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"Mario!"
"Ah! Socorro!"
Bem-vindos à nossa videosérie de múltiplas partes, que explora os papéis e representações das mulheres em video games.
Este projeto vai examinar os tropos, recursos de enredo e padrões mais comumente associados às mulheres em video games
através de uma perspectiva sistêmica e ampla.
Esta série vai incluir análise crítica de vários personagens e jogos muito queridos,
mas lembre-se que é possível, e até necessário,
apreciar diferentes mídias e, ao mesmo tempo, ser crítico de seus aspectos mais problemáticos ou perniciosos.
Então, sem mais delongas, vamos cair de cabeça na Donzela em Perigo.
Vamos começar com a história de um jogo que ninguém nunca pôde jogar.
Em 1999, a empresa designer de jogos "Rare" trabalhava duro em um novo título original para Nintendo 64 chamado Planet Dinosaur.
O jogo ia estrelar uma heroína de 16 anos chamada Krystal como uma entre dois protagonistas pra se jogar.
Ela era incubida de viajar no tempo, lutar contra monstros pré-históricos com seu bastão mágico,
e de salvar o mundo. Ela era forte, ela era capaz e heróica.
"E quem seria você, garota animal?"
"Meu nome é Krystal!"
Muito legal, não é?
Bem, teria sido, se não fosse pelo jogo nunca ter sido lançado.
Quando o desenvolvimento do projeto estava terminando, o lendário designer de jogos, Shigeru Miyamoto,
zombou sobre como, ao invés disso, ele achava que o jogo devia ser o terceiro número da sua franquia Star Fox.
Pelos dois anos seguintes, ele e a Nintendo fizeram exatamente isso.
Eles reescreveram e refizeram o design do jogo, e lançaram-no como Star Fox Adventures para o Game Cube em 2002.
Nessa versão reformulada, Krystal, a protagonista-por-ser, acabou transformada numa Donzela em Perigo
e passando a grande maior parte do jogo presa em em uma prisão de cristal
esperando pra ser resgatada pelo novo herói, Fox McCloud.
As sequências de ação do jogo que foram originalmente construídas para Krystal
foram convertidas para, ao invés dela, estrelar Fox.
Krystal ganhou uma roupa menor e mais sexualizada.
"Uau! Ela é linda!"
"O que eu estou fazendo?"
E sim, isso é música cafona de saxofone tocando, pra deixar claro como cristal
que ela agora é um objeto de desejo, mesmo quando sob animação suspensa.
Para somar insulto à injúria, Fox agora usa o bastão mágico dela pra lutar através do jogo e então salvá-la.
A história de como Krystal passou de protagonista da própria aventura épica
para a vítima passiva no jogo de outra pessoa
ilustra como o tropo da Donzela em Perigo desempodera personagens femininas
e rouba delas a chance de ser heroínas em sua próprio jornada.
O termo "Donzela em Perigo" é uma tradução do francês "demoiselle en détresse".
"Demoiselle" quer dizer simplesmente "mulher jovem",
enquanto que "détresse" quer dizer, grosseiramente, ansiedade ou desespero causada por um senso de abandono, desamparo ou perigo.
Como tropo, a Donzela em Perigo é um recurso de enredo
em que uma personagem feminina é colocada em uma situação de perigo
da qual ela não pode escapar sozinha, e deve ser resgatada por um personagem masculino,
sendo este, com frequência, o incentivo ou motivação central para a jornada do protagonista.
Em video games, isso ocorre mais frequentemente via sequestro,
mas também pode ser por meio de petrificação ou possessão por demônios, por exemplo.
Tradicionalmente, a mulher em perigo é um membro da família ou um interesse amoroso para o herói
- princesas, esposas, namoradas e irmãs são todas usadas com frequência pra preencher o papel.
É claro que a Donzela em Perigo é anterior à invenção dos video games em vários milhares de anos.
O tropo tem origens na mitologia grega, com a história de Perseu.
