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Oi, eu sou biólogo especializado em conservação da biodiversidade.
Nesses últimos 16 anos, eu venho trabalhando aqui na Amazônia,
cuja as florestas e rios abrigam mais espécies de animais e plantas
que qualquer outro lugar conhecido,
mas a minha missão nesses próximos 10 minutos é convencer você
de que os desafios que a conservação da biodiversidade têm pela frente
vão exigir que a gente tenha um conhecimento maior
sobre uma espécie em particular: a nossa própria.
Os conservacionistas estão preocupados
com cinco grandes ameaças a biodiversidade:
perda de habitats, espécies invasoras,
extração excessiva, poluição e crescimento populacional.
Essas ameaças aparentemente não estão relacionadas entre si,
mas elas têm uma coisa em comum:
elas são todas resultado de comportamento humano.
Então, uma prioridade para a conservação da biodiversidade
deveria ser entender, prever e mudar o comportamento humano.
Acontece que conservação tem sido campo de trabalho
de biólogos e outros profissionais que não são treinados
para pesquisar e influenciar o comportamento humano.
Por outro lado, cientistas sociais e outros tantos profissionais
capazes de entender e influenciar o comportamento humano
não têm, tradicionalmente, se envolvido com conservação.
A conservação tem usado dois caminhos principais
para influenciar o comportamento humano:
o da legislação, criando áreas protegidas, por exemplo;
e o do dinheiro, por meio de incentivos fiscais, multas e etc.
Mas, será que nosso comportamento é influenciado
somente de cima para baixo, pela coação, quando se pega pelo bolso?
A teoria psicológica diz que o comportamento é determinado, também,
pelo contexto social e por fatores pessoais,
suas crenças, preconceitos, emoções, medo, prazer...
Eu venho pesquisando como esses fatores determinam um comportamento humano,
o comportamento de matar onça-pintada.
O homem mata onça-pintada
porque a onça causa prejuízo econômico matando gado doméstico.
Então, para se prevenir o comportamento de matar onça,
basta evitar o prejuízo, seja prevenindo o ataque de onça ao gado,
que pode ser feito por técnicas de manejo, entre outras medidas,
seja compensando financeiramente o produtor pelo prejuízo.
Ou seja, ecologia e economia, sozinhas, dão conta do problema.
Fatores sociais, pessoais, não são levados em conta.
Mas, eu acabo de defender uma tese
na qual eu proponho que a relação entre gente e onças
vai além da racionalidade da ecologia e da economia.
A primeira evidência disso vem do registro histórico da relação.
De pinturas pré-históricas, rituais indígenas,
relatos de primeiros exploradores, passando por pinturas,
clássicos da literatura, literatura infantil,
até a nossa atual nota de R$50,
nenhuma outra espécie aparece tanto,
ora celebrada, ora caçada,
nessa longa história de amor e ódio, de fascínio e medo.
E para entender o que as pessoas pensam e sentem hoje em dia sobre as onças,
eu avaliei mais de 1.100 crianças e jovens no campo e na cidade,
na Amazônia, no Pantanal e na cidade de São Paulo,
e entrevistei mais de 600 produtores rurais, pequenos e grandes,
na Amazônia e no Pantanal.
Eu usei teorias e métodos da psicologia social e da psicometria,
e assim eu, biólogo, fui bancando o cientista social
e, aos trancos e barrancos, acho que me tornei um deles.
Os resultados mostraram que a onça-pintada é a espécie que, sobre a qual,
o maior número de pessoas tem alguma opinião,
que pode ser positiva, pode ser negativa
e pode ser ambas ao mesmo tempo.
E o maior número de crianças e jovens diz gostar mais e gostar menos.
Independente do contexto sócio-econômico da Amazônia rural pobre
à São Paulo urbana, privilegiada,
a onça-pintada é, definitivamente, a espécie "Top of Mind" e "Top of Heart",
todo mundo conhece e quase todo mundo gosta ou desgosta.
Mas, de onde vem toda essa notoriedade?
Será que é da observação direta dessa beleza?
Pouco provável, a onça é um dos bichos mais difíceis de se ver na natureza.
quando você vê, é de relance, já foi, só ficou o rastro.
Será que, então, é pelo prejuízo econômico que ela causa?
A onça mata o gado sim,
mas a gente precisa ver as coisas em perspectiva.
Em média, de 1% a 2% do rebanho bovino é perdido para a onça-pintada,
doenças e outras causas de mortalidade, eventualmente matam mais,
mas quem leva a culpa é sempre a onça-pintada.
Quanto ao ataque de onças sobre os seres humanos,
de novo, a gente precisa ver as coisas em perspectiva.
Ninguém tem medo de um mosquitinho,
mas é um mosquitinho que mata milhões de pessoas no mundo todo causando malária.
Mas, quem sabe aqui quantos registros existem no Brasil de ataque fatal,
espontâneo, não provocado, de onça sobre o ser humano?
Apenas um e aconteceu recentemente.
Foi no pantanal, um pescador estava dormindo na sua barraca,
na beira do rio Paraguai, a onça rasgou a barraca e o mordeu na cabeça.
Um caso!
Agora, existem causos e causos de onça que o povo adora contar.
A onça-pintada é um bicho que não dá as caras muito facilmente.
O que as pessoas pensam e sentem sobre as onças
tem menos a ver com experiências concretas
e muito mais a ver com o que elas ouvem dos outros,
dos amigos, da família, no lar, no contexto social.
