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Há um comportamento que repetimos centenas de vezes durante o dia sem termos consciência.
É uma habilidade da qual dependemos totalmente e, entretanto, nem damos atenção.
Observe.
Vemos algumas linhas e lhes damos significado.
Podemos distinguir uma forma da outra.
E entendemos que um arranjo de cores pode representar algo.
A habilidade de ler imagens é uma parte essencial em nossas vidas.
E se não tivéssemos esta habilidade?
Imagine se não pudéssemos entender as imagens. Como seria o nosso mundo?
Para começar, as imagens nunca teriam sido inventadas.
Teríamos perdido uma coisa da qual dependemos totalmente.
A vida seria impossível e o nosso mundo seria irreconhecível.
Mas em algum momento do nosso passado antigo era assim que o mundo parecia: sem imagens.
Atualmente, é obvio, as figuras dominam nossas vidas.
Esta é a extraordinária história de como os humanos descobriram o poder das imagens
e de como eles criaram o mundo em que vivemos hoje.
O Dia em que as Imagens Nasceram
Quanto tempo leva para você perceber que eu estou desenhando um cavalo?
Um segundo? Uma fração de segundo?
Nós podemos dizer o que uma imagem bi-dimensional representa quase que instantaneamente,
sem sequer ter que pensar a respeito.
Eu não sou um artista,
mas até mesmo eu posso juntar algumas linhas num pedaço de papel
de modo que você veja o que eu quero que veja.
E não me refiro apenas a cavalos.
Eu posso desenhar quase qualquer coisa e você provavelmente saberá o que é.
Mas deve ter havido algum ponto em nossa história humana
quando adquirimos esta habilidade,
algum momento no tempo quando começamos a criar figuras
e entender o que elas significam.
O que aconteceu neste momento?
Como adquirimos esta habilidade pela primeira vez de criar imagens?
Para encontrar a resposta, precisamos voltar ao passado.
Que tal há 2.000 anos?
Esta é a primeira imagem de um cavalo na antiguidade clássica.
Foi feita para decorar um lar Romano cerca de 100 anos antes de Cristo.
Fica claro aqui que o artista não tinha dificuldade com representações em 2 dimensões.
Retroagimos mais 1.000 anos até 1.200 A.C.
Este minúsculo fragmento vem do Egito antigo.
A pessoa que o pintou sabia perfeitamente bem
como representar algo do mundo ao seu redor.
Precisamos retroagir mais, mais além.
Este é o nordeste da Espanha, um lugar chamado Altamira.
Viemos aqui porque, ao final do século 19,
uma descoberta feita em Altamira alteraria radicalmente
nosso entendimento de quando as primeiras imagens foram criadas no mundo.
Esta histórica descoberta foi feita por uma garota de 9 anos de idade.
Seu nome era Maria.
Era a filha de Marcelino de Sautuola,
um nobre espanhol local que também era uma arqueólogo amador.
Ele estava intrigado com Altamira e no outono de 1879
Maria e seu pai fizeram uma visita à caverna.
Esta era uma caverna completamente desconhecida até há alguns anos.
Mesmo que eu fosse um mero amador, estava determinado a realizar minhas próprias investigações.
Como nobre estudioso, Sautuola tinha um sério interesse
em aprender mais sobre o passado pré-histórico.
Mas assim como outros arqueólogos da época,
presumia que as pessoas que outrora habitaram ou se abrigaram nestas cavernas
não passavam de selvagens, rudes, ignorantes,
pouco melhor do que macacos e certamente incapazes de qualquer tipo de realização criativa.
Eu esperava com estas investigações
poder remover o fino véu que nos separava das origens
e costumes dos antigos habitantes destas montanhas.
De Sautuola veio até a caverna para escavar o solo,
encontrar relíquias pré-históricas tais como ossos e ferramentas.
Foi Maria que fez a descoberta pela qual Altamira se tornou famosa.
Papa...veja! Bois!
Eu fiquei paralisado de espanto.
O que vi me deixou tão emocionado que eu mal conseguia falar.
A jovem Maria identificou a primeira galeria de pinturas pré-históricas até então descoberta.
Muitas mais desde então foram trazidas à luz em cavernas ao redor do mundo,
mas estas em Altamira ainda são consideradas as mais belas de todas.
Dominando o teto estão dezenas de pinturas de bisões,
uma espécie de boi que há muito tempo se extinguiu.
Eles parecem estar imóveis, dormindo... e correndo.
