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COM A COLABORAÇÃO DE INÚMEROS OUTROS APRESENTAM
''BERLIN ALEXANDERPLATZ''
BASEADO NO ROMANCE DE ALFRED DÖBLIN
FILME EM 13 PARTES E UM EPÍLOGO...
DE RAINER WERNER FASSBINDER
Uma quantidade incrível de capital é desperdiçada no mundo.
Nos EUA, deixam o trigo apodrecer.
-Colheitas inteiras, sabia? -Claro. Todo mundo sabe.
A Austrália é muito mais louca. Há lagartos pré-históricos...
enormes.
Vivem em charcos, em pântanos.
Ninguém sabe do que vivem. Ninguém.
Veja aquele sujeito.
O figurão. Ele é o chefe aqui.
-Qual? -Aquele todo bem vestido.
O nome dele é Pums. Nome esquisito, não?
Quem é aquele que está ao lado dele, cochichando?
É Reinhold.
Trabalha lado a lado com ele.
Ninguém sabe ao certo o que ele faz.
Meck.
PARTE 5: UM CEIFADOR COM A VIOLÊNCIA DE NOSSO SENHOR
Venha, ele quer conhecê-lo. Quer cumprimentá-lo.
Claro, por que não?
-Mais uma cerveja, por favor. -É pra já.
Nosso amigo Meck me falou muito a seu respeito.
É mesmo?
Sempre voltava a falar do amigo Biberkopf.
Diga-me, em que ramo de negócios trabalha?
Vou voltar a vender jornais.
Bem, não tenho nada contra jornais.
Mas talvez...
possamos fazer algum negócio juntos.
Lido basicamente com frutas.
Por que não?
-Tudo depende do lucro. -Tem razão.
Toda razão.
Tudo depende do lucro.
Também acho.
Cuidado, esse homem não me parece muito confiável.
Conhecem aquela do americano que casou...
sem desconfiar de nada...
pensando que a esposa era branca, e descobriu que era negra?
''O quê?'', disse ele. ''Você é negra''. E ele a chutou.
Se digo que bebi sete cervejas, é porque bebi sete, não oito.
Ora, vejam!
Pronto.
Ele deve ser maluco.
Não se aborreça, Max. Prepare dois duplos.
É pra já.
Prontinho.
Saúde, Meck.
-Será que ele é comunista? -Quem?
Aquele altão com a loira.
Parece que tem tuberculose.
Deviam colocá-lo num sanatório e não deixá-lo solto assim.
O que é que ele faz?
O mesmo que nós.
Frutas, basicamente.
Frutas também.
Que olhos tristes ele tem.
Ele com certeza já esteve preso.
Ei, venha aqui.
Vá lá. Nunca se sabe o que podem estar querendo.
Ele deve estar pensando que eu também estive preso.
Aposto como é isso que ele está pensando.
Sim?
Apostei como você já esteve preso.
Além do mais, apostei...
que, quando me viu, pensou que eu também estive preso.
E você está certo. Quatro anos em Tegel.
Agora você sabe.
O que me diz?
Sinto muito.
Não estive preso.
Nunca.
Já fui politicamente ativo...
quando era moço.
Queríamos explodir uma fábrica de gás.
Mas fomos dedurados.
Só que não me pegaram.
-E o que faz agora? -Comércio de frutas, por exemplo.
Ajudo às vezes.
E se não há nada, vivo do seguro social.
Mais alguma coisa?
Não, era só isso. Obrigado.
Estranho.
A maioria aqui trabalha no comércio de frutas. Frutas.
E parece que ganham bem.
É muito simples. Pums nos fornece.
Pums é o nosso atacadista.
Não.
Prefiro ficar com meus jornais.
Você que sabe.
Cada um sabe o que faz.
Meu Deus, Sr. Biberkopf! Que coisa boa!
Ouvi dizer que posso voltar para o meu quarto...
para minha oficina. Meck me contou.
Sim, é isso mesmo. Venha, entre.
Nada mudou. Não toquei em nada.
