definir o método de impressão.
Nossos métodos de impressão não eram muito modernos.
Eram muito artesanais, como no século 19.
Criamos um cartaz tipográfico
para a exposição no Centro de Arte e Comunicação,
chamado Violencia .
Nós o fizemos em 70 por 1 metro, o tamanho máximo que se podia fazer.
Era uma instalação com a palavra "violência".
O meu trabalho artístico foi sempre variado: fazia vídeos, performances,
e, principalmente, cartazes.
Essa gráfica sempre foi...
Na verdade, a história da revolução...
...passou, tragicamente, a quase desaparecer.
Em 1976, nossos sonhos desapareceram.
Ou melhor, as pessoas deixaram de sonhar com a revolução naquele momento
Mas sigo pensando que deveria haver uma revolução na América
e sigo utilizando arte gráfica para expressar esse sonho,
de uma possibilidade de revolução.
Sempre que tenho uma oportunidade, faço um trabalho relacionado a essa ideia,
quando me convidam para fazer uma mostra desse tipo.
Esta é a foto da minha classe
de quando eu tinha 13 anos.
Fizemos a primeira fotografia com meus companheiros de colégio.
Este sou eu.
Estávamos na aula de música,
no subsolo do Colegio Nacional de Buenos Aires,
do qual éramos todos alunos, em 1967.
Eu tinha 13 anos. Era o primeiro ano, sexta turma,
a primeira da tarde.
Eu tinha essa foto guardada no meu álbum,
de fotos da minha história pessoal.
E quando voltei para a Argentina, depois de anos no exílio,
14 anos,
quis retomar o contato com meus companheiros de colégio.
Então nos encontramos, e falamos sobre a história de cada um,
o que havia acontecido com cada um.
E percebemos que havia dois, meu amigo Martín
e Claudio, aqui circulados em vermelho
com um traço diagonal,
que estavam desaparecidos, assassinados pela ditadura.
Então eu peguei essa foto,
que eu tinha guardado e ampliado para ter o retrato dos meus colegas.
Mas no aniversário de 20 anos do golpe, em 1996,
fizemos um ato no colégio, para contar os desaparecidos.
Eu peguei essa foto, e fiz essas anotações
em que cada um conta um pouco de sua vida
Eric se cansou e vive em Madri.
Eu sou fotógrafo e tenho saudades do Martín.
Martín foi o primeiro a desaparecer. Não chegou a conhecer seu filho,
Pablo, hoje com 30 anos. Ele era meu melhor amigo.
Essa se casou com um cara do colégio e seus filhos são alunos aqui de novo.
Essa pequena história pessoal
foi contada aos companheiros atuais do colégio,
aos que estudam aqui agora,
ou que estudavam na época, pois a foto foi mostrada a cada 3, 4 anos.
Assim pudemos contar, de uma maneira um pouco emocional,
e muito própria, como estudantes do colégio,
a toda uma geração nova, o que havia passado com a nossa.
Há dois buracos, dois buracos no grupo.
E estes buracos marcaram todos nós.
Meu irmão Fernando,
de alguma maneira, é a origem da contundência de Buena memoria
porque para poder falar dos desaparecimentos,
tive que falar daquele que afetou a minha família.
Meu irmão desapareceu em agosto de 1979,
há muitos anos.
No entanto, só agora, que minha mãe testemunhou no processo,
que ela está mais tranquila.
Seu desaparecimento sempre foi uma presença.
Em 1973,
quando realizei Perón vence ,
o "P" e o "V" eram as marcas mais populares
da cidade de La Plata.
Não havia um muro, ou um prédio...
até nas sarjetas
havia as letras "P" e "V",
que tiveram várias interpretações.
Alguns militantes diziam: "Perón vuelve" ("Perón volta").
Porque nesse momento o general estava no exílio.
Outros diziam simplesmente: "Viva Perón".
E eu coloquei "Perón vence" porque...
era óbvio...
que ele ia ganhar,
que ele ia ter coragem, como ele mesmo tinha dito.
Transformaciones de masas en vivo
é um conjunto de oito fotos
dentre as quais Perón vence .
O projeto foi realizado,
a princípio, como uma ação estética.
Eu nunca o imaginei como uma ação política.
O objetivo era puramente estético: usar o corpo como matéria da arte
e fazer uma série de formas.
A história de Transformaciones de masas en vivo ,
desta série de fotos,
é muito particular.
Hoje, quando as vejo,
não posso evitar sentir certa tristeza,
e até certa culpa, digamos.
Mas...
originalmente era um trabalho corporal coletivo.
No momento em que se fez era um jogo.
Os jovens jogavam o tempo todo, riam, se divertiam.
Se concretizou como obra de arte, ou seja, como foto.
A série foi exposta pela primeira vez no CAyC.
E depois viajou pelo mundo inteiro.
Enquanto isso, a realidade
dos jovens que haviam participado,
todos do Colégio Nacional, estudantes de história da arte,
que tinham 18 anos,
sofria um outro caminho.
Eu tive a minha obra de arte,
que rodou o mundo.
Eles, uma parte importante deles,
começaram a militar.
Eram integrantes da juventude peronista.
O resultado é que enquanto eu
passeava com minha obra de arte, eles militavam.
Quando terminou o ciclo, a obra foi esquecida,
e eles desapareceram.
Uma boa parte deles, segundo o diretor do Colégio Nacional,
foi morta, ou seja, eram "desaparecidos".
Hoje vejo o ciclo:
começou como uma obra de arte, seguiu como um jogo,
e se transformou realmente em uma obra de arte.
Os protagonistas, a matéria dessa arte,
foi exterminada, uma parte.
E finalmente acaba sendo uma obra integrada ao mercado.
Finalmente, há gente
que compra algo que custou a vida de tantas pessoas.
Eu acho que descrever a cena artística de Rosário
sem pensar em Buenos Aires é absolutamente impossível.
Convenhamos que o que se produz aqui se legitima em Buenos Aires.
"Bocanada" é uma expressão que é muito difícil de traduzir.
É como nada na boca,
mas, por outro lado, é um sopro,
é um gesto,
depois do qual algo acontece.
Ou dão algo para você, ou você grita,
ou você come. Algo, algo.
Essa boca aberta é uma chamada, um pedido,
que não fica indiferente.
Bocanada começa assim, com um gesto cotidiano.
Estava com uma colher e vi o reflexo da minha boca nela.
E pensei: "Quem come quem?"
A boca me come,
ou eu como a boca?
Quem é pior que quem?
Quem é mais forte?
Esta medição permanente que existe na vida cotidiana.
A primeira versão de Bocanada
era uma performance fotográfica,
eram fotografias de pessoas com a boca aberta.
Depois, eu as imprimia. Naquele momento, eu utilizava uma técnica
que era heliografia.
Por exemplo, na heliografia,
o modo de revelar
é em contato com o vapor de amoníaco.
E eu criei uma coisa
que era um objeto que soltava
bocanadas de amoníaco, que faziam com que a imagem fosse
aparecendo como se fosse uma fumaça.