Assim que os viu, Sautuola ficou convencido
de que as imagens haviam sido pintadas por pessoas da pré-história.
Mas outros não estavam tão certos.
Quando Sautuola anunciou sua descoberta ao mundo,
os arqueólogos imediatamente começaram a questionar sua autenticidade.
As imagens eram boas demais.
Era impensável que fossem criadas por selvagens pré-históricos.
Especialistas afirmavam que as pinturas foram falsificadas
e que Sautuola era ou a vítima ou o autor do trote.
Ele defendeu sua descoberta.
É difícil de acreditar que alguém se meteria naquela escuridão
para pintar animais extintos.
Não há razão para duvidar que estas pinturas provêm de uma época antiga.
De Sautuola lutou para limpar seu nome mas seus companheiros arqueólogos foram céticos.
Em poucos anos ele morreu, aqui em sua casa não muito longe de Altamira,
um homem desacreditado e decepcionado.
Seus defensores afirmaram que as acusações de desonestidade
quebraram seu coração e causaram sua morte.
Mas viria um tempo em que Sautuola seria vingado.
Após décadas, descobertas após descobertas foram feitas,
na França como na Espanha, que provaram sem sombra de dúvidas
que as pinturas da caverna eram pré-históricas.
Depois apareceu um achado ainda mais excitante,
numa caverna chamada Lascaux - uma galeria de imagens cuja beleza é de tirar o fôlego.
À medida que mais pinturas vieram à luz, elas revelaram
que os artistas pré-históricos pintavam com uma confiança e habilidade
que se rivalizam com qualquer obra do mundo moderno.
O próprio Pablo Picasso disse, quando as viu pela primeira vez,
que "nós não aprendemos nada".
Quando especialistas começaram a datar estas pinturas, houve outra surpresa.
Eles descobriram que começamos a criar imagens relativamente tarde na nossa história humana.
Vou mostrar o que quero dizer.
Vamos imaginar que todo o período de tempo em que os humanos modernos estão neste planeta
seja representado por estes degraus.
Pessoas como você e eu, uma espécie conhecida como *** Sapiens,
estamos por aqui há cerca de 150.000 anos.
É onde estou agora.
Biologicamente, daqui para a frente os humanos não mudaram muito.
Tínhamos exatamente o mesmo cérebro que temos hoje.
Entretanto, por mais de 100.000 anos não criamos qualquer imagem.
Não foi senão aqui...cerca de 30.000 anos atrás,
que algo começou a mudar.
Os arqueólogos o chamam de "a explosão criativa",
o momento no tempo quando as pessoas começaram a criar as primeiras figuras.
O que aconteceu então?
Porquê as pessoas repentinamente decidiram começar a criar imagens do mundo ao seu redor?
Os especialistas começaram a buscar uma resposta e sua primeira explicação pareceu óbvia.
Atualmente, a principal razão para fazermos imagens
é para criar representações das coisas do mundo ao nosso redor.
Certamente, dizem os especialistas, milhares de anos atrás os humanos pré- históricos também pintavam
para criar representações das coisas ao seu redor.
Mas à medida que mais cavernas de arte foram descobertas, tornou-se claro que esta explicação estava errada.
Porque hoje, os artistas criam imagens de todos os aspectos do mundo em que vivemos.
Mas no passado eles criavam imagens principalmente de uma coisa.
Os artistas pré-históricos estavam obcecados...por animais.
E não qualquer animal, mas alguns em particular.
Como cavalos...
bisões...e renas.
Mas porque? O que há nestes animais
que tenha impressionado tanto a mente de nossos antigos ancestrais?
Henri Breuil era um sacerdote Francês.
Ele também foi o primeiro especialista em cavernas de arte no século 20.
Ele acreditava, sem muita surpresa, que as pinturas retratavam caçadas.
Os artistas pré-históricos pintavam animais porque acreditavam
que elas aumentariam as chances de sucesso na caçada.
A teoria fez sentido.
Ela certamente explicou porque somente alguns animais foram pintados.
Breuil parecia ter encerrado a questão.
Mas mais recentemente, quando os arqueólogos começaram a examinar os ossos de animais
que foram caçados e depois devorados dentro das cavernas,
descobriram algo intrigante.
Se as pessoas criaram estas imagens para aumentar as chances de uma caçada bem sucedida,
seria de se esperar que pintassem imagens de suas presas.
Mas não.
Em Altamira, por exemplo, os artistas pré-históricos pintaram bois,
mas os ossos que foram abandonados eram de cervos.
