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Seu nome é Andreas Winkelman, ele tem 48 anos.
Ele vive sozinho nesta casa há algum tempo...
numa ilha em alto mar.
O telhado está em mau estado faz um bom tempo...
e, após as chuvas de outono, surgiram muitas goteiras.
Olá, Johan.
Como você está?
Muito bem.
-Como está a bronquite? -Nada bem.
Tenho um frasco de xarope que pode ficar contigo.
Obrigado.
Passe um dia lá em casa...
para que possamos sentar e conversar.
Preciso ir ao correio antes que fechem.
Vamos nos reunir em breve.
Tchau.
Olá.
-Boa tarde. -Meu nome é Ana Fromm.
Preciso dar um telefonema, mas nosso telefone está quebrado.
Pode usar o meu.
-Por favor, entre. -Obrigada.
-O telefone está ali. -Obrigada.
Obrigada.
Estocolmo, 40 09 79.
Deixe-me saber quanto custa.
Alô, Elis, é Ana. Desculpe incomodar.
Pode descobrir uma coisa para mim?
Andreas depositou dinheiro quando o menino nasceu.
Preciso desse dinheiro agora.
Ele não depositou?
Por que não?
Você iria ajudá-lo. Conversamos sobre isso.
Eu não entendo.
Esta não é uma transação comum!
Significa muito para mim. Não é só o dinheiro!
Elis...
Sim.
A gente se vê à noite.
Eu descobri o quanto custa a ligação.
Não se preocupe com isso.
Venha novamente.
Use o telefone sempre que quiser.
Von Sydow. Tomada 4.
Max, como ator...
qual é a sua opinião sobre Andreas Winkelman?
Acho que ele é difícil, pois...
está tentando se esconder do mundo exterior.
Seu casamento fracassado e seus problemas legais...
o conduziram a um beco sem saída...
onde ele tenta esconder sua identidade.
Ele está tentando apagar seus meios de expressão.
E este esconderijo...
sem que ele esteja consciente disso...
tornou-se uma prisão.
O mais difícil como ator é...
expressar essa falta de expressão.
''Querida Ana...
não posso mais viver com você...
eu tentei negar isso por um tempo...
por que eu te amo''.
''Eu não posso e não irei mais viver com você.
Não acredito que devemos tentar...
já que nenhum de nós quer mudar.
Eu não vou desistir...
por que sei que teremos problemas...
que acabarão numa crise nervosa...
e em violência psicológica e física.
TEREMOS NOVOS PROBLEMAS...
QUE ACABARÃO NUMA CRISE NERVOSA...
E EM VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA E FÍSICA.
Portanto, peço que não me procure.
Um abraço, Andreas''.
-Boa noite. -Boa noite.
-A Sra. Fromm está em casa? -Ela está de cama, gripada.
Ela esqueceu a bolsa.
Pode deixar comigo.
Não quer entrar para beber um conhaque?
Obrigado, mas preciso ir.
Por favor, volte outra vez.
Vamos ver se achamos algo gostoso para você.
Experimente isso.
O que fizeram com você?
Desculpe.
Achei que tinha algo de errado.
Não, estou bem.
Não consigo dormir à noite.
Às vezes, durmo durante o dia.
Desculpe-me por acordá-la. Tchau.
Tchau.
Este encontro resultou num convite para jantar.
Sem saber por que, ele aceita e se arruma.
A atmosfera é sincera, amigável e franca.
Ele sente uma afeição súbita por essas pessoas.
Vocês parecem tão legais.
Não estou acostumado com isso. Não sou um ermitão, como Elis diz.
Gosto de conhecer novas pessoas. Só vejo os velhos vizinhos.
-É ótimo tê-lo aqui. -Espero que não canse de nós.
Não.
Quando eu era menina, pensava que Deus tinha barba.
Lembro de me sentar no colo do meu pai.
Líamos um livro chamado ''Luz''...
sobre a gênese.
Havia uma imagem de Deus voando sobre a Terra.
Ele estava com os braços para fora assim. Ele não tinha asas.
Ele estava próximo da superfície da Terra.
Ele era muito bonito e tinha uma barba grande.
Isso me fez crer em Deus apesar de meus pais não acreditarem.
Mas eu o vira no livro.
Acredita em Deus agora?
Se eu acredito em Deus, Elis?