Então realmente você tinha a sensação que era você que fazia a imagem aparecer,
que eu fazia a imagem do objeto aparecer.
Eu gosto disso. Eu gosto de criar uma obra deste jeito.
Falar de Tucumán arde , para mim,
é falar de um grupo e de um processo.
Tucumán arde não pode ser entendido
isoladamente, como uma ação
que surge do nada. Tem a ver
com um grupo, com um contexto,
com um momento histórico muito particular,
como foi o final dos anos 60, ou 68.
Centrado fundamentalmente
na Argentina, no que estava acontecendo
perante um governo militar
onde estavam-se produzindo
mobilizações contínuas
de toda a população
frente a um sistema
de muita censura e repressão.
Tucumán arde foi concebido
como uma ação em 4 etapas.
Uma primeira etapa de investigação
para que nos informássemos minimamente
sobre qual era a situação em Tucumán,
saber como era a questão relacionada com os engenhos de açúcar
e como esse cultivo estava inserido
- que era uma monocultura, na província de Tucumán.
Isso fez com que a região se convertesse numa espécie de polo industrial,
o mais importante do interior do país,
com muita mão de obra.
Por isso, também influenciou muito o tecido social esta decisão
do governo de fechar os engenhos.
A ideia sempre foi
gerar uma obra ou uma ação de denúncia
na mídia sobre o que estava acontecendo em Tucumán.
A mídia reportava o fechamento dos engenhos pelo governo,
mas não mencionava as consequências
a nível social.
Então, a ideia era fazer uma denúncia.
Uma denúncia no nosso território,
não em Tucumán, mas onde nós vivíamos,
para que isso ficasse conhecido.
Isso levou a uma proposta
de uma produção sobre-informacional sobre a situação que se estava vivendo.
Então houve uma etapa que chamamos de etapa publicitária.
Outra etapa, que foi a mostra.
E outra etapa, que foi a viagem a Tucumán
para documentar a situação.
Considero que esta experiência grupal ligada a Tucumán arde
foi como um dos momentos mais importantes
para mim, para a minha formação.
Hoje eu posso dizer que...
a minha formação artística e política
vem deste grupo.
Também porque ali estavam meus melhores amigos.
Encontrei o meu companheiro, meu esposo, lá.
Eu não poderia me desprender desses documentos,
desses materiais
que, naquela época, não tinham nenhum valor
fora este valor afetivo.
Creio que o arquivo nasce
quando alguns historiadores ou pesquisadores
como Ana Longoni ou Guillermo Fantoni,
Ana é de Buenos Aires e Guillermo de Rosario,
começaram a investigar estes momentos.
Todos os outros membros do grupo
destruíram todos os materiais que eles tinham.
Fotos, documentos, manifestos, etc.
Aparentemente
é o único arquivo que restou
destas ações e destas produções.
Por isso me parece que ganhou essa relevância.
São os únicos documentos que restaram
de todas estas ações.
Quando eu
saí, ou quando nós saímos da Alemanha,
eu tinha um ano.
Foi uma experiência que eu não vivi.
Eu a tenho como narração, mas não como experiência.
Abri os olhos, o nariz e os ouvidos
no Uruguai.
Não tenho relações com a Alemanha.
A minha relação é com o lugar onde eu aprendi a pensar, o Uruguai.
Minhas memórias de infância, os cheiros,
o nome das ruas,
tudo isto que condiciona a personalidade,
vem do Uruguai.
Estive aqui até uns vinte e poucos anos.
Eu ganhei uma bolsa do Guggenheim num certo momento
e fui estudar nos Estados Unidos.
Mas não com a intenção de partir.
Tinha a intenção de estudar e aprender.
No Uruguai eu era militante estudantil na escola de arte.
A maioria dos estudantes era anti-imperialista
e antiamericana.
Era interessante ver como
era a situação dentro da bota
ao invés de embaixo da bota. Era essa metáfora
que eu tinha na cabeça.
Ele treinava todos os dias.
Neste contexto de crise, de opressão e de repressão,
a fotografia, pré-photoshop...
A credibilidade da fotografia foi um instrumento muito importante.
Na ponte de credibilidade,
em que se experimentava algo, ou se criava uma situação
se revelava uma verdade,
que estava deformada, para conscientizar.
E esse processo de mistura
de realidade, com credibilidade, com documentação,
mesmo que fosse documentação hipotética,
foi muito útil no processo de conscientização,
e foi muito particular na América Latina.
Separa-se esse processo
da fotografia, principalmente da fotografia socialmente comprometida,
nos centros hegemônicos.
Porque esta fotografia socialmente comprometida dos centros hegemônicos,
tende a documentar, ou seja
"Aqui há pobreza, aqui há miséria",
"aqui há fome, e esse é o documento".
No uso das estratégias conceitualistas
às vezes é somente uma superposição de um aviso
com uma realidade.
Nenhum dos dois é certo, mas quando se misturam
cria-se uma evocação documental,
que é nova, que não existia antes.
E isso...
é muito mais identitário
da cultura desta década
do que um quadro de um camponês jogando água,
que era uma outra opção de identidade
muito mal compreendida
da mesma época.
A criação de Christmas Series
coincidiu com a aparição da fotografia
do cadáver do Che,
com a morte de Marighella, e de Camilo Torres,
e com aquele mito que Nixon estava tentando promover sobre si mesmo.
Me interessava muito
ver o que acontecia se eu fizesse um "conteudismo",
ou seja, apresentar puramente uma informação
como conteúdo
e deixar que isso fosse suficiente,
sem a minha participação.
O título, que faz referência ao Natal,
era um pouco irônico. Eu queria mostrar
algo de martírio aterrorizante
e de opressão
em um contexto de festividade,
mas uma festividade que é também um símbolo da colonização.
Era um choque cultural
entre um elemento exterior
e a demanda de respeito por esse elemento.
Isso estava simbolizado pelo Natal.
Além disso, como judeu, eu não recebia presentes,
o que era ainda pior.
Todo esse peso cultural
está no título dessa série.
Que é uma coisa íntima, que ninguém diria.
Mas isso não importa.
De vez em quando eu...
de um lado, não tenho mais nada para dizer.
Nunca me interessou ser artista profissional,
desses que têm que fazer arte todos os dias.
Se não tenho vontade de fazer, não faço,
e não tenho conflito com isso.
Além disso... Como dizer?
Eu não gosto de fazer arte.
Não é algo prazeroso.
É uma necessidade, que não me deixa escolha.
Mas se não tenho essa urgência,
essa necessidade imperiosa de fazer algo,
prefiro não fazê-lo.
Eu não gosto do meio artístico, nem do sistema das artes.
Tenho muitos problemas com a arte...
como indústria cultural.
Esse é um grande debate.
Mas à "indústria cultural"
não me interessa pertencer.
Então...
Eu faço arte quando...
Eu sou como um viciado que se reabilita
e que recai.
É assim que trabalho.
A cada certo tempo, me reabilito.
E me desprendo da arte.
