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COM A COLABORAÇÃO DE INÚMEROS OUTROS APRESENTAM
''BERLIN ALEXANDERPLATZ''
BASEADO NO ROMANCE DE ALFRED DÖBLIN
FILME EM 13 PARTES...
E UM EPÍLOGO DE RAINER WERNER FASSBINDER
Poderiam instalar mais postes de luz.
O que esperam, se não deixam um sujeito trabalhar?
-O que aconteceu, Franz? -Nada.
Só quase aconteceu uma desgraça.
Já estava com a cadeira na mão, mas não tive que bater.
Não quis bater, porque se eu bater...
serei eu o errado. Sim...
alguém como eu, que já bateu uma vez é quem sempre está errado.
E me condenaram...
por estar...
errado.
Por que me olha assim?
Não fiz nada. Não aconteceu nada.
Estou aqui com você.
-Foi por causa da suástica? -Sim.
Eram uns sujeitos com quem eu andava.
Uns vermelhos.
Eu acreditava no que me diziam.
Há algo errado com os serviços...
que se consegue hoje.
Você mesma disse para eu vender o ''Observador Popular''.
Você disse.
Sim, eu disse.
Eu achava que ia dar certo.
Mas eu sabia que no fim ia acontecer algo.
Aí é que está: não entendo o que você disse.
Minha cabeça fica vazia.
Sabe, Franz, tenho uma idéia.
Largue esse emprego no ''Observador Popular''.
Ele só traz problemas.
-Se você prefere, o deixarei. -Deixe para lá.
Acabo de lembrar que tenho um tio.
-Um tio? Você nunca me disse. -Não é bem um tio.
É só um amigo do meu pai.
Ele nos visitava quando eu era pequena.
Ele é decente.
Ele deve saber de algo...
que nos ajude a sair dessa situação de não saber o que vai acontecer.
Ele vai nos ajudar.
PARTE 3. UMA MARTELADA NA CABEÇA PODE FERIR A ALMA.
A pequena Lina.
Lina Przybilla de Cernowitz.
-Quanto tempo faz? -Dez anos, pelo menos.
-Talvez até doze. -Isso mesmo.
Doze anos. Deve fazer 12 anos.
Doze anos...
E...
Tia Elizabeth?
Morreu há algum tempo.
Morreu simplesmente. Sem me avisar.
Simplesmente foi embora.
Morreu, simplesmente.
Lina.
-E este é o seu noivo? -Sim, é o meu noivo, Franz.
Tegel?
Certo, quatro anos.
-Desempregado? -Sim.
Desempregado há dois anos.
-Eu me chamo Franz. -Eu me chamo Otto.
Seu tio é gente boa.
E ele também, o seu noivo.
-Querem beber algo? -Se tiver uma cerveja!
É praticamente a única coisa que tenho...
aqui em casa.
Parece uma doença contagiosa...
o desemprego.
De alguma forma, não é?
É. Deve ser.
Veja!
''Através da infelicidade para a felicidade.
É melhor a dois''. De E. Fischer.
Estranho! Um jornal com poemas na primeira página.
''Seguir sozinho
Um caminho difícil
Aos tropeções
O coração temeroso
É sempre melhor a dois
Se for cair
Quem o erguerá?
Se estiver cansado Quem estende a mão?
É melhor seguir a dois
Andarilho silencioso Pelo mundo e pelo tempo
Aceite Jesus Cristo como guia
É melhor seguir a dois
Ele sabe os caminhos
Ele conhece sua necessidade
Ele ajuda em conselhos E ações
É sempre melhor seguir a dois''
Bonito, não?
Bem, depende de como se interpreta.
No momento, eu quero é beber.
Aí está.
Obrigado.
-Saúde. -Saúde.
-Está sem trabalho há 2 anos? -Isso. Quase dois anos.
Mas não me importa.
Já tenho muito que fazer.
Como é estar assim sozinho...
e desempregado?
Sabe...
vendo cadarços.
Nesse meio tempo, fiz outras coisas.
Mas o que deu mais certo foram os cadarços.
Dá menos aborrecimentos. E todos sempre precisam...
de cadarços.
Cadarços?
O que me diz? Cadarços!
O que quer que eu diga? Cadarços.
-Cadarços. -Exato. Cadarços.
Escute...
só uma pergunta.