Talvez não na palavra impressa.
Não, mas eu acredito em Deus.
Falaria de Deus para seus filhos?
Não os ensinaria a acreditar em Deus.
Não acho que conseguiria criar crianças.
-Sim, você conseguiria. -Não, é difícil por que...
Você os deixaria decidir, talvez?
Acho que sim.
Quando eu for a Milão, criar um centro cultural...
quero que venha me visitar.
É uma cidade muito interessante...
uma cidade grande cheia de pessoas muito feias, comuns e repulsivas.
-Que maldade! -Desculpem.
Eles terão a oportunidade de terem uma atividade cultural.
Precisa vir ver isso se tornar uma realidade...
um formidável monumento de...
afetação cultural. É claro que posso.
-É realmente um prédio cultural... -Sim. Sim.
Como pode desprezar seu trabalho?
Eu não desprezo.
Acho muito importante eu poder satisfazer suas necessidades...
sobretudo as financeiras.
Por que aceitou esse trabalho?
Gosto de projetar casas. Sou um arquiteto famoso.
Fiquei lisonjeado com a proposta. Foram muitas razões...
Como é esse centro cultural?
É um mausoléu sobre a total falta de sentido...
em que vivem pessoas como nós.
Por que tira sarro disso?
Por que o projeta sem acreditar nele?
Qual é o propósito?
Eu ficaria sem trabalho. E você?
Desocupada? Eu faço aquilo que acredito.
Tento viver na verdade.
Como sabe o que é certo?
Você sabe, por dentro, o que é verdade e o que é certo.
Falhamos às vezes...
mas eu quero lutar pela perfeição espiritual.
Você costuma falhar?
Não falhei naquilo que foi mais importante para mim...
morar junto com o meu marido Andreas.
Sabe por que não falhei?
Porque vivíamos em harmonia, por sermos sinceros.
Éramos honestos. Acreditávamos um no outro.
Se eu tivesse a mesma atitude no meu casamento...
que você tem em relação ao seu centro cultural...
eu não teria nenhuma boa recordação.
Eu não acreditaria em nada.
...POR QUE EU SEI QUE TEREMOS NOVOS PROBLEMAS...
QUE ACABARÃO NUMA CRISE NERVOSA...
E EM VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA E FÍSICA.
Como você voltará para casa esta noite?
Você pode dormir aqui? Ele não pode?
Vamos tomar um café.
Quer um café?
Andreas!
Elis! Ana está tendo um pesadelo.
No ano passado, comprei o terreno perto do mar.
-É bonito. -Temos privacidade aqui.
Ouviu alguma coisa ontem à noite?
Sim, acordei no meio da noite.
Foi a Ana.
Ela ainda tem pesadelos, depois do acidente.
-Eu entendo. -Vamos até o moinho.
-Este é o lugar. Entre. -Oh!
No começo, eu colecionava todo tipo de fotos...
as que eu próprio tirava...
e as de jornais, revistas e velhos álbuns de fotografia.
Elas sempre são sobre pessoas. Aqui temos pessoas comendo.
Incrível.
Pessoas dormindo...
pessoas tomadas por emoções violentas em diferentes seções.
Uma vez, colecionei apenas fotos de atos violentos.
Por favor, sente-se.
Obrigado.
Eu as cataloguei de acordo com o comportamento.
Uma classificação irracional...
tão sem sentido como o próprio ato de colecionar.
Eu mesmo as fotografei. Algumas delas são interessantes.
Você se importa se eu tirar algumas fotos suas?
De maneira alguma. Ficarei lisonjeado.
Tenho todo o tempo do mundo.
Ótimo.
Aqui está.
Andreas, isso pode lhe interessar.
Ana Fromm, aos 23 anos...
feliz no casamento, sete anos antes da catástrofe.
-Não há fotos do marido dela? -Sim, é claro.
Seria interessante ver como ele era.
Aqui está. Este é ele.
Que tipo de pessoa era o Andreas?
Dizem que ele era um gênio da ciência...
mas ele nunca teve chance de provar isso.
Ele era amigável e cruel ao mesmo tempo.
-Quer uma bebida? -Sim, por favor.
-Uísque? -Sim, por favor.
-Talvez esteja cedo demais. -Não hoje.
-Gelo? -Não, obrigado.
