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As Caixas que Afundaram o Titanic
Uma entrevista com Juan Carlos Maneglia sobre "7 Caixas"
Bem, o Paraguai é um país que infelizmente...
não tem uma indústria cinematográfica...
sólida, nós recém estamos começando.
Podemos falar em mais ou menos 20 filmes...
totalmente paraguaias em toda sua história. Ou seja...
obviamente estamos muito distantes de outros países da América Latina,
como o Brasil ou a Argentina, que têm uma indústria...
impressionante de quase 100 filmes por ano.
Nós temos 20 em toda a nossa história!
Então, estamos no começo.
Já faz cinco anos que lançamos um ou dois filmes por ano,
o que significa algo maravilhoso porque implica certa continuidade.
É um país onde não há leis de cinema, onde não há...
É um dos poucos países da América Latina que não tem leis de cinema,
onde não há um fundo específico para cinema,
nem um fundo como aquele que permitiu que o Uruguai cresça.
- Então... - Não havia faculdades de cinema também?
Também não havia faculdade, começou neste ano de 2013...
uma faculdade de cinema para formar profissionais.
Então, veja como o sonho de nos permitir...
contar uma história em imagens era um sonho muito distante.
Era muito distante, mas para nós, que amamos contar histórias,
isso não importava e nós fizemos de qualquer maneira.
Bem, é nesse contexto que nasce "7 Caixas".
É um projeto no qual trabalho com Tana Schembori,
a outra diretora, já há alguns anos.
Nós... Nossa formação foi...
Nós somos jornalistas, formados em Ciências da Comunicação,
porque era o mais perto de Cinema que tínhamos no Paraguai.
E sempre tivemos a ideia de fazer um longa-metragem.
Assim nasceu "7 Caixas".
Tínhamos um projeto anterior chamado "A Santa", que era muito caro.
então resolvemos fazer um filme sobre um carreteiro no Mercado Quatro,
que é o lugar mais emblemático do Paraguai.
E durante as visitas ao mercado,
vi que o personagem mais comum era o carreteiro...
e nós resolvemos fazer uma espécie de...
homenagem ao cinema de Hollywood que vimos a nossa vida inteira,
mas com a idiossincrasia e o humor paraguaios.
E ao invés de serem carros velozes, como nos filmes americanos,
são carrinhos e carreteiros que lutam por algo específico.
Bem, nossa maior dificuldade foi filmar no próprio mercado.
No começo, nós até pensamos em construir um cenário...
recriando o mercado, para ter um certo controle...
sobre o som, a imagem e a luz.
Só que não foi possível,
então tivemos que gravar no próprio mercado, o que foi uma loucura!
O mercado é incontrolável, assim como a luz e o som nele,
e tivemos que testar muitas maneiras de trabalhar.
E uma das maneiras foi...
uma sugestão de Tana: misturar figurantes...
com as pessoas reais que estavamos no mercado,
e também não avisar a ninguém quando estávamos filmando.
Então, estavam lá os atores,
o diretor de fotografia Richard Careaga, que é excelente,
e a equipe de som, o diretor de som Germán Acevedo.
E só eles sabiam quais eram as cenas e os figurantes.
A gente ficava escondido, filmava o take...
e depois conferia se não havia ninguém olhando.
Se o take tinha saído muito bom, pouca gente olhava para a câmera.
Foi muito complicado! Foi uma loucura!
Também foi um processo em que nossa produtora Maria Ramirez Jou...
colaborou muito para que tudo corresse bem.
Mas foi muito difícil,
porque era um lugar real onde pessoas trabalhavam,
então era incontrolável!
Filmamos num total de 44 dias,
e também tínhamos muito pouco tempo à noite para filmar.
Porque esse lugar...
A maior parte do filme acontece à noite.
Eu escrevi assim pensando que à noite seria mais fácil de filmar,
mas não é bem assim.
O nosso horário era muito curto.
Era mais ou menos das 21h30 às três da madrugada,
porque às três da madrugada já tinha gente trabalhando.
Tivemos que filmar muito rápido e isso também foi bem difícil.
APRENDENDO COM FILMES
Pessoalmente, acho que o que mais me ajudou foi isso: ver filmes.
E, por exemplo... Uma das maneiras como aprendi sobre a narrativa:
Eu era muito fã de Brian DePalma.
Então escolhia uma cena de Brian DePalma...
(Estamos falando do ano de 1985)
Então eu escolhia uma cena, colocava o filme no videocassete...
e eu dava pausa a cada take para desenhar um storyboard.
Dessa maneira, eu sabia quando Brian DePalma usava plano médio, plano geral...
Aqui ele muda do plano geral para um mais fechadinho...
Então, desenhando storyboards, isso me permitiu entender...
como uma pessoa que eu admirava muito...
filmava uma cena que eu gostava.
Ou de Scorsese, dos Irmãos Coen, do Tarantino,
do Coppola, Almodóvar, Iñarritu...
