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Depois que assumi meu cabelo crespo
enquanto algumas pessoas me recriminavam por tal atitude
outras me elogiavam
me sorriam com admiração
ou simplesmente me perguntavam
o que eu fazia para ele ficar assim
Esses diálogos passaram a me perseguir
comecei a conversar com alguns amigos a respeito
Mas ainda era tudo muito novo para uma mulher
que acabava de descobrir como realmente era seu cabelo
Suas raízes
As perguntas sobre meu cabelo continuaram
E no mergulho destes questionamentos
busquei formas de conversar com mais mulheres
a respeito de suas relações com os cabelos crespos
Passei a me redescobrir por meio dos comentários de outras mulheres
me reinventar, lidar com minhas diferenças
até conseguir visualizar minha real beleza
Este documentário emerge na tentativa
de calar o silêncio oculto dos olhares desviados
buscando, assim, o reconhecimento de outras mulheres
que possuem em comum as mesmas raízes
nossa ancestralidade africana
as mulheres de Raiz Forte
Faz uma prum lado, outra pro outro
ou deixa solto, né?
A mãe dela não curte muito, não
porque aqui tem cabelo, aqui não tem
[Risadas]
Né, Deinha?
Fica bonitinho quando a mãe dela faz
mas aí tem que ter tempo e paciência
porque a pessoa mexe o tempo todo com a cabeça, né pessoinha?
Quando eu era criança, mamãe usava muito trança, né?
Dividia o cabelo no meio, e fazia uma de um lado, e outra do outro
Aquilo, na época, a gente achava ridículo
Ou uma na frente, assim, com ela balançando, e outra atrás
Então, o sonho era crescer, pra poder cortar o cabelo, e viver livre das tranças
Temos as tranças, que para a maioria das mulheres da minha geração
foram uma das primeiras técnicas utilizadas
porém nem sempre eleitas por nós
como o penteado predileto da infância
Neste primeiro capítulo, busquei personagens de faixas etárias distintas
que ilustrassem suas vivências com os cabelos crespos durante a infância
Falam do seu cabelo na escola?
Todo mundo fica quieto
Todo mundo fica quieto?
Pra mim ir pra escola, mamãe amarra
E você usa ele solto também?
Pra ir pra escola? Não
E por que que não pode ir com ele solto na escola?
Pode ir na minha escola de cabelo preso, mas eu não gosto
por causa que ele seca, e aí fica ruim
Fica ruim? Você acha seu cabelo ruim?
Quem falou isso, que seu cabelo é ruim?
Eu
Você que tá falando?
Você cresce ouvindo falar que seu cabelo é ruim, né?
"Não, cabelo bom é cabelo liso"
"Crespo, cabelo crespo, é cabelo ruim"
Mas por que que meu cabelo é ruim?
Aí você, poxa! Como que você vai gostar do seu cabelo?
Se ouvir falar que seu cabelo é ruim?
Como que é?
O pessoal acha diferente o seu cabelo?
Acha
Acha?
Uns não gostam, outros acham bonito
Ah, é?
E os que não gostam falam o que?
Que meu cabelo é de pico
Quem fez esse penteado em você, Ana Bia?
Foi a Aiana
Como que você fez, Aiana?
Primeiro eu tomo banho
passo shampoo, condicionador
Aí saio
depois eu venho
só dou uma enxugada
com o cabelo dela, é molhado
passo creme
de cabelo cacheado
faz o cachinho
e prendo
Pronto
E quando você vai aprender a fazer os penteados no seu cabelo?
Não sei... Isso eu não sei
O cabelo dela é muito forte
e é chacheado, aí voluma ele seco
aí começa a pocar
meus deus, minha xuxinha pocou
[Risadas]
E esse pente, você pode usar qualquer pente, Aiana?
Eu uso qualquer um
E pra desembaraçar, você gosta quando desembaraça seu cabelo?
Uhum
Eu gosto
Com que pente que desembaraça?
O mesmo da Aiana, mas a nossa escova
eu não sei onde que tá nossa escova de cabelo
aí a gente tá usando esse pente da mamãe
Por causa que a nossa escova ela é melhor pro nosso cabelo
e o pente da mamãe não é tão bom assim, não
E você gosta de usar ele solto?
Gosto
Como que você gosta mais de usar ele?
Ai, eu penteio, eu deixo ele assim pra trás
aí eu faço que nem o da Aiana, mas solto
Uma franjinha aqui, coloco uma tiara
E agora eu achei uma - que a minha é de crochê
Deixa eu ver, você mostra pra gente?
Uhum
Tem essa daqui
Suas bonecas são de que cor?
Ah, eu tenho barbie, que são umas brancas
Eu tenho duas da Turma da Mônica
Eu tinha uma, mas ela...
Você tinha uma o quê?
Uma boneca da minha cor
Cadê ela?
Mas era da Aiana, né, faz quando ela era pequeninha
Tá toda estraçalhada
Na minha infância eu não tive brinquedos. Não tive
Tem um mato na rocha que ele dá cabelo, você arranca ele
ele tem cabelo, tipo um sapê
Arrancava o sapê, lavava, tirava a terra do cabelo do mato
fazia um corpinho, amarrava, botava dois pedaços de pau
e fazia que era o braço, e dois pedaços de pau fazia que era a perna
Então aquilo que era a boneca
A primeira boneca que eu tive, eu tive aos 27 anos
uma boneca negra, até mesmo porque eu queria ter uma boneca preta, e não tinha
Aí quando eu consegui ter
aí foi essa daqui que uma amiga me deu
Minha mãe ela sempre foi muito cuidadosa
assim, com a casa, com a gente, tomava banho
Assim, não tinha creme, então ela molhava o cabelo
passava banha de galinha, e penteava e fazia as tranças
Eu entrei na escola com seis anos
e aí era trança - todo mundo, trança
Trança pra quem tinha o cabelo o crespo
e para aquelas meninas que tinham o cabelo liso
ia solto ou amarrado assim, né?
A cada três dias ela fazia trança nova
Entendeu? Ela não deixava ficar trança velha
Foi quando minha mãe alisou meu cabelo
que ficou espichado aqui na frente, alisado aqui na frente
e atrás crespo, né?
Então você tinha dois cabelos, né?
Até a metade da cabeça era liso, da metade pra trás era crespo
Porque eu não tinha condições de cuidar
e também depende de qual é o contexto de cuidar né?
O quê que é cuidar?
Era alisar igual também as meninas negras igual a mim
ou deixar ele todo crespo por inteiro?
No segundo episódio da série
pretendemos mostrar como as mulheres negras agem
diante das opções adquiridas durante a adolescência e juventude
com as mais diversas técnicas de alisamento e relaxamento
até então não permitidos devido a faixa etária