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O PRINCÍPIO DA VIDA COM DAVID ATTENBOROUGH
Vou partir numa viagem fantástica
à procura da origem da vida.
Viajarei não apenas ao redor do mundo,
mas de volta no tempo,
para tentar construir a imagem
de como era a vida nesse período inicial.
Será uma viagem repleta de surpresas.
Partes dela eram desconhecidas até poucos anos atrás.
Em 50 anos de TV,
eu tive a sorte de explorar o mundo vivo
em todo seu esplendor e complexidade.
A baleia azul!
O maior ser existente no planeta!
Agora, vou explorar a origem de tudo isto.
Procurar os primeiros seres vivos que surgiram no planeta.
Nos últimos anos, cientistas descobriram provas dramáticas
de como eram esses primeiros seres.
Também podemos achar indícios em animais vivos.
E este pequeno ser encantador é o que procurávamos.
Usando a tecnologia mais recente,
é possível trazer esses antigos animais de volta à vida
pela primeira vez em meio bilhão de anos.
Do instante em que surgiram
ao momento em que deram seus passos pioneiros sobre a terra,
podemos deduzir como os animais adquiriram corpos que se moviam,
olhos que viam
e bocas que comiam.
E podemos compreender como esses primeiros organismos
lançaram as bases para os animais modernos que conhecemos.
Olá, rapaz. Como vai?
Incluindo você e eu.
MUSKETEERS Albattroz Otoni Kakko
A CHEGADA
Minha viagem de 64 mil km começa bem perto de casa,
na Grã-Bretanha.
Esta é a Floresta Charnwood, em Leicester,
no centro da Inglaterra.
Quando estudante, cresci perto daqui.
E nestas rochas,
foi feita uma descoberta que transformou
nossa compreensão do mistério dos mistérios,
a origem da vida.
A história da vida pode ser vista
como uma árvore muito ramificada,
com todas as espécies vivas atuais
ligadas a ancestrais comuns bem perto de sua base.
Os cinco reinos da vida,
os principais ramos, firmaram-se no princípio.
Bactérias.
Protistas, seres ameboides.
Fungos.
Plantas.
E animais.
Para mim, esta é a questão mais fascinante de todas.
Como e quando eles surgiram pela primeira vez?
As respostas só agora começam a aparecer,
e um dos primeiros indícios veio da Floresta Charnwood.
Eu era um apaixonado colecionador de fósseis.
Mas nunca procurei por eles nesta parte de Charnwood,
pois as rochas daqui estão entre as mais antigas do mundo.
Com cerca de 600 milhões de anos.
E todo geólogo sabia ou estava convencido
que rochas de idade tão extrema
não podiam conter nenhum tipo de fóssil.
Então um menino da minha escola,
alguns anos após eu deixá-la,
fez uma descoberta espantosa.
Contra todas as previsões científicas,
ele achou um fóssil nestas antigas rochas de Leicester.
E aqui está ele.
É chamado e conhecido pelo mundo como Charnia,
em homenagem à floresta na qual foi descoberto.
Mas o que ele é? É animal ou planta?
O fato é que ele vem de um período tão remoto
que a distinção entre essas duas formas de vida
ainda não era clara.
Mas um coisa é certa. Ele obviamente esteve vivo.
Charnia era um organismo marinho,
parte de uma antiga comunidade de seres vivos
que viviam na escuridão do fundo de um oceano.
Isso nós sabemos.
Mas o que era esse ser estranho?
Quando ele apareceu pela primeira vez?
E como ele está relacionado aos animais modernos?
As respostas a tais questões só começam a surgir agora.
Houve outras descobertas na Floresta Charnwood,
como este disco,
que provavelmente era um suporte
fixando a fronde do Charnia ao fundo do mar.
Então as pessoas começaram a investigar
rochas de idade avançada por todo o mundo.
E eis que descobriram uma nova gama de fósseis
que nos permite hoje reunir, com detalhe extraordinário,
os primeiros capítulos da história da vida.
Isso tudo ocorreu há muito tempo.
Imagine viajar de volta no tempo.
O homem existe há 2 milhões de anos.
Os dinossauros foram extintos há 65 milhões de anos.
O Charnia é mais de 8 vezes mais velho que o último dinossauro.
Ele viveu há cerca de 560 milhões de anos.
Mas comparado à idade da própria vida,
isso não é nada.
Antes que o Charnia e outros organismos complexos existissem,
os únicos seres vivos eram
células unicelulares microscópicas.
Elas apareceram pela primeira vez
há cerca de 3,5 bilhões de anos
quando a Terra era um lugar muito diferente.
Os primeiros continentes ainda estavam se formando.
Os dias duravam apenas 6 horas, pois à época a Terra girava
muito mais rápido sobre seu eixo do que hoje.