Éramos amigos na época do colegial...
mas eu nunca o conheci muito bem.
Ele foi um desastre para Ana.
-Aqui está. -Obrigado.
Ela era perdidamente apaixonada por ele. Nunca vi nada igual.
Só li sobre algo parecido.
Acho que ele também a amava, de seu jeito peculiar. Saúde.
Saúde.
Não sou qualificado para julgar.
Minha esposa foi sua amante por um ano.
Não estou reclamando. Eu sabia.
Um dia, ela o abandonou.
Eu não sei por que.
Não me atrevo a perguntar.
-Saúde. -Saúde.
O que eu ia dizer?
Ah, sim, eu queria lhe dizer...
Eva...
tem uma força mental extraordinária...
apesar de que você não acharia isso ao olhar para ela.
Isso nunca me ocorreu.
Ela e Ana são inseparáveis há anos.
É isso. Agora você sabe.
Estou ouvindo algo?
Não, nem um som.
Nada.
Andreas!
Você ouve o que estou falando?
Andreas!
Winkelman!
Andreas!
Você ouve o que estou falando?
Droga!
Andreas!
Andreas! Andreas!
Andreas!
Levante-se! Não pode sentar aqui.
Levante-se! Quer que eu lhe chute?
Sente-se.
Vou preparar um café.
Vá para o inferno!
Liv Ullmann, tomada sete.
Compreendo a necessidade de Ana pela verdade.
Entendo por que ela quer o que o mundo seja de um certo modo.
Mas sua necessidade, este desejo pela verdade, é perigosa.
Quando perceber que o mundo ao seu redor não faz sentido...
quando ela não obtém a resposta que deseja...
ela se refugia em mentiras e dissimulação.
Por isso que é tão difícil ser honesta...
você espera que os outros também sejam.
Vemos isso hoje em milhares de pessoas.
Estou sozinha há três dias. Estou morrendo de tédio.
Então, vim dar um oi.
Muita gentileza sua.
Pode falar para eu ir embora, se quiser.
-Quer me mostrar a casa? -Sim, eu adoraria.
-Que bonita. -É meu escritório.
-Você leu todos os livros? -Quase todos.
Só livros para se mostrar?
-E aqui? -A cozinha.
Onde você dorme aqui?
-Aqui é o quarto. -Parece abandonado.
Ana cancelou no último minuto.
Ela vai operar a perna.
Pela quarta vez.
Ela sofreu um acidente de carro. O marido e o filho morreram.
Ela ficou meses no hospital.
Acho que você já sabe disso. Aconteceu aqui perto.
É aqui que sua esposa trabalhava?
-Está como ela o deixou. -Você é divorciado?
Sim, de certo modo.
-Fui indiscreta? -Não, de maneira alguma.
-Ela vai voltar? -Talvez.
Sente muita falta dela?
Desculpe por minha falta de tato.
Está com fome?
Um geólogo amigo meu costumava gozar de mim...
por que eu tinha medo de entrar em cavernas.
-Mais presunto? -Não. ''Always Romantic''?
Este é um dos meus discos mais antigos.
Eu tenho uma claustrofobia horrível. Sempre tive.
Quando eu estava na escola...
sonhava em entrar numa dessas cavernas francesas.
Mas isso não aconteceu.
-Gosta da música? -Sim.
Elis odeia quando danço. Ele fica envergonhado.
Elis está muito cansado de mim.
-Eu não acho. -Ele está sim.
Sou apenas um pedacinho de seu cansaço geral.
O mundo é indiferente ao sarcasmo dele, mas eu não sou.
Só quero me vingar.
Eu não sei o que fazer.
-Saúde. -Saúde.
-Elis é fantástico. -Sim. Eu gosto muito dele.
O pior é que eu o amo.
Eu realmente o amo. Não há outra palavra para isso.
Não sei como lhe demonstrar meu amor.
O que será de nós? Por que essas coisas acontecem?
Que espécie de veneno corrói o melhor dentro de nós...
deixando apenas a casca?
-Estou tão cansada. -De verdade?
-Esse vinho me dá sono. -Eu concordo.
Você se importa se eu dormir aqui?
Pode dormir no quarto.
Ou no sofá.
-Não estou lhe incomodando? -De maneira alguma.
Não dormi a noite toda, fiquei andando de lá para cá.