Isto é, sobre os cadarços. Você acha...
que arrumaria alguma coisa...
para Franz, no ramo de cadarços?
Por que não? Cadarços vendem bem.
Um a mais ou a menos, não fará diferença.
Cadarços! Franz, alegre-se!
Entendi, cadarços. Estou contente.
Cadarços. Por que não pensei nisso?
Eu bem sabia que o tio Lüders ia nos ajudar. Eu sabia.
Você sabia mesmo.
Saúde.
Saúde.
O Sr. Meck está aí. Aguarda no seu quarto.
Acho que ele está dormindo. Quando entrei, há pouco...
ele dormia profundamente.
Levante-se! É a polícia.
Meck.
Sabe, Franz...
assim você mata alguém de susto.
Alguns, sim, Meck. Não todos.
Você não pode matar todo mundo de susto.
É preciso saber por quê.
Isso me assustou de verdade.
Faz tempo que você não aparece. Não o vejo há um bom tempo.
Passei umas semanas fora. Em tratamento.
Sim, passei algumas semanas em tratamento.
Isso agora se chama tratamento! Sim, entendo.
Não. Não é o que está pensando.
Estava descansando. Não exatamente nas águas.
Mas cuidando da saúde.
E de resto?
Bem, quando voltei hoje...
fui até ao bar ver Max...
e ele me contou a história do Dreske...
da suástica e do ''Observador Popular''.
Então pensei...
em dar uma passada.
-Talvez eu possa lhe ajudar. -Como?
-Como quer me ajudar? -Sabe, Franz...
não é fácil explicar. Só pensei que...
já que teve problemas...
Não se vire agora. Vou me trocar.
Não vou me virar, Lina. Não se preocupe.
Vamos, diga logo.
Não é fácil explicar. Eu pensei...
Como até agora nada deu certo...
-eu pensei... -Por acaso...
-é alguma vigarice? -Nada disso, Franz...
não se esqueça de como as coisas andam hoje em dia.
Como um sujeito pode ganhar dinheiro?
Não, Meck, me desculpe. Ainda que eu passe fome...
eu jurei...
que nunca mais iria fazer algo desonesto.
Jurei ser honesto.
E vou sê-lo, mesmo que passe fome.
-Só queria ajudar. -Obrigado, Meck.
Sei que teve boas intenções. Mas quando juro uma coisa...
está jurado.
Além do mais, vou vender cadarços.
Talvez dessa vez dê certo!
Cadarços?
Sim, de casa em casa, de porta em porta.
-Todos precisam. -Não me leve a mal.
Adeus, Franz. Adeus, Lina.
Adeus, Meck.
Eu acredito em nós, Franz.
Acredito muito em nós.
Pegue o lado direito, e eu o esquerdo.
Sabe...
Faz 5 dias que eu fico com o lado direito.
Deu quase tudo errado. Deixe-me ficar no esquerdo.
-Quem sabe tenho sorte. -A vontade do homem é seu reino.
Não sou dono do lado esquerdo.
Obrigado, Otto.
Tenho certeza que terei mais sorte.
E você vai ter no direito.
-Até mais tarde, no Max. -Até mais, Franz.
Nos vemos no Max.
-Boa sorte. -Obrigado.
Vou precisar.
Feliz é aquele que esquece
Aquilo que o aborrece
Pois não?
Cadarços, senhora.
De todas as cores, em três comprimentos.
A senhora mesma sabe como costumam arrebentar.
Aposto como seu marido precisa de um par.
Meu marido está morto.
Lamento.
Peço que me desculpe.
Sinto muito pela senhora.
Não se desculpe. Não podia saber.
Acabei de fazer café. Talvez...
se quiser, dá para nós dois.
Com prazer.
É sempre bom tomar algo quente.
Café ou outra coisa.
Então, por favor...
entre.
Entre.
Deixe suas coisas aí na entrada.
-Esse era seu marido? -Sim, era meu marido.
Por um instante, pensei que você fosse ele.
Pensei que ele tivesse voltado.
Pensei que houvesse ressuscitado. Pensei mesmo.
Então...
não faz muito tempo?
Não, não faz tempo.
Sabe...
a saudade...
devora nossa carne sob a pele.
Obrigada.
-Viu um homem de casaco de pele? -Casaco de pele? Não.
Obrigado. Viu um homem de casaco de pele?