A terra era dominada por vulcões,
hostil e sem vida.
Mas no fundo dos oceanos, a vida começou.
A mais recente teoria é que os produtos químicos
liberados pelos dutos vulcânicos submarinos
solidificaram-se e formaram torres como esta,
e isso gerou as condições necessárias
para as 1ª células se formarem.
Algumas delas começaram a aproveitar a energia do sol,
assim como as plantas atuais, e formaram colônias.
Estes estromatólitos no oeste da Austrália
foram erigidos por bactérias fotossintetizantes similares.
Outros conseguiam sobreviver,
extraindo alimento diretamente do meio ambiente,
como os fungos e animais que mais tarde evoluíram.
Esta situação perdurou por um vasto período de tempo.
Por cerca de 3 bilhões de anos,
organismos microscópicos simples
foram a forma mais avançada de vida no planeta.
Isso é mais da metade de toda a história da vida na Terra.
E, de repente, no espaço de poucos milhões de anos,
um mero piscar de olho em termos evolutivos,
organismos avançados surgiram.
"Por que" é um mistério,
mas podemos achar algumas pistas para isso no litoral por aqui.
Na costa leste do Canadá, há evidências de um evento
que pode muito bem ter sido a centelha
que iniciou a evolução dos animais.
Estas rochas foram datadas, por radioatividade,
de um pouco antes do instante
da vida se tornar muito complexa.
Se pudermos entender as circunstâncias
em que tais rochas se formaram,
poderemos ter uma ideia
de o porquê a vida se tornou mais complexa.
Fragmentos de pedra vermelha
estão incutidos na rocha mais escura.
Eles parecem deslocados.
E, de fato, estão.
Os geólogos os chamam de clastos caídos.
Eles foram trazidos aqui por geleiras.
Conforme o gelo se distanciava da terra,
ele flutuava rumo ao mar numa grande plataforma,
levando consigo pedras que coletou nos continentes.
E quando o gelo derreteu,
os clatos caíram em sedimentos no fundo do mar.
Este não foi o único lugar coberto pelo gelo.
Clastos caídos da mesma idade
foram achados em depósitos por todo o mundo.
A evidência indica
uma disseminação global de glaciação.
Pouco antes de a vida complexa surgir,
o mundo estava envolto na maior era glacial de sua história.
Chamada Terra Bola de Neve.
A Terra estava mergulhada num frio profundo tão intenso
que se estendia de um polo ao outro.
A superfície dos mares estava congelada.
Nos continentes, calotas polares e geleiras se desenvolviam.
Em alguns lugares, o gelo tinha mais de 1 km de espessura.
Ainda não conhecemos bem os detalhes,
mas é provável que tais condições
tenham perdurado por milhões de anos.
Estromatólitos e colônias bacterianas similares
que dominavam a Terra
foram esmagados com o avanço das geleiras.
A vida foi quase aniquilada antes mesmo de começar.
É difícil imaginar como a vida conseguiu sobreviver
em tais circunstâncias. Mas ela sobreviveu.
A microbióloga, Dra. Hazel Barton,
acredita que as geleiras modernas
podem nos dizer como ela conseguiu.
Ela veio ao campo de gelo Colúmbia
nas Montanhas Rochosas
à procura de organismos que ainda hoje
são capazes de resistir a tais extremos.
Estar aqui parece como se tudo tivesse sido exterminado,
a geleira avançou e destruiu toda a vida, não há nada vivo.
Mas para um microbiólogo isto parece uma floresta tropical.
Daqui podemos ver a descoloração na superfície do gelo,
mas aquilo não é lodo,
é uma bactéria fotossintetizante que sobrevive ali
e isso cria um ecossistema onde temos plantas e predadores
que se alimentam de tais organismos.
Embora pareça morta, ela está repleta de vida.
A forma de vida que vemos aqui é muito antiga.
Elas tiveram de se adaptar a muitas catástrofes globais.
Adaptarem-se à Terra Bola de Neve.
Os micro-organismos que vivem
nestes ambientes árduos, os extremófilos,
têm uma adaptabilidade incrível incutida em seus genomas.
Podemos congelá-los, enterrá-los no gelo grosso
e isso não é grande obstáculo devido à sua natureza adaptável.
Devemos a nossa existência aos extremófilos que habitam o gelo.
A Terra Bola de Neve quase extinguiu a vida,
mas minúsculos organismos como estes
resistiram por milhões de anos.
Creio que havia organismos
que podiam resistir a ambientes extremos
condicionando-se a esse ecossistema mutável.
Havia uma película de micróbios na superfície do planeta,
e esses organismos vivendo
entre o contato das geleiras com a rocha,
e havia proliferação suficiente de vida
para que quando tais condições sumiram,
e ficaram mais favoráveis, a vida explodiu de novo.
