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- TÃO ATIRANDO EM CRIANÇA!
- VEM PRA CÁ, VEM PRA CÁ!
VEM PRA CÁ!
- AI! NÃO ESTOURA NÃO!
- GENTE, OLHA O GÁS!
- A GENTE TÁ AQUI, GENTE!
- Ô, SEU COVARDE!
- TEM CRIANÇA AQUI, TEM CRIANÇA AQUI!
TEM CRIANÇA AQUI, Ó!
- Ó, GENTE, NÃO!
- TEM NINGUÉM AQUI BRIGANDO POR NADA!
- FILMA LÁ, FILMA LÁ, FILMA LÁ!
FILMA!
- Sabe onde é o Pinheirinho?
- Onde era?
- A rua do Pinheirinho...
A rua do Pinheirinho, número...
A minha casa era o número vinte... vinte e dois.
- Ah, minha filha, eu sou do Norte.
Nasci no Norte.
Nasci no dia onze de fevereiro de 44.
28 anos que eu tou aqui.
- A senhora veio por quê?
- Porque lá as condições eram mais ruins pra criar meus filhos.
-Eu morava em Minas e fui pra Porto Alegre.
Tenho 15 anos em Minas,
morando em Minas.
Me casei lá...
criei catorze filhos.
E agora tou por aqui, casado de novo,
com dois anos e pouco,
mas tou judiado.
Eu vim de Recife pra cá,
eu morava de aluguel junto com meu filho.
Foi ali que eu consegui meu pedacinho de terra,
construí minha casa,
com muito suor.
Eu e meu filho, meu marido, trabalhando.
Cada centavo da gente,
que a gente fazia hora extra,
décimo, essas coisas.
Era tudo pra comprar bloco,
telha, cimento...
Pra construir um lar pra gente.
E quando tava construído,
que a gente achava que o sonho da casa
tava realizado,
aí veio um e acabou com tudo.
- Quando eu vi assim, ó...
tudo destruído...
Foi uma tristeza muito grande na minha vida.
Eu nunca pensava de ter alguém
que pudesse fazer
uma crueldade dessa tão grande.
-A gente esperava
que ia passar os quinze dias,
e esses quinze dias era pra resolver tudo, né?
Antes dos quinze dias fizeram isso.
Eu me levantei cinco horas da manhã,
aguei o jardim,
que minha casa era rodeada de plantas.
Fiz café, tomei café.
Aí fui desligar a luz.
Quando eu saio pra fora,
os helicópteros já tava nos ares,
soltando bomba de gás.
Foi um desespero, minha filha.
Foi o maior desespero.
Isso não sai da minha cabeça nunca.
-“Tá assim, ó, de polícia.”
“Tá tudo tomado.”
Aí eu falei: Seja o que Deus quiser,
vou fazer café e vou tomar
e tomar meu remédio,
pra ter força e coragem pra enfrentar.
- Eu tava com tanto ódio.
Eu olhei pro policial,
olhei bem na cara dele,
"Se eu tivesse uma arma de fogo agora
eu matava vocês tudinho.
O que vocês tão fazendo não é justo.
Nem vocês, nem o prefeito, nem a juíza."
Ter botado todo mundo na parede,
todo mundo saiu.
Não era nem pra olhar pra trás.
Assim: ó, feche a porta,
chegaram duas policías... três.
Feche a porta,
e não olha, e vai embora,
e não olha nem pra trás.
Eu olhei pra arma do policial,
falei pra ele: "atira".
"Pode atirar."
"Já acabou com tudo mesmo."
Ele começou a chorar.
- O policial?
- O policial começou a chorar.
- O terreno passou trinta anos,
antes da gente ocupar,
sem ter nada em cima.
Não tinha função nenhuma aquilo ali.
Era um terreno que só tinha o quê?
Lixo e outras coisas.
E as famílias ocuparam ali,
não porque a gente queria
ser melhor do que os outros.
É porque a gente não tinha onde morar.
Outro dia eu tava comentando...
Até os cachorros,
quando a gente tira do lugar,
têm um lugar pra ir.
Têm um abrigo,
têm isso, tem aquilo outro.
E a gente, que é ser humano,
o pessoal jogado na rua,
sem direito a nada.
Eu não tenho...
um filho aqui,
e nem uma filha.
Tou sozinho.
Só eu e Deus.
E as pessoas terem cuidado comigo.
Eu mereço cuidado,
igual a uma criança.
Os mais velhos não têm valor mais.
- Depois disso aí que aconteceu,
a minha família, daqui pra frente,
não vai ter mais nenhum vinculo comigo.
A não ser que eu
vá na casa deles visitar,
tomar um café, fazer alguma coisa.
Mas igual ao que era lá, não.
- Era todo mundo perto um do outro?
