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A Associação Portuguesa de Surdos preocupa-se muito com o desenvolvimento das comunidades surdas,
principalmente nos países de língua portuguesa, assim como se preocupa muito com a educação das crianças surdas.
Portanto graças à persistência e à generosidade do senhor Manuel Lopes Rodrigues,
podemos estar aqui e podemos tentar ajudar um pouco...
O objetivo foi sobretudo ver como eram as condições dos surdos aqui na Guiné, aqui em Bissau.
A informação é muito pouca, não há quase nenhuma informação.
Posso dizer que aqui não há mesmo nada, nada. Portanto, nós aqui viemos tentar dar
algumas luzes do que é que é uma pessoa surda, do que é que é uma língua gestual,
como é que se cria uma comunidade de surdos.
Tu não ouves. Eu também não ouço, como tu.
Tem vergonha, nota-se. Sabes gestos?
Tu tens 16 anos? É isso?
Como é que o pai comunica com o filho? Fala com ele como?
Com gestos - está a dizer - é com gestos.
E dá para entender tudo? Sim.
Sim? Então, quer dizer que é esperto. É esperto.
Esse é o trabalho dele, é para pôr a vela.
Fomos à aldeia do Amaré, combinamos com um grupo de surdos em casa dele,
para convivermos e nos conhecermos. Foi muito engraçado.
A cultura é muito diferente.
Os temas eram:
qual era o trabalho, a idade que tinham, se têm família, se são casados, se têm filhos.
O Amaré disse que eles também sabiam gestos sobre desporto, cinema...
Lembrou-se ainda dos nomes gestuais dos canditatos à Presidência da República.
Engraçado, estava a observar duas mulheres sentadas,
que eram casadas e tinham filhos, elas conversavam entre elas
e diziam assim: "a minha casa é para além",
comunicavam por mímica, e a outra dizia "eu moro para outro lado".
É uma mímica muito básica. Eles são nove na mesma aldeia
e parece que outros grupos de surdos se juntam noutras aldeias
e convivem entre si. Era preciso juntá-los todos.
Temos aqui cinco que são vizinhos.
Quantos anos tem ele?
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É importante haver surdos com idades diferentes para ele poder ver.
Tenho um filho.
Agora não trabalho.
O meu marido não está cá, está fora.
Quantos filhos tens?
Tenho seis, mas um morreu.
Um está ali, outro além e outro no outro lado.
A AGRICE (Associação Guiné para Reabilitação e Integração dos Cegos) tem sido, assim, a razão para nós estarmos aqui.
Se não fosse a AGRICE nem nunca a Associação Portuguesa de Surdos teria sido contactada.
Nós recebemos a visita do sr. José Augusto Lopes, em janeiro, na Associação Portuguesa de Surdos,
que nos explicou a situação. Disse que tinha aqui 97 crianças e jovens surdos
e que não sabiam o que é que haviam de fazer com eles.
Nós na Associação Portuguesa de Surdos ficámos muito preocupados, porque são muitas crianças,
97 são quase 100 crianças, são muitas crianças. Então fizemos todos os esforços para poder vir cá.
E depois também tivemos uma grande insistência do sr. Manuel Lopes Rodrigues
e esta insistência foi determinante para nós virmos, e o apoio dele, com certeza.
As crianças, estamos ansiosas pelas crianças.
Há duas salas de aula. Quando entrámos, percebemos que não era uma escola só de cegos,
é uma escola de ouvintes, quer dizer "normal", como eles dizem,
de ouvintes e visuais. Há uma parte que é a unidade especial.
É uma unidade com uma sala para cegos e outra para surdos,
mas eles disseram que tinham 97 surdos na mesma sala, em horários diferentes.
O que é que gostava que agora estas crianças tivessem,
para elas poderem ter uma educação melhor?
Melhor? Conhecer mais gestos. Isso é que é importante para elas.
Porque um lugar, uma escola assim, pedimos emprestado para os ensinar assim.
Pensamos que, quando tivermos outro lugar, assim poderemos adquirir mais espaço,
porque aqui não chega. Há muitos surdos. Aqui o espaço é apertado.
Para que alguns possam estudar, precisamos de três turnos:
um entra de manhã, sai às 11 horas, outro entra 11 horas.
Como é que é os horários daqui? Um entra às 9...
