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A Grécia é um dos principais portões da Europa.
Não temos nem as necessidades mais básicas,
às vezes passamos o dia inteiro sem comer.
Sabe, eu durmo no parque.
Eles buscam segurança na Europa, mas a Grécia não é segura.
Vens para a Grécia? Vais ficar a conhecer a Grécia...
Sem trabalho, sem documentos, a polícia, é um problema...
Vejo gente assustada, muita gente assustada.
Às vezes, se saímos, tentam espancar-nos.
Existe um aumento muito preocupante da violência racista
e ouvimos falar em ataques quase diariamente.
Em cheio no coração. Facas nos corações deles.
Eu gosto da Grécia, mas os gregos não gostam de estrangeiros.
Os gregos não gostam de estrangeiros, especialmente negros,
detestam estrangeiros.
A maioria dos refugiados chega à Europa a pé ou de barco,
aterrando na Grécia, Itália e Espanha.
De acordo com as regras da UE, os pedidos de asilo devem ser feitos
no país através do qual os refugiados entram na Europa.
Não podem deslocar-se para outro país europeu.
Em 2011 o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
constatou que as pessoas que esperam por asilo na Grécia
estão em risco de sofrer tratamento desumano e degradante.
Desde logo, pelas deficiências nos procedimentos do requerimento de asilo,
as condições de detenção e as condições de vida na Grécia.
Nem mesmo a polícia ou o Estado
conseguem dar um número exacto de refugiados.
É complicado. Não sabemos o número ao certo.
Em 2010 a Frontex estimava que cerca de 80%
de todos os que entravam na União Europeia
entravam pela Grécia.
Então todas aquelas pessoas não tinham onde ficar, não tinham qualquer protecção social,
e muitos dormiam na rua.
E estavam presos na Grécia,
sem possibilidades de sair nem de ficar.
Pedimos ajuda à União Europeia.
As coisas não estão a correr bem.
Há quem durma nas ruas e coma do lixo.
Não estamos a comer boa comida.
Vamos para a escola com fome.
Barry, de 16 anos, vive num abrigo para crianças refugiadas,
algumas de apenas oito anos.
Estas imagens das condições no interior
foram filmadas por um dos residentes.
Podem ver o estado em que está a casa de banho.
Yaseen, de 17 anos, reside no mesmo abrigo.
Tenho grande problema.
Não tenho trabalho,
não tenho dinheiro, não tenho roupas,
não tenho sapatos.
Alguns meses mais tarde, Yaseen recebe más notícias
sobre a sua família no Paquistão.
No mês passado bombardearam a nossa casa,
perdi a minha família.
No mesmo Verão, Yaseen faz 18 anos
e é obrigado a deixar o abrigo.
Desde então, vive nas ruas.
De manhã cedo,
os parques de Atenas estão cheios de refugiados a dormir no chão.
Quando são levados pela polícia depois de cruzarem a fronteira,
são inicialmente detidos,
e depois abandonados à sua sorte.
Polícia diz-me: “Vai lá para fora”.
Sabe, eu durmo no parque.
Dizem-me: Vai, ok, vai!
Não tenho para onde ir, não conheço ninguém.
Durmo no parque.
Às vezes apanha-se qualquer coisa no lixo para comer.
Sem casa, nada, não posso fazer nada...
É verdade, aqui na Grécia sofremos muito.
Sofremos.
Sofremos muito.
É difícil até comer, pagar água, comida...
É difícil, é difícil para nós.
As pessoas têm de ajudar os refugiados neste país.
Não têm medidas para os refugiados.
Deixamos os nossos países por causa de problemas
não deixamos os nossos países como queremos.
Ninguém gosta de deixar o seu país, no seu coração.
Saímos por causa dos problemas.
Dão-me uma arma, sabe, AK-47,
dizem “Tens de lutar”.
Nurdin não quis lutar.
A sua mãe enviou-o para fora do país para que ficasse seguro.
Desde a Síria, caminhou durante semanas,
viajando pela Turquia a pé para chegar à Europa.