De acordo com o mito, Andrômeda estava prestes a ser devorada por um monstro marinho
depois de ser acorrentada nua a uma rocha, como sacrifício humano.
Perseu mata a fera, resgata a princesa e então a reivindica como esposa.
Na Idade Média, a Donzela em Perigo era um traço comum em muitas canções, lendas e contos de fada medievais.
O resgate de uma mulher indefesa era frequentemente retratado como a "raison d'être",
ou razão da existência em contos e poemas românticos da era,
envolvendo um cavaleiro errante que se aventura para provar sua honra, valentia e virtude.
Na virada do século vinte, jovens mulheres vitimizadas se tornaram o clichê de preferência
para a nascente indústria cinematográfica americana, já que gerava um recurso de enredo fácil e sensacionalista para a tela grande.
Um exemplo famoso é o curta "A Corrida Pela Vida de Barney Oldfield", de Keystone Cops (1913),
que exibe a cena, hoje icônica, de uma mulher sendo amarrada aos trilhos do trem pelo cruel vilão que torce os bigodes.
Na mesma época, o tema de um macaco gigante, carregando uma mulher que grita,
começou a ganhar popularidade geral em todo tipo de mídia.
É notável que Jane, o interesse amoroso de Tarzan, é capturada por um primata do bando
na aventura pulp "Tarzan, O Homem Macaco", de Edgar Rice Burroughs (1912).
Em 1930, Walt Disney usou esse meme em um dos primeiros cartoons do Mickey Mouse,
chamado "O Mistério do Gorila".
A imagem foi até mesmo explorada pelas Forças Armadas dos EUA, em seu pôster de recrutamento para a I Guerra Mundial.
Mas foi só em 1933 que duas coisas aconteceram, e criaram as condições para que,
50 anos depois, o tropo da Donzela em perigo se tornasse um elemento fundacional dos video games como mídia.
Primeiro, a Paramount Pictures introduziu seu desenho animado, "Popeye", ao público de cinema.
A fórmula para a maioria dos curtas envolvia Popeye resgatando uma Olívia Palito raptada.
Segundo, em março daquele ano, a RKO Pictures lançou seu hit pioneiro, o filme King Kong
- em que um macaco gigante rapta uma mulher e é morto no final, ao tentar manter posse dela.
Já em 1981, uma companhia japonesa chamada Nintendo
confiou a um jovem designer chamado Shigeru Miyamoto
a tarefa de criar um novo jogo de arcade para o mercado americano.
Originalmente, o projeto foi concebido como um jogo estrelando Popeye,
mas a Nintendo não conseguiu assegurar os direitos de uso.
Miyamoto criou seus próprios personagens para preencher o vazio, altamente influenciado pelo filme "King Kong".
O herói do jogo, "Saltador", tinha a missão de salvar uma donzela chamada "A Dama",
depois que ela é raptada por um macaco gigante.
Em versões posteriores, ela é renomeada como "Pauline".
Embora Donkey Kong seja, talvez, o mais famoso dos primeiros jogos de arcade a exibir a Donzela em Perigo,
não foi a primeira vez que Miyamoto usou o tropo.
Dois anos antes, ele teve um dedo no design de um jogo de arcade chamado Sheriff.
Nele, um monte de pixels com forma mais ou menos feminina,
chamado de "A Bela", deve ser resgatado de bandidos.
O herói ganha um "beijo da vitória" como recompensa por sua bravura no final.
Alguns anos depois, Miyamoto reciclou o design dos personagens de Donkey Kong:
Pauline se tornou o modelo para uma nova donzela chamada Princesa Cogumelo,
e o "Saltador" se tornou um certo encanador muito famoso.
A Princesa Peach é, de várias formas, a versão quintessencial da Donzela em Perigo.
A infeliz princesa aparece em 14 dos jogos de plataforma centrais do Super Mario Bros
e é raptada em 13 deles.