A "Escena Avanzada" nasceu quando já estava morta.
É um título
dado por Nelly Richard para falar do que havia passado
há anos atrás.
Eu me juntei com Carlos Leppe e Nelly Richard
durante 4 ou 5 anos.
Ficamos amigos e começamos a trabalhar e viver juntos.
Em 75, 76,
o ambiente estava mudando. Surgiam coisas
que pareciam novas.
Uma espécie de vanguarda.
Que éramos nós.
A ideia era combater a ditadura
através da própria maneira de agir, e de dizer, da ditadura.
O período entre 76 e 80,
quando criei essas paisagens,
foi um período muito vertiginoso.
Para mim é como se tivesse passado somente um ano.
Eu diria que grande parte do artista que sou,
que fui,
ou que era, se definiu nestes 3 anos.
Ocho paisajes , o título coloquei depois.
Nesse momento não se chamava assim, não me lembro como chamava.
Aprendi muita coisa nessa época,
com todas as discussões sobre arte, sobre linguagem.
Isso tornou mais complexa
minha bagagem, e minhas ferramentas, digamos.
Minhas ferramentas de linguagem.
Então comecei a mesclar coisas: fotografia com pintura,
e mesmo com outros materiais,
como o alcatrão,
que eu colocava sobre as fotos.
Eu também colocava uma foto sobre a outra.
E apareceu o texto, que eu ainda não havia usado.
A ideia do texto, para mim, era...
usá-lo como imagem.
Quando digo "natureza morta",
é o conceito de "natureza morta"
com relação à imagem.
A tensão que se produz aí, me interessava muito.
Trabalhar com essa tensão entre elementos,
que não têm relação entre si, mas que se detestam.
Se quisermos definir seria uma "tensão ambiental".
No Chile vivíamos assim. Tensos.
A origem dessas pinturas é totalmente acidental.
Eu estava fazendo *** com papéis.
Eu colocava tinta de um lado e dobrava,
de maneira que a tinta ficasse impressa no outro lado.
Eu joguei tudo fora.
Não me interessou.
Até quando vieram me visitar
as duas diretoras do Museu de Arte Moderna de Cali
porque queriam expor os meus trabalhos.
Elas me fizeram perguntas sobre o meu trabalho.
E, de repente, tive uma ideia.
Eu poderia dobrar estas folhas
e enviá-las pelo correio.
Eu tinha feito arte postal antes.
Elas adoraram a ideia.
E me pediram para enviar-lhes 17.
Perfeito, eu fiz as pinturas, fui ao correio, em 1983,
ou 1984, não me lembro mais.
coloquei umas coisas, escrevi em cima, era tudo muito precário,
e se foram as pinturas.
Quando eu cheguei para montá-las,
eu desci do avião e fui imediatamente ao museu.
Eu disse: "Eu quero ver as 17 pinturas."
Estava com medo que elas estivessem sido destruídas.
Mas as 17 pinturas aeropostais estavam intactas,
espalhas sobre uma mesa.
E, neste momento,
o que aconteceu neste momento foi que
eu me dei conta de que poderia expor em qualquer lugar
por nada,
que o meu trabalho... Foi um ponto de ruptura completo
com tudo o que eu havia feito.
Foi um acidente.
Não foi algo que eu estivesse estudando.
Foi assim.
Uma espécie de estalo.
Eu nunca pensei que iria fazer algo parecido.
Se não tivesse feito, talvez estaria em um hospital.
O desenho curatorial da mostra
indicava que...
as obras deveriam ser "históricas".
Então eu comecei a me perguntar
o que isso tinha a ver comigo.
O que tinha a ver comigo,
com as pinturas aeropostais,
e o fato de que haviam me pedido
para eu fazer obras que eu havia feito em 79
que não eram pinturas aeropostais,
que trabalhavam com textos e imagem
e que eram históricas?
Então...
Voltando ao que eu estava dizendo antes...
O que quer dizer obras históricas?
Obras históricas quer dizer
obras datadas em sua produção.
Elas passam a ser históricas.
Por outro lado, obras que não possuem uma data estável e fixa
não são históricas.
Ficam vagando como almas penadas.
E qual é a história das almas penadas?
Quando começam? Quando terminam?
Andam vagando de um lado ao outro. Sabe por quê?
Também por uma coisa que é essencial às pinturas aeropostais:
as pinturas aeropostais não têm casa.
Num sentido metafórico, elas vagam,
procurando o tempo todo uma casa.
Se elas chegam a essa casa,
é uma casa é transitória.
Elas têm que sair dela para buscar uma outra.
Este movimento
é o tempo ou o caminho das pinturas aeropostais.
Que poderíamos resumir como
"uma busca improdutiva
por uma casa".
Quer dizer, o caráter...
Ao que mais se parecem
seriam as almas penadas.
Eu sou filho de diplomata,
ou seja, sempre fui,
de uma certa maneira, um marginal.
Não um marginal sem raízes,
mas os países onde vivi,
Argentina, Portugal,
Suíça, Nova Iorque...
Vivi aí com meus pais.
E isso me ensinou que,
primeiramente,
a noção de nacionalidade,
deste ufanismo, de lutar pela nossa pátria,
isso é uma merda. Não tem nada a ver.
Isso me fez mudar...
Sinto que sou parte de algo
um pouco maior, um todo.
Não há nacionalidades.
Há personalidades.
Cada um tem a sua personalidade,
determinada pelo nascimento, pelos pais,
avós...
E isso tem sua importância.
E tem que ser assim.
Mas essa importância não pode se tornar
um pretexto de luta entre as pessoas,
porque "somos melhores que eles",
como em um jogo de futebol, Brasil e Argentina.
"Nós somos melhores que eles".
Isso é uma estupidez.
A questão da violência no Brasil
é um pouco como nos westerns americanos.
Em uma época, eu fiz um trabalho...
tipo John Ford.
Era difícil. E imediato.
Ainda hoje é um trabalho excepcional.
Porque era feito na Bahia,
com pessoas que buscavam esmeraldas.
Visualmente, era como um western,
com os chapéus, a coisa toda.
A questão da sexualidade
nas zonas de prostituição no Brasil
já estava posta em 72.
Tratava-se de uma prostituição
que não era perversa.
Era uma prostituição
quase familiar.
Me entende?
Quando eu fiz Pelourinho , em 1979,
tinha acabado de fazer um trabalho para a revista GEO
sobre meninos de rua
e constatei
que em Recife era muito difícil, em São Paulo também,
assim como no Rio.
Enquanto que na Bahia, era diferente.
A questão da prostituição se colocava de outra maneira.
Era quase familiar.
Era algo...
A sexualidade na Bahia
é tão grande
que não se pode considerar como prostituição
Apesar de se tratar de prostituição,
e de implicar problemas graves
de saúde para as mulheres.
Eu fazia as fotos durante o dia,
nos momentos de calma.
E nessa série há vários trabalhos,
como o nu feminino,
a história da arte,
a mulher sendo...
uma força maior
positiva, da história da humanidade.