Talvez um sociólogo diria que a visão
que a gente tem da onça é socialmente construída.
As pessoas matam onças por causa de suas opiniões sobre elas,
mas elas matam também por causa da chamada norma social,
porque elas acreditam que matar onça é uma tradição socialmente aceita,
que todo mundo mata.
O produtor pensa assim:
"Se os meus vizinhos matam, então, essa é a coisa natural de se fazer,
eu também vou matar".
É assim que a gente funciona.
Cada um de nós tem uma pequena "Maria-vai-com-as-outras" dentro de si.
A boa notícia
é que essa "Maria-vai-com-as-outras" pode ser perfeitamente mobilizada
numa campanha de comunicação.
Um estudo avaliou a efetividade de diferentes mensagens
para convencer os hóspedes de um hotel a economizarem água.
A mensagem com apelo à sustentabilidade dizia:
"Economize água pelo bem das gerações futuras".
A mensagem com apelo à norma social dizia:
"75% dos nossos hóspedes economizam água".
Adivinhem qual das duas foi mais efetiva?
A de apelo à norma social.
Bando de "Maria-vai-com-as-outras".
Os problemas de conservação são complexos
e vão exigir que a gente tenha uma visão mais integrada.
Integrada em três níveis.
Eu vou usar uma citação para explicar esses três níveis.
"No final das contas, nós vamos conservar apenas o que amamos,
nós amamos apenas o que conhecemos,
e conhecemos apenas o que nos é ensinado".
Se a gente conhece apenas o que nos é ensinado,
então educação e comunicação são importantes.
Informação por si só nem sempre serve de motivação
para a adoção de um novo comportamento,
mas falta de informação quase sempre é uma barreira
para mudança comportamental.
Para corrigir lacunas de conhecimento e preconceito sobre as onças,
a Escola da Amazônia, projeto do qual eu sou coordenador,
desenvolveu e vem distribuindo o Guia de Convivência: Gente e Onças.
Em comunicação, não é importante apenas o conteúdo,
mas também de onde vem a informação.
Quando o guia de convivência chega até o produtor por meio do filho dele
que recebeu o guia na escola da comunidade, o efeito é maior
do que quando o livro chega por meio de uma organização ambientalista,
como normalmente acontece,
porque o produtor entende que uma das instituições comunitárias
que ele reconhece e respeita abraçou a causa,
e porque a informação está chegando horizontalmente
pela rede social informal a qual ele pertence
e não de cima para baixo.
Assim, integrando essas ações,
a gente conseguiu diminuir entre os produtores rurais
da fronteira agrícola da Amazônia, no norte do Mato Grosso,
a percepção de que todo mundo mata onça.
Nós amamos apenas o que conhecemos
e conhecimento vem de pesquisa.
Conservação da biodiversidade trata da interface
entre o mundo biológico e o ser humano.
Pesquisa em conservação tem que ser interdisciplinar.
As ciências naturais, biologia, ecologia, são necessárias,
mas não são suficientes.
Ciências sociais fazem falta.
Já que nós vamos conservar apenas o que amamos,
a Escola da Amazônia criou uma mascote carismática, Sassá, a Onça,
que traz as crianças e os jovens da fronteira agrícola da Amazônia
para conhecer a floresta e ver que a floresta é bonita e divertida.
E se nós vamos conservar apenas aquilo que amamos,
então a gente vai ter que falar de amor também.
Mas, cientista tem dificuldade em falar de sentimento.
A ciência é baseada na razão e a emoção é inimiga da razão.
Cientistas e ambientalistas, quando se comunicam com o público,
falam de forma racional.
Quando falam de lixo, por exemplo, usam números.
"Você sabia que o plástico leva 450 anos para se decompor?"
"Uau!"
Mas, é por causa desses 450 que você não joga lixo na praia, por exemplo?
"Ah, se fosse 440, né?"
Porque lixo na praia é feio, porque você não gosta de lixo na praia.
A onça-pintada tem, claro, o seu valor ecológico e econômico,
mas a gente não precisa de razões materiais
para não querer que as onças desapareçam.
A gente não quer que elas desapareçam
também porque elas são parte da nossa cultura,
porque a gente gosta de onça, porque a gente acha a onça bonita
e porque a gente acha que levar uma espécie a extinção
é algo moralmente reprovável, errado, do ponto de vista ético.
e também porque a gente acha que...
para a gente saber que em uma floresta mais próxima da sua casa
existem onças, pássaros e borboletas, é qualidade de vida,
mesmo que você nunca os veja.
Você não precisa de razões científicas
para respeitar os seus vizinhos, precisa?
Você respeita por cidadania.
Do mesmo modo, a gente pode respeitar todas as outras espécies por cidadania,
cidadania ambiental.
Claro que coisas como estética, ética, são subjetivas,
variam de pessoa para pessoa.
A consideração ética que nós temos em relação às onças, por exemplo,
do conforto da nossa vida urbana,
é diferente da do pequeno produtor
que está lutando para sobreviver
e vê a sua vaquinha, única vaquinha, sua fonte de renda,
ser comida por uma onça.
No final, essas coisas todas dependem também da qualidade de vida de cada um.
Falar de qualidade de vida para todas as espécies
vai ser muito mais fácil
quando a qualidade de vida de todas as pessoas tiver sido assegurada.
Obrigado.