Por fim, a Terra Bola de Neve começou a esquentar.
Há evidência que por volta desse período,
houve aumento global da atividade vulcânica.
Erupções perfurando o gelo,
lançando dióxido de carbono no ar.
Ao espalhar-se pela atmosfera, ele produziu um efeito estufa,
retendo calor que aqueceu a terra e derreteu o gelo.
Ainda temos muito a descobrir sobre o que ocorreu a seguir,
mas é provável que tenha sido
o derretimento da Terra Bola de Neve
que levou ao próximo grande desenvolvimento da vida.
Conforme as geleiras se retraíam,
a água derretida rica em nutrientes
inundava os oceanos.
Para as células sobreviventes,
esta enxurrada de detritos rochosos
foi uma mina de ouro.
Para os micróbios fotossintetizantes,
a rocha pulverizada foi um potente fertilizante.
Seu crescimento teria influência direta
sobre as primeiras células animais.
Cianobactérias e outros micróbios produtores de oxigênio
começaram a proliferar por todo o mundo.
Essa proliferação das colônias de micróbios fitoides
liberou enormes volumes de oxigênio.
E esse aumento de oxigênio foi essencial
para o surgimento do reino animal.
A vida microscópica simples
tinha o combustível necessário
para transformar-se em algo maior.
Após bilhões de anos de vida unicelular,
algo incrível aconteceu no fundo do mar.
Até então, as células vivas eram produzidas por divisão
simplesmente se separando uma da outra.
Mas agora, com a ajuda do aumento do oxigênio,
algumas células estavam se aglomerando.
Alguns aglomerados acabaram evoluindo para animais.
Para descobrir como o oxigênio impulsionou esse processo,
eu vim à Barreira de Corais da Austrália,
para ver um dos animais vivos atuais mais primitivos,
que pode ser chamado de fóssil vivo.
É um dos organismos pluricelulares
mais simples que conhecemos,
mas sua estrutura corporal básica lhe permitiu sobreviver
praticamente inalterado por cerca de 600 milhões de anos.
É uma esponja.
As esponjas são apenas grupos de células simples
que se agruparam e se juntaram.
Elas não têm sistemas digestivo,
nervoso ou circulatório,
e obtêm seu alimento e oxigênio
bombeando água do mar por canais no corpo.
Mas elas podem nos dar indicação
de como foi que as células agruparam-se pela 1ª vez
para formar corpos de tamanho real.
Em nível microscópico, células esponjosas são unidas
por um emaranhado de moléculas filamentosas
chamadas colágeno.
Esta cola de colágeno é encontrada apenas nos animais,
e em nenhum outro lugar.
O colágeno às vezes é chamado
de "fita adesiva" do mundo animal.
É a proteína mais comum no nosso corpo.
Forma a estrutura de nossa pele.
Cirurgiões plásticos o usam para aumentar lábios.
Precisamos de oxigênio para produzirmos colágeno
e com o aumento da quantia de oxigênio na atmosfera
no final da Terra Bola de Neve,
as células puderam produzi-lo.
Na Estação de Pesquisa da Ilha Heron
na Grande Barreira de Corais,
cientistas trabalham para entender
como organismos pluricelulares
começaram a colonizar a terra.
Para achar a resposta,
o biólogo marinho, prof. Bernard Degnan,
está estudando as esponjas.
As coisas que ligam as esponjas ao resto do reino animal
podemos encontrar ao nível da célula e do gene.
Quando observamos seus genes, ela é claramente um animal.
Procuramos por coisas que unem todos os animais,
o que o homem tem em comum
não só com o chimpanzé ou com um tigre,
mas em comum com uma esponja.
Se pudermos achar um aspecto comum,
chegaremos ao âmago da questão da pluricelularidade
no reino animal, então essa é a chave.
Uma experiência clássica nos dá alguma ideia.
Primeiro, a esponja é cortada em pedaços pequenos.
Depois, é empurrada por uma peneira
na extremidade de uma siringa.
Isso decompõem o animal a suas células individuais.
Pode parecer algo brutal para se fazer com um organismo vivo,
mas para uma esponja isso não tem consequência.
Em resposta, ela faz algo muito surpreendente.
As células começam a se mover...
e, em seguida, formam aglomerados.
Logo os aglomerados ficam maiores,
até que 3 semanas depois,
uma esponja em miniatura se forma.
As esponjas têm essa incrível capacidade de se regenerar.
Nós reconstruímos a esponja a partir do nível celular.
Dessa experiência, podemos inferir
algumas coisas que ocorreram
há 600 milhões de anos com os primeiros animais.
Podemos inferir que havia células se agrupando,
podiam aderir uma a outra,
usavam proteínas extracelulares como o colágeno
para se manterem juntas.