Estou em Axernon, ali ao descer da rua,
moro com os meus amigos.
Axernon é um bairro em Atenas
com uma grande comunidade somali.
Bem-vindo à Somália! Não gregos, Somália!
É aqui o sítio, esta é a casa em que eu vivo.
Dormimos aqui, está a ver.
Esta é minha, eu durmo aqui.
Há mais sete homens a dormir aqui.
Nem todos têm um,
partilhamos, sabe, partilhamos os colchões.
- Sim, dez pessoas. - Dez pessoas neste quarto?
18 pessoas partilham este minúsculo apartamento com um quarto.
Precisamos muito da ajuda dos outros países europeus.
Queremos muito sair deste país.
Temos muitos problemas aqui.
Eu tenho um problema com este olho, como pode ver.
Tentei ir ao hospital três vezes.
Mas não me ajudaram nada.
Nurdin acabou por conseguir uma credencial
e uma receita para o problema no olho,
depois de ir à clínica gratuita gerida pelos Médicos do Mundo.
Começámos por tratar apenas
de pacientes migrantes e refugiados.
Foi só nos últimos seis meses,
desde que começou a crise económica,
que começámos a ter também muitos pacientes gregos.
Pelo menos no último ano tem sido uma crise humanitária,
devido à crise económica.
Não há dinheiro.
Sim, eu percebo que a economia está mal.
Vocês deviam deixar-nos ir embora!
É difícil demais.
Estou à procura de uma maneira de sair da Grécia.
Para qualquer outro país europeu...
Agora vemos até requerentes de asilo
que querem voltar para os seus países
porque não têm trabalho, não conseguem sobreviver na Grécia.
Talvez volte para o meu país,
porque aqui não é bom para mim.
O meu país é melhor.
Mahmud passou tempo numa prisão iraniana.
Esta é uma situação em que sentimos que
há uma necessidade grave de solidariedade europeia.
Solidariedade activa.
Habitualmente os imigrantes chegam aqui
e não têm documentação legal,
porque querem ir para outros países europeus.
Se quisermos ir para outros países, França, Noruega,
aeroporto: problema.
Quando acabamos num país muito pobre,
vocês deviam deixar-nos ir embora!
Porquê?
No aeroporto: vão embora! Vão embora!
Sempre, porquê?
Os outros Estados-membros querem que a Grécia controle as fronteiras
para que as pessoas não vão para lá de forma irregular.
Estamos presos aqui como numa prisão, é uma prisão.
Fui ao aeroporto, disse-lhes: neste papel
escreveram que tenho 30 dias para sair do país.
Então eu vou-me embora, vou para outro país.
Fui preso, três dias na cadeia...
Vimos para cá para ter papéis, mas não nos dão nenhuns.
É um problema.
Há muitas pessoas e muitos requerentes de asilo
que nunca conseguem requerer asilo
e podem andar pelas ruas de Atenas sem documentos.
Vêem-se milhares de pessoas sem papéis aqui.
A esquadra de Atenas onde a maior parte dos refugiados
faz o pedido inicial de asilo é Petrou Ralli.
As candidaturas podem ser feitas uma vez por semana.
Há dois meses que venho cá, todas as semanas estou aqui.
E há quanto tempo está aqui?
Seis meses.
Há dois anos. Todas as semanas venho cá.
Não dão papéis.
Algumas pessoas estão cá há três anos, dez anos.
Não lhes dão papéis.
Dormimos aqui, Quinta, Sexta, Sábado,
dia e noite.
Ao sol, ao frio.
Sem casa, sem onde dormir, sem água, sem comida, sem retrete.
Os requerentes de asilo não só fazem fila dia e noite,
por vezes esperando meses ou mesmo anos 171º. 00:11:04,160 --> 00:11:05,960 para dar início à candidatura,
mas também dizem que a polícia os dispersa à força,
impedindo-os de registarem os seus pedidos.
Antes de vocês chegarem, estavam a empurrar-nos.