O lançamento norte-americano Super Mario Bros 2, em 1988,
permanece o único jogo na série central em que Peach não é raptada,
e também o único jogo em que ela é uma personagem com a qual se pode jogar
- muito embora esse jogo não tenha sido criado pra ser do Mario de jeito nenhum.
O jogo foi lançado originalmente no ***ão sob um titulo totalmente diferente:
"Yume Köjö: Doki Doki Panic",
que, em tradução grosseira, quer dizer "Fábrica de Sonhos: Pânico de Acelerar o Coração".
A Nintendo dos EUA decidiu que o lançamento japonês original de Super Mario Bros 2 era muito difícil e muito similar ao primeiro jogo,
então eles reformularam "Doki Doki Panic" para estrelar Mario e Luigi.
No entanto, o jogo japonês já tinha quatro personagens pra se jogar.
Então, os designers optaram por incluir o Toad ("Cogumelo") e a Princesa para preencher os dois buracos restantes,
construindo diretamente a partir dos modelos pré-existentes de personagem.
Então, se formos honestos, a Peach é meio que uma opção acidental nesse jogo.
Mesmo assim, ela tinha a habilidade incrível de flutuar por curtas distâncias,
o que era muito útil, especialmente nas fases de gelo.
Infelizmente, Peach nunca mais foi uma opção pra jogar na franquia principal.
Mesmo entre os jogos mais recentes que têm quatro opções de personagem pra jogar, como o novo Super Mario Bros Wii e WiiU,
a Princesa ainda é excluída da ação.
Ela foi substituída por outro Toad,
para permitir que a Nintendo a empurre de volta pro papel de Donzela mais uma vez e mais outra vez.
Peach aparece, é claro, em vários spin offs,
como as séries Mario Party, Mario Sports e Mario Kart,
bem como no Super Smash Bros, cruzamento dos jogos de luta no universo Nintendo.
No entando, todos esses spin offs estão fora da série central de jogos de plataforma do Super Mario.
Ela é a estrela de uma única aventura, e nós vamos chegar lá daqui a pouco.
Um jeito de pensar sobre as personagens "donzeladas" é pela chamada dicotomia sujeito/objeto.
Nos termos mais simples, sujeitos agem e objetos sofrem ação.
O sujeito é o protagonista; aquele em que a história é centrada,
e aquele fazendo a maior parte da ação.
Em video games, é quase sempre o principal personagem com que se pode jogar,
e é sob a sua perspectiva que a maior parte da história é vista.
Então, o tropo da Donzela tipicamente faz dos homens sujeitos das narrativas,
enquanto relega as mulheres ao papel de objeto.
Isso é uma forma de objetificação, porque como objetos as mulheres "donzeladas" apenas sofrem a ação,
frequentemente se tornando ou se reduzindo a um prêmio a ganhar, um tesouro a encontrar ou um objetivo a alcançar.
A breve introdução que acompanha muitos jogos clássicos de arcade
tende a reforçar o enquadramento das mulheres como posse que foi roubada do protagonista.
A luta do herói para reaver sua "propriedade" roubada, então, gera a justificativa preguiçosa para o jogo em si.
No fundo, a Donzela em Perigo não tem nada a ver com as mulheres.
Ela se torna simplesmente o objeto central em uma competição entre homens,
pelo menos em suas encarnações tradicionais.
Eu ouvi uma vez que, no jogo do patriarcado, as mulheres não são o time rival:
elas são a bola.
Então, por exemplo, podemos pensar na franquia do Super Mario como um grande jogo disputado
entre Mario e Bowser, e o papel da Princesa Peach é essencialmente o da bola.
Os dois homens jogam a Princesa pra lá e pra cá durante a série principal,
cada um tentando manter e tomar posse da "Bola-Donzela".
Ainda que a Nintendo com certeza não tenha inventado a Donzela em Perigo,
a popularidade de sua fórmula "salve-a-princesa" essencialmente estabeleceu o padrão pra indústria.