Tinham a capacidade de se comunicar
e uma certa flexibilidade que as permitiu interagir
para dar origem a algo maior e mais complexo,
um grande animal macroscópico pluricelular.
Eram muitas as vantagens de ser pluricelular.
Colônias de células podiam arrecadar mais alimento,
controlar seu ambiente interno
e agir de forma eficiente, trabalhando em equipe.
Foi apenas o começo.
No Canadá, há um lugar extraordinário
que revela o que houve a seguir.
Aqui vemos como apenas alguns milhões de anos
após o derretimento da Terra Bola de Neve,
os primeiros seres pluricelulares
ficaram mais sofisticados e maiores.
Este é Mistaken Point em Newfoundland.
O nome se deve porque os marinheiros
que chegavam à costa leste da América do Norte
perdidos nos nevoeiros que eram frequentes aqui
seguiam ao norte rumo ao mar aberto
mas naufragavam nestas rochas ferozes.
Mas hoje Mistaken Point
tem uma fama totalmente diferente.
Hoje ela é reconhecida
como um dos mais importantes depósitos fossilíferos do mundo.
Pois aqui podemos ver fósseis
dos primeiros animais que evoluíram neste planeta.
Os fósseis nestas rochas são maravilhosos e estranhos.
Quando o sol está baixo,
a luz inclinada revela sua estrutura em grande detalhe.
Os organismos não eram mais meros aglomerados
de células indiferenciadas, como as esponjas.
Eles estavam organizados em formas definidas.
E dentre eles há alguns que se parecem com o Charnia,
reconhecido pela primeira vez na Floresta Charnwood.
Aqui, há não só centenas de exemplos de Charnia,
mas toda uma comunidade de outros seres estranhos.
Onde quer que olhemos há marcas e entalhes complexos
de um tipo ou de outro.
Como se crianças tivessem brincado em areia molhada.
É como andar sobre um tapete de seres antigos.
É difícil imaginar que há 565 milhões de anos
este era o fundo do oceano
e estes foram os primeiros animais a viverem neste planeta.
Aqui, em Mistaken Point,
condições excepcionais preservaram
essas delicadas formas de vida.
Cada uma dessas camadas de rocha
outrora foi lama depositada no fundo de um oceano.
Um oceano tão profundo, que era muito frio
e pobre em oxigênio,
por isso os organismos que morreram aqui
levaram muito tempo para se decompor.
Mas os que morreram foram preservados
com um grau surpreendente de perfeição.
O que torna este lugar tão diferente?
Havia um vulcão próximo que se erguia do fundo do mar,
e ele expelia milhões de toneladas de cinzas.
As cinzas se depositaram no fundo,
cobrindo tudo como uma Pompeia submarina.
Durante milhões de anos,
a própria cinza foi coberta por sedimentos lamacentos
e, depois, tudo virou rocha.
E então, ao longo de centenas de milhões de anos,
forças orogenéticas soergueram o leito do mar
à posição atual no litoral do Canadá.
O Dr. Guy Narbonne
é especialista nos fósseis de Mistaken Point.
Vemos aqui nesta superfície cinza
o lamacento fundo do mar onde viviam todos os seres.
Eles foram derrubados e cobertos
por uma camada de cinza vulcânica.
Podemos vê-la aqui,
todo este material rosa e branco é cinza vulcânica.
A cinza vulcânica cobriu cada parte deles,
como pôr gesso no braço quando o quebramos,
e isso levou à preservação perfeita
de cada detalhe exterior.
Radioatividade nesta camada de cinza de cor clara
permitiu que Guy Narbonne
datasse com precisão as erupções,
e, por tabela, os fósseis.
Alguns chegam a ter 579 milhões de anos.
Aqui podemos ver um dos melhores fósseis na superfície.
Ele consiste em discos, todos têm estas pústulas
e por isso carinhosamente os chamamos de discos de pizza.
Tinham uma forma muito simples,
mas foram os primeiros seres grandes na evolução da Terra.
Os discos de pizza são apenas uma
das espécies encontradas aqui.
A maioria tem fronde semelhante à samambaia,
como esta enorme espécie de Charnia.
Esta é uma fronde de 2 metros.
- Impressionante! - E não é a maior.
Há cerca de 200 espécimes deste por aqui.
A fronde de Charnia encontrada em Charnwood estava isolada.
Mas aqui em Mistaken Point,
uma comunidade inteira de organismos
foi preservada junta...
e isso poderia nos fornecer nova informação.
Você chama isto de animal
mas há razão para classificá-lo assim?
Ao invés de planta.
A grande questão é o que ele é.
Sabemos que não pode ser uma planta
pois estava na água a milhares de metros de profundidade.