Está tudo como o senhor deixou.
Só a Srta. Lina veio buscar as coisas dela.
Fora isso, está tudo como antes.
Muito obrigado.
Bobagem. Não precisa agradecer.
Talvez não.
Meu Deus!
Esperei três horas por você. Fiquei pensando quando viria.
O quê? Três horas? Sinto muito.
Não se preocupe. Você não sabia que eu estava aqui.
-Sou uma burra. -Não fale assim.
Você não é uma burra.
Mas não era preciso pagar meu aluguel.
-Não era preciso mesmo. -Bobagem. O quarto é tão barato...
não me custou nada.
Além do mais, fui tão feliz neste quarto com você.
Sim.
Mas neste mesmo quarto...
também vivi com Ida.
E foi aqui...
que eu bati nela...
e que eu a matei.
E depois, Lina esteve aqui.
E eu morei aqui com Lina.
Com Lina.
Venha, Franz. Vamos fazer de novo.
-Só mais uma vez. -Não!
Por favor.
-Não. -Por que não?
Não é mais como antes. É só pelo prazer.
Porque eu não consigo lhe esquecer.
Também não quero que seja como antes.
Há muito tempo eu compreendi que você não quer mais...
que não quer ser um cafetão. Mas não importa.
Isso é completamente diferente.
Está bem.
''Governo trabalhista em Oslo é derrubado''.
''Fim da corrida de seis dias em Stuttgart''.
-''Fim da corrida de seis dias''... -Mãos ao alto!
Meu Deus! Que susto! Estão indo passear?
Só dando uma volta.
Fränze queria ver umas vitrines.
Você a conhece.
Você a viu naquela noite.
Olá.
Se pode comprar coisas, pode olhar as vitrines.
É verdade.
Quando se olha vitrines e não se pode comprar nada...
dá tristeza.
-Está frio hoje. -Sim, está bem frio.
Vai passar lá hoje à noite?
-Sim. -Que bom.
Poderemos beber juntos. Muito bom.
Agora venha.
-Até hoje à noite. -Até hoje à noite.
-Até mais. -Até mais.
''Governo trabalhista em Oslo é derrubado''.
''Governo trabalhista em Oslo é derrubado''.
''Fim da corrida de seis dias em Stuttgart''.
''Governo trabalhista em Oslo é derrubado.''
Ah, é você!
-Será que teria um momento? -Não.
Terá que esperar, estou muito apertado.
E quando começo a mijar, não paro nunca.
Fique à vontade. Posso esperar.
Essas mulheres.
Essas mulheres idiotas e loucas.
Só dão aborrecimento. São todas a mesma merda.
É sempre a mesma merda com as mulheres.
Rapaz!
Você leva as mulheres realmente a sério.
Não pensava isso de você.
Que quer dizer com ''a sério''? Você conhece Fränze...
aquela que está sempre comigo. Você já a viu, não?
Claro, a moça com quem você sempre está.
Exato.
Ela é a mulher de um cocheiro que trabalha numa cervejaria.
E Fränze o deixou, entende?
Ela o abandonou por minha causa.
E o que mais você quer?
O que mais pode fazer uma mulher? Deixar o marido pela gente!
Mas é justamente isso.
Não a quero mais.
-Nem posso mais olhar para ela. -Então mande-a passear.
É justamente isso que é difícil.
As mulheres não entendem, nem por escrito.
Você já disse por escrito?
Eu já disse cem vezes.
Mas ela diz que não entende...
que devo estar louco, que ela não entende.
Tenho que ficar com ela...
até que eu arrebente, ou sei lá.
Sim, quem sabe?
Está vendo? É isso que ela diz.
Não seja tão imbecil.
Realmente, não consigo entender.
Você é um sujeito tão destemido...
que quis dinamitar uma fábrica.
Mas num caso bobo como esse, fica cantando a marcha fúnebre.
Não entendo você.
Tire-a de mim.
O que devo fazer com ela?
Você pode mandá-la passear.
Está bem.
