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Legendas: Bruna Frazatto
Nos voltamos agora para a Europa, onde muitos estão preocupados
com a crescente aceitação da retórica e políticas anti-imigrantes.
Longe de ser expressa somente pela extrema direita,
a tendência anti-imigrante tornou-se um tópico em muitos setores.
A chanceler alemã Angela Merkel disse
em um encontro da juventude do partido conservador dos Democratas Cristãos,
nesta semana,
que o multiculturalismo teria fracassado completamente.
"Em Frankfurt,
duas em cada três crianças menores de 5 anos de idade têm origem imigrante.
Somos um país que no começo dos anos 60
trouxe trabalhadores estrangeiros para cá.
Agora eles vivem conosco e mentimos para nós mesmos por um tempo
quando dizemos que eles não ficarão aqui e que desaparecerão um dia.
Isso não é a realidade.
Esta abordagem multicultural, que diz,
simplesmente,
que vivemos lado a lado e que estamos felizes assim...
Esta abordagem fracassou... fracassou completamente".
A chanceler acrescentou, posteriormente,
que imigrantes são bem-vindos à Alemanha
e que o Islamismo é uma parte da cultura moderna da nação.
Os comentários são vistos como parte de uma guinada dela para a direita
e vêm apenas alguns dias após a pesquisa
de uma entidade de centro esquerda, a Fundação Friedrich Ebert,
ter apontado que mais de 30% das pessoas
acreditam que a Alemanha foi "invadida por estrangeiros".
Um número semelhante acredita que
os imigrantes vieram à Alemanha por causa dos benefícios sociais
e que deveriam "ser mandados de volta
para seus países de origem quando há poucas vagas de emprego".
No início deste ano, o livro de um influente executivo bancário
causou um alvoroço na Alemanha,
porque culpava a suposta não integração
de muitos imigrantes pelo declínio da nação alemã.
Enquanto o debate se intensifica na Europa,
recebo aqui em Nova Iorque um polêmico intelectual,
que tem sido chamado de "Elvis da Teoria Cultural".
Sim, estou falando do filósofo e crítico esloveno,
Slavoj Zizek.
Ele é o autor de mais de 30 livros.
Seu último livro, da editora Verso, acabou de ser lançado
e se chama "Viver no Fim dos Tempos".
Em um recente artigo para o jornal londrino "The Guardian",
ele argumentou que, por toda a Europa,
a política da extrema direita está infectando a todos
com o que seria a necessidade de uma política razoável anti-imigrante.
Slavoj Zizek, bem-vindo ao "Democracia Agora".
Estou feliz por estar aqui, obrigado.
Esclareça para nós,
o que Angela Merkel quis dizer com o fim do multiculturalismo e
o que o próprio conceito - multiculturalismo - significa,
e o significado dos protestos em *** que têm ocorrido na França
e em outros lugares.
Penso que nós, europeus,
somos geralmente um pouco arrogantes mesmo,
como se fôssemos um modelo de tolerância.
Agora uma coisa horrível aconteceu
e o preocupante é que não foi somente nos países europeus
que associamos com a intolerância, como os do Sudeste Europeu,
a Romênia, a Hungria,
Está acontecendo mesmo em países que são grandes modelos de tolerância
na Holanda, na Noruega etc.
O que realmente me preocupa é...
direi algo muito simples, quase senso comum.
É claro que podem me censurar,
mas a verdadeira democracia, a tolerância em um sentido autêntico
significam que não se pode dizer certas coisas publicamente.
Você é considerado...
por exemplo, se você disser uma piada antisemítica e sexista...
é inaceitável.
Coisas que eram inaceitáveis há 10 ou 15 anos...
são agora aceitáveis.
E o que me preocupa mesmo é como...
a extrema direita...
o que era há 20 anos de domínio deles continua sendo,
e mesmo que sejam a minoria,
a extrema direita está definindo a agenda de um modo geral.
A típica artimanha retórica aqui é feita em dois movimentos:
no primeiro, condena-se, obviamente, a extrema direita,
não há lugar para ela, não há democracia desenvolvida com ela.