Aqui está um travesseiro quente.
-Obrigada. -Pronto.
-Assim. -Que bom.
Venha aqui.
Ele lhe manterá aquecida.
Fique aí.
-Está confortável? -Ah, sim.
Eu devo ter dormido por algumas horas.
Posso usar seu telefone? Preciso ligar para o Elis.
-Ele está jantando fora. -Claro. Vou levar a lamparina.
Aqui está...
-A lamparina. -Obrigada.
-Quer ficar sozinha? -Não.
Alô, querido. Desculpe ligar tão tarde.
Você já está comendo? Quer que eu ligue depois? Não?
Eu dormi.
Não, de jeito nenhum. Eu estou bem.
Saí para dar uma volta e encontrei o Andreas.
Não, agora estou sozinha.
Está tudo bem.
Cuide-se. Você vai vir na quinta?
Vou te encontrar no aeroporto.
Pense em mim.
Tchau.
Fui boba em dizer que eu estava sozinha?
Não.
Ele me mataria se descobrisse que eu estava aqui.
Devo estar horrível. Posso pegar uma escova e um espelho?
Eles estão no quarto.
-Está tão escuro. -Sim.
-Deixe-me acender as luzes. -Elis não é ciumento.
Ou é?
Ele vai para Milão. Ele devia ser grato.
Ele é bem-sucedido. Agora e para todo sempre. Amém.
É difícil compreender, um dia, que se é insignificante.
Ninguém precisa de você...
enquanto você está lá, querendo se doar.
Acho que é minha própria culpa, mas é paralisante.
Quero fazer tantas coisas, fazer planos.
Quando eu falo com Elis, ele diz:
''Não faça isso, faça isso''.
E nada acontece.
Eu não devia culpar Elis.
Tudo dá errado para mim. E Elis, ele...
Eu não devia culpá-lo.
Alô?
-Olá, é o Elis. -Olá.
Tentei ligar para casa, mas ninguém atendeu.
Ela costuma ficar acordada. Estou preocupado.
Pode verificar se está tudo bem por lá?
Por favor, diga-lhe que eu estava preocupado. Ela não precisa me ligar.
Ligue-me de volta para me dizer como ela está.
Fiquei grávida uma vez. Não conseguia dormir.
Eles me internaram no hospital para que eu dormisse.
Por engano, deram-me uma injeção muito forte.
Eu não dormi e a criança morreu.
Elis ficou comigo e choramos juntos.
Elis chorou também.
Isso nunca tinha acontecido e não aconteceu mais desde então.
Eu não mais tive filhos.
É melhor assim.
Você precisa ir?
Percebeu como eu sou feia?
Olhe para mim, Andreas.
Já dormiu com uma amante mais chata?
-Diga-me que estou errada! -Você está errada.
Foi tão gentil comigo. Sentirei a sua falta.
Logo vamos nos ver de novo. Não tenha medo.
Não quero perder a balsa.
Vai me ligar?
Ou você pode escrever.
Farei o que eu puder.
Quando você vai voltar?
Daqui a duas semanas, para a Páscoa, com Ana e Elis.
-Por favor, venha sozinha. -Eu não acho que virei.
-Apenas por uns dias. -Vou tentar.
Espere...
Venha aqui.
-Cuide dele. -Eu devo?
Sim. Pode ficar contigo. Assim, você dormirá melhor.
Era óbvio que havia um maluco na ilha.
Olsson encontrou oito de suas ovelhas mortas e mutiladas.
A polícia abre uma investigação.
Eles descobrem outros casos de crueldade com animais.
Andreas conta à polícia como encontrou seu cachorro.
Raiva e suspeita irrompem por toda a ilha.
Você pode enterrar os animais agora.
Eu encontrei um dos policiais na bolsa ontem.
Eles não têm nenhuma pista, mas...
o pessoal da região suspeita de Johan Andersson, de Skir.
Ele já esteve num hospício e só isso já o torna suspeito.
Ele vive totalmente isolado...
nunca fala...
e não tem animais.
Eu o fotografei anos atrás.
Achei as fotos. Aqui estão elas.
Naquela época, ele era bastante sociável...
mas se envolveu num processo legal, o qual perdeu.
Desde então, ele vive como ermitão.
Andei pensando sobre sua situação financeira.