Vou tirá-la de você.
Pode contar comigo.
Mas você vai acabar de fraldas se não tomar cuidado.
Obrigado, Franz.
Eu sabia que podia contar com você.
Claro que primeiro terá que experimentá-la.
Mas você vai gostar.
Ela é bem boazinha.
Amanhã, na hora do almoço, eu a mandarei até sua casa.
Mandarei algo para ela lhe entregar.
Então você avança.
Sei que você vai conseguir.
Não é problema para as mulheres. Você consegue.
Então, quando ela quiser voltar para casa...
não estarei lá.
Ela não tem a chave, então vai me procurar.
Mas não encontrará em parte alguma.
Além disso, estará com a consciência pesada.
O que ela vai fazer?
Vai voltar para você, assim eu me livro dela.
Se os corredores estiverem preparados...
e os árbitros a postos. A tensão aumenta.
Entre.
A moça voltou. Aquela da hora do almoço.
Diz que precisa falar com você. Está toda alvoroçada.
Posso chamá-la?
Mande-a entrar, Sra. Bast. Deve ser Fränze.
Não é engraçado? Ela se chama Fränze, e eu, Franz.
Você vai gostar dela.
-Mande-a subir. -Como quiser.
Entre, senhorita. O Sr. Biberkopf vai recebê-la.
Ele tem um ótimo coração, eu sempre digo isso.
-Franz. -Fränze, por que está chorando?
O que aconteceu?
Sra. Bast!
Quando saí daqui, fui para casa.
Vi que não estava com a chave, então toquei a campainha.
Reinhold não abriu. Pensei que ele estivesse bebendo.
Então fui a todos os bares onde ele poderia estar...
onde estivemos juntos.
Normalmente, ele não bebe. Só raramente.
Mas quando bebe, ele bebe de verdade...
e eu achei que o encontraria. Mas não o encontrei.
Voltei para casa e fiquei tocando a campainha...
mas ninguém abriu. Então vi minha mala na porta.
Então pensei em voltar aqui.
Por favor, pare de choramingar.
Dói-me o coração ver uma moça chorar.
Fränze, por favor.
Você contou a ele...
sobre hoje de manhã?
Meu Deus, como pode pensar isso de mim?
Deveria se envergonhar.
Primeiro, nem vi o Reinhold e, segundo, jamais faria isso.
De jeito nenhum.
Jamais.
Tem razão, Franz. Eu deveria me envergonhar.
Você jamais faria isso. Perdoe-me, por favor.
-Está perdoada. -Obrigada.
Mas o que vou fazer? Pelo amor de Deus, o que vou fazer?
Aquilo que deve fazer. O mais sensato.
O mais sensato.
Sim, mas o que seria o mais sensato, Franz?
O mais sensato é ficar aqui comigo.
Quer ficar na rua de noite com esse frio? Você pode morrer.
É tão bom estar com você! Tão bom!
Está vendo?
Nós combinamos um com o outro.
Assim. E assim também.
Sim, nós combinamos, Franz.
Principalmente porque você se chama Fränze e eu, Franz.
Vou te contar o que direi a Reinhold.
''Reinhold'', direi. ''Não se preocupe comigo...
não preciso mais de você, eu tenho outro.
E não é da sua conta quem é''. Vou dizer tudo isso.
''E gosto muito mais dele do que de você. Muito mais''.
Ele estava estranho comigo há muito tempo.
Fränze tinha um coração flexível...
embora fosse totalmente alheia a isso até agora.
Ele observava como ela se estabelecia com ele.
Ele conhecia bem essa linha.
No início, as mulheres cismam com cuecas e meias furadas.
Mas Fränze limpava as botas todas as manhãs.
Obrigado.
Este é Franz, meu melhor amigo...
de quem já lhe falei muito.
E então? Olhando vitrines de novo?
Hoje não.
Estamos só dando um passeio, sem rumo.
Cilly, vá ver as vitrines. São móveis modernos.
-Você se interessa. -Não estou disposta...