Como no mercado de escravos.
A polícia vem e enxota-nos.
Nós voltamos e eles afugentam-nos outra vez.
A polícia bate, bate, bate.
Batem nas pessoas.
Eles dizem que devíamos ir embora.
Vocês fiquem aqui muito tempo,
para eles não nos perseguirem outra vez.
Uma intérprete disponibilizou-se para falar connosco
sobre a sua experiência a trabalhar nesta esquadra,
sob condição de preservarmos o seu anonimato.
As suas palavras estão dobradas por uma actriz.
Penso que um dos principais problemas em Petrou Ralli é o portão traseiro.
Em teoria a pessoa deve ser entrevistada
três a seis meses depois do pedido de asilo.
Na maioria dos casos não é assim.
Podem passar uns dois anos até à primeira entrevista.
Então eles têm de vir renovar os seus cartões cor-de-rosa
a cada três a seis meses.
Então vêm às seis da manhã
e esperam lá fora atrás das grades.
Esteja a chover, esteja a nevar, estejam 40 graus,
têm de esperar ali.
Então às 2:30 ou 3:00 um polícia ou dois vão lá
e começam a chamar os nomes sem qualquer confidencialidade.
Dão-lhes os cartões cor-de-rosa,
mas às vezes também dão rejeições ou respostas positivas.
Na maior parte são rejeições,
porque na verdade eu nunca ouvi nenhuma resposta positiva.
Então eles chamam pelos nomes,
levam para dentro umas 10 ou 20 pessoas.
A questão é que não traduzem a decisão completa.
Só lhes dizem:
“Tu sais do país”
“Tu, vai-te foder”
ou “Para ti acabou o asilo”
ou “Não convenceste ninguém com as tuas mentiras.”
Nestas situações, os grupos extremistas aproveitam-se.
Encontram terreno fértil para ganhar vantagem.
As pessoas racistas, a comunidade deles, chamam-se pessoas racistas,
não gostam de negros.
Partiram as janelas, está a ver.
Estiveram a atirar pedras à casa
e nós estávamos a dormir lá dentro.
Ficaram aqui uns dez minutos,
com a polícia também aqui.
Não fazem nada, sabe.
Eram mais de 50 pessoas, a gritar...
“Vão-se embora, voltem para o vosso país, pretos.”
Esfaquearam um rapaz daqui até aqui.
O rapaz queria morrer.
Quando vi o rapaz ontem, ele começou a dizer-me
que o Aurora Dourada queria matá-lo.
Porque não querem estrangeiros.
Eles dizem que são nazis, grupo nazi.
Chrysi Avgi, ou Aurora Dourada, é um partido de extrema-direita.
Nas eleições de 2012, ganharam 18 em 300 assentos
no parlamento grego, com 7% dos votos.
Imagens gravadas com telemóvel e divulgadas online
mostram apoiantes do Aurora Dourada a cantarem o seu hino
e a fazerem saudações nazis.
Um partido neonazi, simpatizante do nazismo
num território, numa parte do mundo
em que os nazis causaram tanta dor há algumas décadas apenas,
não tem sentido lógico, não pode mesmo existir.
De acordo com os registos da Autoridade Estatística Helénica (Elstat),
quando começou a II Guerra Mundial
a população grega era de 7,344 milhões.
Quando acabou, a nossa população era de 6,805 milhões.
Manolis Glezos, deputado do Syriza, tem assento no parlamento.
Ele e um amigo, em 1941, subiu à Acrópole,
arrancou a suástica e içou a bandeira grega.
E tem de sentar-se no parlamento com neonazis!
É uma situação extraordinária.
O Aurora Dourada é uma organização de origem fascista.
Tem ligações a todos os partidos fascistas por toda a Europa
e por todo o mundo, mesmo ao Ku Klux ***.
As sondagens no final de 2012 mostram uma subida contínua
do Aurora Dourada, que o põe em terceiro lugar.