Em outros sítios Franceses eles estavam pintando mamutes lanosos,
mas estavam comendo uma versão selvagem deste animal, a cabra.
De modo geral, existe muito pouca correlação entre os animais registrados na arte pré-histórica
e os animais que aparecem na dieta pré-histórica.
Assim, a teoria da caçada de Breuil também falhou em resolver o mistério
do porquê as pessoas começaram as primeiras pinturas.
E também há outro grande problema com estas teorias:
as figuras deveriam ser pintadas em lugares onde as pessoas pudessem vê-las.
Entretanto, alguma coisa compeliu muitos artistas pré-históricos
a pintar nas partes mais profundas e estreitas das cavernas.
Como aqui em Peche-Merle, na França.
Às vezes, imagens foram encontradas em partes da caverna quase inacessíveis.
É difícil imaginar como o artista conseguiu chegar aqui para pintá-las,
sem falar de como alguém poderia vir aqui para admirá-las.
Quero dizer, quem viria a um lugar apertado como este... para decorar o teto?
Estas pinturas não são apenas difíceis de atingir. Quando finalmente as alcançamos
é ainda mais difícil de entender o que estes artistas estavam pintando.
Porque, como muitas outras imagens de caverna, elas não parecem representar coisa alguma.
São feitas de pontos e linhas ou formas abstratas e padrões.
Nada no mundo natural do artista pré-histórico se pareceria com isso.
Ou isso.
E muito frequentemente, estes padrões são repetidos ou espalhados por sobre imagens mais reconhecíveis,
de modo aparentemente aleatório.
Aqui, nas cavernas Peche-Merle da França,
o artista pré-histórico pintou um esplêndido par de cavalos.
Mas veja, ele cobriu a imagem com uma série de pontos.
É muito difícil de enxergar a relação dum conjunto de pontos com o mundo das caçadas.
Os arqueólogos perceberam que estavam muito longe de entender as pinturas rupestres,
cada vez mais.
As explicações óbvias,
como pinturas para representar coisas do mundo, ou para caçadas,
jamais explicariam a confusão destas imagens.
Porque ambas teorias não entenderam o principal.
Ao invés de explicar porque as pessoas estavam pintando imagens nas cavernas,
elas deveriam tentar resolver o mistério
de como adquirimos a impressionante habilidade de criar imagens em primeiro lugar.
Para ser capaz de pintar uma figura, primeiro você precisa saber o que é uma pintura.
E como você pode saber se você nunca viu uma antes?
O próprio Henri Breuil percebeu que este era o coração do problema.
Ele contava a curiosa história de um turco do século 19
a quem foi exibida uma pintura.
Era a pintura de um cavalo.
O homem ficou assombrado.
Ele não tinha idéia do que estava olhando porque nunca antes em sua vida ele havia visto uma pintura.
O turco, parece, era um devoto Muçulmano.
Em sua rigidez, o Islã proíbe imagens de coisas vivas.
Assim temos aqui alguém que aparentemente se recusa a acreditar
que se pode criar uma imagem de um animal em duas dimensões.
Ele disse que não podia reconhecer um cavalo porque ele não se movia.
Para nós, olhando para uma pintura tão vívida como esta, parece quase impossível de acreditar.
Não podemos imaginar como seria não entender o que é uma pintura,
que ela pode representar alguma coisa do mundo.
É assim que talvez pareça para uma pessoa que nunca antes viu uma imagem.
Uma coleção de linhas, cores, marcas, sem qualquer significado.
Se não podemos entender o que é uma pintura a menos que a tenhamos visto antes,
como é que tivemos a idéia de criá-la em primeiro lugar?
Assim, como nossos antigos ancestrais perceberam
que uma coleção de linhas, pontos e cores poderiam representar algo?
Como eles tiveram esta "sacada" há milhares de anos atrás?
Este é um dos grandes mistérios da criatividade humana.
Um mistério que os especialistas têm tentado resolver sem sucesso.
Mas então, alguns anos atrás, uma idéia revolucionária apareceu.
Era uma idéia que talvez solucionasse este problema.
Ela não teve origem na Europa, mas num lugar a kilômetros de distância
na África do Sul.
Ocultas entre os altos precipícios destas montanhas, as Drakensberg,
estão imagens em paredes de rocha estranhamente semelhantes às pinturas de caverna Européias.
Elas também retratam grandes animais.
E também parecem mostrar cenas de caçada.