-a ficar vendo móveis hoje. -Cilly, por favor.
Por que devo olhar móveis, se não estou com vontade?
Cilly, por favor, vá ver vitrines.
Essas mulheres não se acostumam a fazer o que mandamos.
Normalmente, adora vitrines. Ela me dá nos nervos...
de tanto querer ver as vitrines.
Ela é sensacional, essa sua ''nova''!
Parece uma artista de cinema.
Ela se chama Cilly?
Pelo menos é o que diz. Mas sabe-se lá!
Mas não importa. Queria lhe perguntar uma coisa.
-Já mandou Fränze embora? -Não.
Fränze é bem bonita.
E muito boa na cama.
Além disso, sabe cozinhar e lavar a roupa.
Mas você prometeu mandá-la embora.
Ainda é cedo, Reinhold.
Não quero uma mulher nova antes da primavera.
E já reparei que Fränze não tem roupas de verão.
E não poderei lhe comprar.
Ela terá que ir embora no verão.
O que quero dizer, Franz...
é que Fränze já está usando praticamente trapos.
O que ela usa não é para o inverno. É mais para meia-estação.
Tudo errado para as temperaturas que temos agora.
Não se pode prever o tempo, Reinhold.
-Nunca se sabe como será. -Acho que vai gear, Franz.
É isso que eu acho. Uma geada muito forte.
E veja Cilly.
Ela tem uma pele de coelho.
Veja.
Ah, sim, então é isso.
Entendi.
Mas o que quer que eu faça com uma pele de coelho?
Já tenho uma em casa. O que farei com duas?
Os negócios não vão tão bem assim. Como me virarei sem roubar?
Eu disse alguma coisa sobre duas?
Como posso querer isso? Você não é turco.
-É isso que estou dizendo. -Quem disse que é para ter duas?
Também poderiam ser três. Vamos, mande-a embora.
Ou será que você não tem ninguém para ela?
Você não conhece ninguém que gostaria de ter Fränze?
Como assim, alguém?
Outro homem poderia ficar com Fränze.
Meu Deus, como você é malandro! Tenho que tirar o chapéu.
Poderíamos abrir uma rede. É bastante inflacionário.
E por que não?
Há mulheres de sobra por aí.
Até demais.
Você tem amigos esquisitos. Muito esquisitos mesmo.
-Você não quer se casar de novo? -O quê?
Você larga a mercadoria para me perguntar isso?
Não sei, Franz.
Lotte está morta há...
deixe-me ver...
Faz seis anos.
Lotte está morta há seis anos.
E faz seis anos que moro sozinho.
-E como é? -Como é?
Eu cuido de mim.
Limpo a casa, dou um jeito.
Procura dar um jeito? Então eu lhe pergunto...
-como está a sua casa? -Nem sempre tenho tempo.
E nem sempre estou com vontade.
Quanto a cozinhar...
prefiro comer fora.
Mas é mais caro.
Claro que é mais caro, mas a vida é assim.
Não, a vida não precisa ser assim.
Se você tivesse uma mulher, ela cuidaria das suas coisas...
lavaria sua roupa, cozinharia para você.
Claro, tem suas vantagens.
Mas quando começam as brigas e os problemas...
você se pergunta o que é realmente melhor.
Quem diz que é preciso haver briga e discórdia?
Quem diz?
Pode ser que ela cuide...
daquilo que deve ser cuidado...
cozinhar e limpar aquilo que deve ser cozinhado e limpo...
sem brigar, trazendo um pouco de vida ao lar.
Não poderia ser assim?
Não imagina que pudesse?
Um ''Bundschuh''.
-Não imagina isso? -Bem, olhando desse jeito...
se houvesse uma garantia...
que não haveria brigas e discussões...
Eu já tive isso. Já tive a minha cota.
-Por que está perguntando isso? -Porque tenho uma para você.
-Como assim? -Eu tenho uma para você.
-Obrigada. -Por nada.
Olá, cavalheiros.
Pronto.
-Você que fez esse café? -Claro que fui eu que fiz.