Uma quantidade de diretores que, digamos, me permitiram...
entender... Cada um representava uma linha...
ou uma maneira de fazer cinema,
ou de ver o mundo através de seus filmes.
Gosto muito de Carlos Diegues,
Fernando Meirelles, Campanella...
Gosto muito de Lombardo, do Peru.
Walter Salles. Tem muitos diretores que me marcaram...
Glauber Rocha, também!
Ou seja, muitos diretores que marcaram um "antes e depois" do cinema...
por sua maneira de contar histórias.
ORÇAMENTO
Nas filmagens nós gastamos mais ou menos 120 mil dólares.
E o filme...
Com o primeiro corte terminado,
com montagem e tudo, custou cerca de 200 mil dólares.
E depois fomos fazer a pós- produção fora do nosso país,
porque não havia bons profissionais para fazer a pós no Paraguai.
E então surgiu a possibilidade de apresentar o projeto...
no "Cine en Construccion" do Festival de San Sebastián,
onde eles se encarregam de toda a pós do vencedor do prêmio.
Então nós apresentamos o projeto, competimos com outros 70 filmes,
fomos selecionados entre os seis finalistas...
e o prêmio nos permitiu fazer a pós em Madri e Barcelona.
INFLUÊNCIAS
Tiramos inspiração de muitos filmes,
é muito difícil definir em que nos inspiramos.
Acredito que os Irmãos Coen nos marcaram um pouco...
o tema, por ser um policial de humor ***, com humor.
Era algo que eu gostava, e com a nossa idiossincrasia paraguaia,
a nossa maneira de ser como paraguaios, foi algo que me atraiu.
E dentro do filme há pequenas homenagens,
muito pessoais, ninguém vai perceber, mas para mim são pequenas homenagens.
Por exemplo, há um duelo entre dois carreteiros...
onde um dos takes é parecido com "Ben Hur",
e me encantava fazer uma citação a um filme tão grande...
com carretos, foi algo lindo!
Também há uma cena em que aparece um caminhão,
onde nosso personagem principal está fugindo dos vilões do filme,
e o vilão começa a correr,
e o take é parecido com "O Exterminador do Futuro 2", de James Cameron.
São coisinhas assim que nós resgatamos...
e que estão relacionadas a esse cinema com o qual crescemos.
Obviamente, sem esquecer que é um filme latino...
e que fizemos com poucos recursos, com uma câmera fotográfica.
"CIDADE DE DEUS"
Logicamente, "Cidade de Deus" também marcou um feito,
um "antes e depois" do cinema latino.
E isso em tudo: sua narrativa, montagem, a história que conta.
Ou seja: tudo que veio depois...
Nos marcou muito o visual e uma liberdade narrativa que é maravilhosa!
E é tão passional! Então, acho que sim,
há certa inspiração, mas...
"Cidade de Deus" é uma obra tão maravilhosa,
tão impressionante, que não sei...
É muito difícil nos compararmos a ela.
Mas sim, é uma inspiração, foi um filme que inspirou muita gente.
Mas acho que o que mais nos inspirou foi...
essa liberdade narrativa, tão solta e ao mesmo tempo...
tão clara, tão pura e tão autêntica, tão brasileira.
E isso eu acho que funciona em qualquer país da América Latina.
MILAGRE PARAGUAIO
Bem, eu e Tana, a outra diretora, estávamos com medo, porque...
tínhamos poucas maneiras de divulgar o filme.
Então eu dizia a Tana: "Quem sabe teremos 20 mil espectadores".
20 mil espectadores, no Paraguai, é um sucesso.
40 mil têm os filmes da Pixar, essas produções para crianças.
E os grandes sucessos têm 80 mil, 90 mil.
No ano em que estreamos, 2012, o filme de maior sucesso foi...
"Os Vingadores".
Então...
A verdade é que a nossa estreia foi muito, muito boa.
Mas, à medida que passavam as semanas, foi melhorando.
Acho que a propaganda boca a boca funcionou, porque fez as pessoas...
sentissem que o filme era seu.
E digamos que, com sorte, chegamos aos...
330 mil espectadores, o que, no Paraguai, é uma loucura!
O recorde anterior era de "Titanic", com 150 mil espectadores.
Ou seja: para nós, foi um milagre!
De verdade, um verdadeiro milagre!
Não esperávamos essa quantidade de gente.
PRÓXIMOS PROJETOS
A princípio, eu e Tana definimos o nosso próximo projeto.
Temos dois que estamos trabalhando nesse momento.
Um é "A Santa", um projeto muito antigo,
que escrevemos faz quase 17 anos,
e estamos reescrevendo agora.
O outro projeto tem o mesmo estilo de "7 Caixas".
ou seja: um thriller que tem ação e humor.
De qualquer forma, seja "A Santa" ou o outro,
queremos que seja um cinema muito popular,
para as pessoas, e o nosso primeiro objetivo...
é atingir o público paraguaio. Na verdade,
queremos chegar à nossa gente.
Essa é a nossa maneira de crescer, de sonhar,
de acreditar que é possível uma continuidade.