- Foi tudo repartido.
Tudo repartido.
Cada um teve que seguir o seu caminho,
querendo ou não,
Agora vou falar pra tu,
Eu vim do Pinheirinho.
Derrubaram a minha casa,
agora procuro um cantinho
pra morar com a minha família.
Ficar em paz para sempre.
Fica a felicidade, mano.
Olha aqui também.
Passo em frente todo dia,
um aperto o coração.
O bagulho aqui é louco,
por isso mando a canção.
- Nossa, eu era feliz,
acho que não sabia.
E às vezes eu tou sentada,
mas acho que tou lá,
eu não tou aqui.
- Ah, aqui a diária tá jóia.
É, não posso queixar não.
Tou acostumado a ser flagelado mesmo.
Fiquei uns...
uns cinco dias sem comer,
só comendo besteira na rua mesmo.
- É bem estranha a comida -Como é?
Não é uma comida boa, boa, assim.
A carne parece uma sola de sapato.
Aquela carne velha, dura,
ruim de mastigar,
parecendo aquelas farinhas velhas, crespudas.
Maior ruim.
O dia a dia aqui é péssimo.
É péssimo,
Ninguém pode dormir de noite
com o barulho.
É criança chorando,
chamando pra ir embora pra casa,
sem ter casa.
E aqui, se você receber o cheque,
na mesma hora você tem que sair.
Se não tiver endereço,
fica no meio da rua.
O meu cheque e o da minha filha chegou,
mas fui e conversei com a assistente social.
"Pode deixar aí dentro,
que, enquanto eu não arranjar uma casa pra mim,
com endereço certo,
nós não vamos sair."
Vamos ficar no meio da rua?
- Mas eu não quero nem de aluguel!
Vou pra aluguel que eu não tenho um fogão,
não tenho um bujão,
não tenho vasilha,
não tenho prateleira,
não tenho nada.
Não tenho uma cadeira pra sentar.
Vou pegar um colchão e mudar pra uma casa?
Pense.
- Depois de a gente lutar muito
e reclamar muito,
foi que vieram dar esse
auxílio-aluguel pra nós.
Mas até quando, né?
As nossas casas tão prometendo, prometendo,
mas vai ter?
Vai sair?
Quando vai sair?
Todo mundo que morava ali dentro
vai conseguir sua casa?
Isso é uma incerteza
que a gente vive com ela constante.
- Por um lado,
a prefeitura está tentando organizar isso aí.
É porque é muita gente,
o problema é que é muita gente.
Num lugar onde tem muita gente confinada,
você começa a ter um monte de problema.
Como sujeira...
Né? Às vezes o banheiro fica...
inutilizável.
O lugar começa...
a sujar bastante.
Então, quer dizer,
é difícil organizar isso.
Então, eles decidiram colocar
algumas regras muito fortes,
pra tentar organizar.
Nem culpo tanto a prefeitura por, sei lá...
tornar o lugar um campo de concentração.
Eu culpo a prefeitura
por não ter pensado nisso antes.
Não pensou nisso antes,
e agora quer fazer regras,
pra tentar estancar uma ferida
que ela criou.
- Uma guerra,
era uma guerra
no quintal da minha casa,
na minha cidade.
E a gente tá acostumado
a ver isso na televisão,
na Bósnia, no Afeganistão.
mas foi chocante que acontecesse...
na minha cidade.
- É um problema ali do bairro mesmo,
do mesmo jeito da Cracolândia.
Mas foi o que aconteceu na Cracolândia,
eles nao tentaram acabar com o Mickey,
tentaram acabar com o parque.
Então eles espalharam a galera.
E eu achei errado a parte da prefeitura
foi não ter tido um planejamento
pra retirar a população dali.
Então, eu acho assim,
acho que a violência gera mais violência.
Eles fizeram de forma errada,
em vez deles ter se organizado,
se mobilizado,
e ter feito de forma pacífica.
Eles teriam conseguido muito mais.
Agora, por exemplo,
o caso foi parar em Genebra...
entende?
O que eu acho que fica
muito feio pro Brasil,
a gente não conseguir resolver
um problema de um bairro, local.
- Na hora já me ligaram,
mandaram mensagem...
"tá, ó, a polícia tá aqui,
tal, num sei o quê."
E começou...
Essa foi uma informação
que foi rápida, né?
Então, antes da polícia entrar,
eu já tava aqui, já.
Eu já recebi a notícia,
já tava aqui já.
Então eu já vim com a minha câmera,
e falei, "meu,
nao vou ficar aqui sentado,
no sofá da minha casa,
vendo essa crueldade acontecer.
- Eu fiz um filme...
baseado em...
em depoimentos
e baseado no pânico
que eu senti lá.
O que as pessoas precisam...
e o que mantém o controle social
é o medo da morte.