Mas diferentemente das pinturas Européias, estas pinturas não tem milhares de anos.
Elas foram feitas apenas há algumas centenas de anos atrás,
quase o tempo de uma memória viva.
Elas foram pintadas pelo povo chamado SAN...os bosquímanos.
Por um longo tempo estas pinturas foram largamente ignoradas.
Mas um homem ficou fascinado por elas.
Seu nome era David Lewis Williams.
Quando olhei pela primeira vez para estas pinturas,
a opinião geral era que se tratavam de cenas da vida diária
e como eram do povo SAN
imaginava-se que retratavam cenas de caça.
Veja esta por exemplo.
Aqui temos um antílope e um homem que parece estar segurando sua cauda.
Presumiu-se que talvez quando o antílope era caçado pelo bosquímano
ele puxaria sua cauda como demonstração de sua bravura ou coisa parecida.
Quando olhamos mais atentamente as pinturas, começamos a enxergar
pontos que não se encaixam.
Por exemplo, este homem aqui tem cascos e não pés.
Ninguém percebeu estes cascos antes?
Eu acho que ninguém parou para examinar isso, não.
Depois, reparamos coisas no próprio homem: suas pernas estão cruzadas
e as pernas do antílope estão cruzadas.
E vemos outras coisas.
Como aquela ali no alto, aquilo é claramente uma cabeça de antílope.
Depois percebemos que ele também tem pêlos por todo o corpo.
E o antílope tem pêlos por todo o corpo.
Quando afirmamos que estas são pinturas da vida diária, isso não se encaixa.
Quando comecei a perceber todas estes...pontos estranhos na pintura, eu pensei,
"Precisamos encontrar um meio de quebrar o código do conceito destas pinturas."
Mas quando Lewis Williams começou sua investigação,
imediatamente encontrou um problema.
Porque estes são os SAN atualmente.
Ao invés de viver nas montanhas, eles agora vivem há 1.600 km de distância,
nas planícies do Kalahari da Namíbia.
Por séculos, seus ancestrais foram perseguidos e expulsos das Drakensberg.
Embora os SAN ainda cacem, hoje já não pintam, e há uma boa razão para isso.
Primeiro porque não há rochas no Kalahari para pintar.
Suas tradições ancestrais desapareceram.
Os artistas SAN morreram, levando consigo seus segredos.
Assim, a chave para solucionar o mistério destas estranhas pinturas nas montanhas
parece perdida para sempre.
Parece não haver modo de conseguir isso porque aqueles que fizeram as pinturas estão extintos.
Mas então, muito longe das Drakensberg,
Lewis Williams encontrou sua primeira pista.
Foi o início de uma trilha que talvez o levasse
de volta às cavernas de pinturas pré-históricas da Europa.
Embora não existam bosquímanos atualmente que recordem quando seu povo pintou nas rochas,
haviam alguns ainda vivos no final do século 19.
Milagrosamente, as estórias que eles tinham para contar foram registradas e preservadas.
Elas são mantidas aqui, num arquivo da Cidade do Cabo.
Ao final do século 19, um colonizador alemão, Wilhelm Bleek,
descobriu que ainda haviam alguns bosquímanos vivendo nas Drakensberg.
Bleek percebeu que eles abriam uma rara janela para o passado.
Começou a entrevistá-los.
Este arquivo enorme, 12.000 documentos, são seu testemunho.
Nos dão um vislumbre aflito de uma cultura que já não mais existe.
Lewis Williams teve um pressentimento de que entre estes papéis,
que são como uma Bíblia para as crenças dos bosquímanos,
haveriam pistas para o significado original das imagens de Drakensberg.
Havia realmente algo ali.
Ao ler os manuscritos de Bleek,
tornou-se muito claro
que sua religião foi construída sobre uma noção de viajar para um mundo espiritual.
Parece que os SAN acreditavam que enquanto se está vivo
seu espírito pode deixar seu corpo e visitar o mundo espiritual.
Isso acontece quando se entra num transe, ou o que chamamos de estado alterado da consciência.
Esta tradição SAN ainda é praticada atualmente.
Eu vim a esta vila próxima de Chunkwe, na Namíbia, esperando ver por mim mesmo.
Aqui, fui apresentado ao curandeiro, ou shamam.
Me disseram que ele era a pessoa que viaja até o mundo espiritual.
Doutor, você pode nos dizer porque ele entra em transe?
(Linguagem Nativa)
(Tradução) Sempre vem alguém perguntar por sua família e se posso ajudá-los,
porque eu sou o seu médico. Eu vou para ajudá-los no outro mundo.