Isso não é café, Fränze.
É água suja.
Como?
Eu disse que isso não é café.
É água suja.
Não é água suja. É café.
Se eu digo que é água suja, Fränze...
é porque é água suja...
e não café. Entendeu?
E eu digo que é café e não água suja.
Logo hoje que temos visitas, Fränze...
você serve água suja?
Eu já disse, Franz. Não é água suja.
Aliás é um café excelente, um café mais forte.
Também não acho que seja água suja.
Pelo contrário, é um café muito bom.
Está vendo? Você mesmo ouviu, é café.
É um café muito bom, e não água suja.
Está bem, como quiser.
Se ele acha que o seu café é café mesmo...
e não o que realmente é, água suja...
então faça café para ele.
Se ele acha que sua água suja é café, então faça para ele.
Por favor, não precisam se alterar...
por causa de um café.
A questão não é se isso é café ou água suja.
Nós nunca temos visitas, nunca.
E hoje, quando finalmente temos uma visita...
ele põe isso na mesa.
Ela ousa pôr isso na mesa.
Mas, Franz, o café está gostoso. Está mesmo.
Então, por favor, leve-a. Leve-a!
Não vou agüentar isso.
Dê o fora, se não agüenta.
Junte suas tralhas e desapareça.
Pois não, Sr. Biberkopf!
Não é preciso que me diga duas vezes. Entendeu?
Isso você só precisa me dizer uma vez.
Assim espero.
Espero que só tenha que dizer uma vez.
Junte suas porcarias e dê o fora. Dê o fora!
Por mim, pode ir com Ede.
Vá fazer café ou o que quer que seja com ele.
Vou ficar contente se não tiver que comer sua comida.
-Mas, Franz, realmente... -Não amole.
Por favor, senhorita, seja razoável.
-Brigar assim por causa de um café! -Ouviu o que ele disse?
Disse para eu sumir. Sumir!
Se é isso que você quer, que seja assim!
Ele é um miserável, um monstro nojento e imundo.
Minhas xícaras. Está quebrando minhas xícaras.
Você sabe muito bem que não tenho muitas.
Vou lhe comprar uma xícara e mandar entregar para você.
Faça isso. Compre e mande me entregar.
Senhorita, por que está fazendo isso?
Não agüento mais.
-Não suporto ser tratada assim. -Tem toda razão, Srta. Fränze.
Tem toda razão.
Mas uma pessoa pode ficar nervosa.
As coisas podem ir longe demais, e, desta vez, foram.
-Isto é seu também. -Obrigada.
Esta foto é sua. Esta porcaria de livro também.
Ande, arrume suas coisas.
Essa sua tralha também me dá nos nervos.
Sinceramente, Franz, não entendo você.
Pouco me importa se você me entende ou não.
Espere, Sra. Fränze.
-Levarei sua mala. -Obrigada.
Seu porco, seu nojento. Seu nojento.
Aprenda a falar direito antes de se meter comigo.
Aprenda a falar direito, sua burra!
Agora chega. Vamos embora.
Porco nojento.
Pode entrar, Sra. Bast.
O que fez, Sr. Biberkopf? Uma moça tão simpática! E tão prestativa.
Ela cerzia suas meias, pregava seus botões, costurava suas cuecas.
Ela se dedicou muito ao senhor.
Tem toda razão, Sra. Bast. Ela é uma boa moça.
Ela é mesmo uma boa moça.
Eu gostava muito dela.
Gostava muito dela mesmo.
Não quer se sentar? Tome um café comigo.
Com prazer.
Obrigada.
-O café está bom, não? -Claro. Fui eu que fiz.
A senhora acha que não o notaria? Conheço o seu café.
Não estou entendendo.
A briga foi por causa do café.
Fiquei lá fora pensando: ''O que será que ele quer?
O café está exatamente como ele sempre gostou.
Deve ter acontecido alguma coisa''.
Sim.
Eu também diria isso.
Deve ter acontecido alguma coisa.
E ela era uma moça muito simpática...
e muito esforçada.