Não haveria luz suficiente para ler a manchete de um jornal.
A grande profundidade há pouca luz para a fotossíntese.
Não é fotossintetizante porque estava muito fundo
e, portanto, não era uma planta. Do que ele vivia?
Acreditamos que vivia de carbono dissolvido
e outros nutrientes nas profundezas dos oceanos.
Ele absorvia tais nutrientes através de todo o corpo.
Era muito fino. Talvez com menor espessura
que a unha do polegar.
Muito primitivo.
Estes organismos eram animais muito simples.
Longe do alcance da luz,
eles sobreviviam absorvendo nutrientes químicos.
Mas a maioria dos animais que conhecemos hoje
são capazes de se mover.
Até esponjas e corais têm larvas nadadoras.
Mas não há evidência disso aqui.
Todos os seres eram imóveis.
Nenhum podia se mover. Nenhum tinha boca,
ou músculos.
Provavelmente nenhum tinha cor,
provavelmente tudo era esbranquiçado.
Estes são os mais antigos
e maiores seres pluricelulares da Terra,
os mais antigos proto-animais.
Diferente de tudo que existe hoje na Terra.
Mesmo que não estejam diretamente relacionados a nós,
como um parente distante,
eles nos fornecem uma visão de nossa própria origem.
Uma das coisas mais peculiares nestes incríveis proto-animais
é a forma como eles construíam seus corpos.
Diferente dos seres modernos,
eles tinham um padrão muito simples de ramificação.
Apesar de seu tamanho, estes ainda são animais muito simples.
Podem ser construídos com apenas 6 a 8 comandos genéticos,
contra cerca de 25 mil comandos necessários
para produzir um mamífero como eu.
Podemos notar isto se os olharmos em detalhe.
Veremos que são compostos de uma série de pequenos módulos
presos uns aos outros de várias formas diferentes.
Sua forma modular ou fractal de construir seus corpos
é uma das principais áreas de pesquisa de Guy Narbonne.
Seu estudo concentra-se numa determinada espécie.
Este é o Fractofusus.
É o fóssil mais comum em Mistaken Point.
Temos milhares de espécimes.
Ele ficava deitado no fundo do mar como vemos aqui.
Uma *** fusiforme, muito fina.
Consistia destes elementos.
E há 20 deles de cada lado.
E se olharmos um elemento individual,
ele é delicadamente ramificado.
Um estilo chamado fractal ou auto-similar.
Estes organismos fractais
cresciam por ramificação repetitiva,
com cada ramificação idêntica à sua antecessora
a partir no nível microscópico.
Era um meio simples, mas muito eficaz de construir um corpo.
Tais ramos delicadamente divididos
davam ao organismo uma grande área de superfície,
e isso lhe permitia absorver nutrientes diretamente,
sem boca e intestino.
Este design corporal fractal mostrou-se exitoso.
Os animais que o usavam
expandiram-se pela primeira vez na história da vida na Terra.
O design fractal foi perfeito
para que tais seres avançassem
e é fácil perceber por quê.
É preciso pouca programação genética para produzir um.
Você conseguiria com 6 ou 8 códigos no seu PC
produzir algo com ramificação fractal.
E combiná-los para produzir elementos maiores
é brincadeira de criança,
como uma criança montando um lego
para fazer uma estrutura maior.
Os fósseis de Mistaken Point
fornecem registro detalhado dos animais fractais.
Mas a ausência de algo parecido a eles
em rochas mais recentes, é muito significativa.
Apenas poucos milhões de anos após evoluírem pela 1ª vez,
eles desapareceram.
Eles não têm descendentes vivos.
Foram um beco evolutivo sem saída.
E o motivo?
A simplicidade do seu modo fractal de crescer.
Eles dominaram completamente os primeiros 20 milhões de anos
de evolução de proto-animais pluricelulares complexos.
Mas esse surgimento rápido também foi sua ruína.
Pois foram incapazes de desenvolver coisas como
intestinos, cérebros, músculos e dentes
que os animais posteriores fizeram.
Se os animais quisessem adquirir tais coisas,
eles teriam de construir seus corpos
de forma totalmente distinta.
Por fim, surgiram animais que fizeram exatamente isso.
Para vê-los, vou viajar ao sul de Newfoundland
cruzando a linha do Equador até o sul da Austrália.
As Colinas Ediacara.
Aqui há animais cuja estrutura corporal
é basicamente a mesma de quase todos os animais vivos hoje,
incluindo nós.
Os seres preservados aqui
viveram logo após o início da morte dos animais fractais.
E há cerca de 550 milhões de anos,
seus corpos organizados de forma diferente lhes deram algo novo.
Mobilidade.
Mas como e por que os animais começaram a se mover?