As pessoas se sentem acomodadas,
porque o Estado, primeiro:
usa o monopólio estatal da violência
pra justificar a arbitrariedade.
Então as pessoas ficam tranquilas
com os massacres que elas presenciam.
Se o Estado oprime seis mil...
mata seis mil,
numa comunidade
de seis mil a nove mil pessoas
no interior de São Paulo,
a gente mantém nosso sono tranquilo aqui.
Porque...
isso não deixa a gente com medo,
sabe?
Isso não afronta a gente.
O que eu posso fazer
pra deixá-las assustadas
e criar uma reflexão
é mostrar
que tem um cara que vai ficar...
Eu fiquei onze dias sem comer.
- Eu vi, assim, uma pessoa,
em frente à Rede Globo,
em greve de fome,
em protesto,
com relação ao que aconteceu em Pinheirinho.
Foi quando eu decidi...
pegar um ônibus, e...
vir pra cá
e aderir à greve de fome
junto com ele.
Pra dar força pro protesto dele,
pra mostrar que não era só ele,
mas que no Brasil e no mundo
existem pessoas sofrendo
com o que aconteceu
e querem uma resposta.
O bom é que você vê que
várias pessoas tão fazendo isso.
Tem várias.
Toda semana tem algum movimento,
alguma ação,
alguma festa arrecadando coisas
pras pessoas do Pinheirinho.
Ou seja,
essa cidade nunca fez isso por ninguém.
Num tem isso aqui,
num tinha isso.
Aqui é cada um por si...
o mais rico que é o... enfim...
é o cara sortudo.
Se você não é rico,
azar o seu,
você tem que chegar lá.
E não,
agora as pessoas tão se importando,
elas caíram um pouco em si
e fizeram: "meu, a gente...
tá errado, né?
a gente precisa se ajudar."
- Essa sensação de mobilização é assim.
quando a gente vê: "caralho,
o que é que aquele cara tá fazendo?"
"Ah, olha só!"
Tipo, o que é que eu fiz?
Eu não sou ninguém,
Eu não tenho estrutura de nada me cercando.
Eu peguei uma câmera,
fui, e usei a internet.
Ver isso é triste, assim, né?
- Dá uma dor de ver isso aqui,
mas, isso aqui...
o que conforta é que isso aqui
acabou virando...
Isso aqui deixou de ser
uma ocupação irregular
e ela começou a se tornar
um sentimento nas pessoas da cidade.
Não na cidade,
do país, do mundo.
- O estado não tem como se defender...
mais, ou...
ou culpar um movimento de "desobediência civil",
quando a gente tem
um Pinheirinho na cara...
Sabe? O governador Alckmin
fez um favor
à democratização deste país.
Porque ele vai pagar por isso.
Ele vai e ele vai levar
muita gente com ele.
Porque isso não vai ficar impune.
Não vai, não vai, não vai.
Não vai!
- Geraldo Alckmin,
ele vai ter que dar
uma resposta pra história.
Se os políticos...
que querem extirpar a pobreza
acham que eles vão conseguir
apagar essa história,
esse caso do massacre do Pinheirinho,
eles não vão conseguir.
Porque existem pessoas
apaixonadas por aquele povo,
no Brasil inteiro e no mundo,
que não vão deixar as coisas ficarem como estão.
- A proposta do círculo de mulheres
era ter um espaço
pra elas se expressarem e desabafarem.
Elas tavam... destruídas.
No começo elas não conseguiam nem contar,
não conseguiam nem falar.
Elas tinham dificuldade de falar,
porque elas sentiam raiva.
Então, quando saía, saía...
era muito choro...
E era um espaço em que a gente
acabou criando vínculos de amizade.
Algumas senhoras tinham dúvidas,
iam dormir à noite...
Isso eu sei, porque eu
fiquei amiga de muitas delas,
que me contavam...
Que elas iam dormir à noite
e tinham dúvida às vezes.
Se elas eram criminosas ou não.
Então foi um espaço
de educação, pra cidadania,
que existem leis nesse país,
e que elas...
têm uma causa justa
e uma causa nobre.
- Nasceu a associação
pra que a gente pudesse falar isso.
A gente sempre foi
mulheres trabalhadeiras, sim.
E, só aqui,
a gente tem o poder de falar
pra sociedade isso aí,
Que nós somos mulheres trabalhadeiras,
mães de família,
nossos filhos estudam,
trabalham também.
A gente andar com as nossas pernas,
nós somos mulher,
nós temos atitude,
nós é dona de casa,
nós tem filho, marido.
A gente vê o que tá faltando pro marido,
a roupa, o banho,
o almoço... tudo.
Aí, a gente tem que ter atitude.
Se baixar a cabeça, a gente adoece
e num vê a realidade depois.