Eu sou uma pessoa
que acredita que a mulher
é a terra,
a base da subsistência
do mundo.
E o homem é a destruição.
Eu não sei quem é esse público.
Quem é esse público? Não sei.
São pessoas que vêm de várias partes,
umas se conectam, se identificam.
Outras te detestam. Enquanto outras
são como novas amigas,
ou novos amigos.
Não existe o público.
Não deve existir o público.
Você tem que fazer as obras
como se fossem foguetes para a lua.
E as pessoas
vão se conectar.
Eu não confronto o público.
Não faço isso.
Eu faço o que tenho que fazer.
Aí o público vê, ou não vê.
Não existe a questão de confrontar o público,
a não ser...
entre os cineastas americanos.
Uma das grande vantagens de ser um artista que não se forma
no universo acadêmico, com seus dogmas,
seus escritos, etc.,
é que, no meu caso, por exemplo,
tenho a possibilidade de explorar todas as linguagens que me agradam:
teatro, música, literatura.
E o que mais me interessa é a imagem e, logo,
a linguagem.
Um dos meus grandes hobbies é a filologia.
Falo 6 línguas e leio muitíssimo.
E tenho a sorte de, há mais de 25 anos, ter me casado
com uma grande cozinheira, que é também licenciada em Letras.
Nós publicamos uma revista
que foi, durante vários anos, a única desse tipo.
Lourdes, a ditadora perfeita, e a cozinheira atrevida,
notou que devíamos incluir, entre as páginas centrais,
uma história em quadrinhos, que eu desenhei durante mais de um ano.
Era uma espécie de fotonovela, que naquela época estava saindo de moda.
Foi o meio ideal para criar El hospital del horror .
O roteiro era do Armando Vega-Gil,
um dos fundadores da recentemente extinta banda de rock mexicana
Botellita de Jerez. E a direção é de
Lourdes Hernández Fuentes.
A fotografia é do grande fotógrafo Tim Ross.
E os atores, o elenco, somos nós, os membros da revista.
Ou os "comensais do crime", como éramos conhecidos.
Há muito humor. É uma fotonovela de duas páginas,
de duas páginas centrais.
Desde jovem,
fui exposto
ao aspecto latino da América.
E pude cultivar, com gosto e prazer, como sigo fazendo,
uma forte inclinação latinoamericanista.
Mas sempre debato muito quando se escreve com letras maiúsculas
"América Latina".
A palavra "latina" não se escreve com maiúscula,
porque é exclusivamente um adjetivo, como
América bela, América verde,
América próspera, América triste,
América pobre, América rica,
América latina, América anglo-saxã.
Porque se vamos falar de América latina, temos que falar também
da América anglo saxã,
da América francesa, da América africana...
E de todas as Américas.
Não se pode falar da indo-América,
porque seria quase um pleonasmo. Não temos nada da Índia.
aqui, nesse continente.
É também um erro linguístico enorme.
No México, já é politicamente incorreto
usar a palavra "índio" para as "primeiras nações", como dizem os canadenses,
ou os "povos originários", que são
tão originais como os escoceses na Europa, os bascos,
os irlandeses, os sicilianos.
São povos originários do continente.
Eu poderia acrescentar algo:
o termo "América latina",
não esqueçamos, foi cunhado pela França.
A França bonapartista. Que buscava
atrair, para seu âmbito político e econômico,
este continente e cunharam essa palavra.
Para os norte-americanos foi fácil adotá-la.
E este é o único continente pluralizado.
Não falamos das Ásias, das Europas, nem das Áfricas.
Por que, então, falar das Américas?
Mistério.
Minha formação como artista foi na Escola Nacional de Belas Artes,
nos anos 90,
o que foi um tempo muito particular.
Era a época mais sangrenta da ditadura de Alberto Fujimori,
na segunda metade dos anos 90.
O espaço também foi marcante,
porque a escola se situa no centro histórico de Lima,
a duas quadras do Palácio do Governo, e a uma do Congresso.
E foi graças a essa escola que fui confrontado
com a realidade do meu país. Havia sempre
gente: mineiros, camponeses,
que acampavam por vários dias em Lima.
Foi nessa época que aconteceu o caso de La Cantuta,
uma história que teve muita divulgação,
porque foi um caso que chegou a transcender
as informações filtradas do interior do exército,
até a mídia. E isso permitiu
identificar os responsáveis.
As coisas chegaram muito mais longe do que qualquer caso anterior.
E este caso, ainda,
teve muita atenção da mídia.
A cada dia, se podia ver, nos jornais da manhã,
elementos visuais novos: uma chave,
um pedaço de carne queimada.
10 pessoas foram sequestradas
e depois executadas clandestinamente por um grupo paramilitar.
E logo encontraram essa relação com o exército.
Depois de uma investigação do governo,
os restos das vítimas foram entregues às famílias,
mas de um modo que expressava um descuido,
até mesmo uma espécie de provocação.
Devolver isso em caixas de papelão, de uma marca de leite em pó.
Nessa época, essas caixas eram muito usadas
para armazenar coisas,
para transportar coisas,
e inclusive como berço de bebê, ou como lata de lixo.
Quando me dei conta deste detalhe,
e de muitos outros,
me pareceu interessante como matéria prima para elaborar uma série de obras.
A evaporação conota o fato do desaparecimento.
E também o nome "Glória",
um tema religioso.
Transformar simplesmente "leite" em "gente".
Uma pequena modificação que muda todo o sentido.
Essas caixas foram matéria-prima para obras durante dois anos.
São estas que estão sendo exibidas.
Uma das obras consistiu em...
recuperar várias caixas
para fazer buracos.
A exposição original, intitulada Historia ,
tinha cinco partes, se não me engano.
Uma delas era uma série de fotografias
feitas em salas de aula
pelo Peru, em Lima, em Cusco,
algumas delas em escolas antigas,
durante uma aula de história do Peru.
Eu me misturava na classe,
e fotografava do fundo da sala,
tentando capturar momentos em que o professor
que estava dando aula,
escrevia um texto, depois apagava,
enquanto falava de alguma lição de história.
Eu tentava capturar esses momentos, que eram essenciais para mim.
Há de se levar em conta que o Peru foi o vice-reinado
mais importante da América do Sul.
E aqui existia uma repressão muito forte, um governo forte.
Era aqui
que se organizava toda a estrutura de maneira mais rígida.
Essa estrutura social...
acredito que seja um dos temas
fundamentais, até hoje,
vinculada à herança colonial
e à experiência pós-colonial que vivemos hoje em dia.
As fotografias da exposição Historia
são fotografias que originalmente
foram feitas através de um processo ***ógico, clássico.
Elas foram reveladas em laboratório,
com negativos em preto e branco, e ampliação com nitrato de prata.
Na série Historia del Perú , essas imagens
sofreram um processo extenso de tratamento,
feito por mim. Ou seja, da maneira
como eu queria que essas imagens fossem vistas.
E isso tem a ver com a minha própria experiência fotográfica.
Eu fiz um mestrado nos Estados Unidos, em fotografia.