Os cientistas começam a achar as respostas
para essas questões fascinantes. E muitos dos detalhes
vêm destes fósseis extraordinários atrás de mim.
Uma equipe de cientistas,
liderada pelo paleontólogo, Dr Jim Gehling,
está descobrindo a evidência em grandes detalhes.
Quando temos estas camadas cobertas de argila vermelha
temos uma boa chance de achar fósseis bem preservados.
Este é o piso oceânico original.
E este piso oceânico é bem diferente
daquele das águas profundas de Mistaken Point.
Este outrora foi um recife raso.
Ele tem 550 milhões de anos.
A superfície do piso oceânico
estava coberta por lama orgânica.
Devia ser verde ou laranja. Não sabemos a cor.
Mas havia muito material orgânico
composto de bactérias e outros micro-organismos.
Mas parados no meio deste jardim de lama,
encontraríamos esses seres estranhos.
A equipe de Jim Gehling trabalha para decifrar os fósseis.
Mas isso não é fácil pois tais seres
ainda não tinham nenhuma parte rígida no corpo.
Se estivesse trabalhando com dinossauros, iria a um lugar,
acharia ossos e os escavaria,
levaria ao laboratório, e o reconstruiria.
Mas não lido com ossos. Lido com seres de corpo mole.
Só temos marcas de coisas achatadas no fundo do mar.
Apesar dos desafios, Jim descobriu provas convincentes
de que estes animais começaram a se mover.
Nesta camada fóssil, achamos algo interessante.
Uma série de círculos apagados, mas bem definidos.
De tamanho quase idêntico e que geralmente se sobrepõem.
E quando chegamos ao final da série de círculos,
encontramos uma cavidade com a marca
de um fóssil bem característico,
de Dickinsonia.
Dickinsonia era um ser semelhante a uma almofada
que ficava depositado no fundo do mar.
Seu tamanho variava desde uma moeda
até um tapete de banheiro.
Estas marcas representam algo muito importante.
Elas são as primeiras provas
de um tipo de mobilidade dos animais do fundo do mar.
Os movimentos dos primeiros animais foram lentos,
talvez até muito lento para se notar.
Para vê-los em movimento, temos de acelerá-los.
Dickinsonia se arrastava de um local de alimentação ao outro,
absorvendo a matéria orgânica abaixo
e depois voltando a se mover.
Talvez se movesse com ajuda de centenas de pés tubulares,
como as estrelas do mar atuais.
As escavações em Ediacara
revelam que Dickinsonia não era o único ser móvel.
Os animais se moviam por toda a parte,
à procura de alimento.
Esta forma aqui é local de descanso final
de um animal moluscoide chamado Kimberella.
E estas marcas aqui mostram como ele se alimentava.
Ele tinha uma probóscide, uma tromba.
Alimentava-se revirando a lama,
fazendo estas marcas.
Mas elas nos dizem mais do que como o animal se alimentava.
Também nos dizem como ele se movia
pois se olharmos nesta direção,
foi aqui que ele começou a se alimentar,
moveu-se por aqui com mais marcas e sulcos de alimentação,
depois, ele parou aqui na lama
onde foi seu lugar de descanso final.
Isto mostra não apenas que o animal se alimentava assim,
mas também se movia.
Kimberella foi um ancestral primitivo dos moluscos atuais.
Provavelmente tinha um único pé muscular,
assim como os caracóis e lesmas atuais
com o qual se arrastava pelo fundo do mar.
Nossa imagem acelerada do fundo do mar ediacarano
dá uma ideia de como os oceanos tinham virado um lugar agitado.
Fosse tal movimento rastejar ou arrastar-se pelo fundo do mar,
isso não importa pois tal animal
tem vantagens sobre um animal fixado ao fundo do mar.
Ele podia fugir do perigo.
Podia ir até fontes mais ricas em alimentos.
Podia sair de lugares superexplorados
por seus vizinhos.
Isso lhe deu enorme vantagem na história da vida.
Esta nova mobilidade só foi possível
por uma grande mudança no design dos corpos dos animais.
Em Ediacara,
ainda temos algumas daquelas belas formas fractais
que viu em Mistaken Point
mas nas Colinas Ediacara
vemos algo muito diferente
qual seja, pela primeira vez,
vemos um modelo para todos os animais posteriores,
incluindo nós.
A estrutura corporal animal moderna
é chamada simetria bilateral.
Vemos aqui um Spriggina.
Vamos fazer um molde do fóssil.
Spriggina representa o primeiro animal
a ostentar clara simetria bilateral.
Tinha corpo com cabeça numa extremidade e cauda na outra.
E metades quase idênticas, se o dividirmos ao meio.
Vemos isso em outros seres
que têm este tipo de formato de corpo.