O vídeo seguinte foi registado com um telemóvel
numa reunião do Aurora Dourada em Perama, nos arredores de Atenas.
Recebemos queixas de problemas locais
em Keratsini, causados por Egípcios.
Mas afirmamos que de agora em diante eles prestarão contas
pelas suas acções ao Aurora Dourada e aos cidadãos gregos.
No dia seguinte àquela reunião, alguns egípcios reúnem-se
em Perama, em casa de alguns pescadores.
Os egípcios nunca tiveram más relações com os gregos,
na verdade, bem pelo contrário.
Mas recentemente o partido de extrema-direita Aurora Dourada
tem vindo a crescer, com a sua agressividade para com os estrangeiros.
Este é o carro que usamos para trabalhar.
A minha família e eu estávamos a dormir dentro da casa,
e por volta das 3:10 da manhã ouvimos as nossas portas
e janelas a partirem.
Abri a janela e vi mais de 10-15 pessoas
com “Aurora Dourada” escrito nas camisas.
Cada um deles tinha pelo menos uma destas placas metálicas.
Deixaram esta para trás.
Bater em alguém na cabeça com isto pode matar.
E não sabemos porque nos estão a fazer isto, aos egípcios.
Estou cá há 20 anos, pago os meus impostos.
Vieram de além,
daquela rua.
Desceram até aqui e viram que
um dos pescadores egípcios estava a dormir aqui.
Isto é sangue dele.
E depois ouvimos o homem gritar “Acudam! Socorro, socorro!”
Subimos para o telhado,
lá em cima,
e não conseguíamos ver a cara dele,
havia tanto sangue que não conseguíamos ver a cara dele.
É desumano da parte deles,
quando é que isto terá fim?
Isto é muito triste, inacreditável,
cerca de 700 a 800 ataques, e muitos, muitos para matar.
Existe uma espécie de padrão nestes ataques:
muitas pessoas ao mesmo tempo,
a atacar um migrante,
com cães para os intimidar...
Começam a incentivar o cão para perseguir-nos:
“Apanha! Apanha!”
E riam-se, estavam contentes.
Vão para as zonas em que vivem os imigrantes
e esperam por eles, especialmente a altas horas da noite
e depois três, quatro ou cinco atacam um.
Eram muitos, agarraram-me,
começaram a bater-me.
Portanto, de certa forma, não é aleatório,
Penso que tem de ser organizado, nesse sentido.
Alguns dias eram muito pesados para nós,
houve um dia com cerca de 31 pessoas no hospital.
Há feridos com pernas e mãos partidas e cabeças abertas.
Eu pessoalmente já vi pessoas que tinham sido
agredidas na cara, na cabeça.
E tinham medo de vir imediatamente,
eram espancadas num Sábado,
e vinham a meio da semana, na semana seguinte.
Porque tinham medo de circular na cidade.
“Eh mavros!” quer dizer: “Eh preto, eh preto!”
Como é que eu sei que é o Aurora Dourada?
Pergunto-lhes: “Quem te bateu?” E eles dizem:
“Brancos vestidos com roupa preta com os símbolos.”
As pessoas que perseguem imigrantes
quando são vistos pela estrada,
têm sempre qualquer coisa, um símbolo, do Aurora Dourada.
E se ouvirmos os seus anúncios na TV,
eles ameaçam os gregos que podem estar a ajudá-los
de alguma forma, mesmo só a falar com um imigrante,
ameaçam-nos também.
O nome do nosso irmão que morreu era Shehzad Luqman.
Vivia em Peristeri havia quatro anos.
Ia para o trabalho na sua bicicleta.
Eles estavam lá à espera e quando ele chegou
puxaram das facas, das armas,
e mataram o nosso irmão.
Os autores de ataques racistas raramente são detidos.
No entanto, desta vez foi diferente.
Um taxista assistiu a tudo
e chamou a polícia.
A cada minuto telefonou-lhes:
Agora vão aqui, agora estão a virar...
Desde o local do crime até à Praça Syntagma.
Seguiu-os durante 35 ou 40 minutos.