O empréstimo que você queria que eu assinasse...
-Isso seria... -Acho que posso ajudá-lo.
-A luz lhe incomoda? -Não.
Meu advogado pode preparar um pagamento parcelado.
Eu ficaria muito grato.
-Está quente? -Não.
Há apenas um pequeno problema.
Você precisa ganhar algum dinheiro para pagar as parcelas.
Alguma ideia?
Não.
Não estamos com pressa agora.
Enquanto você pensa...
talvez queira datilografar minhas anotações.
Estive investigando aquele projeto de Milão.
Essa é uma boa ideia...
Vire sua cabeça um pouco para esquerda...
mas olhe direto para a câmera.
Abaixe o seu queixo.
Agora, vire sua cabeça vagarosamente para direita.
Um pouquinho mais. Fique parado!
Fique parado.
Obrigado.
-Uísque? -Não, obrigado.
-Você se importa de eu beber? -Não.
Não acredito que eu possa atingir a alma...
com a minha fotografia.
Consigo só registrar...
um efeito recíproco de forças grandes e pequenas.
Então, olho para a foto e liberto minha imaginação.
É apenas besteira.
Jogos, poemas.
Não pode entender com certeza outra pessoa.
Nem mesmo a dor física lhe causa uma reação particular.
Ela não sabia que eu tirei essa foto.
Ela estava com uma forte enxaqueca.
Isso é muito interessante.
Olá.
Desculpe por incomodá-los. Chegou o correio.
Falkman se pergunta que termostatos...
Ele deveria saber consertá-lo.
Faça companhia para o Andreas.
Andreas?
Sim?
Eu queria que você soubesse que não sou brava ou ciumenta.
Ana me contou sobre vocês dois.
Acho que ela está apaixonada por você.
Eu acho, mas é difícil ter certeza sobre os sentimentos dela.
Gosto de vocês dois.
Gosto de você. Penso em você o tempo todo.
Meu querido.
Meu querido.
Tenha cuidado com Ana.
Não posso explicar o que quero dizer, mas tenha cuidado.
O que foi? Você parece bravo.
Sempre são coisas pequenas que me deixam nervoso.
Vamos continuar ou você está cansado?
-Não, de modo algum. -Quando o almoço vai ficar pronto?
Em uma hora.
Tchau.
Você já esteve preso?
Sim, eu já fiquei preso.
E?
Eu entrei em pânico.
Fui condenado por falsificar cheques.
Depois, fui parado por dirigir bêbado.
Então, dei um soco na cara de um policial.
Agora, você se esconde como um cão assustado.
Eu sou um cão assustado.
-Você morde? -Você vai descobrir.
Não, acho que não.
Ana e Andreas vivem juntos há alguns meses.
Ela é tradutora e ele aceitou a proposta de Elis.
Eles são relativamente felizes...
sem discussões nem paixão.
O inverno está acabando.
Um dia, Ana começa a falar sobre seu casamento.
Vivíamos em perfeita harmonia.
Tínhamos os mesmos pensamentos. Entendíamos um ao outro.
Você entende?
Sei que parece bobo e exagerado quando eu conto...
mas é muito difícil descrever...
podem se tornar tão próximas.
Parece tão banal...
e realmente não expressa o que tínhamos juntos.
O garoto foi uma experiência incrível para nós...
e tudo relacionado a ele.
Eu passei nos exames e consegui um emprego de professora...
e Andreas se tornou professor associado.
Compramos uma casinha fora da cidade e a mobiliamos aos poucos.
Construímos algo juntos.
Não sei como chamar isso.
Uma segurança de verdade.
Segurança.
Todo mundo achava que era um casamento perfeito...
mas não era.
Tínhamos brigas violentas...
mas nunca suspeitamos ou fomos cruéis um com o outro.
Éramos totalmente honestos.
Não havia nem um vestígio de fingimento em nossa relação.
Andreas foi infiel uma vez.
Você não achava? Mas ele foi.
Ele veio direto a mim e me contou...
e eu senti o quanto ele me amava e o perdoei.
Depois disso, nos amamos ainda mais.
O pior foi quando ele me deixou.
Descobri onde ele estava...
então ele mudou de ideia e voltou para mim.
Então, ficamos mais próximos do que antes.
Passamos um final de semana na ilha com nosso garotinho.