Tem que mostrar lá fora
que a gente somos gente.
Através dessa associação
que eu to vendo que tá tendo...
uma força.
A gente se anima.
Todo domingo a gente tá aqui,
e a gente vê a cara de um, a cara de outro.
E a gente tá aí,
pedindo a Deus que toque adiante.
- Sugeriu no início
e foi uma sementinha
que foi amadurecendo...
até elas criarem cooperativas de trabalho.
Então, hoje,
a associação foi fundada no último domingo,
que foi dia cinco de agosto de 2012
e elas têm um belo plano de trabalho...
e elas tão muito animadas com esse sonho.
- Montar uma cooperativa
pra trazer trabalho
pras mães do Pinheirinho, né?
Pra poder trabalhar,
ganhar seu dinheirinho, né?
Porque ficou difícil
depois que saiu do Pinheirinho
ficou difícil conseguir um emprego.
Porque se afastou, e tal.
Saiu dos empregos, muitas delas,
não conseguiram voltar.
Daí então a associação,
a cooperativa,
é pra que elas venham, né?
Voltem a trabalhar,
e tenham sua renda de volta.
- É a gente correr atrás das nossas casas,
dentro da lei,
com carinho,
com amor.
E levar a essas autoridades
que a gente pode e deve e tem
esse direito de ser ouvida.
E nos escutar.
- TÃO ATIRANDO EM CRIANÇA!
- ELES TÃO ATIRANDO EM CRIANÇA!
- VEM PRA CÁ, VEM PRA CÁ!
- VEM PRA CÁ!
- AI, NÃO ESTOURA NÃO!
- GENTE, OLHA O GÁS!
- O Massacre de Pinheirinho
daqui a vinte anos
vai ser o Massacre de Pinheirinho.
O Globo pode falar o que ele quiser.
Sabe?
Naquela época os jornais mentiam
e as pessoas acreditavam.
Dava dez anos, todo mundo sabia a verdade.
Hoje em dia a gente não precisa de dez anos.
- Existem indícios...
de que Naji Nahas, o dono
da suposta terra de Naji Nahas,
de que ele é o dono,
mas existem indícios de que ele
adquiriu essa terra por grilagem.
Cadê a justiça nesses momentos?
Entendeu?
Aquela terra não é dele,
aquela terra é da União.
Aquela terra...
você pega e coloca
centenas de famílias na rua
em prol de uma pessoa
que já foi presa na década de 80
por quebrar a bolsa de valores
de São Paulo e do Rio de Janeiro
e recentemente preso
na operação Satiagraha
contra crimes...
por crimes financeiros
e existem indícios daquela terra não ser dele.
E todo o aparato do estado
oprime uma pessoa,
causa sofrimento,
violenta uma população pobre,
que, por ser pobre,
na visão dessas pessoas,
decerto tem que extirpar do mundo...
A realidade social ela existe,
os problemas sociais
eles estão na nossa frente.
- Essas pessoas que estão aí
o interesse delas é que...
"Pô, eu não posso ter esse negócio
na frente do meu ***ínio industrial."
Entendeu?
Então, "fazer negócio...
na frente de uma favela", né?
"Como assim?"
"Tou numa cidade rica."
Uma cidade que... né?
"Tecnológica."
Uma cidade que...
"Califórnia Brasileira."
Então...
cai nisso, né?
Hoje, o não ter favela é um índice...
"Nossa, não tem favela naquela cidade!"
Mas a custo de quê não tem favela?
- Há muito tempo,
todo mundo tava oprimido
Né?
Pinheirinho era muito bom.
Muito.
Mas, com a desocupação,
todo mundo se perdeu.
Muitas pessoas tão oprimidas,
ainda, com aquela dor,
que pode passar muitos e muitos anos.
Aquela dor jamais vai sair.
Ela vai ficar dentro de nós.
- Nós não roubou nada.
Nós construiu.
Ao contrário,
Eles destruíram o nosso suor.
- O sonho não acabou.
O sonho continua.
Só que a gente tem que...
correr atrás dele, né?
E fazer com que ele se realize.
Isso só depende da gente.
- Eu acredito em Deus
que eu vou ter minha casa.
Eu tenho fé, ainda.
Todos aqueles que tavam em Pinheirinho,
ainda vai...
mostrar lá fora pra sociedade:
"Olha, eles conseguiu
a sua casa,
e estão pagando direitinho."
Então, isso aí eu ainda vou mostrar.
E dizer assim:
"Nós vencemos!"
Eu queria simplesmente...
ter na vida...
um quintal de mato verde...
pra plantar e pra colher.
Ter uma casinha branca...
de varanda,
com um quintal e uma janela...
para ver o sol nascer.
Ter uma casinha branca...
de varanda,
com um quintal e uma janela...
para ver o sol nascer.