Finalmente, na Praça Syntagma foram presos.
E lá estava a faca, com sangue, foi encontrada na sua posse.
Em casa de um dos suspeitos a polícia encontrou também
uma série de armas e material de leitura do Aurora Dourada.
E agora a polícia não aceita que foi um ataque
com motivações racistas e nacionalistas.
A lei nunca os prendeu.
Foram os esforços do taxista.
Um homem muito corajoso, e eu saúdo-o especialmente.
Todos os dias acontecem ataques em plena luz do dia,
em autocarros ou nas ruas,
em que cidadãos gregos intervêm e chamam a polícia,
quando há um ataque a um imigrante.
E a polícia aparece e prende os imigrantes
e por vezes até importunam e prendem os cidadãos gregos.
Em todo o lado em que acontece um ataque, há sempre
um carro, uma mota ou um polícia a pé, a passar
como se não tivessem visto nada.
Num dos ataques a polícia estava mesmo por perto,
não fizeram nada, estavam a conversar...
Agiram como se não me vissem.
Tenho um amigo, ***, que trabalha comigo,
e de repente um carro parou
e quatro pessoas saíram do carro e atacaram-no.
E a polícia estava lá, ele chamava pelos polícias,
e eles ficaram a ver, não se moveram.
E deixaram o carro seguir.
Disseram: “Oh, não podemos fazer nada por si.”
Não há nenhuma responsabilização da parte da polícia.
E não há nenhuma responsabilização da parte do Estado grego.
Da polícia, do governo
eles têm carta branca.
O que temos aqui é um estado que tem
uma clara continuidade com um regime totalitário.
Temos de recordar que a Grécia tinha uma ditadura,
que oficialmente terminou em 1974, mas houve uma transição
e não uma ruptura para um estado pós-ditadura,
para um estado democrático.
Quando a junta militar caiu em 1974
as forças policiais acabaram por nunca ser limpas
e então a polícia na Grécia não funciona exactamente
para servir e proteger a população
como deve ser numa sociedade democrática.
Já fui espancado por fascistas várias vezes.
Já fui espancado mais vezes por polícias do que por fascistas,
desde 1973 e a revolta contra a ditadura.
Eram umas 11 horas da manhã
e ouvimos algumas vozes lá fora
e descobrimos que era
um polícia à civil e um de uniforme
a espancar um imigrante.
Começámos a gritar da janela,
coisas como: “Párem com estes ataques racistas!”
Num instante, apareceram à volta de 30 polícias,
25-30 polícias, polícia de choque,
vindos de um lado da rua
e mais umas 15 pessoas do outro lado da rua.
Mais tarde descobrimos que eram membros do Aurora Dourada.
Levaram o imigrante embora.
Juntaram-se todos em frente à porta dos nossos escritórios,
e começaram a gritar connosco.
Primeiro diziam “Vocês têm de vir cá abaixo”
e “Vocês protegem imigrantes ilegais e nós vamos prender-vos”
e os outros gritavam: “Não vos vamos só prender”
“Vamos” ok? “foder-vos!”
Alguns diziam: “Vamos transformar-vos em sabonete”,
o slogan fascista, nazi.
Foi uma coisa aterradora.
Não só porque os fascistas estavam lá,
mas porque junto com os fascistas estavam agentes da polícia
em uniforme, mostrando oficialmente que eram polícias
numa espécie de estado de delírio,
loucos, a bater, a gritar, a insultar...
Os polícias perguntam-me: “Onde estão os documentos?”
Quando lhes mostro os documentos perguntam-me:
“Isto é que são os documentos?” – e cortam-nos.
E põem assim e dizem: “Isto não são documentos.”
Eu digo: “Mas foram vocês que me deram esses documentos!”
Eles agridem-me, os polícias.
Depois tiram-me a camisa, fico ali sem camisa.
Olham para mim e dizem: “Levem-no à esquadra”
“Ele não tem documentos.”
Levam-me à polícia, mas eu tenho documentos.