-Até que enfim! -Olá, Maxe.
Olá, Franz!
Ganhou na loteria?
-O que aconteceu? -Adivinhe.
Conte logo o que aconteceu.
Bem...
-Veja só. -Duas de dez.
Que tal? Veja como estamos!
Conseguimos 2O marcos. Entendeu?
-Deus do céu! -Não é o que está pensando.
De jeito nenhum. Foi honestamente.
Foi decentemente, entendeu?
-Aqui está. Bom apetite. -Troque para mim. Duas de cinco.
-Está bem. -Viu um homem de casaco de pele?
Não.
Viu um homem de casaco de pele?
Então toquei a campainha...
e uma mulher abriu a porta. Perguntei a ela...
se precisava de alguma coisa para o marido.
Quando olhei direito, vi que era viúva. Toda de preto.
Então ela me olhou de um jeito.
Um jeito esquisito.
Eu não estava entendendo.
Então, ela perguntou se eu queria café.
Claro que eu queria.
Entramos e vi o retrato do marido dela.
Ele se parecia comigo. Podia ser meu irmão gêmeo.
Bem, então tomamos café.
Ela tomou café, eu tomei café. Então...
ela disse...
que estava muito solitária e tudo mais.
-Aqui está. -Obrigado.
-Tome, Otto. -Sim, mas...
Nada de ''mas''. Deixei a caixa lá porque quero voltar.
-Você me entende? -Onde foi isso?
No primeiro prédio que entrei. Na primeira porta que toquei.
Sim?
Pois não?
Meu amigo esteve aqui ontem.
Ele deixou sua mercadoria.
O que está acontecendo?
Nada, mocinha. Por que está tremendo?
-Só quero levar a mercadoria. -Sim, a mercadoria. Claro.
Aqui está o pacote.
Obrigado.
Por que está tremendo, mocinha? Está quente, aqui.
Está agradavelmente quente aqui.
Pode fazer um café para mim também?
Ele lhe disse alguma coisa?
-O que ele disse? -Quem? Meu amigo?
Nada.
O que ele poderia ter dito?
O que ele poderia ter contado sobre o café?
Já estou com a mercadoria.
Vou até a cozinha.
Então foi lá que aconteceu.
Tome uma xícara.
Não vai tomar para me fazer companhia?
Não.
Meu inquilino já vai chegar.
-Ele ocupa aquele quarto. -Nada além disso?
Pare de fingir, ele não vem agora. Deve estar trabalhando.
Bem, meu amigo não me contou nada.
Só me pediu para buscar a mercadoria.
O café está gostoso e quente. Lá fora está frio.
O que ele poderia ter me contado?
Que a senhora é viúva.
-É viúva, não? -Sim.
O que aconteceu ao seu marido? Está morto?
Tenho o que fazer. Preciso cozinhar.
Para que tanta pressa? Tão breve não nos veremos.
Tome suas coisas e vá. Não tenho tempo.
Não seja desagradável. Pode acabar chamando a polícia.
Não vai precisar. Já estou de saída.
Mas posso terminar o café?
De repente, não tem tempo.
Mas, recentemente, e sabe a que me refiro...
você teve tempo de sobra.
Saúde.
Não sou assim. Vou embora.
Muito bem, passe os trocados.
Ou só paga se fizer sexo?
Está vendo? Entre amigos não há segredos.
Para mim você é uma vadia.
Usa um vestido preto.
Eu poderia esbofeteá-la.
Você não é melhor que as outras.
Era o Paraíso maravilhoso.
As águas ricas em peixes O chão repleto de árvores
Os animais brincavam. Criaturas da terra, peixes e aves
Então, um ruído numa árvore
Uma serpente Uma serpente
Uma serpente esticava a cabeça
Uma serpente vivia no Paraíso
Era o mais traiçoeiro dos animais
Ela começou a falar
Começou a falar com Adão e Eva
Estranho que Otto não tenha chegado.
Ele sempre é pontual todas as manhãs.
Ele tem problemas de estômago.
Talvez tenha tido outra crise.
Isso às vezes acontece com ele. Ele nos contou.
Bem, talvez seja o estômago.
Lina.
Sim?
Se Otto não vier mesmo, então...
Ah, não, Franz! Por favor, não.
Não de novo hoje de manhã.
O que há, Lina? Você gosta.
Gosta tanto quanto eu, não?