Então, acrescenta-se:
mas eles estão debatendo as reais preocupações da população!
Para que possamos previnir (é esta a artimanha sofista deles),
de modo preciso, o ódio, os tumultos sociais,
temos que controlar a situação.
Sabe o que é significativo sobre Sarrazin,
o banqueiro que mencionou?
Sabia que ele era politicamente próximo da democracia social?
Isto significa que…?
Significa que a extrema direita impôs realmente seus interesses a todos.
Mas deixe-me contar agora algo que pode lhe surpreender.
É claro que não aceito esta lógica horrível:
"Nós temos que fazer agir de forma mais conservadora para evitarmos...
tumultos reais".
Mas penso que há uma falha
nesta visão multicultural liberal padrão,
o que significa que cada grupo étnico ou o que quer que seja...
que tudo que precisamos é
uma estrutura legal e neutra que garanta a co-existência dos grupos.
Desculpo-me, se choco alguém,
mas acho que o que precisamos mesmo é daquilo
que os alemães chamam de 'leitkultur', "cultura dominante".
Só que ela não deveria ser nacionalmente definida,
deveríamos lutar por ela.
Sim, concordo com os conservadores:
precisamos de um conjunto de valores aceito por todos.
Mas o que são tais valores, meu Deus?
Negligenciamos isso um pouco.
Não é só este modelo abstrato liberal,
você tem o seu mundo, eu tenho o meu.
Só precisamos de uma rede legal e neutra,
que é como podemos ignorar educadamente um ao outro.
O meu segundo ponto, que tem sido e que é absolutamente crucial...
... é o modo como esta explosão anti-imigrante
está ligada ao recuo dos políticos de esquerda,
em especial no que concerne à economia e assim por diante.
É como se a esquerda estivesse obcecada pela ideia
de que não deveríamos parecer reacionários em termos econômicos.
Isso é dizer: "Não, não, não somos representantes dos velhos sindicatos,
da classe trabalhadora.
Somos a favor do capitalismo pós-moderno digital".
Eles não querem tocar
na classe operária ou nos chamados cidadãos das classes mais baixas.
E é aqui que a direita entra.
O terrível paradoxo é que, afora alguns pequenos partidos
marginais de esquerda,
a única força política séria na Europa hoje,
que ainda consegue chegar
às pessoas comuns e trabalhadoras é a direita anti-imigrante.
Veja, nós de esquerda
não temos absolutamente nenhum direito
de ter essa visão arrogante de pessoas tolerantes
que estão sendo ofendidas,
"Que horror"! Não!
Nós temos que nos perguntar como permitimos que isso acontecesse!
Quero perguntar sobre a enquete
feita pelo jornal "Christian Science Monitor",
que mostrou que 13% dos alemães dariam
boas-vindas à chegada de um novo Führer.
Mais de um terço dos alemães sentem que o país
foi invadido por estrangeiros.
Aproximadamente 60% restringiria a prática do Islã
e 17% acredita que os judeus têm influência demais.
13% daria boas-vindas à chegada de um novo Führer.
Acho que, de novo, talvez eu cause um choque,
mas não acho que devamos dar peso demais a isso, não, não.
Penso que...
minha primeira tese é a de que a Alemanha,
e isso torna as coisas ainda mais trágicas,
pela minha experiência pessoal,
a Alemanha é efetivamente muito mais tolerante,
na dia a dia, que a França.
Sei o que estou dizendo...
Não é tão geral quanto possa parecer.
Vá para a parte mista da ex-Berlim Ocidental,
entre outros lugares,
e ainda se vê uma colaboração maravilhosa.
Não se preocupe com isso.
O que estou dizendo é que
não deveríamos ficar tão fascinados com esses detalhes.
Deveríamos perguntar questões mais fundamentais.
Para mim, isto é apenas parte de uma mudança geral,
que mencionei no livro ao qual você gentilmente se referiu,
como todo o mapa político da Europa tem mudado de maneira horrível.
Para resumir, até agora...