O Spriggina é apenas um de inúmeros fósseis
nas Colinas Ediacara que se desenvolveram assim.
Tinha cabeça e cauda,
e assim movia-se em determinada direção.
É muito provável que tivessem
órgãos sensoriais concentrados na cabeça.
Por que meu nariz fica perto da boca?
Há um bom motivo.
Preciso cheirar a comida antes de ingeri-la.
Por que meus olhos ficam acima da boca?
Para que eu possa ver o que como.
A cabeça demonstra
que a capacidade sensorial havia evoluído.
Ela podia notar onde o alimento estaria no fundo do mar.
E, portanto, havia um mecanismo
para se mover até esse alimento.
Animais bilaterais como o Spriggina
tinham outra vantagem.
Entre a cabeça e a cauda, havia numerosos segmentos.
Esses animais podiam aumentar de tamanho
apenas acrescentando mais segmentos.
Além disso, cada segmento podia executar certa atividade.
Quando se começava a se mover,
desenvolvia-se uma extremidade anterior. A cabeça.
E também, por consequência, uma posterior.
No meio, segmentos nos quais podia-se adicionar apêndices.
Nesse padrão básico, podia-se pôr recursos adicionais.
Na parte anterior, os órgãos sensoriais, olhos, antenas.
Nos apêndices, podia-se modificá-los
para ser ganchos e garras que ajudariam a pegar objetos.
Na parte posterior,
haveria um poro pelo qual excretaria os dejetos.
Essa é a estrutura corporal básica
de quase todos os animais vivos hoje na Terra.
Foram necessários 3 milhões de anos
para organismos pluricelulares surgirem pela primeira vez.
Mas hoje, menos de 100 milhões de anos depois,
num piscar de olhos evolutivo,
surgiram animais que tinham a mesma estrutura corporal
que a maioria dos que vivem atualmente.
Eles tinham cabeça, cauda e corpo segmentado.
E podiam se mover em busca de alimento.
Como foi que os animais ficaram de repente tão complexos?
As Colinas Ediacara podem conter
a prova da resposta a essa questão.
Organismos vivos não vivem para sempre.
Se uma espécie quiser sobreviver,
ela tem de se reproduzir
e os primeiros animais faziam isso de forma muito simples,
por divisão direta.
Mas se uma espécie quiser sobreviver
ela também tem de ser capaz de mudar conforme o ambiente.
E fazer isso envolve reprodução bastante diferente.
Prova de como isso aconteceu
também pode ser vista nestas antigas rochas australianas.
Em 2007, a paleontóloga, Dra. Mary Droser,
descobriu nestes depósitos de 550 milhões de anos
evidência de que os animais começaram
a se reproduzir sexuadamente.
O animal em questão é chamado Funisia.
Se a tese de Droser estiver certa,
esse ser vermiforme gerava prole
trocando material genético com outros indivíduos.
Esta troca de genes, ou sexo,
diversifica a informação genética,
acelerando muito a variação e, portanto, a evolução.
A reprodução sexuada é uma das etapas
mais fundamentais da história da vida na Terra.
Devido a ela temos a diversidade que temos.
É a história do sexo.
Pelo que sabemos, esta é a 1ª evidência
de reprodução sexuada animal.
Não vemos o animal durante o ato ***.
Estamos vendo o produto
do que concluímos tenha sido reprodução sexuada.
Este fóssil é fundamental para a tese de Mary Droser.
Os pequenos círculos mostram
onde os animais estavam presos ao chão.
Pode ver que estas estruturas de fixação
têm praticamente o mesmo tamanho.
Todas têm alguns milímetros de diâmetro.
Se for a outro ponto, todas as Funisia
têm meio centímetro de diâmetro.
Os de tamanho idêntico aparecem juntos.
Esta uniformidade de tamanho em determinado local é,
acredita Mary Droser, forte indício
de que uma nova forma de reprodução tinha surgido.
Vinculamos isso à reprodução sexuada
pois ao observarmos ambientes modernos,
quando temos esse agrupamento por tamanho,
em 99,9% dos casos é produto de reprodução sexuada.
Para entender por quê,
vou viajar 3.200 km ao norte de Ediacara
até a Grande Barreira de Corais.
Aqui, há seres modernos que se reproduzem
da forma que a Funisia presumivelmente fazia.
São os corais.
Os corais, como a Funisia, estão fixados ao fundo do mar.
Eles se alimentam filtrando comida da água.
E a forma como eles se reproduzem cria
um dos maiores espetáculos anuais da natureza.
Uma vez ao ano, ocorre um evento importante entre os corais.
Não temos certeza de como é coordenado.
Provavelmente tem algo a ver com a lua.
Mas ele nos dá uma ideia
de como surgiu a reprodução sexuada.