Claro que gosto tanto quanto você, mas...
você às vezes é como um demônio.
Então sou como um demônio.
Se eu não fosse, como seria então?
Estaria feliz e satisfeita?
E então?
Mas, hoje de manhã, Franz, estou mesmo arrebentada.
Verdade.
Então vamos esquecer hoje de manhã.
Não se deve obrigar ninguém.
O ser humano é livre.
E agora? Vai sozinho?
O que deveria fazer?
Ficar esperando o dia todo?
E se ele nem vier?
Bom dia, Sr. Biberkopf. Bom dia, Sra. Lina.
Posso ajudá-la?
Não, obrigada. Eu me viro sozinha.
Até logo, então.
Até logo, Sra. Bast.
O Sr. Biberkopf está com um humor diferente. Dá para ver.
Alguma coisa ele tem, não?
Sim, você tem razão.
Alguma coisa ele tem.
O Franz.
-Pois não? -Sua mãe está?
Minha mãe está no hospital. Minha avó foi fazer compras...
e eu não posso deixar ninguém entrar. Sinto muito.
-Cadarços, senhora? -Não preciso. Uso sapatos de fivela.
-Pois não? -Com licença, senhora, eu...
Eva!
Franz.
Meu Deus!
Eu não sabia que você morava aqui.
Esta é a casa de Oskar. Ele é meu cliente há 18 meses.
-O que está vendendo? -Eu...
vendo umas coisas.
Cadarços. Isso, eu vendo cadarços.
-Vende cadarços? -Sim, vendo cadarços.
Bem, então vou comprar de você.
Não.
Não.
Não, não.
-Quem era, querida? -Um homem que vendia cadarços.
-Bom dia. -Bom dia.
Preciso comprar umas flores.
Só que não sei bem de que tipo.
Elas precisam ter um significado.
''O passado nos persegue...
e nos leva sempre para frente...
para onde não há futuro''.
-Está me entendendo? -Entendo.
São cravos. Cravos brancos, senhor.
Cravos brancos?
Mas são flores de defunto.
Sim, senhor. Mas o que me pediu são flores de defunto, não?
-Quem é? -O carteiro.
Ficou louca?
Não me reconheceu?
Preciso das minhas coisas.
Minha mercadoria.
Deveria arrebentar a porta com um machado.
Nada mais vale.
Nada mais vale neste mundo.
Já está aí há três horas.
Pensar tanto, acaba com uma pessoa.
O ser humano não deve pensar tanto...
quando não adianta.
Ainda ontem Franz me disse que me amava.
Ainda ontem ele disse.
E eu lhe tricotei um casaco...
de lã marrom.
Já está quase pronto.
Deveria comer alguma coisa, Lina.
É preciso comer, senão vai ficar doente.
Simplesmente vai embora...
e não diz nada!
Como se eu tivesse culpa.
Eu não fiz nada a ele.
Ou será que fiz?
Será que eu o magoei?
Será que o fiz sofrer?
Tirei alguma coisa dele?
Será que lhe tirei a liberdade? Por Deus, o que foi que eu fiz?
A senhora não fez nada. Com certeza não fez nada.
Talvez ele tenha tido um problema, e teve que ir embora depressa.
Não! Franz não fez nada! Tenho certeza.
Ele teria me dito. Eu saberia.
Além do mais...
ele jurou...
que nunca mais faria...
algo errado.
Ele jurou e levou o juramento realmente a sério.
Franz não fez nada de errado. Tenho certeza disso.
Sra. Lina! Espere!
Sra. Lina!
BEIJOS QUE MATAM
Foi tudo tão bonito.
E você foi embora. Franz.
Franz foi embora.
Arrumou suas coisas e foi embora.
Tenha calma, Lina.
Pare de chorar.
-O que aconteceu? -Não aconteceu nada.
Ele chegou em casa juntou suas coisas e foi embora.
Não entendo. Ninguém vai embora sem motivo.
Algo deve ter acontecido.
Ontem, Lüders entregou um pacote...
e veio um menino com uma carta para Franz.
Enquanto ele a lia, ele ficou verde.
Falou qualquer coisa e foi embora.
Ele recebeu uma carta?
-De quem era a carta? -Não faço idéia.
Não havia nome do remetente
Na frente dizia ''Franz Biberkopf. Em mãos''.