Eva e Elis nos emprestaram a casa.
No domingo, Andreas fez uma soneca depois do almoço.
Eu queria pegar o carro para ver as ruínas da igreja.
Então, fomos de carro.
Andreas me pediu para dirigir, porque tinha bebido.
Eu não estava dirigindo rápido.
Estávamos todos alegres.
A estrada estava escorregadia e o carro começou a derrapar.
Andreas tentou pegar o volante...
mas o carro saiu da estrada, caiu no canal...
atravessou um muro de pedra e bateu nas árvores.
Quando eu acordei, vi o carro destroçado...
e um homem com a garganta cortada dentro...
e metade de seu corpo através do para-brisa.
Um menino estava deitado longe.
Ele tinha sido arremessado para fora da porta...
e sua cabeça estava numa posição estranha.
Lembro-me de pensar na hora: ''Que acidente horrível''.
Perguntava-me por que ninguém tinha vindo ajudar esses coitados.
Voltei pela estrada...
e comecei a sentir uma dor nas costas e nas pernas.
Percebi que estava arrastando um pé.
Então, eu vi que estava coberta de sangue.
A minha tíbia saia fora de minha meia.
Eles nos encontraram umas horas depois.
Nunca pensei que a vida seria assim.
Nunca pensei que a vida seria um sofrimento diário.
...E VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA E FÍSICA.
Está atolado?
Podemos ajudar?
Eles vão me matar.
Por quê?
Por crueldade com os animais.
Atiraram isso pela minha janela.
''Seu maldito assassino de animais.
Faremos com você o que faz aos animais''.
Por aquela janela...
eu, cruel com os animais?
Posso falar com a polícia.
Eles já estiveram aqui.
-Não pode ir embora? -Para onde eu iria?
-Certamente, algo pode ser feito. -O quê?
Deixe-me ajustar a antena...
Assim está bom.
Assim.
Era um pássaro?
Pode estar ferido.
Vamos dar uma olhada.
Vou pegar a lanterna.
É melhor você sacrificá-lo.
-Ele podia ter sobrevivido? -Não.
Estava muito ferido.
Agora, podemos enxergar melhor.
Pergunto-me por que o pássaro voava sozinho à noite.
Talvez, estava com medo de alguma coisa.
Admita que você e Eva tiveram um caso no último verão.
Na verdade, não tivemos.
Eva é tão indefesa.
Qualquer um pode fazer o que quiser com ela.
Ela não precisa se defender de mim.
Acho que Eva é uma mulher...
que não consegue aceitar o fato...
de não ter uma identidade.
Ela é apenas uma criação dos outros.
Ela não tem paz de espírito ou autoestima.
Acho que ela tentará cometer suicídio.
O suicídio não é uma solução.
É apenas mais uma ação egoísta.
Espero que ela seja salva.
Espero, que quando ela despertar...
ela terá passado por algo...
que a liberte de si própria...
e que ela consiga olhar para seu antigo eu com amor...
mas sem remorso.
Acho que ela decidirá se tornar professora...
de pessoas surdas...
porque surdos vivem num isolamento mais profundo...
do qual ela já viveu.
Acho que ela se sentirá aliviada...
e abençoada.
-E depois? -Isso é tudo.
Eu existo aqui apenas como uma formalidade.
A lamparina está apagando.
Não. Você está me estrangulando.
Os sinais de alarme estão debaixo...
e se manifestam inesperadamente.
Ana se recorda de um sonho longo e coerente...
que a preocupou na Páscoa.
Eu estava caminhando sozinha.
Eu queria desesperadamente uma companhia...
e os braços de alguém a me envolver, para descansar.
Ao mesmo tempo, sabia que nunca mais teria isso.
Posso voltar para casa com você?
Não. Somos proibidos de ter hóspedes.
-Trocamos as fechaduras. -Por quê?
Eu não sei.
-Você não pode ficar? -Não, preciso ir.
Pare!
Pare!
Não sei onde estou. Que lugar é esse?
Ajude-me, por favor.
Quem é aquela mulher?
Seu filho será executado.
Ela está indo para a execução.
Perdoe-me.
Podemos conversar com o senhor?
Sim. Por favor, entrem.
Johan Andersson, de Skir, foi encontrado morto...
e ele lhe deixou uma carta.