Três turnos: um de 8, 7 horas a 11 horas, os outros entram 11 horas até 15 horas,
os outros entram 15 horas a 18 horas e meia.
Mesmo com isso, há muitos alunos que não têm lugar para eles, não têm acesso aqui.
Queremos , se houver meios, construir a nossa própria escola, maior,
para que todas as crianças tenham acesso à escola.
Então uma pergunta: aqui, os três grupos têm contacto entre eles?
Por exemplo, no intervalo, quando acaba um turno e começa o outro, eles contactam entre si?
Sim, sim, contactam.
Mas, por exemplo o primeiro grupo não contacta com o último?
Só o grupo do meio é que tem sorte: conhece o primeiro e o último.
Era importante eles todos se conhecerem. Quanto mais...
Estamos muito contentes mesmo com este grupo, porque é um grupo que não sabia quase nada,
mas que está com tanta vontade de aprender, tanta vontade. Eles estão todos interessados,
tão motivados e que é engraçado, porque nós dizemos as coisas e é muita informação,
porque, como não há nada, é muita informação que nós estamos a transmitir.
e estamos muito contentes porque os professores estão a assimilar o mais importante.
é como se aqui, embora estejam atrasados, é como se estivessem mais à frente,
porque o mais importante eles já sabem. Eles já sabem que, para os surdos,
o fundamental é estarem juntos e terem a língua gestual. Isto eles já sabem e isto é o mais importante.
Na próxima segunda-feira vamos começar a trabalhar com crianças.
Queremos mostrar-lhes como é o ensino com o método bilingue,
trabalhando em simultâneo a língua gestual e o português.
Queria evitar usar os métodos de Portugal porque aqui a cultura é muito diferente.
Precisamos de trabalhar histórias com textos daqui e tivemos sorte com o material de cá.
Temos fotografias que mostram a vida daqui e os textos são de cá.
É uma menina.
É um menino.
É uma mulher.
É um homem.
a - o - a - o
A aula com as crianças foi muito boa, senti que foi muito boa.
Foi muito importante os professores estarem e eles ficaram surpreendidos por saber que é possível.
O tema era o género masculino e feminino,
o que obrigou as crianças a puxarem pelas cabeças.
Pensei que fosse possível trabalhar em duas, uma semana.
Queria fazer um levantamento do que sabem, ver até onde conseguem ir,
mas, eu própria, fiquei bloqueada, porque, por exemplo:
as mesas estavam alinhadas, o que visualmente não é bom, as crianças de idades diferentes eram muitas, umas 20...
Em Portugal o máximo por turma é de oito e dá para trabalhar com todos olhando uns para os outros,
e oito já é muito, quanto mais aqui...
Ontem eram uns vinte, o mais novo tinha 5 anos e o mais velho 20 e tal...
Tentei organizá-los, mas não foi fácil. Hoje, na primeira aula, demos uma coisa muito simples, para exemplificar o método bilingue:
"o" e "a", masculino e feminino, com os gestos deles da Guiné-Bissau,
homem e mulher. Explicámos que, por exemplo, um nome pode ser masculino...
Os mais velhos têm muitas dificuldades, fazem muitos erros na escrita.
Hoje, logo de manhã, organizámos as mesas em forma de C
e assim todos podiam ver-se uns aos outros e ficaram mais interessados na aula.
Nós pensávamos que estava mais atrasado do que realmente está. Nós ficámos...
Já conhecemos algumas crianças e ficámos muito impressionadas, eu e a minha colega Marta,
que é professora de crianças surdas já há muito tempo, ficámos as duas muito impressionadas,
porque aqui as crianças surdas têm uma boa cabeça. São crianças muito espertas,
que já têm alguma língua gestual. Também temos conhecido alguns jovens surdos
e eles já têm uma língua gestual. Eu acho que o que é preciso agora é juntar os surdos
para que eles possam desenvolver esta língua. Nós ainda não trabalhámos a escrita com os alunos surdos,
porque nós sentimos e nós defendemos que o mais importante para as crianças surdas
é desenvolverem a língua gestual, porque, só desenvolvendo uma linguagem delas,
que é natural, é que elas podem desenvolver o pensamento.