No mesmo instante exato,
os corais liberam incontáveis milhões
de espermatozoides e óvulos de uma vez.
O evento é cronometrado com precisão
para aumentar as chances de fertilização.
Milhões de descendentes são concebidos simultaneamente.
Assim, conforme o coral cresce,
os indivíduos que compõem as colônias
têm todos a mesma idade e tamanho,
assim como a Funisia.
É improvável que a Funisia tenha sido
o primeiro animal a se reproduzir sexuadamente,
mas sua descoberta sugere que muitos outros animais
também se reproduziam misturando seus genes.
E isso pode explicar como os animais complexos
evoluíram tão rapidamente.
A chegada da reprodução sexuada acelerou a evolução.
Era um mecanismo que produzia
maior variação genética mais rapidamente.
Assim, ao longo de muitas gerações,
as espécies foram capazes de se adaptar às mudanças do ambiente.
Há 550 milhões de anos,
a vida animal estava à beira de um grande avanço.
Num ambiente onde animais estavam ficando mais móveis,
teriam de se adaptar rápido.
Movimento requer muita energia.
Simplesmente absorver nutrientes pela superfície do corpo
como fazia a Dickinsonia, era um processo muito lento.
Animais móveis precisavam consumir
grande quantia de alimento.
E eles fariam isso desenvolvendo
os primeiros estômagos, bocas e dentes.
Podemos ver como eles fizeram isso na Suíça...
...onde um novo tipo de tecnologia
fornece uma janela para o passado.
Este prédio do tamanho de um estádio
abriga um dos mais poderosos microscópios do mundo.
Chama-se síncrotron.
O prof. Philip Donoghue está preparando
os menores fósseis para o síncrotron.
Estas minúsculas bolas foram escavadas
numa pedreira ao sul da China.
Cada uma delas é um embrião fossilizado de um ser antigo.
Para compreender biologicamente estes fósseis,
não podemos observar somente a superfície,
com um microscópio eletrônico.
Precisamos ver o interior.
Temos de usar alguma tomografia de raios-X,
como os tomógrafos em hospitais.
Mas temos de usar uma que nos permita ver os mínimos detalhes.
Até um milésimo de milímetro.
O síncrotron é o único tipo de máquina de raios-X
que fornece a resolução necessária para vermos
os mínimos detalhes dentro dos embriões fossilizados.
Foi incrível, um verdadeiro momento eureca
que possamos atingir os menores detalhes de fossilização,
os menores detalhes que o registro fóssil
pode revelar usando esta tecnologia.
Poderosos geradores disparam elétrons de alta energia
em torno de um tubo circular, próximo à velocidade da luz.
Após um milhão de órbitas,
os elétrons emitem raios-X tão poderosos
que podem penetrar rocha sólida...
...ou estes minúsculos fósseis.
Donoghue usa os dados do síncrotron
para construir uma imagem 3D dos fósseis.
Sabemos que é o fóssil de um embrião pois
está envolto num saco amniótico preservado.
E usando a tomografia podemos ver
dentro do animal em desenvolvimento.
Este fóssil é o embrião
de um pequeno verme marinho chamado Markuelia.
Ele viveu apenas 20 milhões de anos
após os animais de Ediacara.
Usando o modelo 3D, Donoghue foi capaz de ver seu interior
e lá ele encontrou prova de algo novo.
Estes fósseis forneceram a 1ª prova clara
de intestino em animais.
Podemos ver claramente uma boca numa das extremidades
cercada por anéis de dentes
que se estendem ao interior da boca.
E um intestino que se estende
até um ânus na outra extremidade.
A digestão interna permitiu que a Markuelia
extraísse energia do alimento com muita eficiência.
E o fato de ela possuir dentes
indica que tinha uma nova dieta.
Outros animais.
O fato de ter anéis de dentes dispostos na boca,
que eram projetados para fora da boca para pegar presas,
indica que era um predador.
Pela primeira vez, havia caçadores nos oceanos.
E isso tinha enormes implicações evolutivas.
Estava prestes a ocorrer uma explosão de vida
que lançaria as bases para os animais modernos.
Numa outra onda evolutiva,
a estrutura corporal animal ficou cada vez mais elaborada.
Predadores temíveis surgiram nos mares,
grandes monstros na terra
e os animais se tornaram os donos do planeta.
No próximo episódio,
continuarei minha viagem pelas Rochosas canadenses,
pelos desertos do norte da África
e pelas florestas tropicais da Austrália.
Descobrirei como e por que
os animais desenvolveram esqueletos e conchas.
Como desenvolveram olhos que formavam imagens.
Como outros chegaram a extremos
para se protegerem de ataques.
E descobrirei os primeiros animais que saíram do mar
para conquistar a terra e o ar.
MUSKETEERS Legendas Para a Vida Toda!