Quando volto, eu descubro se funcionou ou não.
Eu sabia que a comunidade faria uma noite de transe hoje.
O shamam me deu sua permissão para ficar e observar.
.................
Tudo começa com as mulheres da vila criando um poderoso canto rítmico.
Então a dança começa
e orquestrando está o próprio shamam.
À medida que a dança se intensifica, algo dramático parece acontecer a ele.
Ele parece se perder no ritmo e se apartar do que está acontecendo.
Ele realmente parece estar entrando em algum tipo de transe.
Depois ele cai no solo, inconsciente.
Me disseram que quando os shamans entram no transe eles as vezes perdem a consciência,
e enquanto permanecem neste estado eles morrem e visitam o mundo espiritual.
E de lá, dizem que podem curar as pessoas.
Lewis Williams descobriu o papel vital que o transe representa para o povo SAN.
Mas como isso poderia ajudar a resolver o mistério das assombrosas pinturas nas pedras
criadas por seus ancestrais?
Ao ler os papéis de Bleek
e descoberto sobre os estados alterados de consciência ou transe numa mão,
e depois conhecendo as pinturas de rocha em outra mão,
a verdadeira dificuldade foi combinar estas duas coisas.
Como elas se encaixam? Como as crenças SAN explicam as pinturas?
Foi um verdadeiro quebra-cabeça, que me manteve no escuro por um longo, longo tempo.
Quando a resposta finalmente apareceu,
ele percebeu que ela sempre esteve literalmente na sua cara.
Eu costumava ter cópias das pinturas
e as levava para casa, colocava sobre a prateleira com ornamentos para segurá-las.
E me sentava para contemplá-las.
Há uma pintura de Drakensberg que era particularmente importante para mim.
Era uma cópia da mesma pintura que Lewis Williams nos mostrou nas montanhas.
Um dia, olhando para esta pintura em particular, eu percebi.
O que está acontecendo aqui?
Do lado esquerdo da pintura há um antílope
e repentinamente me ocorreu que este antílope estava morrendo.
Podemos ver isso por suas pernas cruzadas, ele está tropeçando,
sua cabeça estava abaixada, seu pêlo estava eriçado.
É isso que faz um antílope quando está morrendo, particularmente de uma flecha envenenada.
Próximo a ele e segurando sua cauda estava um homem, e suas pernas também estão cruzadas.
Ele tinha cascos, lindamente pintados, cascos de antílope partidos.
E ele tem pêlos eriçados.
E era óbvio que ele estava morrendo, o antílope estava morrendo,
então ficou claro que as pinturas não eram figuras da vida diária.
Elas retratam uma experiência espiritual em transe.
Era esse o real significado por trás das pinturas SAN.
O antílope é um dos maiores da África,
sua graça e poder capturou a imaginação dos SAN
e davam ao animal um potencial mágico.
Era o que eles viam em seus transes.
As pinturas que os SAN fizeram não se referem a caçadas.
Pelo contrário, elas estão recriando seus encontros alucinógenos com o animal
ao registrá-los na superfície da rocha.
Agora uma nova idéia ambiciosa começa a tomar forma na mente de Lewis William.
Ele tinha conhecimento de outras pinturas em rocha que eram muito similares àquelas dos SAN.
Estas são muitos milhares de anos mais antigas, as pinturas mais antigas já criadas,
e elas estão na Europa.
Por muitos anos eu também estive interessado
nas pinturas rupestres da França e Espanha, as pinturas do paleolítico.
Uma das coisas mais impressionantes
é a semelhança entre as rochas pintadas na Europa
e a arte rupestre no sul da África.
Exatamente como a obsessão dos SAN pelos antílopes,
os artistas das cavernas pré-históricas também estavam cativados por alguns poucos animais.
E assim como as imagens da África do Sul,
as pinturas Européias parecem enxertar detalhes dos animais no corpo humano
criando estranhas e novas criaturas.
Mas acima de tudo, existe um detalhe inexplicável compartilhado por ambas as pinturas
que intrigou Lewis Williams.
O que temos aqui é um rascunho de uma pintura feita pelos bosquímanos,
provavelmente há 200 anos atrás.
Ele mostra uma figura de antílope cercada por alguns indivíduos.
Mas tem outra coisa também.
O artista esparramou pontos por toda a imagem.
Percebeu? Dê uma olhada nisso.