Nota-se que as crianças comunicam metade com gestos ao calhas,
ao calhas é quando comunicam com o professor,
mas, quando falam entre eles, parece que usam uma mímica muito profunda.
É a partir daí que queremos que eles desenvolvam a língua, não queremos influenciá-las.
É engraçado que tudo é muito básico, mas, por outro lado, eles já sabem a importância
de os surdos estarem juntos e de se dar prioridade à língua gestual.
É básico, mas têm consciência do principal.
'Alfabeto manual' (em Língua Gestual Portuguesa)
'Dias de semana' (em Língua Gestual Portuguesa)
'Nome gestual' (em Língua Gestual Portuguesa)
Estes são os manuais escolares do 1º ciclo e do 2º ciclo.
Houve uma mulher que falou sobre as tarefas de casa, coisas como limpezas...
É engraçado, porque ela disse que limpa as teias de aranha do teto,
ou que raspa as lágrimas da vela. É engraçado porque são coisas daqui.
Ou que vão buscar água num balde, que usam mosquiteiro na cama.
Também a forma como tomam banho, as mães dão banho às crianças num alguidar.
é uma forma diferente de Portugal.
Aqui queimam o lixo.
Não há máquinas de lavar a roupa, lavam manualmente.
Usam o fogo para cozinhar, põem as panelas no fogo e cozinham.
Aqui, a maior parte das pessoas não tem luz e adapta a sua vida a isso.
'Milho'
'Papaia'
'Banana'
'Côco'
'Peixe'
'Sol'
'Chuva'
'Nuvem'
'Tomar banho'
'Varrer'
'Surdo'
'Luz'
'Avião'
Trabalhámos muito este fim de semana para o dicionário.
Terminámos no domingo muito tarde. Foram 222 palavras. Nada mau.
Este é o Daio.
Este sou eu.
Os pais do Amaré, os pais são muito simpáticos, e nota-se que estão interessados
no bem estar do filho, preocupam-se com ele e principalmente com um bom futuro para ele.
Foi muito positivo e hoje tive mais tempo com o Amaré (ainda não tem nome gestual). Comunicamos por escrito.
Ele quer conhecer o presidente da Associação Portuguesa de Surdos.
Ele também quer ser presidente no futuro mas antes quer ver como é em Portugal.
Vamos ver. Mas há um problema, se ele for presidente e ficar em Portugal, fica dividido.
Comunicámos muito por escrito e ele falou-me da vida dele...
Este é o Amaré que está quase a ir para Portugal,
mas antes demos-lhe um livro e uma mala para ele a encher e ir para Portugal.
Foi engraçado, comunicámos só por escrito e, às vezes a comunicação falha, mas espero que,
quando ele chegar a Portugal, possamos deixar de escrever, guardemos os cadernos
arrumemo-los numa prateleira e comecemos a comunicar por gestos.
Espero que, quando ele voltar, possa ser líder daqui.
Quando voltarmos a Portugal vamos falar com as pessoas,
porque é urgente criar uma escola, é urgente o Amaré ir para Portugal,
é urgente os surdos conviverem entre si...
É urgente...
É urgente, sim...
Não podemos parar...
É urgente mudar, é urgente...
É urgente evoluir.
A comunidade surda já evoluiu tanto no mundo.
E aqui não há uma língua gestual, não há uma associação, não há uma escola...
Ainda não há nada para os surdos, como é que é possível?...
Gostava de saber, no mundo, quais os países que estão assim como aqui.
Não conheço...
São Tomé e Príncipe e Cabo Verde em parte.
Agora vamos aproveitar a carrinha porque vão levar as crianças a casa, em aldeias diferentes.
Vamos ver o ambiente de cada um e quem os vai receber.
Vamos lá!
Este é o Amaré que conhecemos, quando estivemos cá, no ano passado.
Foi para Portugal em novembro. Chegou num dia especial para a comunidade surda portuguesa.
Na altura ele ficou confuso e gostávamos que nos contasse como foi.
Voltou no dia 21 de julho, ficou lá quase um ano.
Quando cheguei e vi os surdos a comunicar e fiquei de boca aberta.
E no curso da Associação, o que aprendeste, durante este ano?
Aprendi muitas coisas diferentes.
Foi difícil aprender Língua Gestual Portuguesa?
Foi fácil, como tenho identidade, esforcei-me e foi fácil.