De repente ele ficou esquisito. Mudou completamente.
Disse umas coisas estranhas. Acho que falou em punição.
O que poderia haver naquela carta...
para que ele fugisse assim...
sem falar com mais ninguém? Ele não é disso.
E aquele pacote...
que Lüders entregou, o que havia nele?
Acho que uma parte dos cadarços que ele vendia.
Mas houve algo estranho. Quando Franz almoçava aqui...
Lüders entrou e quando viu Franz...
fugiu como se ele fosse o demônio.
Lüders entrou e quando viu Franz, saiu?
O que houve entre os dois? Deve ter havido algo.
Sabe de alguma coisa?
Sempre falou bem de Otto. Só coisas boas.
Dizia que era um bom amigo...
e que dividiria tudo com ele.
Mas se um entra e o outro logo sai...
há algo errado. Isso se cheira de longe.
Ele sempre falou bem do Otto, chamava-o amigo de verdade.
Você tem o endereço de Lüders?
-Claro. -Então venha.
Vamos, Lina.
Diga o que há. O que há de tão importante...
para que bata à minha porta no meio da noite?
Franz foi embora.
E eu pensei...
que talvez você soubesse de alguma coisa...
porque esteve com ele ultimamente.
Talvez ele tenha dito alguma coisa.
Talvez você saiba de alguma coisa. Qualquer coisa.
Não, ele não me disse nada.
Para mim, ele não disse nada.
Mas algo deve ter acontecido.
Algo deve ter acontecido.
Acontecido?
Ele deve ter aprontado.
Não, tio!
Ele não estava tramando nada. Não o Franz.
Não consigo acreditar nisso.
Ele não fez nada. Nada.
Não fez nada de proibido...
porque ele jurou...
e porque ele é uma pessoa honesta.
Eu ponho minha mão no fogo por ele.
Se você não sabe de nada, vou à polícia.
Eles saberão como encontrá-lo.
Você acha que ele se perdeu por aí...
e que a polícia deve procurá-lo?
-É isso? -Então o que devo fazer?
O que devo fazer?
Sabe, Lina, às vezes o amor é assim.
De repente o dia chega.
Não é verdade, Sr. Meck? O que me diz?
É verdade, Sr. Lüders.
Sem dúvida tem razão.
Mas acho que aqui, Sr. Lüders...
trata-se de outra coisa.
Como assim?
Acho que não estou entendendo.
Lina, vire-se de costas.
Vire-se para a parede.
-Fique aí. -Que história é essa?
Por que ela deve se virar de costas? O que você quer de mim?
Você entrou no bar, viu Franz...
deu meia volta e saiu correndo.
-Ninguém faz isso sem motivo. -Sim.
Mas foi coincidência.
Quando entrei no bar...
eu me dei conta de que nem queria ir lá.
Então fui embora. Eu...
Você sabe que está mentindo.
E sabe que eu sei que está mentindo.
-Por que faz isso? -Por que...
-Por que eu estaria mentindo? -Está vendo?
É justamente isso que eu queria saber.
O motivo por que está mentindo.
Uma coisa deve ficar clara.
Tenho uma faca no bolso.
Sempre levo uma faca no bolso.
Não tenho medo de usá-la quando é preciso.
Entendeu?
Agora vou lhe dar um conselho.
Amanhã o senhor vai procurar o Franz...
e vai encontrá-lo. Senão eu volto aqui...
e a faca não vai ficar no bolso.
Entendeu bem?
Olá.
Há uma pessoa procurando você, Biberkopf.
-Diga que eu não estou. -Tarde demais.
Isso tem que se avisar antes.
Olá, Franz.
Desculpe, Franz, mas Meck e Lina...
FRANZ BIBERKOPF NÃO SOFREU NENHUM GOLPE DE AZAR.
MAS ELE PERCEBE...
QUE POR MAIS SIMPLES QUE SEJA SEU OBJETIVO DE SER HONESTO...
ELE DEVE TER ALGUMA FALHA.
Fora.
Sinceramente, Franz, eu não sei o que você tem.
Não sei mesmo.
O que foi que eu lhe fiz?
Eu não aprendi...
a dizer com frases simples...
o que se passa na minha cabeça...
e o que você fez...
para causar o que está se passando na minha cabeça.
Simplesmente não aprendi.
Se eu tivesse aprendido...
teria aprendido muitas outras coisas.