É um desenho daqueles 2 cavalos que vimos no fundo das cavernas em Peche-Merle.
Aquelas também apresentam este estranho padrão de pontos por todo lugar.
Apenas há 200 anos atrás nas rochas da África,
os SAN estavam criando os mesmos padrões abstratos
como aqueles pintados há milhares de anos atrás nas cavernas da Europa.
Mas porquê? O que as pessoas de diferentes partes do mundo
e separados por milhares de anos fizeram para aparecer com tais padrões geométricos visivelmente similares?
Lewis Williams começou a imaginar se a resposta estava não na arte
mas nos cérebros das pessoas que os geraram.
No sul da África nós sabemos
que a arte veio de uma experiência de transe, de estados alterados da consciência.
Então é uma questão de procurar as pessoas
que têm estudado estados alterados da consciência em trabalhos de laboratório
e lhes perguntar o que acontece ao cérebro quando as pessoas entram num estado alterado.
Foi então que aprendemos que quando as pessoas entram num estado alterado,
a primeira coisa que vêem são linhas zigzag -
linhas zigzag relampejantes, brilhantes, como numa forte dor de cabeça, por exemplo.
Ou nuvens de pontos ou grades.
E eles vêem estas coisas porque elas estão enraizadas no cérebro humano.
Todos os cérebros funcionam da mesma maneira, apesar de quem somos ou de onde viemos.
Fisicamente, nossos cérebros não mudaram desde que os primeiros humanos evoluíram.
Isso significa que se nossos cérebros são estimulados, digamos, postos em transe,
eles respondem da mesma maneira que os cérebros de nossos ancestrais.
É uma intrigante explicação para aqueles estranhos padrões.
Mas poderia ser verdade?
Eu vim para Londres, ao Instituto de Psiquiatria, para descobrir.
Eles vão tentar induzir um efeito do tipo transe em meu cérebro.
Dominic, poderia nos dizer o que há no interior dessa sua caixa?
Temos um aparato para estimular as partes visuais do seu cérebro de um modo bastante específico.
O Dr. Dominic Fytche trata de pessoas com um raro tipo de desordem visual.
Eles não tem um problemas com os olhos em si,
mas com a parte de seu cérebro que lida com a visão.
Para investigar sua condição, ele projetou um dispositivo incomum.
É na verdade muito simples: um conjunto de óculos com algumas luzes intensivas,
de diodo, conectadas a um computador,
que me permite controlar o número de flashes que serão emitidos por segundo.
- Coloque-os sobre os olhos... - Yeah.
Então você vai irradiar coisas nos meus olhos.
Exato, mas você deve manter seus olhos fechados porque os flashes são muito brilhantes.
Seus pacientes relatam enxergar formas e padrões peculiares
aparecendo diante dos olhos.
Os óculos são projetados para induzir estas imagens ao cérebro.
- Vai doer? - Não vai doer.
- Mantenha os olhos fechados. - Estão fechados.
- O que está vendo agora? - O que vejo agora é...
um tipo de bolhas palpitantes, se é que isso faz sentido,
com um tipo de rede de linhas pretas muito finas.
Certo...OK...
Cores muito, muito vívidas...Todas as cores do espectro, parecem estar, disparando.
Atrás das cores...Como posso explicar?
É como uma rede de pesca ou...
Linhas negras muito finas articuladas... como um favo de mel, acho que é isso.
O que acontece quando eu estimulo apenas um olho?
Ah...Electric checkboard,
Desculpa, parece um tabuleiro de xadrez eletrificado.
Me lembra uma pista de dança onde estive uma vez.
- Colorido ou branco e preto? - Branco e preto, brilhantes.
Esta é uma nova experiência para mim. Meus olhos estavam fechados mas eu via coisas.
Me diga porque.
Existem regiões visuais do cérebro que parecem codificar ou representar
os tipos de padrões grelhados e grades que você viu.
E, aparentemente, o que acontece é que a luz irrita estas áreas
e induz uma alucinação em você.
Assim, qualquer um que receba este tipo de estímulo terá o mesmo tipo de experiências.
Paradoxalmente, você pode obter exatamente o mesmo fenômeno
quando pouca informação chega ao sistema visual
e muitos indivíduos quando estão vendados, depois de um tempo,
começarão a ver aqueles padrões que hoje induzimos em você.
Então, se eu entrar numa caverna, sem fonte de luz, ou tapar os meus olhos
- Eu talvez comece a ver o mesmo tipo de coisas? - De fato.