O tropo rapidamente virou o gancho de motivação ideal para designers de jogos,
já que proporciona um jeito fácil de tocar nas fantasias masculinas adolescentes de poder
- em nome de vender mais jogos para garotos e homens hétero.
"Socorro!"
"Socorro!"
"Socorro!"
"Socorro!"
"Me salve!"
"Socorro!"
"Por favor me ajude, Blade!"
Nos anos 80 e 90, o tropo se tornou tão dominante
que seria quase impossível mencionar todos.
Há literalmente centenas de exemplos, tanto em jogos de plataforma,
e jogos beat-em-ups, de side scrolling,
quanto em jogos de tiro em primeira pessoa
e em RPGs.
Vamos dar um minuto pra esclarecer alguns mal-entendidos comuns sobre este tropo.
Como um recurso de enredo, a Donzela em Perigo é frequentemente agrupada com outros tropos separados,
incluindo "A Vítima Designada", "O Resgate Heróico" e o "Beijo da Vitória".
No entanto, é importante lembrar que essas convenções associadas
não são necessariamente parte da Donzela em Perigo em si.
Então a mulher em questão pode ou não fazer o papel de vítima por todo o jogo ou série,
e o nosso bravo herói pode ou não ter sucesso em sua tentativa de resgate.
Tudo o que é de fato necessário para preencher a Donzela em Perigo
é que uma personagem feminina seja reduzida a um estado indefeso
do qual ela precisa ser resgata por um herói tipicamente masculino, pelo benefício do arco de história.
Isso nos leva a outra famosa princesa da Nintendo.
Em 1986, Shigeru Miyamoto dobrou a sua fórmula da Donzela em Perigo
com o lançamento para NES de The Legend of Zelda.
Esse foi o primeiro do que seria uma das mais adoradas franquias de jogos de ação e aventura de todos os tempos.
"Zelda!"
"A Lenda de Zelda continua."
"Zelda!"
"Encontre os cristais, salve a princesa."
"Zelda!" "Zelda!"
"Zelda II: A Aventura de Link"
"Nintendo! Agora você está brincando com poder."
Durante o curso de mais de uma dúzia de jogos, abrangendo 25 anos,
todas as encarnações da Princesa Zelda foram raptadas, amaldiçoadas, possuídas, transformadas em pedra,
ou desempoderadas de outro modo em algum ponto.
Zelda nunca foi a estrela de sua própria aventura, nem mesmo uma personagem pra se jogar na série central.
No entanto, é preciso dizer que nem todas as Donzelas são criadas iguais
e Zelda ocasionalmente ganha um papel um pouco mais ativo ou integral para jogar do que sua contraparte no Reino Cogumelo.
Ao contrário de Peach, Zelda não é completamente definida por seu papel como a vítima perpétua de Ganondorf
e em alguns jogos posteriores, ela até percorre a linha entre Donzela e Ajudante.
Lembre-se, a Donzela em Perigo como recurso de enredo é algo que acontece a uma personagem feminina,
não necessariamente algo que a personagem é do começo ao fim.
De vez em quanto, ela pode ter a oportunidade de desempenhar um papel um pouquinho mais ativo
facilitando a jornada do herói, tipicamente ao abrir portas, dar dicas, power-ups,
e outros itens úteis.
Eu chama essa variante do tema de A Donzela Útil.
De fato, Zelda tem o seu melhor quando toma a forma de Sheik em Ocarina of Time e de Tetra em The Wind Waker.
Em Ocarina of Time, Zelda evita a captura pelos primeiros 3/4 do jogo.
Disfarçada de Sheik, ela é uma participante ativa e útil na aventura
e mostra ser mais do que capaz.
No entanto, assim que ela volta à forma mais próxima do estereótipo feminino de Princesa Zelda,
ela é capturada dentro de 3 minutos.
Literalmente 3 minutos. Eu cronometrei.