Foi o paraíso: eu tinha acesso a um laboratório fotográfico
com todas as facilidades possíveis.
E Historia traz algo dessa experiência.
Porque eu entrei no laboratório
e decidi que essas imagens
iam ter uma espécie de simulação
e de sedução, como nos quadros negros.
Porque o quadro *** antigo tem uma textura que remete ao veludo,
uma textura que convida ao toque. Isso foi o que busquei.
Ampliei as fotos em papel mate, simulando uma lousa.
E as escureci muito, usado um processo muito complicado,
de máscaras, sombreados e queimados,
de alto contraste.
Que finalmente me levaram a simular esse giz branco
que aparece, que emerge, mesmo,
do quadro ***.
Os personagens são
os professores e alunos, que também sofrem dessa escuridão.
Não se sabe se eles estão entrando ou saindo da imagem.
Me interessava que de longe eles parecessem quadrados negros,
como umas pequenas lousas. E quando nos aproximamos,
a imagem revela a informação.
Eu nasci em uma pequena cidade
chamada Talara, no estado peruano de Piura,
que fica na costa norte do país.
Nasci aí por acaso,
por que meus pais estavam lá a trabalho.
E vivi lá somente
os primeiros 10 meses da minha vida.
Mas sei que tivemos que fazer muitas viagens,
pela estrada Panamericana, para visitar a família em Lima.
Não tenho nenhuma memória dessas viagens,
mas imagino que isso possa explicar a minha fascinação
pelos deslocamentos,
pelo deslocamento veloz, na estrada,
mas também pelas amplas paisagens,
planas e secas, que eram comuns nesse trajeto.
Para meu trabalho,
no ano de 96,
viajei de carro até Tumbes,
que é a última cidade antes do Equador.
E quando cheguei em Lima, depois dessa viagem,
percebi que tinha um material
que eu nunca havia visualizado,
algo que começava a ganhar corpo.
Esse trabalho foi intitulado Punto ciego .
Poucos meses depois de terminar
esse projeto, Punto ciego ,
fiz uma outra viagem pela Panamericana, em direção ao sul,
e nessa viagem, que foi em 98,
notei que havia umas agrupações
de pequenas pedras, ao longo de alguns quilômetros.
Elas tinham um intervalo de uns 200 ou 300 metros.
Eram várias pedras formando uma configuração estranha,
Às vezes havia somente uma pedra.
E todas tinham algum tipo de inscrição,
números e letras, que provavelmente indicavam,
penso eu, especulo
informação topográfica, ou quem sabe delimitação de propriedades.
A tradução literal da palavra quéchua "pirca" é "parede".
Acredito que essa ideia de que a parede, a "pirca",
definisse algo,
implica que a palavra no idioma quéchua, também sirva
como uma espécie de sinal, em um sentido mais amplo.
O que encontrei pela estrada, nessa viagem ao sul,
eram "pircas" com sinais intraduzíveis para mim.
Eu realizei uma série com umas caixas cheias de água
onde flutuavam umas imagens feitas com pó de carvão.
Estas imagens que flutuavam
feitas com pó de carvão, estavam,
ou melhor, estão, durante uma instalação...
estão, digamos,
muito predispostas, ou muito suscetíveis
a serem afetadas ou alteradas
porque não estão sobre um suporte fixo,
que lhes dê estabilidade.
E o objeto, os Lacrimarios ,
é um cubo cheio de água, completamente fechado,
onde ocorre esse ciclo eterno
da evaporação, da condensação e da precipitação.
A água que evapora através do pó de carvão
não altera a imagem
mas quando se condensa na tampa do recipiente
faz cair umas gotas.
Então, com o tempo, a imagem vai se alterando,
se deteriorando, até que fica irreconhecível.
O que motivou esses trabalhos
foram umas notícias
que saíam, e ainda saem, nos jornais,
que geralmente são acompanhadas de uma pequena foto e uma pequena nota.
Essa notícias geralmente tratam de dramas terríveis.
São notícias super tristes, chocantes,
mostradas de um jeito que as torna visíveis e invisíveis, ao mesmo tempo.
O que interessou foi a ideia da memória,
do esquecimento, da desmemoria.
Tentei lidar com isso tudo através do instante.
Walter Benjamin diz que no momento
em que uma imagem relampeja ela se torna história,
em um instante.
Que é esse momento que pode se transformar em memória, ou não,
que pode fazer parte da história, ou não.
Isso resume bem a minha ideia
sobre a questão da memória.
Nesse trabalho,
o pó de carvão, que é a tintura,
o pigmento que produz a imagem
está sobre um suporte instável, a água, que é parada
mas ao mesmo tempo muito suscetível
a mudanças,
a qualquer movimento, por causa do gotejamento,
das gotas que caem.
Tenho também outro trabalho, que consiste em uma imagem
que flutua. E à medida em que a água evapora
e que o tempo passa, o nível de água se abaixa,
e, no fim, quando a água seca completamente,
a imagem aparece fixa no fundo do recipiente.
Esse instante
que não se define por uma imagem repousando em um suporte estável,
não é documento,
não é memória, apenas está ali,
em um estado latente,
em um momento que não está constituído.
O que chamou minha atenção, no início, foi esse fenômeno visual das ruas.
Os muros pixados, com letras e textos,
às vezes compreensíveis, às vezes não.
Me chamava a atenção
como algo que estava acontecendo e que acabaria no dia seguinte.
Curiosamente, fora daqui, em outra cidade, em outro país,
era parecido, quase igual.
Havia comportamentos,
padrões, pré-estabelecidos.
Latin Fire foi no final dos anos 70.
Essa foi uma série que eu fiz aqui em Cali,
e depois no México.
Mas esta série de cartazes, em papel barato,
papel crepom, isso foi aqui.
Me chamava muito a atenção
o fenômeno dessa desordem de letras
e a contribuição
daqueles que colam os cartazes em uma certa ordem,
e do vento que varre, das pessoas que os rasgam.
De uma colagem surge uma descolagem.
Isto me parecia algo alucinante,
este emaranhado de formas tão estranhas.
Eu não entendia porque
isso atacava tanto a ordem pública.
"Proibido colar cartazes", "Não cole nada aqui".
É muito mais bonito
todo esse emaranhado de letras,
textos incompreensíveis, do que os muros sujos.
Eu cheguei em Caracas em janeiro de 1955.
Comecei a trabalhar como fotógrafo de arquitetura
com o arquiteto Carlos Raul Villanueva.
E viajei por muitas partes da Venezuela,
também pelo interior.
Hoje dizem que há duas Venezuelas.
Há duas Venezuelas, especialmente do ponto de vista
político e ideológico.
Mas sempre houve duas Venezuelas. Percebi isso no dia em que cheguei.
Eu cheguei com um barco e a primeira coisa que vi
foi o porto de La Guaira,
onde havia, por um lado, as gruas, os transatlânticos
e os cargueiros cheios de mercadorias.
E em frente, as casinhas,
pequenas, que pareciam presépios.