Quando isso aconteceu?
Nós o encontramos hoje, enforcado.
Ele tinha feridas na cabeça e parecia que o tinham golpeado.
Querem saber o que diz a carta?
Sim, senhor, e gostaríamos de ficar com carta.
''Caro Andreas. Horas atrás, algumas pessoas vieram.
Disseram-me que eu era um criminoso e que devia ser punido.
Eles me arrastaram pelos cabelos até o quintal.
Lá, me bateram com os punhos e cuspiram em mim.
Um dos mais jovens pegou uma pedra e bateu na minha cabeça.
Eu estava confuso e lhes disse que era inocente.
Disseram que se eu confessasse, me deixariam em paz.
Eu disse que iria confessar.
Então, pararam de me bater no rosto.
Empurraram-me contra o muro e disseram-me para falar.
Eu disse tudo o que elas queriam ouvir.
Quando eu já não conseguia pensar em nada, me bateram de novo.
Uma dessas pessoas ficou em cima de mim e...
urinou no meu rosto.
Não consegui me cobrir porque estava muito cansado.
Elas me chutaram enquanto eu estava deitado lá.
Pisaram nos meus óculos e perdi a minha dentadura...
e não consegui encontrá-la.
Não consigo me lembrar o que aconteceu depois, pois desmaiei.
Quando acordei, elas tinham partido com seus carros e...
eu voltei para dentro da casa.
Eu não queria mais viver...
porque eu não conseguia mais olhar ninguém nos olhos.
É por isso que não viverei mais.
Caro Andreas, escrevo esta carta para você...
porque sempre foi bom comigo...
e sempre se preocupou em saber como eu estava.
Um abraço...''
Obrigado, senhor. Isso é tudo.
Posso tê-la de volta?
Sim, senhor, quando a investigação terminar.
-Tchau. -Tchau.
Ana.
Ana.
Ana?
Aqui está você. O que está fazendo?
Estou rezando pelo Johan.
Está rezando para si mesma.
Vá embora! Deixe-me em paz!
Que atuação ridícula! Que atuação ridícula!
Parece um chiqueiro. Não vale a pena guardar isso.
Já isso pode ser útil.
Pode ficar com ele. Era do vovô.
Vou ficar com o rádio.
Boa tarde.
Recebi uma carta de Johan.
É mesmo?
Ana e Andreas passaram um ano em relativa harmonia.
Houve discussões e reconciliações...
devido a mal entendidos ou mau humor...
mas as discussões nunca foram muito pesadas.
Ana assumiu um trabalho de tradução...
e Andreas continuou trabalhando para Elis.
Estou com dor de cabeça.
Talvez eu tenha pegado um resfriado.
Vou lhe preparar algo quente.
Que gentil de sua parte.
Só vou terminar esse capítulo. É muito empolgante.
Você tem o câncer de alma.
Precisa de operação e radiação.
Tem tumores em toda parte.
Você irá morrer de uma morte horrível.
-O que está fazendo? -Olhando para uma foto.
Espero que não seja de uma ex-namorada.
Por que pensa isso?
No que você está pensando?
Estou pensando em câncer...
e isso me aterroriza.
-E no que você está pensando? -Em nada.
-Estou pensando em mentiras. -Que mentiras?
Andreas!
Devíamos viajar para algum lugar.
Devemos ir embora daqui.
Seria bom para nós dois.
Realmente quero dizer sim.
O que você está pensando?
Poderia pedir para o Elis nos emprestar dinheiro.
Mas, ao mesmo tempo, há um muro.
Não consigo dizer ou lhe mostrar que estou feliz.
Posso ver os seus olhos, mas não consigo lhe tocar.
Entende?
Entendo.
Estou fora desse muro. Eu me tranquei para fora.
Estou tão longe que...
Sei que é estranho o que você sente.
É estranho.
Quero ser caloroso, terno e estar vivo.
Quero ser livre.
É como estar num sonho. Você quer se mover...
mas não consegue.
Suas pernas e braços estão pesados como chumbo.
Você tenta falar, mas não consegue.
Tenho medo de ser humilhado.
Parece o inferno.
Aceitei a humilhação e a deixei amadurecer.
Entende?
Eu entendo.
É terrível ser um fracasso.