O resgate dela se torna central para o fim da jornada de Link.
Similarmente, em The Wind Waker, Tetra é uma jovem capitã pirata mal-humorada e impressionante,
mas assim que se descobre que ela é a Princesa Zelda, quando ela toma a forma mais próxima do estereótipo feminino,
dizem pra ela que ela não tem mais permissão de acompanhar Link na aventura
porque, de repente, é perigoso demais pra ela.
Ordenam que ela espere no castelo,
o que ela faz, até que é raptada enquanto esperava obedientemente no mesmo lugar.
É digno de nota que, no último estágio da batalha do chefão,
ela ajuda o Link a lutar contra Ganondorf sim, por alguns minutinhos, e é uma mudança refrescante.
No entanto, na próxima vez que a encarnação de Tetra aparece, em The Phanto Hourglass (2007),
ela é raptada já na introdução.
Mais tarde ela vira pedra e é raptada outra vez.
É desapontante que, mesmo em seus momentos de heroísmo, Zelda ainda é "donzelada":
ela é removida da ação, colocada de lado,
e fica indefesa pelo menos uma vez a cada jogo em que aparece.
Isso nos trás a um dos maiores motivos pra esse tropo ser tão problemático e pernicioso para a representação das mulheres.
A Donzela em Perigo não é só sinônimo de "fraca";
ao invés disso, o tropo arranca o poder das personagens femininas, mesmo aquelas úteis ou que parecem capazes.
Não importa o que nos digam sobre os poderes mágicos, as habilidades ou a força delas:
elas ainda são capturadas ou incapacitadas no final das contas, e aí precisam esperar o resgate.
Destilado á sua essência, o recurso de enredo funciona trocando o desempoderamento das personagens femininas
pelo empoderamento das personagens masculinas.
Vamos comparar a Donzela ao arquétipo do Mito do Herói,
em que o personagem tipicamente masculino pode ser ocasionalmente machucado,
incapacitado ou brevemente aprisionado em algum ponto de sua jornada.
Nessas situações, o personagem confia em sua inteligência, artimanha e habilidade pra engendrar a própria fuga.
"Bem melhor!"
Ou, sabe, só abrir um buraco a soco na parede da prisão serve também.
A questão é que eles são capazes de ganhar de volta a própria liberdade no fim das contas.
De fato, este processo de superação dos obstáculos
é um passo importante na transformação do protagonista em uma figura heróica.
Uma mulher "donzelada", por outro lado, é exibida como incapaz de escapar do problema por si só,
e por isso deve esperar um salvador pra fazer isso por ela.
Desse modo, o obstáculo da Donzela não é dela mesma:
ao invés disso, é mostrado como uma provação para o herói vencer.
Consequentemente, o tropo rouba das mulheres em perigo a oportunidade de arquitetarem sua própria fuga,
e assim impede que elas se tornem o arquétipo da heroína também.
Hoje, muitos jogos old school com Donzelas estão sendo ressuscitados para plataformas modernas e dispositivos móveis,
já que os editores estão em uma corrida para faturar na nostalgia dos video games
e capitalizar em qualquer personagem reconhecível do passado.
Por exemplo, Sonic CD, da Sega (1993), estrelando uma Amy Rose "donzelada",
foi aprimorado e posto para download em uma ampla variedade de plataformas modernas.
Os famosos jogos Karateka e Prince of Persia, de Jordan Mechner,
originalmente lançados para o Apple II nos anos 80,
ganharam remakes modernos em HD.
E Dragon's Lair, o jogo para laserdisk de 1983,
com a palerma Princesa Daphne, foi transportado para qualquer sistema imaginável.
"Por favor, me salve!"
"A cela está trancada. Com uma chave."
"O dragão fica com ela no pescoço."
"Para matar o dragão, use a espada mágica!"
Lembra da Pauline? Donzela do clássico jogo de arcade Donkey Kong?
Bom, ela também foi ressuscitada.