Elas se pareciam com esses presépios
de Natal, com as ovelhinhas embaixo, e uma palmeira em cima.
E há a rodovia que leva a Caracas.
Para a época, era uma obra impressionante
de modernidade.
Mas 3 km adiante, em Baruta,
que agora é um bairro de Caracas,
você encontrava uma condição de vida realmente paupérrima.
Em Cuba, eu deixei de ser fotógrafo de arquitetura contemporânea
para me dedicar a um ensaio bastante amplo sobre Havana
e sobre a arquitetura popular em Cuba.
Depois de Cuba, vou para a Itália, volto para a Venezuela.
E, a partir de uns contatos que eu tinha em Cuba,
me contrataram para fazer um estudo sobre arquitetura na América Latina,
pré-colombiana, colonial e contemporânea.
Aí começou o meu outro trabalho
fundamentalmente com as capitais.
Armado com a minha câmera de médio formato,
uma 6x9 ou 6x6,
eu fotograva da melhor maneira possível os edifícios
com a ideia desta
linda e moderna arquitetura da América Latina.
Mas a realidade que me circundava o tempo todo
não tinha nada a ver com a modernidade.
Então, ao lado desta fotografia de arquitetura,
dos edifícios, etc.,
comecei a fotografar do que acontecia
ao redor desses edifícios.
Aí surgiu o outro livro,
Para verte mejor, América latina .
A partir daí... Parece que é a primeira edição
que traz uma ideia de conjunto desse continente.
Isto me impressionou muito.
Nesse livro, pela primeira vez eu vi refletido
o mundo cultural e social das metrópoles
da América Latina.
No começo dos anos 70,
quando eu lidava melhor com
a câmera e o laboratório de revelação,
fomos reunindo vários fotógrafos.
Cada um começava a fazer suas primeiras fotos,
seus primeiros trabalhos.
Aí estavam: Ricardo Armas, Luis Brito, Jorge Vall,
Alexis Pérez-Luna e eu.
Tínhamos um olhar,
digamos, comum. Nos interessavam os mesmos temas.
Juntos armamos, em 1976
uma exposição que se chamava A gozar la realidad ,
que era um tema irônico.
"Gozar a realidade", mas qual realidade?
A realidade dos desamparados, dos moradores de rua,
dos pobres, etc.?
Com essa exposição,
estivemos rodando por quase todo o país. Ela começou em Barcelona,
e depois foi para Mérida, e muitos outros lugares.
Esse "tour" durou quase dois anos, de cidade em cidade,
passando por escolas, centros culturais,
museus... Onde fosse.
Muitas vezes,
nas horas vagas do trabalho,
cada um de nós queria encontrar
os letreiros e símbolos mais interessantes.
Por onde íamos, ficávamos alertas,
a qualquer coisa que aparecesse.
Em Mérida, por exemplo, havia uma campanha turística
que dizia: "Mérida é sua, visite-a".
E um estudante escreveu: "Mérida é uma festança, todo mundo transa",
como outra forma de atrair o turismo.
E essa aqui foi tirada
dentro de um quartel militar, em La Guaira.
Se refere a Rosita, mas não se sabe quem é Rosita.
Pode ser uma mulher que dormiu com o regimento inteiro...
De repente percebemos que muitos de nós
tinham fotos de letreiros,
entre as fotos que havíamos tirado.
Era 1977.
Nos chamou a atenção
a inventividade, o humor dos venezuelanos.
Sempre se faziam entender.
Eu comecei a fotografar em 1964.
Eu tinha 17 anos.
Por circunstâncias familiares, consegui um trabalho nos estúdios Korda,
porque eles precisavam
de um assistente, como todos os estúdios.
Aí trabalhava Alberto Korda, um fotógrafo de muito prestígio,
reconhecido em Cuba como um dos melhores.
Portanto tive a sorte de aprender com um dos melhores mestres.
Estive aí até 1968, quando o estado cubano fechou o estúdio,
porque era um negócio privado
e todos os negócios privados tiveram que fechar.
E como o estúdio deixou de existir
passei a trabalhar na imprensa,
para a revista Cuba Internacional ,
que era uma espécie de Paris Match
ou de Life , ou de O Cruzeiro , no Brasil.
Assim foi a minha estreia
na imprensa cubana, e comecei a viajar por todo o país.
Sempre me chamaram a atenção
os cartazes e as propagandas
cujas mensagens eram um pouco contraditórias com a realidade.
E em outras ocasiões, achei interessante
registrar esses cartazes, porque refletiam um momento histórico.
Muitas dessas imagens ficaram guardadas
por anos, porque ainda não tinham um peso.
Mas hoje, 30 ou 40 anos depois,
elas vão conformando uma história,
ou servem para ilustrar momentos da história do meu país.
Evocações por vezes dramáticas, por vezes engraçadas,
às vezes até absurdas eram as coisas que se diziam.
O que mais me interessou foi a apropriação que as pessoas faziam
de certos dizeres oficiais,
às vezes em lugares absurdos, como o hospital psiquiátrico de Havana,
onde havia um mural, que era uma moda da época,
que dizia: "o melhor paciente do mês".
É uma transcrição absurda da política em vigor,
que sempre destacava os melhores trabalhadores.
Caía por terra o que no início se desejava significar,
como propaganda,
ou como uma maneira de promover uma ideia.
Desde o começo da revolução,
uma das metas fundamentais,
principalmente depois do discurso de Fidel Castro, "A história me absolverá",
era reivindicar, ou recuperar
as zonas agrárias, o campo, e não só as cidades
que eram as que supostamente já tinham mais desenvolvimento.
Mas essa filosofia que se buscava foi entendida em níveis absurdos.
Naquele momento eu não tinha consciência,
mas eu sabia que havia algo
que não parecia correto, que não me caía bem.
Por exemplo, nessa foto
em que vemos um senhor de idade, muito humilde,
com o jornal Gramma , cheio de orgulho,
com o título "Um cubano no espaço!", na primeira página
do jornal daquele dia. Era uma grande notícia
que um cidadão cubano fosse astronauta.
O que também era um grande paradoxo.
Na circunstância em que vivíamos em Cuba, nessa época,
faltava muita coisa, produtos elementares,
mas no entanto, havia um cubano no espaço.
Isso me pareceu muito interessante.
Eu tenho uma relação muito forte com a palavra escrita
Na verdade, antes de me dedicar integralmente
à pintura e às artes, eu escrevia.
Estive vivendo mais entre poetas
e escritores.
Eu penso que é daí que vem essa relação tão intensa
que meu trabalho tem com a palavra. Desde que comecei a pintar,
minhas primeiras investigações pictóricas,
estavam muito ligadas às palavras.
Sempre misturo imagens e texto. Me interesso por histórias em quadrinhos,
essa relação entre imagem textual
e imagem visual.
Eu comecei a estudar arte bem mais tarde.
Em Cuba, há um percurso acadêmico longo e efetivo
para estudar arte. Começa-se desde jovem.
Eu só entrei na universidade
depois de um período como autodidata muito intenso.