Qual é o teu sonho, quando terminares o curso de formador em Portugal?
Construir uma associação para melhorar a comunidade surda.
Quando viemos cá no ano passado demos uma formação aos professores
e também a crianças surdas. Este ano viemos só para trabalhar no dicionário,
Estas duas crianças são um exemplo das crianças que dormem aqui no lar de cegos
e convivem com a língua 24 horas por dia. Vamos compará-los com os outros.
Na próxima segunda-feira, vamos receber mais crianças que não são internas,
vão e vêm de casa, têm pais. Vamos comparar as duas línguas e registá-los.
Tenho três irmãos surdos.
e mais dois surdos que já morreram.
Era um homem e uma mulher.
Morreram de doença.
Acha que o Danilson é uma criança feliz? Muito feliz, é sim feliz.
Viemos com o objetivo de fazer o dicionário, de melhorá-lo.
No ano passado fizemos um muito simples, com fotografias, que imprimimos.
As pessoas gostaram do dicionário, então achámos que devia ser melhorado e editado,
por isso é que viemos cá.
Na semana passada, vieram muitos surdos e trabalhámos todos os dias.
Na segunda-feira, vieram tantos que foi um pouco confuso.
Observámo-los e escolhemos os melhores em língua gestual.
Trabalhámos com eles, mas foi também um pouco difícil porque, por exemplo,
palavras simples sobre partes da casa, o quarto, a casa de banho,
este tipo de palavras, eles ainda não têm gestos.
Eles sabem explicar tudo sobre fruta, como a manga manga, como nasce e cresce.
ou mesmo sobre o peixe, desde a pesca até à venda. Descrevem muito bem visualmente.
'Interior de casa'
'Muçulmano'
'Igreja Universal'
'Pintar'
'Tecer'
'Coser'
'Ficar de castigo'
'Morrer'
'Faca'
'Côco'
'Pão'
'Sal'
'Cana de açúcar'
'Porco'
'Vaca'
'Cavalo'
'Gato'
'T-shirt'
Setembro, outubro, novembro, dezembro são gestos de Portugal. Aqui não, aqui os gestos são diferentes.
'Meses do ano'
'Brasil'
'Portugal'
'Nomes gestuais'
Lê o que está escrito, sozinho.
'O Abu... ficou... dois...'
O que é isto?
'...semanas na Guiné-Bissau.'
'Está na escola de surdos...'
'...todos os dias.'
'Brincou muito, jogou à bola...'
'...amigos novos.'
'Sempre viu a mãe, foi bom.'
Falta esta, comeste esta palavra. A que horas?
'À tarde.'
'Dia 31, volta Portugal.'
Falta esta palavra, não te vi dizeres.
'...outubro volta Portugal. Triste não sabe volta Guiné.'
Parabéns!
Ele sabe que não não é 'uma' é 'duas'. Vai ter de pôr o 's' em 'semanas', portanto isso ele já sabe.
Normalmente é bom deixar eles escreverem o que eles sabem e depois...
Falta 'duas semanas'.
Isto é feminino, 'a'.
Então e isto? Não é masculino, é feminino.
Esta é fácil.
'Ficar duas semanas'
'Todos os dias.'
'...t - u - g...'
Falta uma letra pequenina: 'a', volto 'a'.
Pronto, agora falta o ponto.
Nós conhecemos as crianças, os jovens surdos e começámos a ver que eles já tinham alguns gestos.
Porquê? Como é que eles tinham gestos?
Porque se, num local, normalmente a escola, os surdos se juntam, eles precisam de comunicar.
Fizemos um primeiro dicionário, este primeiro dicionário, com alguns gestos.
Na altura também começou o movimento para se criar a associação de surdos da Guiné-Bissau,
com o objetivo de lutar pelos direitos dos surdos e, sobretudo, dos direitos das crianças surdas
à educação, portanto quiseram criar também a escola só para os surdos.
Nós então viemos no ano seguinte, em 2006, só com o objetivo de trabalhar o dicionário.
Juntámos crianças, jovens, adultos, mais ou menos 60 surdos, durante todos os dias.
De manhã à tarde, todos os dias a trabalhar, a filmar.
E, nessa altura, filmámos então eles a discutir vários temas.
Nós não fazíamos nada, só observávamos e filmávamos.