Primeiro no Donkey Kong para Game Boy (1994)
e depois na série Mario vs. Donkey Kong, para Nintendo D.S.
Cada jogo exibe um novo arranjo da velha trama de pretexto,
com Pauline sendo sequestrada pelo macaco gigante durante os créditos de abertura.
"Mario! Por favor, me ajude!"
Os segundos de abertura do jogo beat-em-up de arcade, Double Dragon, hoje icônicos,
mostram Marian levando um soco no estômago, sendo jogada no ombro de um bandido e levada embora.
Em várias versões, as calcinhas delas estão claramente á mostra para o jogador durante o seu rapto.
O jogo foi refeito, relançado e transportado para dúzias de sistemas nos últimos 25 anos,
assegurando que Marian seja agredida e "donzelada" para o proveito de cada nova geração.
Double Drangon neon, mais recente (2012), reintroduziu novos jogadores à essa porcaria regressiva, mais uma vez,
mas agora em Full HD.
Esse padrão de apresentação das mulheres como fundamentalmente fracas, ineficientes ou por fim incapazes,
tem maiores ramificações além dos personagens em si e dos jogos específicos que habitam.
Nós temos que lembrar que esses jogos não existem no vácuo:
eles são uma parte cada vez mais importante e influente do nosso ecossistema social e cultural.
A verdade é: o tropo é usado no contexto do mundo real,
onde atitudes machistas e retrógadas já estão por toda parte.
É triste que que uma alta porcentagem da população mundial ainda se agarre à crença super machista
de que as mulheres, como um grupo, precisam ser protegidas e tuteladas por homens.
A crença de que as mulheres são, de alguma maneira, um "gênero mais fraco"
é um mito socialmente construído, profundamente arraigado e, é claro, totalmente falso
mas a noção é reforçada e perpetuada quando as mulheres são continuamente retratadas
como criaturas fracas, frágeis e vulneráveis.
Só pra ser clara, eu não estou dizendo que todos os jogos que usam a Donzela em Perigo como recurso de enredo
são automaticamente machistas ou sem valor.
Mas é inegável que a cultura popular é uma influência poderosa em nossas vidas
e que a Donzela em Perigo como um padrão recorrente ajuda sim a normalizar atitudes extremamente tóxicas e paternalistas sobre as mulheres.
Agora, eu cresci com a Nintendo. Eu fui fã das franquias de Mario e Zelda a vida toda
e elas sempre terão um lugar especial no meu coração, como eu tenho certeza que acontece com um monte de gamers por aí.
Mas mesmo assim é importante reconhecer e pensar criticamente sobre os aspectos mais problemáticos,
especialmente considerando que muitas dessas franquias estão mais populares que nunca
e que os personagens viraram ícones no mundo todo.
A boa notícia é que não há nada que impeça dos designers de jogos de evoluir suas representações de gênero
e de tornar mais mulheres heroínas nos futuros jogos.
Seria fantástico ver Zelda, Sheik e Tetra finalmente como protagonistas de seus próprios jogos.
E não só de DS, eu estou falando de aventuras completas, totalmente nos consoles.
OK, então nós estabelecemos que a Donzela em Perigo é um dos mais usados clichês de gênero na história dos video games
e está no cerne da popularização e desenvolvimento dos video games como uma mídia.
Mas e quanto aos jogos modernos? Alguma coisa mudou nos últimos 10 anos?
Bom, fique atento à Parte Dois, em que eu vou destacar exemplos mais contemporâneos da Donzela em Perigo.
Vamos analisar todas as mudanças obscuras e reviravoltas extremas, e ver como a convenção é usada e abusada até hoje.
Então, vamos checar alguns jogos onde os designers tentaram subverter a Donzela.
Eu gostaria de estender um grande "muito obrigada!" a todos os meus apoiadores no Kickstarter
que continuaram me apoiando e que ajudaram a fazer dessa videosérie realidade.