E acredito que esse foi meu primeiro momento de formação,
em que realmente assimilei meus interesses,
com relação à imagem e à escrita.
Somente quando entrei no Instituto superior de arte,
com 18 anos,
com as deficiências que eu tinha enquanto autodidata,
e problemas de formação
de quem vinha da cena underground,
sem bagagem acadêmica,
é que passei a me interessar por fotografia.
Encontrei na fotografia um bom substituto
para o interesse que eu tinha pela pintura.
Comecei a pensar sobre como a fotografia pode ser alterada
através do texto,
ou do espaço em que a imagem é exposta.
Passei a integrar debates sobre o tema da representação,
que é muito presente em toda arte conceitual,
desde os anos 1960, 1970.
E participei de muitas pesquisas
sobre o tema, não só na relação com a imagem fotográfica
mas sobre a relação com a própria natureza da imagem,
com a natureza do objeto representado.
Fin de silencio , que é um conjunto de obras
agrupadas sob este título, data de 2006, aproximadamente.
Muitas das minhas obras derivam de passeios urbanos.
A maneira que me relaciono com as cidades é muito importante para mim.
Me toma muito tempo caminhar por elas, entendê-las.
E, para mim, Havana é como um livro aberto,
meu laboratório essencial,
onde posso pegar e entender muitas referências.
São lugares que estive visitando desde que era criança.
Lojas antigas hoje abandonadas,
que foram sendo destruídas, ou desaparecendo.
Mas, como acontece em Havana,
permanecem alguns fragmentos, fragmentos vivos,
ou em vias de extinção,
dentro de uma cidade que ainda convive com seu passado,
e que se reinventa, que se reutiliza.
E uma coisa que me chama a atenção
é o estilo tipográfico desses lugares.
São fantasiosos, realmente. Foi a partir daí,
que percebi que, percorrendo grandes espaços de Havana,
encontram-se muitos textos,
que nos fazem questionar por quê.
Por que la general , el volcán ou la lucha ?
São títulos incríveis.
Há três fases: o momento dos desenhos com fios,
sobre as fachadas, depois os terraços,
e o que vai ser exposto na Fundação Cartier,
uma série de fotogravuras
com palavras inscritas sobre estas peças.
A série que escolheram
é composta por quatro fotografias
que fazem parte de um conjunto.
A série se chama Pyramid e eu trabalhei nela uns 2 anos, 2 anos e meio.
O que me pareceu interessante,
conforme o projeto foi se desenvolvendo,
é que justamente, às vezes há uma referência direta,
na tentativa de criar
uma revalorização do passado pré-hispânico.
Mas, na maioria das vezes, não. Quando vamos às regiões
tipicamente pré-hispânicas, como a Rota Maya,
o estado de Yucatán, ou o de Quintana Roo,
de repente encontra-se uma presença maior da arquitetura pré-hispânica.
Muitas vezes, inclusive,
como espetáculo para o turista.
Os hotéis, por exemplo, decorados com motivos pré-hispânicos.
Na série específica, que vai ser mostrada na exposição,
há grades que fui encontrando, que se referem de algum modo
aos desenhos pré-hispânicos, ou às grades pré-hispânicas.
Os lugares onde encontrei essas grades,
são habitados por gente rica.
A maioria das pessoas,
donas dessas casas com grades,
que remetem aos motivos pré-hispânicos,
com certeza nunca pensaram sobre isso.
Não é uma referência clara.
Nesse projeto, Pyramid ,
as fotos são de 50x60 cm.
Algumas fotos são um pouco maiores
mas eu queria regressar um pouco a esse tamanho clássico da fotografia,
em que a leitura é mais próxima.
A pessoa se aproxima do detalhe, não é o formato que o revela.
E conforme continuei trabalhando em outros projetos,
fui me apegando ainda mais a essa questão do tamanho.
Por uma série de motivos.
Um pouco por causa da educação clássica
que eu tive, por muitos anos.
O ponto de partida da série fotográfica Holbox
é uma viagem turística a esta ilha do Caribe mexicano.
Minha intenção, ao realizá-la, foi fazer
um registro em que as fotos decifram o futuro.
Uma série de documentos do porvir.
Uma decalagem no tempo, onde a equação do presente
multiplicada em direção ao futuro
representa o uso predominante do espaço:
a compra e a venda da terra.
A condição do mercado, sua permeabilidade e ingerência em uma ilha.
O tempo em função e à disposição do valor agregado
A especulação e a especialização do espaço
em um lugar fora do lugar.
Um paroxismo no espelho,
um turista em uma ilha inundada.
Paula e eu fomos
de férias, como turistas.
Era uma viagem para comemorar os 5 anos que estávamos juntos.
E o que vimos e conversamos
com os locais, foi justamente isso,
ver... a evolução,
ou melhor, a involução... da ilha,
nos últimos 6, 8 anos.
Enquanto passeávamos pela ilha,
fomos descobrindo essas placas de "Vende-se".
Entendemos que a ilha, literalmente,
estava à venda,
com todas as contradições que ocorrem lá.
Essa ilha é uma espécie de refúgio,
mas, ao mesmo tempo, ela é assimilada
pelo fluxo da economia mundial.
Porque essa ilha
está sendo vendida como pão quente.
Se estamos em uma cidade de 25 milhões de habitantes, como aqui,
é comum ver placas de "vende-se", "aluga-se", etc.,
é completamente normal.
Mas quando estamos
em uma ilha de 500 habitantes,
há um choque,
que torna interessante
esse registro, esse inventário de fotos.
Eu gosto de pensar sobre essa série como um inventário, um levantamento do lugar,
levando em conta esse jogo, do tempo que avança.
Seria interessante voltar lá, daqui a 10, ou 15 anos
e fotografar os lugares onde estavam as placas,
já com casas, hotéis, etc.
Eu sempre fotografei em preto e branco.
Tive a chance de trabalhar com Álvarez Bravo, como assistente.
Quando eu era pequena, fiz algumas fotos com uma camerinha,
porque meu pai era fotógrafo amador.
Comecei a estudar cinematografia.
Primeiro eu queria ser escritora, mas me casei muito jovem,
tive 3 filhos, e com 26 anos comecei a estudar cinema, no CUEC.
Foi lá que conheci Álvarez Bravo, que dava aula de fotografia fixa.
E como eu tinha um livro dele, por acaso,
de uma exposição que ele tinha feito nas Olimpíadas,
pedi a ele que me fizesse uma dedicatória.
Eu já era casada, tinha meus filhos.
Perguntei se eu podia acompanhar a aula, e aprendi com ele.
Depois ele me pediu para ser sua achichincle .
Achichincle , em Nahuatl, é quem ajuda o pedreiro,
que traz o cimento.
Claro que aceitei!
Então eu o acompanhei
e vi como ele trabalhava com o preto e branco.
Eu já gostava de preto e branco, mas comecei a gostar ainda mais.
Eu me acostumei.
Me apaixonei totalmente pelo preto e branco.
Nunca me interessei por cores.