Depois de nove horas deixam-me ir embora.
Também temos testemunhos de pessoas
que foram atacadas pela polícia.
A polícia bate-nos como animais, batem-nos como animais.
Há pessoas que cá vêm
que foram agredidas com bastões pela polícia.
Omonia é um bairro de Atenas
com uma grande comunidade migrante.
Eu estava a caminhar por Omonia
quando ouvi muitos gritos e berros
e vi um imigrante a ser preso por dois agentes
com lenços a cobrir a cara.
Ele caiu no chão e eles levantaram-no pelas pernas,
tinha as algemas postas,
e começaram a arrastá-lo pelo chão.
Eu peguei no telemóvel e comecei a filmar.
Foi aí que viraram as atenções para mim
e rodearam-me
e seguiu-se uma discussão, em que me exigiam o telemóvel.
Fui preso e levado para a esquadra pelo resto do dia.
A polícia tem uma presença permanente, verificando documentos e fazendo detenções.
Numa esquina de Omonia, polícias detêm
estrangeiros suspeitos de estarem no país ilegalmente.
Os detidos acenam para a câmara, para nos aproximarmos.
Tiraram foto?
Somos jornalistas.
Mas os polícias opõem-se à filmagem das suas acções.
Sim, mas tiraram foto?
Não podem tirar fotos, sabem.
Desliguem a câmara por favor.
A polícia não tem o direito de impedir filmagens
ou fotografias em espaços públicos.
Somos mandados parar.
Vocês são jornalistas?
Sim, somos jornalistas, somos de Londres.
É ilegal gravar a polícia.
Os agentes da polícia não têm o direito de exigir quaisquer
registos fotográficos dos nossos cartões de memória ou da câmara de filmar.
É expressamente proibido.
Se fizeram vídeo, apaguem vídeo.
Não têm qualquer direito de tocar nas fotografias nem na câmara de vídeo.
Tire a mão de cima da minha câmara!
Baixe a sua câmara.
Tenho o direito de filmar.
Tire as mãos da minha câmara!
Houve uma evolução grave nos acontecimentos há alguns meses
quando um grupo de manifestantes, incluindo mulheres,
foram detidos, mantidos sob prisão e torturados.
Atravessaram de mota algumas zonas de Atenas
que têm grandes comunidades de imigrantes,
onde o Aurora Dourada tem andado literalmente a aterrorizar as pessoas
para mostrar que nós - os cidadãos gregos, o povo grego -
estamos solidários com os imigrantes e não aceitamos
que os nossos bairros sejam tomados e dominados por neonazis.
Bateram-lhes, esbofetearam-nos, cuspiram-lhes em cima,
usaram-nos como cinzeiros.
Quando lá fui e os vi fiquei chocado
pelo que vi, pelos espancamentos.
São hematomas graves, não resultam de um só golpe.
São agressões repetidas com instrumentos e meios diferentes
nas mesmas partes do corpo.
Isso só acontece se houver a intenção...
...de causar dores violentas em alguém,
se quiserem torturar alguém.
O que as 15 pessoas detidas nos disseram
foi que os agentes que estavam a cometer todos estes actos sobre eles
declararam abertamente serem membros do Aurora Dourada.
O que me transmitiram foi
que o mais assustador foi o facto de os outros polícias
estarem a filmar as agressões com os seus telemóveis,
a dizer que iam usar estes vídeos e fotografias
para os passarem ao Aurora Dourada.
A versão oficial da polícia é que nada disto aconteceu.
O que aconteceu agora, na minha leitura, é que
o Aurora Dourada surgiu como uma espécie de reserva,
um dos últimos recursos que o Estado tem
de impor medo aos seus cidadãos, aos seus súbditos,
e continuar a existir e dominar como antes.
O medo não é uma opção.
O povo tem de compreender que não devemos ter medo deles.
Se permitirmos que nos assustem e que nos aterrorizem, eles ganham.
Isso não pode acontecer.
As pessoas devem contra-atacar, devem resistir.