Acho que tocaram a campainha.
Deve ser a Fränze.
Ela recobrou a calma e veio esclarecer as coisas.
Pode ser...
-mas pode também não ser. -O senhor é um monstro.
Há uma mulher lá fora dizendo que tem algo para lhe entregar.
Uma mulher? Com algo para mim?
Sim, uma mulher com uma entrega.
Mande-a entrar.
Pois não, Sr. Biberkopf.
Entre, senhorita.
Olá, Sr. Biberkopf.
Reinhold me enviou.
E trouxe uma encomenda dele?
Que bom.
Deixe-nos um instante a sós.
Só um instante.
Claro, Sr. Biberkopf. Claro que eu os deixo a sós.
Bem...
O que foi, meu bem?
Está com alguma dor?
Algo errado?
Não, não há nada, Sr. Biberkopf.
Vim lhe entregar esta gola de pele. Tome.
Que elegante.
Onde ele arruma essas coisas bonitas?
Na última vez foi só um par de botas.
Botas na última vez, agora uma gola de pele.
Você deve ser muito amigo de Reinhold.
Meu Deus!
De tempos em tempos, ele me manda alimentos, roupas...
que não precisa mais.
Como disse, a última vez, ele me mandou botas.
Espere. Quero que as veja.
Aqui. Veja, Srta. Cilly.
São estas que ele me mandou.
O que me diz? São verdadeiras galochas.
Cabem três homens dentro delas, pelo menos.
Três homens.
Venha aqui.
Venha.
Coloque seu pé aqui.
Está vendo? É muito simples.
É só enfiar os pés em botas como estas...
Ande.
Fique assim. Está tão bonita! Não se vire.
Parece um chão liso.
Deslize, Srta. Cilly. Vou entrar também.
Eu não disse que havia lugar para três?
Isso!
Reinhold está esperando por mim.
Mas não conte nada a ele.
Por favor, por favor!
Como eu poderia, meu bem?
Eu jamais faria uma coisa dessas.
Você não faria. Não faria.
Um ceifador que se chama morte
Tem o poder do Senhor
Olá?
-Quem está aí? -Hoje ele afia a faca.
Ela já está cortando melhor. Teremos que padecer.
Olá, Reinhold. Não esperava vê-lo hoje.
-Como está? -E como poderia estar?
Tem planos para esta noite?
Nem passou um mês. Já está na hora?
Não, não é isso.
Bem...
Cilly está esperando por mim em casa.
Mas ela já está acostumada com minha falta de pontualidade.
-Então venha. -Aonde?
-Até a casa do Walter para beber. -Não, não tem nada de beber.
Não vamos beber?
Deixe que seja surpresa.
Ninguém há de negar que o leite...
seja um nutriente valioso para crianças, principalmente bebês.
É também recomendado para fortalecer os enfermos...
principalmente quando aliado a outros nutrientes.
Um outro alimento...
infelizmente não muito apreciado, é a carne de carneiro.
Assim, não há nada contra o leite...
mas a propaganda não deveria assumir formas grosseiras.
Eu fico com a cerveja.
Não há o que se dizer contra uma cerveja bem armazenada.
Quer saber aonde vamos?
Não necessariamente, mas se quiser me dizer.
-Ao Exército de Salvação. -O quê?
Sim, o Exército de Salvação...
Rua Dresdner.
Deus, agradecemos por estarmos aqui reunidos em Teu nome...
Na Landsberger Strasse, em Friedrich Hahn...
na antiga loja de departamento, estão fazendo uma liquidação.
Venderam tudo.
Ali param os trólebus e o ônibus 19: Turmstrasse.
Lá onde havia a papelaria Jürgens...
demoliram a casa e construíram uma cerca.
Ali há um velho com uma balança.
''CONTROLE SEU PESO POR 5 CENTAVOS''
Caros irmãos que correm pela praça...
olhem por esta fresta...
para esse entulho...
onde florescia a Jürgens, e onde ainda existe a loja Hahn...
esvaziada, despejada, destripada...
com trapos vermelhos nas vitrines.