Isso deveria explicar os estranhos padrões.
Nas profundezas da escuridão das cavernas,
os artistas pré-históricos experimentaram a privação dos sentidos.
Isso induziu alucinações de formas abstratas e padrões,
os quais nossos ancestrais então pintaram.
Mas Lewis Williams entendeu que formas abstratas eram apenas o começo.
À medida que as pessoas passavam mais tempo em transe,
suas alucinações tomavam a forma de coisas de grande importância emocional.
Como para os SAN, para nossos ancestrais pré-históricos isso significa os animais
cujo poder havia capturado suas imaginações.
Nós vamos alucinar com um antílope se formos uma pessoa SAN,
enquanto que se estivermos vivendo na França vamos alucinar com um bisão, por assim dizer.
Ou eles vão ver um cavalo. Desse modo, a cultura joga um enorme papel nisso.
E por serem estas imagens alucinações
elas teriam aparecido e posteriormente relembradas como representações em duas dimensões -
visões achatadas nas paredes das cavernas.
As pessoas não inventaram a pintura num dia.
O que aconteceu foi que as pessoas tinham familiaridade com as imagens que seus cérebros estavam produzindo
e sendo projetadas nas paredes.
E elas queriam reter e tornar permanentes estas imagens e visões que tiveram.
Então eles não estavam fazendo figuras de cavalos que viram fora da caverna,
eles estavam retendo visões.
Lewis Williams finalmente encontrou uma resposta para o mistério
de como as pessoas que nunca tinham visto uma pintura antes
criaram um imaginário em 2 dimensões, tudo naqueles milhares de anos atrás.
Eles não estavam copiando a natureza mas reproduzindo visões criadas dentro de suas cabeças.
Veja, pela primeira vez, temos uma teoria
que parece resolver muito da incógnita que enganou muitos especialistas no passado.
É uma teoria baseada não apenas na investigação das cavernas,
mas um entendimento científico do que estava acontecendo na cabeça daqueles que as fizeram.
Ela explica como chegamos de um mundo sem imagens em um mundo com pinturas rupestres.
Mas ela não explica como chegamos de lá até hoje,
o mundo moderno onde as imagens dominam nossas vidas.
Porque, há cerca de 12.000 anos atrás, algo estranho aconteceu.
As pessoas pararam de pintar em cavernas.
Os arqueólogos não sabem exatamente porque isso aconteceu.
Mas pela Europa, para onde quer que se olhe, eles encontraram poucas evidências
de imagens sendo criadas por muitos milhares de anos.
O povo pré-histórico que descobriu como criar imagens
e depois reproduzi-las por incontáveis gerações
parece ter perdido o interesse por elas.
Foi como se ao invés de ser uma parte essencial da existência humana...
as imagens tinham sido apenas uma opção extra.
As imagens pareciam ter perdido o controle sobre a mente humana.
Então, como chegamos de lá...
...até hoje?
Como o poder das imagens recapturou nossa imaginação
e nos trouxe a um mundo tão repleto de imagens, cuja vida não podemos imaginar sem elas?
Foi só recentemente que começamos a descobrir a resposta.
Viemos até o sul da Turquia, na base de uma grande colina chamada Göbekli Tepe.
No alto temos algo que revela o que aconteceu ao imaginário
por todos aqueles milhares de anos atrás.
Os pesquisadores visitaram pela primeira vez Göbekli Tepe na década de 1960.
O que encontraram foi uma vertente que estava coberta com os resquícios de uma pedreira.
Pequenos pedaços como este.
Porém, eles presumiram que o local não tinha uma significância arqueológica especial.
Então, cerca de 10 anos atrás, arqueólogos alemães começaram a escavar aqui.
Ficaram pasmos com o que encontraram.
Sob seus pés haviam estruturas colossais,
círculos de pedra construídos a partir de megalitos em forma de T.
O sítio era enorme.
Cerca de 20 círculos de pedra permaneciam soterrados, contendo centenas de pilares.
Na Inglaterra, Stonehenge foi construída há cerca de 4.500 anos atrás.
Mas este sítio parece ser 3 vezes mais antigo.
Ele data cerca de 12.000 anos,
do tempo em que as pessoas pararam de pintar em cavernas.
É quase óbvio que Göbekli Tepe
era algum tipo de centro ritual, um lugar de encontro nas montanhas
com grande poder religioso para as pessoas que o criaram.
Como isso ajuda a explicar o que aconteceu com nossa habilidade de criar imagens?
