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O implacável tempo
Agora há pouco eu estava assistindo o
Grande Ditador que é um filme do Charles
Chaplin, e em grande parte do filme havia crianças,
umas meninas que entregavam flores, e o
personagem de Chaplin chega a pegar uma delas no
colo, o estranho é pensar que aquelas
garotinhas hoje podem não estar mais vivas, o
filme é de 1940 e estamos em 2013, são 73 anos
se a garotinha de colo tivesse menos de um ano,
então eu nem era projeto, aliás, nem meus pais
eram projeto, no entanto a imagem da
juventude está gravada, mesmo que em preto e
branco, de alguém que pode ainda ou não mais
existir, mas está de alguma forma gravada na
memória; este é um mistério do tempo que é
implacável com todos e o desgaste só acontece
para os que têm sorte este também é o lado
irônico.
Daqui a 50 anos é muito provável que
nem eu esteja mais por aqui, aliás, as incertezas
nem me garantem o dia de hoje, quanto mais 50
anos; quem sabe depois deste tempo alguém
chegue a ouvir o que eu estou dizendo agora?
Quem sabe? Sendo bem otimista, quem sabe? O
que eu me indago é sobre esta sensação das
coisas passarem e ninguém estar isento do
processo. A menininha que nasce hoje se tiver
sorte vai envelhecer.
Não sei se já falei isto antes, mas sei que
já pensei muitas vezes sobre o fato da
temporalidade, daqui a 150 anos, mesmo com o
avanço da medicina possivelmente todos ou
quase a totalidade dos que habitam hoje a Terra
estarão mortos, mas estamos aqui de uma forma
ou de outra nos movimentando sem saber
muito para onde e com a preocupação de nos
mantermos vivos diante da efemeridade da
existência; meio complicado isto, saber que
somos meio zumbis, uns vivos mortos.
É fácil entender o porquê de algumas
pessoas conseguirem se convencer de uma vida
eterna mesmo sem qualquer tipo de evidência e
ao mesmo tempo pensar que mesmo sendo
animais como muitos outros, guardamos um
destino diferente, se um homem tem alma (coisa
que eu duvido), meu cachorro também deveria
ter uma e se meu cachorro tivesse, talvez o
rato, ou uma bactéria, sei lá, mas todos morrem
e pelo menos isto é inquestionável e o senhor
desta transição é só o tempo.
Para quem tem ou não tem fé, a vida
sempre tem fim, pelo menos é isto que a
natureza mostra, mas envelhecer é uma questão
de sorte, mesmo que estar velho pareça não ser,
mas como eu sempre digo: Se você não
envelhecer a alternativa parece pior, seria o
resultado de você morrer jovem.
Estamos cada vez mais próximos do
passado, nossos rastros parecem ser mais
persistentes para as próximas gerações e isto
ocorre devido ao crescimento da tecnologia,
uma coisa que para mim serve como uma prova
disto é que eu estou eu aqui narrando um texto
em 2013 sobre um filme de pessoas que estavam
vivas em 1940 e que vi se movimentando, ouvi
as vozes, o que seria isto além de uma forma de
ver o passado através de uma janela?
Será que alguma destas garotinhas que
estavam fazendo o filme, um dia imaginou que
alguém no futuro poderia vê-la e que a
juventude teria sido registrada para sempre?
Este coisa de tempo me intriga, a ponto de achar
que eu estou perdendo tempo narrando esta
crônica, ou talvez ganhando alguns minutos, o
fato é que cada vez mais aceito que as ilusões
são necessárias para manter a sanidade, por
mais contraditório que isto possa parecer e o
tempo eu aceito que seja uma destas ilusões.