Diante de nós, há um monte de lixo.
Do pó viestes, ao pó retornarás.
Construímos uma casa maravilhosa...
e agora nem uma alma entra nem sai.
Assim terminaram Roma, Babilônia, Nínive, Aníbal, César.
Tudo arruinado. Pense nisso.
O que eles vão fazer agora?
Eles foram chamados para o banco dos pecadores.
O banco dos pecadores.
Entende?
Primeiro reparo...
que essas cidades estão sendo desenterradas.
Segundo, elas cumpriram sua função.
Novas cidades podem ser construídas.
Não se chora por calças velhas.
Você compra outras. É disso que o mundo vive.
Reinhold!
Reinhold!
O que aconteceu?
O que houve?
Por que saiu correndo?
Tenha cuidado com esses sujeitos.
Eles fazem sua cabeça.
Vencem sua resistência, e você acaba aceitando tudo.
Espere um pouco.
Não comigo. Elas teriam que nascer de novo para me enganar.
Quero me livrar das mulheres.
-Estou farto. -É uma pena.
Já estava ansioso pela terceira.
Você acha que gosto de procurá-lo...
pedindo que leve Trude, a loira, de mim?
Não, nessa base.
Não tem problema para mim. Por que deveria ter?
Pode contar comigo.
Por mim, pode me mandar mais dez mulheres.
Encontraremos lugar para todas elas, Reinhold.
Deixe-me em paz com as mulheres.
Não quero nada com elas.
Se não as quer, deixe-as em paz. Cuidaremos delas.
Cuidarei da atual.
Depois você pára com tudo.
Duas vezes dois são quatro. Se é que sabe fazer contas.
Não tem o que ficar olhando.
Rapaz, que olhar estúpido.
Se quiser, pode ficar com essa última.
O que me diz?
Já estive aqui duas vezes, no Exército de Salvação.
Até já falei com um deles.
Faço minha doação.
Fico concentrado.
E depois eu caio.
E daí?
Eu enjôo das mulheres.
Você bem vê.
Depois de quatro semanas, acabou.
Não gosto mais delas.
No começo, fico tão louco...
que você nem imagina. Completamente louco.
A ponto de ser internado.
Depois...
nada.
Ela tem que sair.
Não a suporto mais.
Eu pagaria para não ter mais que vê-la.
Meu Deus.
Talvez você esteja mesmo louco.
Por isso fui ao Exército de Salvação.
Falei com um sujeito, contei tudo.
Rezei com um deles.
O quê?
Você rezou?
Quando você está assim e não sabe o que fazer...
E ajudou.
Por seis semanas. Talvez oito.
Pensamos em outra coisa. Botamos a cabeça em ordem.
Ajuda.
Reinhold, talvez...
Talvez você deva ir ao hospital.
Talvez não devesse ter saído da sala assim.
Podia ter se sentado no banco dos pecadores.
Não precisava se envergonhar de mim.
Não quero mais.
Não tem sentido. É tudo bobagem.
De que adianta me arrastar aí e rezar?
Não acredito nisso.
Posso entender.
Se não acredita, não adianta.
Não sei como eu poderia ajudá-lo.
Precisa pensar.
Talvez precise de algo que lhe dê nojo das mulheres para sempre.
Algo assim.
Eu poderia vomitar só de pensar em Trude.
Mas amanhã...
ou depois...
é só olhar para mim e ver...
quando Guste...
ou Nelly, sei lá como se chama, quando ela aparecer.
Deveria ver o velho Reinhold com suas orelhas vermelhas.
Quando ele precisa tê-la.
Mesmo que isso signifique gastar todo o dinheiro com ela...
você tem que tê-la.
Um ceifador que se chama morte
Tem o poder do Senhor
Em breve, ele vai começar a ceifar.
Adivinhe quem eu encontrei.
Nem quero saber.
Encontrei Reinhold.
Reinhold?
O que ele contou?
Muita coisa.