Algumas pessoas acham que têm o direito de lhe dizer o que fazer...
um misto de desprezo e boa intenção.
Um breve desejo de pisar em algo vivo.
Eu entendo. Você não precisa...
Eu estou morto.
Não, isso é muito melodramático.
Eu não estou morto.
Mas eu vivo sem autoestima.
Sei que isso parece bobo e pretensioso.
A maioria das pessoas vive sem nenhuma autoestima.
Humilhadas, reprimidas e cuspidas.
Elas estão vivas e isso é tudo que sabem.
Não conhecem outra alternativa.
Mesmo se conhecessem, nunca iriam buscá-la.
Pode-se ficar doente de humilhação?
Esta é uma doença com a qual temos de viver?
Falamos muito de liberdade.
A liberdade não é um veneno para o humilhado?
Ou é meramente uma droga...
que o humilhado usa para poder resistir?
Não posso viver assim.
Eu desisto. Não aguento mais.
Os dias se arrastam.
Estou sufocado pela comida que engulo...
pela merda da qual me desfaço e pelas palavras que digo.
O sol grita para mim todas as manhãs para que eu levante.
À noite, os sonhos me perseguem.
A escuridão é repleta de fantasmas e lembranças.
Já lhe ocorreu que...
que quanto pior as pessoas estão, menos elas reclamam?
Finalmente, estão em silêncio...
ainda que sejam seres vivos com nervos, olhos e mãos.
Enormes exércitos de vítimas e algozes.
O sol nasce e se põe pesadamente.
O frio se aproxima...
A escuridão. O calor. O cheiro.
Todos estão silenciosos.
Nunca podemos ir. É tarde demais.
Tudo é tarde demais.
Acredito que Elis ache que é hipocrisia...
ficar horrorizado com a insensatez humana...
e que clamar por decência e justiça é um desperdício de sentimentos.
Ele não permitirá que o sofrimento dos outros o acorde de noite.
Ele acha que é indiferente aos seus olhos e aos dos outros.
Ele vive com essas condições...
senão ele não poderia funcionar.
O que você vai fazer hoje?
-O que você vai fazer? -Eu não sei.
Eu lhe perguntei.
Você entende que acabou?
Responda!
Se não me der um motivo, eu não tenho nada a dizer.
Você tem liberdade para ir embora quando quiser.
Você está mentindo.
Você mentiu sobre seu casamento.
Você mentiu sobre seu divórcio.
Eu sei a verdade sobre você.
É mesmo?
Eu sei como você é.
Você é um parasita. Não gosto nada de você.
É um inferno viver com você. Quero ir embora faz tempo.
Pobre Ana. Você era tão feliz antes de nos conhecermos.
Pelo menos, tinha boas lembranças de meu marido e de nosso amor.
E agora?
-Eu vivia a verdade. -É mesmo?
Você a destruiu com suas malditas mentiras.
-Pare com isso, Ana. -Não pode me dizer o que fazer.
Você não decide por mim. Vá para o inferno!
Ana?
Alguém entrou no estábulo.
Jogou gasolina sobre a pobre criatura...
e acendeu um fósforo sobre o monte de feno...
e saiu correndo. Ele trancou a porta e levou a chave.
Quando enfim arrombaram a porta...
o cavalo saiu a galope, envolto em fogo.
Já vou!
O maldito cavalo não queria morrer.
Ana...
quero ser livre.
Ficar sozinho de novo.
Não posso continuar vivendo assim.
Se realmente nos amássemos... mas não é assim.
Agora é mais fácil nos separar...
não é?
Mas sinceridade. Deve viver a verdade.
Como você a vê.
Sejamos honestos uma vez.
Por que não responde?
Lembra quando esqueceu sua bolsa...
quando me pediu para usar o telefone?
Encontrei a carta de seu marido dentro.
E a li.
Pobre Ana. Não tem sorte com os homens.
Deve ter algo de errado com eles ou com você.
Sempre fala em viver a verdade.
Que mentira.
Lembro-me quando falou de seu casamento feliz.
Era mentira!
Mentira! Era tudo mentira!
Calma!
Vai me matar como fez...
Você está louca!
Está louca!
O que você tem?
Diga alguma coisa.
Por que veio me ver no incêndio?
Eu vim lhe pedir perdão.
Desta vez, chamaram-lhe de Andreas Winkelman.