E...
o que aconteceu...
não teria acontecido.
Não sei o que aconteceu para você ter abandonado Lina...
para que esteja agindo dessa forma estranha.
Juro. Não sei o que fiz para que esteja assim.
Estranho!
Nem preciso olhar para você.
Percebo em sua voz...
que está mentindo.
Por que não percebi isso antes?
Bem, Franz, eu pensei...
em lhe dar uma parte do dinheiro.
Se eu lhe der uma parte do dinheiro, talvez você esqueça o que houve.
Ainda que eu não entenda.
Se você não enfiar logo esse dinheiro no bolso...
talvez eu faça algo que não queria fazer: eu lhe mato.
Escute, Franz. Quero lhe dar o dinheiro.
Vamos acertar as contas, Lüders.
Vamos acertar as contas.
Por que não quer aceitar?
Do pó você veio, entende?
Tudo tem que ficar limpo.
Tudo tem que sair.
Tudo limpo. Sair tudo.
Pronto.
Agora não tenho mais nada a ver com isso.
Não há mais casas caindo...
nem tetos desabando em mim.
Isso ficou para trás. De uma vez por todas.
Temos que secar isso...
senão vai pingar lá embaixo.
Deixará manchas.
Morto.
Do pó viestes...
para o pó retornarás.
Com as mãozinhas assim...
Com os pezinhos assim, assim...
-Ele ficou louco! -Franz é meu amigo.
Meu pintassilgo, meu passarinho...
Só Franz entendeu que ele é um ser vivo...
-ainda que tão pequeno. -Está vendo?
Ele é louco. Todo mundo sabe.
Cale a boca. Traga um conhaque para ela, Max.
Está bem.
E você, venha cá, Lüders.
Chegue bem perto.
Franz confiou em você.
Pensou que você fosse seu amigo.
E o que você fez?
Você o traiu, não?
É verdade...
não é?
Estamos conversados.
E agora, o endereço.
Fontanestrasse.
Fontanestrasse 1 7.
Dê o fora.
Venha, Lina.
Bem...
Ele foi embora logo depois que o outro esteve aqui.
Talvez meia hora depois, não mais.
Ali. A terceira cama da direita era a dele.
Vejam vocês mesmos como ele jogou água pelo quarto.
-O que mais ele disse? -Dizer? O que ele poderia dizer?
Ele disse que ia embora, procurar outro lugar.
-O que mais poderia ter dito? -Claro.
O que mais poderia ter dito?
Mas ele deve ter dito alguma coisa.
-Todo mundo fala. -Não, meu senhor.
As pessoas são diferentes. Completamente diferentes.
Algumas não param de falar. Outras nem abrem a boca.
É verdade.
Essa era a cama dele?
Exatamente.
E para que eu não minta...
ele ainda disse uma coisa antes de ir.
Que se alguém viesse...
que não queria que o procurassem.
''Ninguém deve me procurar''. Foram essas as suas palavras.
Desculpe, senhora, mas tem que se levantar daí.
Acabei de trocar a roupa de cama. Preciso alugá-la.
Nos dias de hoje, preciso desse dinheiro.
Não foi sempre assim. Antigamente, era bem diferente.
-Antigamente... -Sim, era completamente diferente.
Lina, vamos.
Acho melhor irmos embora.
Desculpe-me, eu tive que deitar ali.
-Sinto muito. -Não tem problema, moça.
É que, quando tenho que dizer alguma coisa, eu digo.
Obrigado.
Vamos embora, Lina.
Ei! Lá também há uma saída.
Esperem!
Ele ainda disse uma coisa.
Só que eu não entendi...
porque ele falou muito esquisito.
Era qualquer coisa...
como se ele tivesse aprendido...
aquilo que preferia não ter aprendido. Ou algo assim.
Talvez vocês entendam. Mas como eu disse...
não entendi o que ele quis dizer.
Em todo caso, obrigado mais uma vez.
De nada, cavalheiro. De nada.
Talvez não devêssemos procurá-lo.
Talvez ele precise de tempo para pensar.
Talvez precise ficar sozinho.
Gosto muito de você, Lina.
Pode vir para a minha casa.
Assim não ficará tão sozinha.
E eu também não ficarei sozinho.
Gosto de você há muito tempo.
FIM DA TERCEIRA PARTE