Mas no caso da Frida Kahlo, não sei por que,
decidi levar uns filmes coloridos
e fazer fotos também em cores.
Vou contar para vocês a história do banheiro de Frida Kahlo.
Quando Frida Kahlo morreu, em 1954...
ela já estava muito doente.
Muita gente disse que ela provavelmente tomou uma dose a mais de Demerol,
que corresponde à heroína,
porque já não aguentava mais as dores.
Isso é o que dizem, mas não se sabe.
Acho que ela tinha que tomar muitas doses para suportar a dor.
Então, Frida morreu em 1954.
Perto de seu quarto, descendo as escadas, havia um pequeno banheiro.
Quando Frida morre, Diego Rivera ordena
aos diretores do museu, que fechassem esse banheiro,
porque ele continha pertences de Frida.
Coisas pessoais, como seus espartilhos, sua prótese,
seus brincos, seus huipiles ,
a roupa que ela sempre usava, que é uma roupa
tradicional mexicana.
Ainda que ela usasse também capas francesas.
Ela tinha muitos sapatos, para a prótese.
Mas, o banheiro foi fechado por 15 anos.
Dolores Olmedo,
a diretora da Fundação, que é uma senhora muito rica,
também não quis abrir o banheiro.
Depois que morre Dolores Olmedo,
depois de 50 anos da morte de Frida, o banheiro é finalmente aberto.
As únicas salas que haviam ficado fechadas na casa,
foram dois banheiros, por 50 anos.
Um deles guardava os segredos de suas cartas e seus amores,
e o que eu fotografei era o banheiro da dor.
Foi muito impressionante, me convidaram para fotografar roupas dela,
e eu disse não, porque não fazia fotos em estúdio.
Mas percebi o que havia aí.
Foi muito forte, porque tudo estava fechado, o cheiro era terrível.
E aí estavam os seus espartilhos, próteses.
Havia também muitos cartazes políticos,
de Lênin, de Stálin.
E havia um armarinho empoeirado, com suas coisas pessoais.
Quando eu vi todas essas coisas,
fiquei muito impressionada. Ainda mais pelo cheiro forte.
Era como tocar a dor dessa mulher.
Quando entrei no banheiro,
eu interpretei
todos os objetos, colocados no mesmo banheiro.
Alguns estavam na banheira,
outros eu mesma pendurei, no banheiro.
Depois de fazer essa série,
eu fiz um pequeno livro sobre Frida Kahlo,
e um outro na Itália,
com pequenos textos.
para contar o que eu tinha feito
nessa primeira entrada no banheiro de Frida, que continuou vetado depois.
O livro é um suporte
antigo, que as linguagens visuais recuperaram,
e que possibilita construir um discurso.
Eu trabalhava com uma camerinha 35mm
com uma só lente, discreta.
Ainda era fotografia ***ógica.
E então eu pensava,
se é vertical, funciona bem, se é horizontal, tem que ser página dupla.
Isso me levou a um tipo de composição.
E a imagem clássica resultante disso
quero mostrar para vocês.
Ela se chama Volando bajo .
Eu me deparo com esse cara,
que está na frente de um muro. É um tipo magro.
E logo vejo aquele mural magnífico: Sex Pistols!
Com uma pistola.
E ele, para averiguar o que estava acontecendo,
sobe numa pequena mureta que nos divide,
dá um impulso, para ver quem era o cara com a câmera,
e nesse instante... clic!
La Última ciudad é um projeto que desenvolvi
ao longo de uma década.
Era um período em que todos nós fotógrafos
estávamos interessados nas comunidade indígenas,
na situação rural,
e somente os jornalistas,
é que cobriam as cidades.
Por outro lado, havia uma tradição, no México,
e penso particularmente em Nacho López nos anos 50,
com Yo, el ciudadano ,
que fez, por vários anos,
uma série de reportagens que logo viraram livro.
Eu tinha essa referência.
E de repente, como admirador do trabalho de Nacho López,
decidi começar a documentar a cidade.
Era onde eu morava, não teria que me deslocar.
Eu queria me confrontar com esta "mega urbe",
que é na verdade é horrorosa
e gigantesca, sem fim.
Passei muitos anos para realmente entender
que não se tratava de descrever a cidade
mas sim de evocar essa experiência
que implica andar passeando, vagando, pela Cidade do México.
Efetivamente,
eu pude descobrir, através da fotografia,
e do meu interesse
pela fotografia, a própria América Latina.
Desde os anos 70, quando emergiram os fotógrafos latino-americanos,
eu percebi que
conhecíamos estes fotógrafos latino-americanos
através de Nova Iorque, Europa, Espanha.
Não estávamos em contato direto.
Eu via a fotografia brasileira
nessas metrópoles, não entre nós mesmos.
Então veio essa vontade de
quebrar isso e gerar uma comunicação direta.
Assim que surgiram os colóquios latino-americanos de fotografia.
Percebemos a enorme familiaridade
até então desconhecida, que nos unia.
Paris é mais próxima da Cidade do México que Buenos Aires.
Geograficamente, as distâncias são enormes.
Mas do ponto de vista cultural,
e sobretudo linguístico,
as afinidades são tão profundas,
que com certeza aparecem
entre os fotógrafos.
A problemática dos fotógrafos uruguaios, chilenos, mexicanos ou cubanos,
tinha muito mais coisas em comum do que com as cidades
com as quais todos tentavam estabelecer contato.
Isso nos abriu um universo super interessante.
E nos perguntamos: "como é possível
que não tenha se realizado a unidade latino-americana"
É verdade que Buenos Aires é longe. Mas no caminho há os outros países.
Poderíamos criar uma cadeia
e estabelecer mecanismos que nos permitissem
ter uma comunicação mais próxima.
E isso segue sendo um enigma.
Porque já se passaram 30 e tantos anos e continuamos
vinculados às metrópoles, porque ficamos por dentro de tudo.
Recebo mais convites para viajar, dar conferências,
ou fazer uma exposição,
de Nova Iorque, Madri, ou Milão.
Enquanto que em Buenos Aires, há anos estamos
negociando para que eu dê uma oficina.
É muito mais complicado.
Segue existindo esse paradoxo.
Culturalmente há muitos vínculos na América latina,
mas também há uma espécie de vazio, em termos de contato.
E de repente aparecem as redes sociais, a comunicação digital,
que abrem novas possibilidades. Ou seja, houve mudanças
nesta última década.
E, mais uma vez, voltamos a encontrar essa maravilha...
Mesmo com os brasileiros eu falo espanhol,
eu escrevo em espanhol e eles me respondem em "portunhol".
Eles já sabem as coisas que não vou entender,
e encontram um jeito de expressá-las.
Então já não sei mais que língua estou falando.
Há uma comunicação fluida,
por uma série de raízes comuns
que temos desde o século 16,
quando a Europa descobre a América.
Estes 4 séculos construíram uma relação entre nós.
E hoje, com essas novas ferramentas, pode-se notar uma mudança
notável.
Na verdade, é fenomenal, divertido, estimulante.
Bom, tomamos um café?