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Fomos errantes desde o início.
Conhecíamos a posição de todas as árvores num raio de duzentos quilômetros.
Quando os frutos ou as castanhas amadureciam, lá estávamos nós.
Seguíamos os rebanhos em suas migrações anuais.
Deleitávamos-nos com a carne fresca.
Por ações furtivas, estratagemas, emboscadas e ataques de força bruta,
alguns de nós realizávamos em conjunto
o que muito de nós, sozinhos, não podíamos conseguir.
Dependíamos uns dos outros.
Viver por conta própria era uma idéia tão absurda
quanto fixar residência.
Durante 99,9% do tempo,
desde o aparecimento de nossa espécie,
fomos caçadores e coletores,
errantes nas savanas e nas estepes.
A fronteira estava por toda parte.
Éramos limitados apenas pela Terra,
pelo oceano e pelo céu.
Nos últimos 10 mil anos
– um instante em nossa longa história –
abandonamos a vida nômade.
Apesar de todas as suas vantagens materiais,
a vida sedentária nos deixou irritáveis,
insatisfeitos.
A estrada aberta ainda nos chama suavemente,
quase uma canção esquecida da infância.
Atribuirmos um certo romance aos lugares remotos.
A minha suspeita é de que o apelo tem sido meticulosamente elaborado
pela seleção natural, como um elemento essencial de nossa sobrevivência.
Longos verões,
invernos amenos,
ricas colheitas,
caça abundante
– nada disso dura pra sempre.
Esta além dos nossos poderes predizer o futuro.
as catástrofes têm um modo de
nos atacar sorrateiramente,
nos pegando desprevenidos.
Talvez você deva sua vida, a de seu bando
ou, até mesmo, a de sua espécie a uns poucos inquietos
- levados, por um desejo que mal podem expressar ou compreender,
a terras desconhecidas e a novos mundos.
Para os antigos gregos e romanos,
o mundo conhecido compreendia a Europa e
reduzidas Ásia e África, tudo circundado por um intransponível
Oceano do Mundo.
Os viajantes poderiam encontrar seres inferiores, chamados bárbaros,
ou seres superiores, chamados deuses.
Mas não havia assim tantos deuses, ao menos no inicio,
talvez apenas uns doze.
Viviam nas montanhas, sob a Terra,
no mar ou lá em cima do céu.
Mandavam mensagens às pessoas, intervinham nos assuntos humanos e
cruzavam conosco.
À medida que passava o tempo
e que a capacidade exploratória dos homens acertava o seu passo,
ocorriam surpresas:
os bárbaros podiam ser tão inteligentes quanto os gregos e os romanos.
A África e a Ásia eram maiores do que se tinha pensado.
O Oceano do Mundo não era intransponível.
Existiam três novos continentes,
ocupados pelos asiáticos em eras passadas,
sem que a notícia jamais tivesse chegado à Europa.
E, decepcionantemente, não era fácil encontrar os deuses.
Desde o nosso aparecimento, há alguns milhões de anos, na África Oriental,
seguimos nosso caminho cheio de meandros ao redor do planeta.
Agora existem pessoas em todos os continentes e nas ilhas mais remotas,
de pólo a pólo, do monte Everest ao mar Morto,
no fundo dos oceanos e até,
ocasionalmente,
residindo trezentos quilômetros acima da Terra
humanos, como os deuses de outrora, vivendo no céu.
Nos dias de hoje não parece haver mais nenhum lugar para explorar,
Vitimas de seu próprio sucesso,
os exploradores agora ficam bastante tempo em casa.
As grandes migrações de povos
– algumas voluntárias, a maioria involuntária –
têm moldado a condição humana.
Hoje fugimos da guerra, da opressão e da fome
mais do que qualquer outra época na historia humana.
Quando o clima na Terra mudar, nas próximas décadas,
provavelmente aumentarão os refugiados ambientais.
Lugares melhores sempre nos atrairão.
As marés de povos vão continuar o seu fluxo e refluxo por todo o planeta.
Mas as terras para onde agora corremos já foram povoadas.
Outras pessoas, que muitas vezes não compreendem nossa situação,
já ali se encontram antes de nós.
Talvez seja um pouco cedo.
Talvez ainda não tenha chegado a hora.
Mas esses outros mundos promissores, oportunidades ilimitadas, acenam, chamando-nos.