Muita, muita coisa.
Você deixa que lhe contem qualquer coisa...
e acredita em tudo.
-Não seja assim, Cilly. -Eu vou embora.
Primeiro, espero três horas por você...
e você vem com conversa fiada.
Só quero que você me diga uma coisa.
Mas o que há?
Não estou entendendo mais nada.
É muito simples.
Apenas me conte algo sobre Reinhold.
Está bem.
Se é isso que você quer.
Vou lhe falar dele.
Esse homem, o Reinhold...
ele não é nem amante...
nem cafetão.
Ele simplesmente não é homem.
É só um vagabundo.
Passeia pela rua feito um pardal...
ciscando e catando mulheres.
Há uma dúzia delas que poderiam lhe falar sobre ele.
Não pense que sou a primeira, ou a oitava.
Talvez eu seja a centésima.
Ele mesmo não sabe quantas teve.
Nem como as teve.
Não se percebe, olhando para ele...
quando ele fica ali sentado, pensativo...
sem beber álcool.
Depois ele dá um bote.
Sim, isso ele me contou.
Você pensa: o que será que ele quer?
Então, ele começa a falar.
E fala e fala...
E como ele sabe dançar!
-Ele dança bem? -Você não sabia?
Eu o conheci num salão de dança na Chausseestrasse.
Nunca pensei que ele soubesse dançar.
Que Reinhold soubesse dançar.
Ele lhe tira para dançar, onde quer que você esteja.
Mesmo que a mulher seja casada.
Ele não desiste...
enquanto não consegue.
Não me jure fidelidade Não me faça um juramento
Porque o novo atrai Queremos novidades
Corações cálidos Não encontram paz
Buscam estímulo Sempre em busca
Não me jure fidelidade Não seja verdadeira
Pois quero distração Assim como você
E você acha graça! É igualzinho a ele.
Não, Cilly.
Esse sujeito é muito estranho.
Depois ele me diz que não Consegue deixar as mulheres.
Agora está com aquela loira, a Trude.
Talvez...
O que você acha? Devo tirá-la dele?
Quieta!
Por que está gritando assim?
Você deve estar doido.
Que história é essa de Trude?
Diga mais uma vez. Que história é essa de Trude?
Eu já disse para não gritar assim.
Eu nem lhe mordi.
Não, Franz, você não me mordeu.
Mas você é meio ingênuo. Meio ingênuo.
Estão bem, sou ingênuo.
Mas se Reinhold é meu amigo...
ele é meio veado.
Ele vai ao Exército de Salvação para rezar.
Eu tenho que apoiá-lo como amigo.
Não?
Acha que não devo tirar Trude dele?
E eu?
Com você Com você
Eu quero ir pescar
Com você, com você Eu quero ir pescar
Ouça, Cilly...
temos que esclarecer isso.
Podemos beber algo e decidir como faremos.
Me deixe em paz.
As botas...
as galochas.
Também vieram dele.
Sabe...
naquele dia, você me trouxe a gola de pele.
Aquela que veio antes...
foi quem trouxe as botas. A coisa é assim.
Ele é assim, mas é meu amigo e eu queria ajudá-lo.
Não quero enganar você.
Você é um cachorro nojento.
Que filho da mãe.
Se o Reinhold é um sem-vergonha...
você é pior.
Muito pior.
Não, Cilly.
Eu não sou.
-Se eu fosse homem... -Ainda bem que não é.
Não se aborreça à toa.
Eu já lhe contei tudo.
Agora, olhando para você...
enquanto falávamos...
eu pensei bem.
Não vou tirar a Trude dele.
E você fica aqui.
Eu não faço mais o jogo.
Ele destrói as pessoas.
Não faço mais o jogo dele. Algo tem que acontecer.
Sabe de uma coisa? Amanhã cedo...
quando Reinhold tiver saído...
nós vamos falar com Trude. Nós falaremos com ela.
Falaremos com ela, e irei apoiá-la.
Ela pode contar comigo.
FIM DA QUINTA PARTE