O povo tem poder para isso.
Em Junho de 2012, Katina Sifakaki, de 97 anos,
lidera uma marcha contra o Aurora Dourada pelas ruas de Atenas.
Já uma vez tinha lutado contra o fascismo, durante a Segunda Guerra Mundial,
quando fazia parte da Resistência Grega.
O povo estava unido, puseram de parte todas as diferenças que havia entre eles.
Em Abril de 2012 algumas centenas de pessoas juntaram-se a um protesto contra o Aurora Dourada.
Desde então, milhares vieram para as ruas
em protesto contra os ataques racistas,
em solidariedade com os refugiados e os migrantes.
Estes grupos, os antifascistas, a ala esquerda,
são a esperança dos imigrantes.
Tem havido uma resposta muito muito forte e variada
que não costumamos ver noticiada na comunicação social internacional,
a um nível local,
em bairros e praças por toda a Grécia.
Vamos juntar-nos e vamos protestar
contra estes fascistas tresloucados e homicidas.
Não temos medo deles.
A sociedade grega é democrática,
espontânea e amante da liberdade.
Já não há dinheiro para gerir nem o mais básico dos serviços.
Não temos dinheiro para gerir hospitais adequadamente,
nem infantários, nem nada.
Mesmo as infra-estruturas mais primárias, mais básicas,
da vida quotidiana das pessoas, já não existem.
Os médicos gregos foram instruídos
para não tratarem migrantes sem documentação.
Eu trabalhei num hospital há cerca de um ano
e tínhamos essa directiva, mas nunca a seguimos.
Porque, enquanto médicos, jurámos ajudar as pessoas.
Usamos uma clínica móvel.
E estivemos a tratar as pessoas perto de uma delegação do Aurora Dourada.
E eles foram para as varandas e começaram:
“Vamos apanhar-vos”, para nós, que somos médicos!
Em muitos meios internacionais, o Aurora Dourada
é retratado como um pouco anti-sistema, talvez,
como um partido que tenta criar uma espécie de ruptura,
uma espécie de mudança radical,
enquanto na realidade são a continuação
das políticas tradicionais por outros meios.
Antes das últimas eleições, assistimos a discursos, por exemplo de Samaras,
que chegaram ao ponto de dizer: “Precisamos de limpar a Grécia dos imigrantes”,
o tipo de expressões que apontam para uma limpeza étnica
e que é exactamente o tipo de linguagem que utiliza o Aurora Dourada.
Quando Samaras dizia, por exemplo:
“Temos de limpar as ruas dos imigrantes”,
o Aurora Dourada ia para as ruas e começava a agredir imigrantes.
A escolha de palavras do Primeiro-Ministro, “limpar as ruas”,
estabelece um paralelismo directo entre os migrantes e o lixo ou a sujidade.
Falar de migrantes em termos de doença,
desastre natural ou infestação,
acarreta a mensagem implícita de que são uma ameaça para a sociedade.
As pessoas estão em movimento, estão desesperadas,
por causa de violações dos direitos humanos,
por causa da pobreza, das alterações climáticas,
por todos estes motivos, as pessoas estão em movimento.
Chego ao país e dão-me um papel:
Tem 30 dias para sair do país.
Não sei para onde ir agora, depois de 30 dias,
Tenho de sair do país, voltar para a Somália...
Tivemos umas dez pessoas
vindas do Irão, Afeganistão ou Iraque em 2000.
E hoje temos milhares.
Não é algo que tenha acontecido por acidente.
Não lhes deixámos nenhuma outra opção nos seus países, por isso vieram para aqui.
A maior parte deles nem queria vir para a Grécia.
Quero muito ir para qualquer país melhor que este.
Não somos animais, somos seres humanos.
Conseguimos andar, conseguimos comer, conseguimos falar.
Portanto por favor, imploro-vos agora aos dois,
a qualquer pessoa que nos veja aqui, digam-lhes,
nós pedimos que nos deixem ir embora, por favor!