Bem, a melhor hora para entender isso é à noite.
Porque é o que está sobre estes pilares que é essencial para nossa história.
Elas não são apenas magalitos, grandes pedras. Elas estão decoradas,
cobertas com entalhes de dezenas de animais selvagens.
Vemos isso melhor à noite, pela luz de uma chama tênue.
Exatamente como outrora seus criadores as viram.
Leões, aves,
porcos, raposas.
12.000 anos atrás, no exato momento em que as imagens foram abandonadas nas cavernas da Europa,
aqui numa colina da Turquia elas capturaram completamente a imaginação das pessoas.
Isso significa que as imagens nunca foram uma opção extra.
Uma vez que os humanos descobriram como criá-las, eles não pararam.
Elas foram impressas na mente humana.
Mas este lugar talvez contenha um segredo ainda maior
porque, notavelmente, ele parece revelar que foram as imagens
que criaram o mundo em que hoje vivemos.
Está no imenso esforço necessário para produzir estas imagens.
Em um dos lados da colina, os arqueólogos descobriram
uma área que foi usada como pedreira.
Foi daqui que os enormes pilares que dominam Göbekli Tepe
foram cortados do leito de pedra calcária.
Aqui está um pilar inconcluso.
Este é o retângulo da cabeça e aqui ele se estreita para a fossa.
Por alguma razão que nunca saberemos, ele foi abandonado enquanto ainda estava incompleto em seu leito.
Aqui temos um espaço onde outro pilar foi extraído com sucesso.
É realmente impressionante pensar que estas pedras foram cortadas
e esculpidas com imagens usando apenas ferramentas de pedra - o metal ainda não existia.
E o que também impressiona é seu tamanho.
Cada um deles tem cerca de 6 metros de comprimento e peso estimado de 50 ton.
Isso significa que seriam necessárias cerca de 500 pessoas para levá-lo colina acima.
A própria colina foi feita pelo homem.
Mas o mais importante sobre este esforço enorme
é o efeito que tinha sobre a sociedade que construiu Göbekli Tepe.
12.000 anos atrás, centenas de pessoas viajavam longas distâncias
para trabalhar e orar aqui.
E nenhum deles tinha comida.
Naquele tempo, as pessoas pelo mundo levavam uma vida de caçadores-coletores,
caçando animais selvagens, colhendo plantas selvagens.
Esse modo de vida havia sustentado satisfatoriamente pequenos grupos de pessoas
desde que os primeiros humanos evoluíram.
Hoje entretanto, nós alimentamos um enorme número de pessoas pelo cultivo.
Nós cultivamos colheitas e mantemos animais domesticados.
A agricultura é a pedra angular do mundo moderno.
Os arqueólogos sempre se perguntaram o que nos fez desistir de uma existência caçadora-colhedora.
O que causou a grande revolução agrícola, a grande mudança na história humana?
Göbekli Tepe os fez pensar.
Porque foi nesta área que o cultivo teve início
e aconteceu na mesma época em que este lugar estava sendo construído.
Teria sido a necessidade de alimentar todas as pessoas construindo Göbekli Tepe
e orando aqui que compeliu pela primeira vez as pessoas ao cultivo?
Existem algumas evidências convincentes.
Os cientistas recentemente tentaram descobrir de onde veio nosso moderno cultivo do trigo.
Começaram por analisar a descendência do trigo cultivado contido em nossa comida
e extraindo seu DNA.
Fizeram o mesmo com muitas variedades de trigo selvagem.
Depois compararam sua constituição genética.
O que descobriram foi que o parente selvagem mais próximo do nosso trigo cultivado
germina naquelas montanha ali,
as Karacadag, há cerca de 32 Km de Göbekli Tepe.
A teoria é que o trigo selvagem foi trazido das montanhas
e cultivado aqui para alimentar as milhares de pessoas que freqüentavam o lugar.
Então chegamos a importante conclusão
de que a imaginação se tornou tão poderosa na mente dos seres humanos
que trouxe a grande transformação na história da humanidade.
Hoje, nosso mundo moderno é dominado pelas figuras
de um modo que nossos ancestrais jamais poderiam imaginar.
O que eles teriam feito das imagens que se movem...
...que são irradiadas pelo globo e vistas por milhões?
Entretanto, nada disso teria acontecido sem as pessoas que há milhares de anos atrás
tivessem uma revelação,
a revelação de que com linhas, formas e cores, eles poderiam capturar o mundo.
Tradução: xara