Nas ultimas décadas, os Estados Unidos e a antiga União Soviética
realizaram algo assombroso e histórico
o exame minucioso de todos esses pontos de luz,
de Mercúrio a Saturno,
que levaram nossos antepassados à admiração e à ciência.
Desde o advento do vôo interplanetário bem-sucedido em 1962,
nossas máquinas têm voado por mais de setenta novos mundos,
Temos errado entre os errantes.
Descobrimos imensas elevações vulcânicas que eclipsam a montanha mais alta da Terra;
vales de rios antigos em dois planetas,
enigmaticamente, um demasiado frio
e o outro quente em demasia para ter água corrente;
um planeta gigantesco com um interior de hidrogênio metálico liquido
em que caberiam mil Terras;
luas inteiras que se fundiram;
um lugar coberto de nuvens com uma atmosfera de ácidos corrosivos,
onde até os platôs elevados têm uma temperatura acima do ponto de fusão do chumbo;
superfícies antigas
em que se acha gravado um registro fiel da formação violenta do Sistema Solar
mundos glaciais refugiados dos abismos transplutônicos;
sistemas de anéis com padrões refinados,
marcando as harmonias sutis da gravidade;
e um mundo rodeado por nuvens
de moléculas orgânicas complexas
com as que, na história primeva do nosso planeta,
deram origem à vida.
Silenciosamente, eles giram em torno do Sol, esperando.
Descobrimos maravilhas jamais sonhadas pelos nossos antepassados
que especulavam pela primeira vez sobre a natureza
dessas luzes errantes no céu noturno.
Investigamos as origens de nosso planeta e de nós mesmos.
Descobrindo outras possibilidades,
confrontando-nos com os destinos alternativos
de mundos mais ou menos parecidos com o nosso,
temos começado a compreender melhor a Terra.
Cada um desses mundos é encantador e instrutivo.
Mas, que se saiba, são também,
cada um deles, desertos e áridos.
No espaço, não existem “lugares melhores”.
Até agora, pelo menos.
Durante a missão robótica Viking,
que teve início em julho de 1976,
em certo sentido passei um ano em Marte.
Examinei os penedos e as dunas de areia,
o céu, vermelho até o auge do dia,
os vales de rios antigos,
as montanhas vulcânicas elevadas,
a feroz erosão eólica,
o terreno polar laminado,
as duas luas escuras em forma de batata.
Mas não havia vida
– nem um grilo ou uma folha de grama, nem mesmo,
tanto quanto podemos afirmar com certeza, um micróbio.
A vida é relativamente uma raridade.
Podem-se examinar dúzias de mundos
e descobrir que só em um deles
a vida nasce, evolui e persiste.
Netuno se acha um milhão de vezes mais distante da Terra
que a cidade de Nova York das margens do rio Bug.
Mas não há parentes remotos,
nem seres humanos,
nem qualquer vida aparente esperando por nós nesses outros mundos.
Nenhuma carta trazida por emigrantes recentes nos ajuda
a compreender a nova terra
apenas dados digitais transmitidos, à velocidade da luz,
por, insensíveis, emissários-robôs precisos.
Eles nos dizem que
esses novos mundos não são como a nossa casa.
Continuamos, no entanto, a procurar os habitantes.
Não podemos evitar. Vida procura vida.
Ninguém na Terra, nem mesmo o mais rico dentre nós,
tem recursos para empreender a viagem;
assim, não podemos fazer as malas e partir rumo a Marte ou ***ã ao sabor de um capricho,
por estarmos entediados, desempregados, porque fomos recrutados pelo exército ou
oprimidos,
ou porque, justa ou injustamente, nos acusaram de um crime.
Não parece haver lucro suficiente, a curto prazo,
para motivar a indústria privada.
Se nós, humanos, algum dia partirmos rumo a esses mundos,
será porque uma nação
ou um consórcio de nações
acredita que o empreendimento lhe trará benefícios
ou benefício para a espécie humana.
Agora mesmo, há um grande número de questões nos pressionando
que disputam o dinheiro necessário para enviar pessoas a outros mundos.
Deveríamos resolver esses problemas primeiro?
Ou serão eles um razão a mais para partir?
Embora o apelo da estrada aberta esteja hoje emudecido.
O elemento central do futuro humano
se encontra muito além da Terra.